Agosto de 2010
Resumo
Esse é um semininário sobre congruências modulares e equações dio-
fantinas apresentado no PIC 2009, no pólo de Brusque/SC. Será uma
breve explanação sobre o assunto, com ênfase sobre suas aplicações na
resolução de problemas do tipo olı́mpico.
1
1 Congruências
A Aritmética Modular, também chamada de Aritmética dos restos é o que estudaremos agora. Ela é
a aritmética que trata dos problemas envolvendo os restos de inteiros, problemas de divisibilidade, entre
outros.
Dados dois inteiros a e b, dizemos que a é congruente b módulo n, se e somente se, a
e b deixam o mesmo resto na divisão por n. Escrevemos assim:
a ≡ b (mod n) (1.1)
a−b = kn + r − (k 0 n + r)
a−b = kn + r − k 0 n − r
a−b = kn − k 0 n
a−b = n(k − k 0 )
Ou seja, a − b é múltiplo de n, que equivale a dizer que n divide a − b (simbolizamos isso por
n | a − b). Portanto, podemos dizer que a é congruente a b em módulo n, se e somente se, a − b é múltiplo
de n, ou seja, n divide a − b. Podemos escrever o seguinte:
a ≡ b (mod n) ⇐⇒ n | a − b ⇐⇒
a − b = kn k∈Z
Essa é a outra definição para congruência. Dessa definição, segue uma importante propriedade, que
é a forma reduzida de um número a módulo n. A forma reduzida também é chamada de resı́duo de a
módulo n, e nada mais é que o resto da divisão de a por n. Sendo assim, podemos escrever:
a = kn + r 0≤r ≤n−1
a−r = kn
∴ a ≡ r (mod n)
Um exemplo pra esclarecer melhor: Qual é o resı́duo de 64 módulo 13 ? Para sabermos, basta dividir
64 por 13, obtendo quociente 4 e resto 12. Assim:
64 = 13 · 4 + 12
64 ≡ 12 (mod 13)
Mas e se eu dissesse que 64 ≡ −1 (mod 13) ? Eu poderia ser chamado de doido, não ? Mas espere,
observe:
64 ≡ −1 (mod 13) ⇐⇒ 64 − (−1) = 13k
65 = 13k
Mas como 65 é multiplo de 13 (65 = 13 · 5), então está provado que 64 ≡ −1 (mod 13) pela segunda
definição de congruência. Sendo assim, podemos ter um inteiro congruente a um número negativo em
módulo n.
Sendo mais rı́gidos nessa definição, digamos que o resı́duo de a módulo n seja r. Então, a também
será congruente a r − n módulo n. Isso por que:
a≡r (mod n) ⇐⇒ a − r = n
2
a−r+n=n+n
a − (r − n) = 2n
∴ a ≡ r − n (mod n)
Por exemplo, 48 quando dividido por 17 deixa resto 14 (48 = 17 · 2 + 14). Isso significa que 48 ≡ 14
(mod 17), e também que 48 ≡ 14 − 17 ≡ −3 (mod 17). Isso geralmente é importante para resolvermos
alguns problemas.
1.1.1 Soma
a − b + c − d = kn + k 0 n
a + c − (b + d) = n(k + k 0 )
∴ a + c ≡ b + d (mod n)
1.1.2 Multiplicação
a·c = (kn + b) · (k 0 n + d)
ac = n2 kk 0 + nkd + nk 0 b + bd
ac = n(nkk 0 + kd + k 0 b) + bd
ac − bd = n(nkk 0 + kd + k 0 b)
∴ ac ≡ bd (mod n)
Essa propriedade é muito importante quando temos que resolver problemas, como o seguinte:
33 ≡ 27 ≡ −1 (mod 7)
Isso por que 27 − (−1) = 28, que é múltiplo de 7. Então, podemos usar a propriedade das potências:
3
(−1)515 · 32 ≡ −1 · 9 (mod 7)
9≡2 (mod 7)
1547
3 ≡ −2 (mod 7)
1547
Assim, concluı́mos que 3 ≡ −2 (mod 7). Mas isso não é o resto desejado. Mas como 5 ≡ −2
(mod 7), então concluı́mos que:
31547 ≡ 5 (mod 7)
Ou seja, o resto da divisão de 31547 por 7 é 5. Se fossemos desenvolver a potência pra depois dividirmos,
terı́amos algo como:
1547
3 =
12781477248950761899960882052762428818517530460756609060071293313329921182439312
08195252453911940407248823040426728537683887132809592348556931645930676336373480
98377684914081314189848414610606360174355550233771109555732794607789774271054575
69231234025372018993872285250128138150430010917932913841749334563557564236433226
78739586802627323487331734988987061453883203484231274116008854024034998426248162
71061568248602938464769352972973435955545085399284184000980594746750310465852883
66968160137612812273148698532369002651669960099499520298034874610937521496980654
32480485486899751064720986286152508488294500082688371530660676313706690474461515
79050589537151641751486239980324880744107988304881971832193258079097061898561562
1499990424350497787
Ou seja, as congruências são muito bem vindas nesses casos. Para finalizarmos, alguns problemas que
eu selecionei.
