Éder Silveira1
Resumo
Resumé
Mon but avec cet article, est de demontrer quelques aspects liés à deux
constructions de l´identité brésilienne. Il s´agit de mettre en évidence quelques
points de repère entre le conte de l´écrivain carioca Machado de Assis (1839-
1908), A Teoria do Medalhão, et la définition de « l´Homme cordial » développée
par l´historien Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) dans son livre Raízes do
Brasil.
1
Mestrando em História na PUCRS. eder@viavale.com.br
2
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Civilização Brasileira, 2000, p. 205.
A busca da psique
3
DeDECCA, Edgar Salvadori. Teoria e Método Históricos em Raízes do Brasil. In: PESAVENTO,
Sandra Jatahy. Leituras Cruzadas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000. P. 169 a 190.
REIS, José Carlos. Sérgio Buarque de Holanda. A Superação das Raízes Ibéricas. In: As
Identidades do Brasil, De Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999, entre outros.
4
MERQUIOR, José Guilherme. Gilberto e depois. In: Crítica, 1964-1989. Ensaios sobre Arte e
Literatura. São Paulo: Nova Fronteira, 1990, p. 343.
5
DaMATTA, Roberto; Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. São Paulo: Rocco,
1982, ou, SKIDMORE, Thomas. O Brasil Visto de Fora. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
6
Ainda que Sérgio Buarque lecionasse na USP e fosse um intelectual que mantinha uma atitude
militante, ainda que não no campo marxista, há indicações de um semi-ostracismo do mestre. Ver:
mais intensidade (G. Freyre, Paulo Prado), outros com certos cuidados (Sérgio
Buarque)7.
VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. O Xará de Apipucos. Um ensaio sobre Gilberto Freyre. São
Paulo: Casa Amarela, 2000.
7
Entre outros, citaríamos: MOTA, Carlos Guilherme; FERNANDES, Florestan; BASTOS, Élide
Rugai e ORTIZ, Renato.
8
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Let ras, 1999, p.
141.
9
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro.
São Paulo: Rocco, 6ª ed., 1997, p. 24.
10
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. Cit. p.
apenas de aparente gentileza e afetuosidade, sendo, efetivamente, uma cápsula
protetora, uma estratégia tanto de ascensão quando de “sobrevivência” em
sociedade. Todas essas questões acerca da cordialidade explicitam a essência,
da cordialidade; uma norma de conduta estruturante, sendo que não há um
homem cordial, pois, em maior ou menor escala, todos brasileiros são cordiais.
Tal forma de identidade faz com que Sérgio veja este indivíduo como uma
figura diluída na massa. Buscar-se-á em Nietzsche, seguindo a pista deixada pelo
próprio Sérgio, a caracterização desse indivíduo. Ao afirmar que: “Mais antigo é o
prazer pelo rebanho do que o prazer pelo eu; e, enquanto a boa consciência se
chama rebanho, somente a má consciência diz: ‘Eu’.”11 Quer dizer, esta crítica ao
ideal cristão do amor ao próximo é também uma crítica à forma através da qual
manifesta-se a individualidade, pois, como afirma Ernani Chaves, “evidencia-se
portanto, para Nietzsche, a ambivalência do ‘amor ao próximo’, na medida em que
ele nada mais seria, em princípio, do que a forma socialmente aceitável para que
o “eu” pudesse se manifestar.”12 Assim, este homem cujos movimentos na
sociedade estão condicionados a relações sobre as quais ele deixa de ter pleno
controle, pois são partilhadas, meticulosamente tramadas como os laços de uma
rede, faz com que ele se desindividualize, passando a não ser socialmente um,
mas vários, pois todas as suas relações são definidas a partir de trocas e de
susceptibilidades que não podem ser feridas. Talvez por isso, no Brasil, como já
acentuou Da Matta, seja impossível negar uma gentileza a um ‘amigo’.
16
POMPÉIA, Raul. O Ateneu. Rio de Janeiro: O Globo, 1997, p. 11
17
ASSIS, Machado. A Teoria do Medalhão. In: Papéis Avulsos I, São Paulo: Globo, 1997, p. 65
18
ASSIS, Machado. Idem.
19
Gilberto Freyre analisa a figura do Bacharel no Brasil com vagar em Sobrados e Mucambos,
mais especificamente no capítulo entitulado Ascensão do Bacharel e do Mulato, onde busca
investigar as implicações deste título em uma sociedade (o Brasil do Segundo Reinado), que
chegou a chamar de Reinado dos Bacharéis. Ver: FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São
Paulo: Record, 2000.
para compor a figura do medalhão. Como assevera Sérgio Buarque de Holanda,
visando pontuar a presença de resquícios senhoriais nesta valorização do título:
“Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda
merecem largo crédito, as qualidades do espírito substituem, não raro, os títulos
honoríficos, e alguns dos seus distintivos materiais, como o anel de grau e a carta
de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.”20 Além disso, é
preciosa a interpretação de Buarque de Holanda do fato acusado por Machado de
Assis em Teoria do Medalhão, quando o historiador paulista afirma que
Sendo o sonho do pai ver o filho tornar-se aquilo que não foi, ele passa a
aconselhá-lo passo a passo sobre as minúcias desta fórmula mágica: como tornar-
se um medalhão. O fato de ser uma conversa de pai para filho remete,
imediatamente, para um momento de Raízes do Brasil, em que Sérgio Buarque
menciona a dificuldade de romper-se com a imbricação entre público e privado no
Brasil atendo-se a comentários sobre a educação dos filhos. Afirma o historiador
paulista que esse tipo ambiente familiar, pintado com tanta maestria por Machado
de Assis, voltado para a criação de um microcosmo ao mesmo tempo
superprotetor e deformador de personalidades, acaba circunscrevendo “os
horizontes da criança dentro da paisagem doméstica”, formando assim uma
verdadeira escola de “inadaptados e até de psicopatas”22
20
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. Cit., p. 83
21
Idem, p. 156.
