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SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA Pelo Prof. Doutor Antonio Menezes Cordeiro 1 — ENCRAVES E SERVIDOES LEGAIS; EVOLUCAO GERAL E DIREITO COMPARADO § 1.° O Direito Romano e o Direito Intermédio I. As servid6es prediais surgiram no antigo Direito Romano como modo de regular, em termos estdveis e previsiveis, as rela- g6es de vizinhanca ('). Sujeitas a um principio estrito de tipici- dade (), elas podiam concretizar-se, apenas, nalguns dos conheci- dos quatro figurinos classicos: iter, actus, via e aquaeductus (3). O trabalho criativo dos jurisprudentes e as necessidades cres- centes da vida econdmica em evolucdo permitiram um desenvol- vimento da figura, que desabrochou em numerosos outros tipos de serviddo. No periodo de JUSTINIANO, a evolucio foi coroada (© A doutrina romanista est4 dividida quanto & precisa origem das serviddes; cf. PIETRO BONFANTE, Corso di diritto romano, 3.° vol., Diritti reali (1972, reimpr.), 59 ss., para uma andlise de varias opinides. Na nossa literatura juridica, tem ainda interesse referir ANTONIO DE MEYRELLES BARRIGA, As servidées prediais no Direito peninsular e portugués (1934), 33 ss. @ Esta afirmago deve ser entendida em termos actualistas. (©) ALFREDO BURDESE, Servitii prediali (diritto romano), Nss DI 17 (1970), 113-124 (119) e, entre nés, RAUL VENTURA, Histéria do Direito Romano, 2.° vol. — Direito das Coisas (1968), 265. 536 ANTONIO MENEZES CORDEIRO pela consagracao da liberdade na constituicao das serviddes: dentro do tipo geral «servidado predial», as partes interessadas poderiam dar corpo as serviddes que entendessem. Il. No Direito romano classico, as servid6es constituiam-se por mancipatio ou por in iure cessio. A constituigéo por deduc- tio — o proprietario aliena uma parcela do seu fundo, conser- vando, sobre ela, uma servidao — e por adjudicatio — num juizo divisério, é determinada a formacdo de uma ou mais servid6es — tem, segundo parece, origem posterior (*), outro tanto suce- dendo com a destinacdo do pai de familia (5) e a usucapiao (°). A constituigéo coactiva de servidGes era, no entanto, des- conhecida (’). Na sua mais remota origem estarao as posicées ad sepulchrum, que permitiam aos beneficidrios a passagem até a certas sepulturas para, ai, prestar culto aos mortos (8). Reconhece-se, contudo, que faltam, nessa hipdtese, os dois pré- dios, base minima para a ideia romanica da servidao. Ill — As serviddes legais de passagem tém visto a sua ori- gem colocada no periodo intermédio (°), mais precisamente nos estatutos comunais das cidades italianas onde se previa j4 uma sua regulagéo em pormenor (!°). A doutrina considera contudo (4) Cf. BURDESE, Serviti prediali cit., 123. @) RAUL VENTURA, Hist6ria do Direito Romano cit., 2.° vol., Direito das Coisas, 281-282 ¢ JOSE BONET CORREA, La constitucién de las servidumbres por signo aparente/La «destinacién del padre de familian (1970), 3 ss. Ainda com interesse, cf. JACQUES LATREILLE, De /a destination du pére de famille (1885), 15 ss. ©) A tutela possessoria das servidées € tardia — SIRO SOLAZZI, La tutela e il possesso delle servitit prediali (1949), 51 ss. — tal como tardia é a propria praes- criptio aquisitiva. () BONFANTE, Corso cit., 3.° vol., 146, levantando a hipétese da sua cria- cdo bizantina. @) MARCELLO ANDREOLI, Considerazioni sulla serviti: di passagio coat- tivo, FI 1939, 1, 1351-1362 (1351). ©) Cf. PAUL OURLIAC/J. DE MALAFOSSE, Droit romain et ancien droit, 2.° vol., Les biens (1961), 100-101. (°) MARIO CARAVALE, Servitit prediali (diritto intermedio), Nss DI 17 (1970), 124-130 (128). SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 537 que a figura assumia, entdo, a feicdo de simples limitagdo a pro- priedade, nado correspondendo a um direito real auténomo. A ideia da «servidado legal» teria antes derivado do usus modernus, quando a pressao sistematizadora provocou um apro- ximar entre as figuras juridicas requeridas por novos condiciona- lismos e os quadros tradicionais do Direito Romano. § 2.° A codificagdo napoleénica I. A consagragao definitiva de determinadas limitacdes 4 propriedade como direitos reais aut6nomos deve-se ao Cédigo Napoledo de 1804. Retomando uma triparticéo humanista ('!), o Cédigo fran- cés veio contrapor — artigo 639.°: — servidGes naturais; — servidées legais; — serviddes convencionais. As servid6es naturais resultariam da configuragao dos locais; assim, os prédios inferiores ficariam sujeitos a suportar as 4guas que, naturalmente, corressem dos superiores, nao podendo levantar dique que o impedisse — artigo 640.° As servidées legais seriam impostas pelo Direito, por razGes de utilidade publica ou parti- cular — artigo 649.°. As servidées convencionais, por fim, seriam estabelecidas pelos proprietarios em termos livres («... que bon leur semble ...»), dentro de certos limites — artigo 686.° Criticada, esta tripartic¢do teria, no entanto, os seus defen- sores (!?), (") Cf. MARIO CARAVALE, Serviti prediali (diritto intermedio) cit., 129-130. () Entre os Autores mais recentes, cf. ALEX WEILL/FRANCOIS TERRE/PHILIPPE SIMLER, Droit civil/Les biens, 3.* ed. (1985), 229 ss. e JEAN CARBONNIER, Droit civil/3-Les biens, 11." ed. (1983), 222 ss.; este ultimo explica que, nao obstante as criticas, a triparticdo € compreensivel. Uma certa defesa pode ser confrontada no classico MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire de Droit civil, 3.7 ed., 1.° vol. (1904), 934 (n.° 2891). Uma exegese tipica consta de J..M. PAR- DESSUS, Traité des servitudes, ou services fonciers, 8. ed. (1838), 1.° vol., 170 ss. do pioneiro M. DURANTON, Cours de Droit Civil suivant le Code Civil, 5.° vol. (1828), 251 ss. 538 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Il. Entre as servidées legais, 0 Cédigo Napoledo inseriu, na verdade, categorias marcadamente distintas. Lado a lado apa- recem as figuras das paredes e fossos de meagdo — artigos 653.° e ss. — das dist@ncias minimas requeridas por certas constru- ¢6es — artigos 674.° e ss. — das vistas — artigos 675.° e ss. — do estilicideo — artigo 681.° — e da passagem — artigos 682.° e ss. A doutrina tem assinalado a falha sistematica. O direito de passagem inseria-se nesta sequéncia, prescrito no artigo 682.° do Cédigo Napoledo ('3): «O proprietario cujos fundos estejam encravados e que nao tenham qualquer saida para a via publica, pode relca- mar passagem sobre os fundos dos seus vizinhos para a explo- rac&o da sua herdade, mediante uma indemnizag4o propor- cionada ao dano que ele possa ocasionar». A nogado de encrave parecia, assim, bastante clara (4). Ill. A jurisprudéncia e a doutrina, ao longo de todo o século dezanove, vieram precisar a ideia de prédio encravado. Assentou-se em que o estado de encrave corresponde a um facto. Assim, nao se pode considerar encravado o fundo cujo titu- lar exerca a passagem sobre outro, «... seja em virtude de um titulo susceptivel de ser contestado, seja mesmo por efeito duma simples tolerancia por parte do proprietdrio» ('5). Esta posicao é pacifica na época, cabendo citar AUBRY e RAU ('5), LAU- (3) Trata-se da redaccdo inicial do preceito; uma lei de 1881 e, mais tarde, a Lei n.° 67-1253, de 30 de Dezembro de 1967 alteraram-na, dando-Ihe um alcance mais vasto, de modo a satisfazer necessidades comerciais e industriais. Trata-se, porém, dum aspecto que j4 nao releva, aqui, uma vez que a actual verso do ar- tigo 682.° do Cédigo francés nao influenciou o Direito portugués vigente. Cf. CAR- BONNIER, Droit civil, 3-Les biens, 11." ed. cit., 242 ss. (4) Vide, ainda LOUIS JOSSERAND, Cours de Droit Civil positif francais, 1.° vol. (1930), 983. (5) C. DEMOLOMBE, Traité des servitudes ou services fonciers, tomo 2 (1855) = Cours de Code Napoléon, vol. XII, 88 (n.° 606). (')_C, AUBRY/C. RAU, Cours de Droit Civil Francais d’aprés la méthode de Zachariae, 4.* ed., tomo III (1869), § 243, 27 («... © proprietério que, de facto, goze duma passagem para chegar a via publica ndo pode considerar o seu fundo encravado, sob 0 pretexto de que essa passagem nao é exercida sendo por forca SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 539 RENT (7), HUC (8) e BENECH ('). E ela mantém-se, ainda hoje, na doutrina como na jurisprudéncia ?°): desde que as necessidades do prédio «encravado» estejam satisfeitas no plano dos factos, nao ha verdadeiro encrave nem, por isso, direito legal de passagem. § 3.° A codificagao germanica I. O Cédigo Civil alem&o de 1896 seguiu uma via diferente do francés. Segundo o seu § 917.°, «Quando um imével nao tenha acesso a vida publica e tal acesso seja necessdrio para a sua utilizagfo normal, o seu proprietario pode exigir aos vizinhos que tolerem que ele utilize o seu fundo para estabelecer o acesso necessdrio até que ele tenha removido essa situagdo. Caso necessario, 0 local de passagem e a extensdo do seu uso sdo fixadas por servi- dao judicial. Os vizinhos sobre cujos iméveis se dé a passagem for- gada sao indemnizados através de uma renda em dinheiro». Este dispositivo surge numa sequéncia normativa dedicada as restrigGes de vizinhangas: proibicao de emissio — § 906 — instalagdes perigosas — § 907 — desmoronamento — § 908 — de um titulo contestavel ou mesmo de uma simples tolerdncia.») Cita-se, em abono, a jurisprudéncia. (7) F. LAURENT, Principes de Droit Civil Francais, 3.* ed., 8.° vol. (1878), n.° 77 (103). (8), THEOPHILE HUC, Commentaire Théorique et Pratique du Code Civil, tomo 4,° (1893), n.° 393 (483) («Sendo o encrave, antes de mais, um estado de facto, ficou igualmente entendido que aquele que goze sobre um prédio vizinho, ainda que do dominio publico, duma passagem de pura tolerancia para chegar & via publica, nao esté encravado.»). (°) WILFRID BENECH, De la propriété immobilidre batie et non batie et des servitudes, tomo Il — Des servitudes ou services fonciers (1931), 1011. @) WEILL/TERRE/SIMLER, Droit civil — Les biens, 3.* ed. cit., 251, onde se refere jurisprudéncia de 1875 a 1981. 540 ANTONIO MENEZES CORDEIRO escavacdes — § 909 — cortes de raizes e ramos — § 910 — apa- nha de frutos — § 911 — e excesso de construgéo — §§ 912 a 916. Nao tem a ver com a matéria das servidées, tratada nos §§ 1018 e seguintes. II. Como explica a doutrina, o Direito alemao, desviando- -se neste ponto dos quadros romAnicos, optou por tratar 0 pro- blema em termos de restrigdo a propriedade imobilidria ('). A passagem forcada em causa tem sido aproximada do prin- cipio geral do § 904 do BGB, segundo o qual o proprietario nao pode proibir os actos que outrem execute, em estado de necessi- dade, sobre uma coisa (”). A renda devida tem, assim, a natureza de indemnizacao por facto licito, pelo menos quando o encrave nao seja voluntario. § 4.° A codificagao italiana I. Nesta répida pesquisa de Direito comparado tem, por fim, um particular interesse focar a codificagdo italiana de 1942: relevo por ela assumido no Cédigo Civil de 1966 é bem conhe- cido. @') Cf. MARTIN WOLFF/LUDWIG RAISER, Derecho de Cosas, vol. 1 (Tomo Ill do Tratado de derecho civil de ENNECCERUS/KIPP/WOLFF), trad. castelh. de PEREZ GONZALEZ e JOSE ALUGUER (1970), § 56 (370). Por iiltimo, vide FRITZ BAUR, Lehrbuch des Sachenrechts, 14.* ed. (1987), § 25, III (227) KARL HEINZ SACHWAB, Sachenrecht, 21." ed. (1987), § 25, VI e VIII (126-127). De entre os comentaristas, refiram-se AUGUSTIN em BGB-RGRK 12.* ed. (1979), § 917 (89 ss.), WOLFGANG BEUTLER, em STAUDINGERS Kommentar, 12." ed. (1982), § 917 (62 ss.), SACKER, em Miinchener Kommentar, 2.* ed. (1986), § 917 (624 ss.) e BAUR, em BGB-SOERGER/SIEBERT, 11.* ed. (1978), § 917 (224 ss.). Uma intervencao importante em artigo monografico ¢ a R. FIGGE, Der Notweg, AcP 160 (1962), 409-418. (@) Cf. JUSTUS WILHELM HEDEMANN, Tratado de derecho civil, 1- ~Derechos reales, trad. castelh. DIEZ PASTOR/GONZALEZ ENRIQUEZ (1955), 161. ‘Um esquema semelhante foi adoptado pelo Cédigo Civil Suigo; cf. C. WIE- LAND, Les droits réels dans le Code Civil Suisse, tomo I (1913), 300. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA SAL O Cédigo Civil italiano de 1942 integra-se na tradicao latina das servidGes de passagem como modo de solucionar o problema de encraves. Acolheu, no entanto, as criticas movidas ao texto napoleénico a propésito da contraposi¢do entre serviddes «natu- rais», «legais» e «voluntarias». E isso em dois niveis (): — afastou do dominio das servidées as mesmas restricdes de vizinhanga que nado se traduzissem num bindmio pré- dio dominante — prédio serviente; — pés termo a categoria ambigua das «serviddes legais» con- traposta as «voluntarias», uma vez que se poderiam cons- tituir voluntariamente, enquanto estas s4o, por certo, legais. II. O dispositivo relevante do Codigo Civil italiano, no dominio aqui em causa, pode ser sintetizado através das seguin- tes transcrigdes legais: Artigo 1031 (4) (Constituig&éo das serviddes) «As servidées prediais podem ser constitufdas coactiva- mente ou voluntariamente. Podem, ainda, ser constituidas por usucapiao ou por destinagao do pai de familias». Artigo 1032 (*) (Modos de constituigaéo) «Quando, por forga da lei, o proprietario de um fundo tenha o direito de obter da parte do proprietdrio de outro fundo a constituigéo de uma servidao, esta, na falta de con- trato, é constituida por sentenga. (...) (.) @) Cf. FERRANTE FERRANTI, i! libro della proprieta (1943), 477 e GIU- SEPPE BRANCA, Delle serviti: prediali, no Commentario al Codice Civile, de SCLA- LOJA/BRANCA, Libro Ill, Art. 957-1099 (1954), 339-340. C4) Este artigo insere-se no Capitulo I-Disposicdes gerais do titulo VI — Das servidées prediais, do Livro Ill, sobre a propriedade. C5) Desta feita, o preceito transcrito surge A cabega do Capitulo H, Das ser- vidées coactivas. 