22
Idem, p. 145.
23
ASSIS, op cit, p. 68.
24
Idem.
...ali falar do boato do dia, da anedota da semana, de um contrabando, de
uma calúnia, de um cometa, de qualquer cousa, quando não prefiras
interrogar diretamente os leitores das belas crônicas de Mazade; 75 por
cento destes estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e
25
uma tal monotonia é grandemente saudável.
Ironia e chalaça
- Também ao riso?
- Como ao riso?
- Ficar sério, muito sério...
25
Idem, p. 69.
26
HOLANDA, op cit, p 163.
27
VENTURA, Roberto. Estilo Tropical. História Cultural e Polêmicas Literárias no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 105.
- Conforme. Tens um gênio folgazão, prazenteiro, não hás de sofreá-lo
nem eliminá-lo; podes brincar e rir alguma vez. Medalhão não quer
28
dizer melancólico.”
Ou seja, deve ser o Medalhão, como descrito por Machado de Assis, cordial.
Deve saber habilmente ser bem quisto por aqueles que o rodeiam, homem de
inteligência tacanha, não agredindo ninguém por suas idéias, não mantendo
nenhuma posição política firme, nem mesmo uma posição filosófica, aliás, da
filosofia interessava apenas os discursos metafísicos e incorpóreos, sem
preocupações verdadeiras e palpáveis, além de suas próprias estratégias e
relações para que possa ter uma profissão para a velhice31.
28
Idem, p. 74.
29
Para uma análise mais sistemática sobre o papel do humour em Machado de Assis, ver: MOOG,
Vianna. Heróis da Decadência. Petrônio, Cervantes e Machado de Assis. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964.
30
Idem.
31
Idem, p. 63
a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso, a polidez
é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. 32
32
HOLANDA, op cit, p. 147.
33
É importante salientar que, mesmo sendo tido como dado por boa parte dos comentadores de
Raízes do Brasil sua forte vinculação aos modelos teóricos weberianos, há autores que discordam
desta postura, como Maria Odila Leite da Silva Dias e Raymundo Faoro, colocando em xeque
análises como a de José Carlos Reis e Edgar De Decca.
34
HOLANDA, S. B., Op. Cit. p. 62
eternizou na arte, a do sinhozinho boçal que sobrevive apenas pela força dos seus
jagunços e de suas sórdidas jogadas políticas.
Essa vitória nunca se consumará enquanto não se liquidem, por sua vez,
os fundamentos personalistas e, por menos que o pareçam, aristocráticos,
onde ainda assenta nossa vida social. Se o processo revolucionário a que
38
HOLANDA, Op. Cit. 177.
39
Idem.
40
SILVA, Mozart Linhares da. Idem.
vamos assistindo, e cujas etapas mais importantes foram sugeridas nestas
páginas, tem um significado claro, será este o da dissolução lenta, posto
que irrevogável, das sobrevivências arcaicas, que o nosso estatuto de país
independente até hoje não conseguiu extirpar. Em palavras mais precisas,
somente através de um processo semelhante teremos finalmente revogada
a velha ordem colonial e patriarcal, com todas as conseqüências morais,
41
sociais e políticas que ela acarretou e continua a acarretar.
Em grande parte parece que, movido por sua estada na Alemanha e sua
ligação às teorizações de mestres alemães como Max Weber e Georg Simmel,
Sérgio Buarque de Holanda se frusta ao perceber o quanto o Brasil ainda era
tributário de uma estrutura de fundo “sumamente arcaico”, em grande parte ainda
regida pelos mesmos senhores de engenho de quatrocentos anos de história,
ainda que se apresentassem em outros trajes e termos. Continuava a imperar a
mesma moleza, a mesma “suavidade dengosa e açucarada”, que, segundo o
autor “invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial”42 Esta frustração de
Buarque de Holanda aparece em passagens como esta, onde assevera que:
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se
naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até
onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade
incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo
tratar com familiaridade os governantes. A democracia no Brasil foi sempre
43
um lamentável mal entendido.(grifo meu)
41
HOLANDA, Op. Cit., p. 180.
42
Idem, p. 61
43
Idem, p. 160.
44
Ver Carnavais, Malandros e Heróis, A Casa e a Rua, O Que Faz o Brasil brasil, entre outros.
45
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Editora UFMG: Belo Horizonte, 1998, p. 22.
O sutil pessimismo com que Sérgio Buarque de Holanda observava a vida
política nacional parece ter se confirmado. A “Nossa Revolução”, como chamava
Sérgio Buarque o processo crescente de racionalização do Estado e de
transformações sociais que o autor identificava a partir da Abolição da Escravatura
parece ter se estendido, usando palavras suas, apenas até o “epidérmico”, não
movendo, como gostaria, as estruturas mais profundas da sociedade. Os
brasileiros continuam ‘cordiais’. Da mesma forma, em outros termos e movidos por
outros símbolos, continuam os medalhões descritos por Machado de Assis à proa
de nossa história. Desde aquele diálogo entre pai e filho, parecem ainda vagar
pelo ar as palavras finais do progenitor a Janjão: “Rumina bem o que te disse,
meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe, de
Machiavelli.”
Considerações Finais