542 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Artigo 1051 (5) (Passagem coactiva) «oO proprietério cujo fundo esteja circundado por fun- dos alheios e que nao tenha saida para a via publica nem possa arranjar uma sem excessivo dispéndio ou incémodo, tem o direito de obter a passagem sobre um fundo vizinho para 0 cultivo e o uso conveniente do préprio fundo. G..)> Ill. Perante estes textos, a doutrina tem feito varias expli- citagdes. Assim, explica BURDESE que a denominada servi- d&o coactiva nao se prende, em termos totalmente lineares, com o seu modo de constituicéo: a servidao que, nos termos do artigo 1032.°, surja mediante um contrato por as partes have- rem encontrado um acordo antes da sentenca sera coactiva, enquanto que a servidao decretada pelo tribunal, em execugdo dum contrato-promessa é voluntdria (7). De modo patente, ha aqui um influxo da letra da lei italiana, que acima se deixou trans- crita. De facto, como explica BARASSI, «A servidao legal, em regra, néo nasce sem mais logo que existam os pressupostos de facto aos quais a lei associa a existéncia da servidao» (78). Na verdade, a lei nao da uma servidao mas, tao-s6, 0 direito @ obter uma serviddo (°). Assim: «... a constituigo de servidéo ocorre ndo no momento em que 0 pressuposto de facto da servidao legal se tenha for- mado, e tao-pouco no momento em que tenha sido proposta a demanda judicial para conseguir a sua constitui¢déo, mas @) © artigo 1051.°, também inserido no mesmo Capitulo sobre scrvidées coactivas, inicia uma secco sobre passagem coactiva. @?) ALBERTO BURDESE, Servitit prediali (diritto vigente) cit., 147 ¢ tam- bém Servith coattive, NssDI 17 (1970), 100-116 (101). @) LODOVICO BARASSI, I diritti reali limitati/In particolare ’usufruto € le servitix (1947), 207. @) BARASSI, / diritti reali limitati cit., 208. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 543, no momento em que a sentenga que a constitui se torne exe- cutiva» (9%), No mesmo sentido ainda que noutro prisma, pode citar-se BRANCA, segundo o qual a sentenga relativa a serviddo legal ¢ declarativa quanto ao direito de a constituir e constitutiva quanto aos concretos contornos que a serviddo hd-de assumir (3!). Ha, nesta linha, que distinguir dois momentos na dindmica constitutiva da serviddo coactiva de passagem: — 0 direito 4 sua constituigao; — a sua constituigéo propriamente dita. O primeiro consubstancia-se logo que se encontrem reuni- dos os requisitos legalmente fixados; a segunda opera, apenas, com a sentenga judicial ou com o contrato que se lhe antecipe. Esta orientac4o esta presente em todos os desenvolvimentos dedi- cados as servidées (22). § 5.° Sintese e conclusdes I. O bosquejo realizado sobre a evolucdo geral do problema dos encraves e das serviddes legais de passagem e o ponto da situa- ¢ao quanto a esse mesmo tema no Direito comparado permite apresentar uma sintese acompanhada de algumas conclusées. Fica claro, desde logo, que o problema dos encraves e dos direitos de passagem deles emergentes, seja qual for a forma téc- nica que assumam, dé lugar a limitacGes sérias ao direito de pro- priedade (**). Por certo que, na actualidade, existe uma tendén- ©) BARASSI, / diritti reali limitati cit., 209. @) BRANCA, Delle serviti prediali cit., 343. €)_ Cf. além das obras jé citadas, GIUSEPPE GROSSO/GIOMMARIA DEJANA, Le serviti: prediali (1951), 940 ss., BIONDO BIONDI, Las servidum- bres, trad. castelh. de MANUEL GONZALEZ PORRAS (1978) 1527 ss., ¢ FER- RANTI, If libro della proprieta cit., 486. @) BARASSI, I diritti reali limitati cit., 209, fala em «limitagéo graven. 544 ANTONIO MENEZES CORDEIRO cia clara para limitar a propriedade, podendo, para o efeito, recorrer-se ao esquema da serviddo (4). Mas isso sucede em nome do interesse publico e apenas na medida do necessdrio, sob pena de quebrar o principio da igualdade (°*). Il. Uma segunda conclusao é a de que as concretas medi- das destinadas a tornar o problema dos encraves séo obra do Direito positivo de cada espacgo normativo. Nao ha receitas tni- cas, nem vias exclusivas. Por uma ou outra via, todos os ordenamentos limitam, no entanto, a servidao legal de passagem ao minimo necessario. Assim sucede no seu exercicio, como € natural. Mas assim sucede, tam- bém, na sua constituicdo, seja através duma rigorosa limitagdo da prépria ideia de encrave a uma situagdo de facto, sem qual- quer saida ainda que de tolerancia (solugdo francesa), seja com recurso a um esquema de meras limitagdes ao direito de pro- priedade que cessam logo que desaparecam os seus pressupostos (solucao alema), seja, por fim, definindo com clareza o direito a constituigdo da serviddo, contraposto ao direito de serviddo pro- priamente dito (solucao italiana). Ill. Finalmente, deve enfocar-se que nenhuma destas ordens juridicas concede ao titular cujo prédio esteja onerado por um direito legal de passagem um direito de preferéncia na alienagdo do encrave. Tal preferéncia apresenta-se, assim, como uma especificidade, alias relativamente recente, do Direito portugués. @ Cf., p.ex., ACHILLE GIOVENE, Le serviti industriale (1946), 11 ss., LIVIO FIORANI, Luci, vedute e relative serviti nel Codice vigente, 2.* ed. (1967). ) Cf, p.ex., HERBERT KRONER, Die Eigentumsgarantie in der Rechts- prechung des Bundesgerichtshofes, 2.* ed. (1969), 61 ss. e STEFANO RODOTA, II terribile diritto (1981), 393 ss. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA. 545 Il — CONTINUAGAO; A EVOLUCGAO EM PORTUGAL §6.° O Codigo Civil de 1867; a introdugdo da preferéncia legal I. O Direito portugués anterior as codificagdes conhecia ja a figura dos direitos legais de passagem por prédio alheio. Era, no entanto, pouco explicito; como explicava BORGES CAR- NEIRO (°), «A materia de servidGes pela falta de leis patrias, se rege pelo D.R., que é fundado em boa razdo, e esta recebido: excepto em algumas disposigdes subtis, ou incoherentes que vam anotadas nos seus lugares». O recurso ao Direito Romano nao impedia, contudo, o reco- nhecimento da passagem legal, nos termos que o Direito Comum medieval implantou na generalidade dos paises europeus. Para tanto, recorria-se ao juiz. De novo BORGES CARNEIRO (?”): «Tambem 0 Juiz nao tendo algum servidao, ve, de cami- nho, rego, porta para o seu predio, lha da pela do visinho, com 0 menos encommodo deste, e fazendo-o indemnizar de todo o prejuizo ...» CORREIA TELLES, por seu turno, doutrinava: «O possuidor de um prédio que nao tenha serviddo para o ir agricultar e disfructar, péde constranger os visinhos a vender-lhe a serviddo necessdria, por onde menos perda faca: © que tambem se deve decidir summariamente em vis- toria» (8). (5) MANUEL BORGES CARNEIRO, Direito Civil de Portugal, tomo IV, livro I — Das coisas (1840, péstumo), 356. @7) BORGES CARNEIRO, Direito Civil de Portugal cit., 1V, 362. @8)_J. H. CORREA TELLES, Digesto Portugués, tomo Il (1909, em reim- Presséo da ed. de 1845), 60 (n.° 409), 546 ANTONIO MENEZES CORDEIRO E COELHO DA ROCHA: «Outras vezes as servidGes so fundadas nas restrigdes que as leis poem a propriedade de um para satisfazer 4 neces- sidade ou notdvel vantagem de outro vizinho, que indirecta- mente vem a ser utilidade publica. Assim (...) deve pelo seu predio dar logar para as obras e reparos, assim como cami- nho para a cultura dos outros prédios vizinhos que se nao podem servir por outra parte, salva a indemnizacéo do dano» (°°). Dizendo ainda, mais a frente: «Algumas servidées sdo constituidas por sentenga do juiz, quando este acto de partilhas determine que um predio preste ao outro certa servidao, ou seja para egualar os coherdeiros, ou por necessidade para os usos uns dos outros» (*). II. Na sua versao inicial, o Codigo Civil de 1867 dispunha, no seu artigo 2309.°: Os proprietdrios de terrenos encravados, isto é, que nao tenham communicagao alguma com as vias publicas, podem exigir caminho ou passagem pelos prédios vizinhos, indem- nizando o prejuizo que com esta passagem venham a causar. Trata-se dum preceito claramente inspirado no artigo 682.° do Cédigo Napoledo, de acordo, alias, com feig&o geral assu- mida pelo Direito portugués da época. A doutrina explicava-o como destinando-se a evitar terras «... condemnadas 4 esterili- dade por falta de accesso» (*!). @) M.A, COELHO DA ROCHA, Instituigdes de Direito Civil Portuguez, 8." ed., 1.° vol. (1917, em reimpr. da ed. de 1848), § 591 (407). () COELHO DA ROCHA, Instituigées cit., 597 (411-412). (!) DIAS FERREIRA, Codigo Civil Portuguez Annotado, vol. V (1876), 70. Na mesma linha, cf., mais tarde, MANUEL RODRIGUES, RLJ 56 (1925), 145 ¢ CARLOS DO NASCIMENTO GONCALVES RODRIGUES, Da servidao legal de passagem (1962), 181-182. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 347 O Direito anterior admitia uma complexidade acentuada no dominio das servidées e outros direitos de passagem. Resultavam, dai nocivas consequéncias para a explora¢ao da terra. Um conhecido diploma pombalino — o Alvard de 7 de Julho de 1773 (#2) — intentou solucionar o problema, permitindo aos proprietarios de certos prédios a expropriacdo de outros — designadamente, em certos casos, de prédios encravados — e abolindo os atravessa- douros (“*). O Alvara de 17 de Julho de 1778 revogou parte do anterior mantendo, contudo, em certos casos, a expropriagao dos prédios encravados, bem como a abolic&éo dos atravessa- douros (“). Nessa linha, ha que entender o dispositivo do Cédigo de Sea- bra, fiel 4 ideia de libertar a terra dos entraves préprios do periodo histérico anterior. III. A introdugao, no dominio das servid6es de passagem, do direito de preferéncia deu-se apenas em 1911, através dum diploma do Ministério das Finangas destinado, em primeira linha, a permitir aos enfiteutas, em certas condigdes, a remissao dos prazos. Assim, o Decreto de 23 de Maio de 1911 (“), depois de varios considerandos sobre a enfiteuse, veio dizer, no seu relatério: «Considerando que ao encargo imposto pelo ar- tigo 2309.° do Cédigo Civil a favor dos proprietarios dos prédios encravados deve corresponder o direito de op¢do para fazer cessar o dnus e regularizar a propriedade». ¢®) Cujo texto pode ser confrontado na Collecgdo das Leys, Decretos e Alva- rds que comprehende o feliz reinado del rey fidelissimo D. José I, tomo II (1775), sem numeracao de paginas. C*) Assim, segundo 0 n.° 12 do referido alvara, «Mando, que todos os cami- nhos, ¢ atravessadouros particulares feitos pelas Propriedades tambem particulares, que se nao dirigem a Fontes, ou Pontes com manifesta utilidade publica, ou a Fazen- das, que ndo possam ter outra alguma serventia, sejam vedados e abolidos por Officio dos Juizes; posto que de tais serviddes se aleguem as posses imemoriais, que so Tepugnantes a liberdade natural, quando nao consta que para elas precederdo titu- los legitimos, que, conforme 0 Direito, excluao a Accdo Negatérian. ) Cf. COELHO DA ROCHA, Instituicdes cit., 1 tomo, 285 (§ 405), DIAS FERREIRA, Codigo Civil Anotado cit., 5.* vol., 71 ¢ JOSE PINTO LOUREIRO, Manual dos direitos de preferéncia, 1 (1944), 211 s8. () DG n.° 120, de 24 de Maio de 1911, 2083. 548 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Nessa sequéncia, veio dispor o artigo 6.° do diploma em causa: «O direito de preferéncia, concedido aos senhorios direc- tos no artigo 1678.° do Cédigo Civil é igualmente aplicado e concedido ao confinante de prédios encravados que tenha obrigagdo de lhes dar passagem, nos termos do artigo 2309.° do mesmo Cédigo, mantendo-se o mesmo direito de prefe- réncia nos contratos de arrendamento a longo prazo, que vie- rem a fazer os proprietarios dos prédios encravados. «§ unico. Quando existam diversos confinantes proce- der-se-d a licitac4o entre eles». Este dispositivo, pouco conseguido na sua redaccao (“), deu lugar a dividas. Desde logo, discutiu-se na doutrina se a prefe- réncia funcionava apenas a favor dos prédios circundantes ou se, também, a favor do prédio encravado (*7). A doutrina acabaria por se pronunciar pela negativa: o preambulo do diploma de 1911 deixou clara a ideia da preferéncia como forma de compensar © encargo da constituic¢&o coactiva de servidées (*8). Questdo mais melindrosa foi a de saber se a preferéncia dos prédios servientes requeria a efectiva constituicdo legal da servi- dao ou se bastava o seu exercicio. A doutrina inclinou-se para a primeira hipotese, bem como a jurisprudéncia (“°). Ficou, con- tudo, em aberto a questdo de saber se, para a preferéncia, bas- tava a constituicdo prévia duma servidao legitima, fosse qual fosse 0 seu titulo ou se, pelo contrario, se requeria uma servidao cons- () Cf. A. DE SOUSA MADEIRA PINTO, Prédios encravados, O Direito 49 (1917), 9-10, 54-56 © 87-88 (88) () Tal a opiniao da Revista de Legislacdo e de Jurisprudéncia, 49 (1916-17), 229-231 (230). Contrariava-se, ai, a opinido antes expressa pela mesma Revista, 46 (1913-14), 89-92 (91). (*) Cf. RLJ 46 (1913-14), 89, O Direito, 49 (1917), 54, PINTO LOUREIRO, Manual dos direitos de preferéncia, 1, 218 e GONCALVES RODRIGUES, Da ser- viddo legal de passagem cit., 248. ) RLIJ 46 (1913-14), 89-92 (91); RLJ 49 (1916-17), 229-231 (229); RLJ 53 (1922), 375-378 (376); GONCALVES RODRIGUES, Da servidao legal de passagem cit., 249. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 549 tituida por «expropriagao». A jurisprudéncia inclinou-se para esta Ultima solucdo: assim 0 muito citado acérdao da Relacdo do Porto de 21 de Marco de 1922, veio requerer, para a existéncia do direito de preferéncia nado sé a prévia constituigao da serviddo por «expro- pria¢do particular» mas também o consequente pagamento, tam- bém prévio, da indemnizac4o (°°). Formar-se-ia, porém, uma doutrina e uma jurisprudéncia contrdrias, consideradas mesmo dominantes, por varios autores (°!). IV. As duvidas mantiveram-se, acabando por se justificar uma nova intervengo legislativa: a da Lei n.° 1621. A Lei n.° 1621, de 5 de Julho de 1924, veio dispor, no seu artigo 1.°, n.° 1 (%): «Qs proprietdrios dos terrenos confinantes, onerados com a respectiva servidao de passagem terao o direito de preferéncia na aquisicéo ou arrendamento do terreno encra- vado, sendo aplicaveis ao exercicio desse direito os arti- gos 1678.° do Cédigo Civil e 848.° do Cédigo de Processo Civil. (...) «§ unico. Na venda, dagdo em pagamento, arrenda- mento a longo prazo e arrematagdo judicial de prédios onerados com a serviddo de passagem para terrenos encra- vados, os donos destes terrenos teréo o direito de pre- feréncia na aquisigaéo ou arrendamento a longo prazo dos prédios servientes, devendo observar-se para o exercicio desse direito os termos e formalidades que este artigo esta- belece». ©) RPt 21-Mar.-1922, RT 41 (1922-23), 54-60. Cf. PINTO LOUREIRO, Manual dos direitos de preferéncia cit., 1.° vol., 243, indicando miltipla jurisprudéncia num e noutro sentido, e GONGALVES RODRIGUES, Da serviddo legal de passagem cit., 249-250, seguindo de perto 0 primeiro. () DG I Série n.° 152, de 9 de Julho de 1924 (964). 550 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Logo se vé que, das duvidas anteriores, foram solucionadas duas (5): — reconheceu-se 0 direito de preferéncia, também, a favor do proprietario do prédio encravado; — requereu-se, com clareza, a prévia constituicdo legal duma serviddo de passagem. Curiosamente, a primeira duvida foi solucionada no sentido contrario ao defendido pela opinido dominante e a segunda, na linha da mesma. Vv. Em 1930, a reviséo geral do Cédigo Civil (*) voltaria a tocar na preferéncia legal dos prédios encravados. No essencial, as alteracgdes introduzidas no texto do primi- tivo artigo 2309.° destinaram-se a compilar os dispositivos que antes andavam dispersos em varios diplomas (°°). Além disso, elas visaram, também corrigir «obscuridades» do Direito ante- rior. Nessa linha, nem sempre conseguida (°°), intentou solucionar-se uma questao ainda em aberto, ao tempo da Lei n.° 1621.°: a preferéncia foi concedida aos donos dos prédios onera- dos com a serviddo «... seja qual for o titulo da sua constitui- cdo ...» — artigo 2309.°, § 1.° — no que foi entendido como a nao-limitagéo da preferéncia aos casos em que tivesse havido «expropriacdo da serviddo» (°’). Mas logo se suscitou novo problema, particularmente ani- mado pelo acdérddo do Supremo Tribunal de Justica de 31 de Maio de 1955: 0 de saber se a preferéncia requeria a prévia constitui- cdo da serviddo ou se seria bastante a verificacdo dos pressupos- tos para que a servidao viesse a surgir. (3) Cf. GONGALVES RODRIGUES, Da serviddo legal de passagem cit., 250-251. (4) Levada a cabo pelo Decreto n.° 19 126, de 16 de Dezembro de 1930. (5) Foi, ainda reintroduzida a faculdade pré-liberal de promover, em certos casos, a expropriacdo particular do encrave, para evitar a constituicao da servidio legal. (5) Cf. CUNHA GONCALVES, Tratado de Direito Civil, vol. XII (1937), 29 ss., com uma critica acesa ao novo dispositivo legal. (7) Idem, CUNHA GONGALVES, vol. XII, 30. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 551 O referido acérdao entendeu que, para a preferéncia dos titu- lares servientes, se exigia a prévia constituicdo legal da servidao; pelo contrario, para a dos titulares encravados, a simples situa- gao de encrave seria suficiente (°8). A generalidade da doutrina e da jurisprudéncia tomaria posi- ¢Ao contrdria: as preferéncias em jogo exigiriam sempre a prévia constituic¢éo legal duma servidaéo de passagem (°°). Dos varios argumentos citados nesse sentido, um ha que se pode considerar decisivo: numa situagao de encrave, os pressu- postos da constituigao duma serviddo legal podem, em abstracto, verificar-se em relagao a vdrios prédios; apenas a efectiva consti- tuic&o da servidao poderd esclarecer qual deles é serviente e, dai, qual dos proprietarios se pode apresentar como preferente. § 7.° O Cédigo Civil de 1966 I. Sumariada a evolugaéo no Cédigo de Seabra, cabe pon- derar a situacdo emergente do Codigo Civil actual. O ponto de partida para a andlise subsequente podera con- sistir na comparagao entre o texto de SEABRA € 0 texto vigente. Assim: Segundo o artigo 2309.°, § 1.°, do Cédigo de Seabra, «No caso de venda, particular ou judicial, dagdo em pagamento, aforamento, ou arrendamento por tempo supe- 8) STJ 31-Mai.-1955, RDES 8 (1955), 259-263, anot. CAMPOS COSTA, 263-274, desfavordvel. €) RPt 2-Mai.-1930, RT 48 (1930-31), 138-140 (139); RPt 29-Mai.-1948, RT 66 (1948), 235-240 (239); RCb 15-Jun.-1948, BMS 10 (1949), 320-325 (325); RCb 8-Jun.-1948, BMJ 13 (1949), 295-299 (298-299). Quanto a doutrina, refiram-se: PINTO LOUREIRO, Manual dos direitos de preferéncia, 1.° vol. cit., 242 ss.; AMIL- CAR SIMAO SARAIVA, O direito de preferéncia na legislagdo portuguesa, ROA 9 (1949), 3-4, 231-247 (244-245); GONCALVES RODRIGUES, Da serviddo legal de passagem cit., 255 ss.; AMERICO DE CAMPOS COSTA, anotacio a STJ 31-Mai.-1955, RDES 8 (1955), 263-274, onde podem ser confrontados outros ele- mentos. Deve notar-se, finalmente, que a solugdo depois prevalente ja havia sido defendida no proprio acérdao de 31-Mai.-1955 pelo Conselheiro JOSE DE ABREU COUTINHO, em bem elaborado voto de vencido. 552 ANTONIO MENEZES CORDEIRO tior a dez anos, os proprietarios de terrenos encravados, bem como os donos dos prédios onerados com a respectiva servi- dao, seja qual for o titulo da sua constituicdo, tém o direito de preferéncia em primeiro lugar». Enquanto pelo artigo 1555.°, n.° 1, do Codigo actual, «O proprietario de prédio onerado com a servidao legal de passagem, qualquer que tenha sido 0 titulo constitutivo, tem direito de preferéncia, no caso de venda, dacdo em cum- primento ou aforamento do prédio dominante». Verifica-se pois, para além de evidente melhoria formal: — a supressdo da preferéncia a favor dos titulares de pré- dios encravados (); — a supressdo da preferéncia no caso do arrendamento (*); — a substituicdo de «... donos dos prédios onerados com a respectiva servidao, seja qual for o titulo da sua consti- tuic¢éo ...» por «o proprietario de prédio onerado com a serviddo legal de passagem, qualquer que tenha sido o (®) Tal preferéncia fora, recorde-se, firmada pela Lei n.° 1621, contra a opi- nido da doutrina anterior; PIRES DE LIMA, Servidées prediais (Anteprojecto de um titulo do futuro Cédigo Civil), BMJ 64 (1957), 5-38 (18), considera-lo-ia «injus- tificavel», omitindo-a, por isso. Tem interesse registar que, na comissio Tevisora, VAZ SERRA colocaria o problema da oportunidade da manutencao da propria Preferéncia a favor do prédio serviente. Disse VAZ SERRA: «A nossa lei (...) admite um ntimero excessivo de direitos de preferéncia. Por tudo e por nada lé se consagra um desses direitos. Tal tendéncia é mani. festamente ma, porque o direito de preferéncia desfalca muito o valor dos pré. dios sujeitos a preferéncia. E aqui, no caso concreto, desfalca-o em beneficio de quem jd recebeu uma justa indemnizagéo. Por isso, tenho muitas diividas em admitir tal direito, alias com raizes na nossa tradigao j ica.» (Os sublinhados sao do Autor deste Parecer) — Actas da Comissdo Revisora do Anteprojecto sobre servidées prediais do futuro Cédigo Civil portugués, BMJ 136 (1964), 77-158 (114-115). Cf., também, JACINTO RODRIGUES BASTO, Direito das coisas, IV (1975), 155-156. DE (*')_ Tal supressio correspondeu, também, a uma opcdo deliberada de PIRES LIMA. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 353 titulo constitutivo ...», i.6, mais precisamente, de «... a respectiva servidao ...» por «... a serviddo legal de pas- sagem ...». II. No anteprojecto de PIRES DE LIMA, o correspondente texto assumia a seguinte redaccao (®): Artigo 14.° (Direito de preferéncia na alienagao do prédio encravado) 1, O proprietario de prédio onerado com a servidao a que se refere o artigo 9.°, qualquer que tenha sido o titulo constitutivo, tem direito de preferéncia, em primeiro lugar, no caso de venda, dacéo em pagamento ou aforamento do prédio dominante (*). O texto definitivo do n.° 1 em causa surgiria no artigo 1547.° da 1.* reviséo Ministerial (“). Parece pois confirmado — PIRES DE LIMA era um pro- fundo conhecedor da materia relativa as serviddes e das querelas que haviam animado, nesse dominio, os civilistas, através das reformas de 1867, de 1911, de 1924 e de 1930 — que a ténica da preferéncia se deslocou do encrave para a serviddo legal. III. O Cédigo Civil de 1966 veio colocar de novo em aberto, ainda que por outra via, uma questao aparentemente solucionada pela revisio do Codigo de Seabra de 1930. Assim, ao contrario do texto de 1867-1930, a preferéncia nao surge sempre que um prédio encravado esteja dotado de uma ser- vidado de passagem, seja qual for a sua forma de constituigdo; ela requer, tdo-s6, uma serviddo legal de passagem, independen- temente, esta, do seu modo de constituigdo. (®) PIRES D LIMA, Servidoes prediais cit., 17. (®) © artigo 9.° em causa dispunha, no seu n.° 1: «Os proprietdrios de pré- dios encravados, isto ¢, que ndo tenham comunicago com a via publica, ou s6 a possam obter com excessivo dispéndio, podem constituir servidées de passagem sobre os prédios risticos vizinhos» — PIRES DE LIMA, Servidées prediais cit., 14-15. () Cf. RODRIGUES BASTO, Direito das Coisas cit., IV, 154. 554 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Por isso, quando um prédio encravado beneficiasse duma serviddo ndo-legal, o competente prédio-serviente, pelo menos perante a letra da lei, nao gozaria da preferéncia. Esta questdo ndo tem sido abertamente examinada pela dou- trina e pela jurisprudéncia que, por vezes, parece mesmo postu- lar a manutencdo dos quadros legais anteriores (°). Contudo, ela esta subjacente a escassa doutrina existente e aparece nos tra- balhos preparatérios. (©) Assim sucedeu no aliés bem elaborado acérdio da Relago do Porto de 6-Jul.-1982, CJ VII (1982), 4, 201-202, que revogou um saneador-sentenca de sen- tido oposto. Nesse aresto cita-se doutrina que ndo chega propriamente a examinar ex professo 0 problema que ora nos ocupa. ‘A doutrina, por seu turno, é pouco esclarecedora, sendo certo que no Codigo Anotado de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, 3.° vol., 2.* ed., a unica obra onde o tema surge desenvolvido, se encontram afirmacdes que v4o ora num sentido, ora no outro. Assim: pég. 627, anotacdo 3. «Ficam, por conseguinte, como objecto do n.° 1 deste ar- tigo 1547.° as serviddes que o Codigo de 1867 dizia constituida por facto do homem ea que alguns autores, sem grande rigor (por causa das serv dées nascidas da usucapiao), mas por contraste com as serviddes legais, chamam serviddes voluntdrias». pag. 628, anotaglo 6. «As serviddes legais (...) que abundam especialmente em maté- ria de Aguas, podem converter-se em verdadeiras servidées por uma de trés vias: por negécio juridico, se as partes acordam nos termos da sua constituigéo; por decisio judicial (sentenga constitutiva), na falta de acordo; por decisio administrativa, quando o cumprimento do acordo, nos termos da lei, compete as autoridades administrativas». pag. 636, anotacio 2, in fine: «... nas servidées a verdadeira servidao sé mediata- mente é imposta por lei; a fonte imediata desta reside na vontade das partes, na sentenga constitutiva ou no acto administrativon. pag. 645, anotacdo 4: «Outro dos problemas levantados na vigéncia dos textos ante- riores era o de se a preferéncia sé existe no caso da servidao de passagem se ter constituide mediante sentenga ou se estendia aos proprios casos em que ela nascera de destinacao do pai de familia ou de negécio entre as partes. ‘A Reforma de 16 de Dezembro de 1930 resolveu directamente a ques- to, ao afirmar o direito de preferéncia, seja qual for o titulo de consti- tuigdo da servidio. No mesmo sentido haveré que interpretar o trecho paralelo do ar- tigo 1555.° do Cédigo vigente: «qualquer que tenha sido titulo constitu- tivo» (vide, a titulo de mero exemplo, o ac. do S.T.J., de 20 de Dezem- bro de 1974, no B.M.J. 242.°, pags. 294 € segs pég. 645, anotag&o 4, continuam: «A concessao da preferéncia estd sempre, porém, SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 355 O desenvolvimento subsequente visa propor uma solucdo. Deixa-se claro que o Autor deste parecer nunca publicou qual- quer texto que tratasse, explicitamente, este assunto, antes se limi- tando a transcrever os textos legais vigentes. IV. Em compensacdo, nao subsiste hoje qualquer duvida razoavel quanto a necessidade, para se exercer a preferéncia, da prévia constituigdo da serviddo legal de passagem. Tal como ficou assente no dominio do Cédigo anterior, nado bastam os pressu- postos legais da sua constituigéo: a propria lei, na sua letra e no seu espirito, limita a preferéncia as situagdes de serviddo ja constituida. Nas palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, «o autor da accao de preferéncia nao pode, portanto, limitar-se a alegar que se verificam os pressupostos de facto con- dicionadores do direito a constituig&o coerciva da servidao de pas- sagem. Tem de alegar e provar que a servidao se encontra efecti- vamente constituida» (©). Ill — A PREFERENCIA DO TITULAR DO PREDIO ONERADO COM SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM § 8.° O problema e os principios gerais I. Como foi enunciado, vai ponderar-se a relacdo existente entre a eventual serviddo que sirva um encrave e 0 direito de pre- feréncia legal. subordinada a condicdo de se tratar do proprietario do prédio onerado com a servidao legal de passagem». Nao é, por conseguinte, 0 proprietério onerado com qualquer servi- dio de passagem — mas apenas o adstrito a servidao legal de passagem — que goza da preferéncia consignada no artigo 1555.°. Os sublinhados correspondem a itdlicos, no original. Como se vé, das cinco citacdes transcritas, as trés primeiras e a quinta apon- tam para uma ideia mais restrita da preferéncia legal, com exclusao de certas servi- does, como as derivadas de usucapido ou de destinacao do pai de familia, enquanto a quarta depde no sentido contrario. ©) PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Cédigo Civil Anotado, 3.° vol., 2.* ed. cit., 646; também RCb 19-Jun.-1974, BMJ 239 (1974), 269. 556 ANTONIO MENEZES CORDEIRO. Nos termos do artigo 1555.°/1 do Cédigo Civil, tal prefe- réncia surge sempre que a servidao seja legal. Ha, pois, que inda- gar © alcance da figura «servidao legal» e, designadamente, se ela absorve todo o possivel universo das servid6es que benefi- ciem um encrave. Varias razées formais, técnicas e de fundo apontam uma determinada solucdo. Nao obstante, antes de as ponderar, cabe efectuar uma prévia auscultacdo aos principios gerais aqui em jogo. Seja qual for a posicéo metodoldgica que se queira perfi- Ihar, eles sempre terao algum peso em todas as operacées inter- pretativas subsequentes. Il. Uma concepgao alargada do que seja uma serviddo legal vai conduzir, como é de esperar, a uma proliferacdo de situagdes dominadas por preferéncias legais. Ora tal proliferagao, a verificar-se, seria contrdria ao espi- rito do ordenamento e ao sentido geral da sua evolugao. E isso pelas trés razdes fundamentais que, de seguida, se enumeram. Em primeiro lugar, os ventos da Histéria. Numa evolucdo que a reforma civil de 1966 deixou clara, e de que foi dada conta, Os tempos vao no sentido de pér cobro a proliferagao de prefe- réncias legais. Na comissao de revisdo do anteprojecto, entendeu-se nao dar o passo decisivo da sua pura e simples abolicdo. Ficou, no entanto, uma intervencdo legislativa pouco consentanea com o alargamento interpretativo das preferéncias legais. De seguida, os inconvenientes que derivam para a apropria- ¢ao dos bens (67). Num fendmeno conhecido desde 0 MAR- QUES DE POMBAL e definitivamente sancionado pelos liberais, sabe-se que a multiplicagao de onus e encargos — tipo preferén- cia legal ou servidao legal, por exemplo — desvaloriza a terra e dificulta a circulag&o e a criag&o de riqueza. Finalmente, o preceito constitucional que garante a livre dis- posi¢ao da propriedade — artigo 62.°/1 da Constituicao. A pre- () Nao se trata, em rigor, de «propriedade privada, uma vez que o regime funciona mesmo quando, como titulares, se apresentem, p.ex., institutos ou empre- sas putblicas. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 587 feréncia legal restringe severamente essa possibilidade. Bem se com- preende que a livre disponibilidade dos bens tenha limites. Eles nao poderdo, contudo, ser tao extensos que ponham em crise 0 proprio principio. E na duvida, este tera de ser respeitado. Acresce ainda que, em nome do principio constitucional da igualdade, todos deverao beneficiar, em igual medida, da possibilidade de livremente dispér dos seus bens. Tudo isto deve ser tido em conta na solugdo a propugnar, seja ela qual for. Ill. As consideragdes feitas permitem apontar uma natu- reza excepcional nas preferéncias legais. Tanto basta para que, segundo regras interpretativas e aplicativas bdsicas, as respecti- vas normas do possam ser aplicadas por analogia — artigo 11.° do Cédigo Civ: Esta directiva deve ainda ser complementada por uma impor- tante consideragdo metodoldgica. Na aplicagdo da lei, a moderna doutrina interpretativa manda atender, também, ds consequéncias da decisdo (®). Por isso, quando se debate a extensdo das serviddes legais, ha que lidar, em simultaneo, com os efeitos que uma larga amplitude nao dei- xara de provocar, designadamente através das preferéncias legais. Trata-se duma dimensdo que revela, também, na transposicao de doutrinas estrangeiras para o espaco nacional: pode, na verdade, suceder que uma construcdo aparentemente idéntica tenha, uma vez transposta para outro espa¢o juridico, consequéncias diver- sas. Por exemplo, a conc :pedo alargada da «serviddo coactiva» em Italia nao pode, sem mais, ser trazida para Portugal: 0 Direito italiano desconhece a preferéncia legal do titular serviente. § 9.° Os trabalhos preparatérios I. Fixados os princfpios, cabe proceder a uma interpreta- cdo cuidada dos textos legais em vigor. Para tanto, serao segui- dos os classicos elementos da interpretacdo. (*) Cf., com indicagdes, MENEZES CORDEIRO, Tendéncias actuais da interpretacdo da lei: do juiz-autémato aos modelos de deciséo juridica, Tribuna da Justica, 13 (1985), 1 ss. = Revista Juridica, 9-10 (1987), 7-15 (15). 558 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Surgem, assim, desde logo, os trabalhos preparatérios. Por certo que, hoje em dia, a interpretacao ¢, predominantemente, objectiva. No entanto, os trabalhos preparatérios, sobretudo quando entendidos como circunstancialismo cientifico-cultural que explicou o aparecimento da lei, sempre terdo algum relevo, que importa conhecer. Hl. Como ja foi referido, o Cédigo actual, ao contrario do anterior, associou a preferéncia legal do prédio serviente nao direc- tamente ao encrave, mas antes a servidao legal. Compete, pois, examinar qual a ideia que, de servidao legal, dao os preparatorios, designadamente no que toca a sua consti- tuicao. O Cédigo de Seabra, na linha napolednica, distinguia, no seu artigo 2271.°, as serviddes constituidas por facto do homem, pela natureza das coisas e por lei. As duas ultimas categorias fica- vam, no entanto, em certa indistincao —- artigos 2282.° e seguin- tes — segundo parece por efeito, ja, das criticas movidas entre- tanto em Franca, ao correspondente dispositivo do Code. Acolhendo tudo isto e, ainda, o particular teor do Direito ita- liano, PIRES DE LIMA, Autor do anteprojecto relativo as ser- vid6es, propés a recondugao das servidGes «constituidas por natu- reza» a categoria dos encargos normais da propriedade, ficando a matéria das servidées simplesmente dividida em servid6es cons- tituidas por factos do homem e legais (©). No entanto, as perturbacées terminoldgicas do inicio nao foram totalmente ultrapassadas, uma vez que as servidées legais parecem poder constituir-se por, pelo menos, alguns factos do homem. Ill. No Anteprojecto de PIRES DE LIMA surgia um ar- tigo 5.°, epigrafado principios gerais e assim concebido: 1. As servidGes prediais podem ser constituidas por con- trato por testamento, por prescricao ou por destinagaéo do () Cf. PIRES DE LIMA, Servidées prediais cit., 12 = RODRIGUES BAS- TOS, Direito das Coisas cit., 1V, 125-126. SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 559 pai de familia. As serviddes legais também podem ser cons- tituidas por sentenga judicial ou por decisio administrativa, conforme os casos. 2. Diz-se servidado legal o direito de constituir coerci- vamente uma servidao sobre prédio alheio, mediante o paga- mento de uma indemnizacao. O seu Autor explicava que nao pretendia alterar o regime anterior, no tocante a constituigdo das servidées legais; na falta de constituigao voluntaria, elas seriam constituidas por sentenca admitindo-se ainda, nas serviddes de aguas, a constituic¢do por via administrativa (). A locugdo «também» teria, entdo, 0 sen- tido de repescar, a propdsito das servidoes legais, todos os modos de constituigao relativos as serviddes prediais em geral. 1V. No Anteprojecto derivado da 1.* Reviséo Ministe- tial ("'), 0 texto foi alterado pela forma seguinte (artigo 1539.°): 1. As servid6es prediais podem ser constitufdas por con- trato, por testamento, por usucapido ou por destinacdo do pai de familia. As serviddes legais podem ser constituidas por sentenca judicial ou por decis4o administrativa, conforme OS casos. 2. Diz-se servidao legal o direito de constituir coerci- vamente 0 respectivo encargo, mediante 0 pagamento da indemnizagaéo adequada. Para além da melhoria formal registada no n.° 2, unifica-se, no n.° 1, a suspensdo do «também». A serviddo legal ficaria, ligada apenas 4 sentenca judicial e 4 deciséo administrativa, nao sendo de imaginar que o Autor da supressio nao tivesse atinado nos reflexos substantivos que a mesma n4o deixaria de ter. (7) Idem, ob. ¢ loc. cit. na nota anterior. (") Realizada por ANTUNES VARELA, Ministro da Justiga, como explica © proprio em Cédigo Civil, Enc. Pélis 1 (1983), 929-944 (932). 560 ANTONIO MENEZES CORDEIRO Vv. No Anteprojecto derivado da 2.* Reviséo Ministe- rial (2), surgem novas alteracdes neste preceito (artigo 1547.°): 1. As servidées prediais podem ser constituidas por con- trato, testamento, usucapiao ou destinacdo do pai de familia. 2. As servidées legais também podem ser constituidas por sentenga judicial ou decisdo administrativa, conforme os casos. Suprime-se, pois, a definigdo de servidao legal e procede-se a numeracao da segunda parte do antigo n.° 1. A palavra «também» volta, contudo, a fazer a sua aparicao. O péndulo legislativo oscila, pois, no sentido original do ante- projecto PIRES DE LIMA, sendo seguro que os seus Autores bem haviam sentido a problematica substantiva que subjazia a questdo. VI. No projecto surgiria a redaccdo definitiva — ar- tigo 1547.° E ela foi, patentemente, uma solucdo de compromisso: enquanto o n.° | repetia o teor da 2.* Reviséo Ministerial, 0 n.° 2 articulava: As servidées legais, na falta de constituigdo voluntdria, podem ser constituidas por sentenga judicial ou por decisao administrativa, conforme os casos. A formula «... na falta de constituigéo voluntaria ...» é dife- rente do «também»: ndo recebe todos os modos de constituicao antes elencados mas, apenas, os que se possam considerar «de constituicdo voluntaria». E, naturalmente, diz mais qualquer coisa do que 0 siléncio da 1.* Revisdo Ministerial. As discussdes trava- das neste dominio durante a vigéncia do Cédigo de Seabra e as proprias oscilagdes dos preparatorios ndo permitem pensar que tudo isto ocorra ao mero sabor do acaso. (7) Realizada por ANTUNES VARELA e pelo proprio PIRES DE LIMA, consoante a explicacdo do primeiro; cf. 0 artigo Codigo Civil cit., 933. Os textos em causa podem ser confrontados em RODRIGUES BASTOS, Direito das Coisas cit., IV, 125, SERVIDAO LEGAL DE PASSAGEM E DIREITO DE PREFERENCIA 561 VII. Por tudo isto, pode concluir-se que os trabalhos pre- paratérios indiciam uma ndo-coincidéncia entre os modos de cons- tituico das serviddes nao-legais e legais ou antes: as serviddes legais, para além da sentenca e da deciséo administrativa, nao poderdo, sem mais, constituir-se por qualquer uma das formas previstas para as serviddes nao-legais (*). Apenas se constituem por «modos voluntarios». § 10.° A constituigdo voluntdria das servidées; 0 problema da usucapido e da destinagdo do pai de familia 1. Ponderada a occasio legis, cabe analisar 0 elemento sis- tematico e, designadamente, conectar o dispositivo do artigo 1547.° do Cédigo Civil com os diversos institutos nele figurados. Em termos técnicos, pode dar-se por assente que, na servi- dao legal de passagem, surgem dois momentos distintos ("): — 0 direito potestativo de — maxime pelo recurso a via judi- cial — fazer surgir a servidao; — a serviddo propriamente dita, uma vez constituida. Entre os dois momentos tera de haver um qualquer elo minimo de ligaco; quando nao, a servidao legal perderia toda a sua especificidade. Julga-se que esse elo resulta do artigo 1547,°/2: na falta de constituicdo voluntdria, a servidao surgira por via coactiva, de tal modo que, caso decida actuar, a vontade humana, aquando da sua formacdo, vai inevitavelmente ser influenciada pela eminéncia da intervengao do ius imperii estadual. (7?) Esta particular feigéo dos trabalhos preparatorios, que tem passado desa- percebido na doutrina, foi ja enfocada por ERIDANO DE ABREU num notavel escrito inédito sobre a matéria, a que o autor deste estudo teve acesso. (4) Cf., por ultimo, entre nés, OLIVEIRA ASCENSAO, Direito Civil/Reais, 4,* ed. (1983), 252 ¢ PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Cédigo Civil Ano- tado, vol. II, 2.* ed. revista e actualizada com a colaboracao de HENRIQUE MES- QUITA (1984), 627. Vide MOTA PINTO, Direitos Reais (1975, por ALVARO MOREIRA ¢ CARLOS FRAGA), 328, DIAS MARQUES, Direitos Reais (Parte geral), vol. I (1960). 225.

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