1.2 Problemas
Problema 1.2 Ache o restos de cada caso abaixo:
(a) 25345 dividido por 7.
(b) 2131 dividido por 17.
(c) 8796321 + 164 dividido por 5.
(d) 4100 + 3230 dividido por 3.
Problema 1.3 Vamos mostrar que nenhum número da forma 4n + 3 pode ser escrito como a soma de
dois inteiros quadrados perfeitos.
(a) Mostre que o quadrado de um inteiro só pode ser congruente a 0 ou 1 módulo 4.
(b) Use (a) para mostrar que se x e y são inteiros, então x2 + y 2 só pode ser congruente a 0,1 ou 2 módulo
4.
(c) Use (b) para mostrar que um inteiro da forma 4n + 3 não pode ser escrito como a soma de dois
quadrados de inteiros.
Problema 1.4 Se 2a + b é divisı́vel por 3, mostre que a ≡ −2b (mod 3).
Problema 1.5 Encontre o último algarismo do número 12 + 22 + 32 + · · · + 992 .
4
2 Equações Diofantinas
Equação diofantina é toda equação com coeficientes inteiros, que se apresenta na forma:
ax + by = c (2.1)
Recebem esse nome devido à Diofanto de Alexandria, um algebrista grego que viveu no séc. III. Sua
principal obra, “Aritmética” contém os métodos para resolvermos equações assim.
Essas equações só apresentam solução se mdc(a, b) divide c. Isso por que podemos reduzir qualquer
equação dessa a outra equivalente dividindo a e b por mdc(a, b). Logo, se c não for divisı́vel por mdc(a, b),
então não há como efetuar a divisão inteira. Vamos explicar melhor:
a = mdc(a, b) · a0
b = mdc(a, b) · b0
mdc(a, b) · a0 x + mdc(a, b) · b0 y = c
mdc(a, b) · (a0 x + b0 y) = c
Como podemos ver, a equação só admite solução se mdc(a, b) | c. Caso contrário, não terá soluções
inteiras. Agora, supondo que mdc(a, b) | c, então existe um c0 tal que c = mdc(a, b) · c0 . Logo, obtemos:
a0 x + b0 y = c0
Com isso, vemos que toda equação diofantina da forma ax + by = c corresponde a uma outra, da forma
a0 x + b0 y = c0 , onde mdc(a0 , b0 ) = 1. Isso simplifica bastante os cálculos. Outra coisa que devemos saber,
é o Teorema de Bézout. Ele diz o seguinte:
Teorema de Bézout. Dados dois inteiros a e b, então existem inteiros x e y tais que
ax + by = mdc(a, b)
Então, se reduzimos uma equação para a forma a0 x + b0 y = c0 , onde mdc(a, b) = 1, então existem
inteiros x0 e y0 tais que
a0 x0 + b0 y0 = 1
Multiplicando ambos os lados por c0 , obtemos
a0 c0 x0 + b0 c0 y0 = c0
2
16 6
4
(ii) Pegamos o resto 4 e escrevemos ao lado do 6 na tabela. Agora, dividimos 6 por 4, obtendo 6 = 4·1+2,
e escrevemos na tabela:
2 1
16 6 4
4 2
5
(iii) Pegamos o resto 2 e escrevemos ao lado do 4 na tabela. Agora, dividimos 4 por 2, obtendo 4 = 2 · 2,
e escrevendo na tabela, fica:
2 1 2
16 6 4 2
4 2 0
(iv) Como obtemos resto 0, então o mdc(16, 6) = 2, que é o último resto não nulo.
Além de descobrirmos o mdc(16, 6), podemos descobrir mais coisas, apenas observando a tabela:
2 = 6−4·1
4 = 16 − 6 · 2
2 = 6 − (16 − 6 · 2)
2 = 6 − 16 + 6 · 2
2 = 6 · 3 + 16 · (−1)
Observe só ! Obtivemos dois inteiros, 3 e −1 tais que 6 · 3 + 16 · (−1) = mdc(16, 6) = 2. Sendo assim,
poderı́amos aplicar isso para resolvermos a nossa equação diofantina:
16x + 6y = 8
Como sabemos que 16 · (−1) + 6 · 3 = 2, podemos multiplicar essa igualdade por 4, obtendo:
16 · (−4) + 6 · 12 = 8
Assim, obtivemos a solução (−4, 12) para a equação 16x + 6y = 8. Porém, poderı́amos ter feito de
outra maneira: reduzir a equação. Se dividirmos a equação por mdc(16, 6) = 2, obtemos
8x + 3y = 4
Então, calculamos mdc(8, 3):
(i) Dividimos 8 por 3, obtendo 8 = 3 · 2 + 2. Escrevemos isso em uma tabela:
2
8 3
2
(ii) Pegamos o resto 2 e escrevemos ao lado do 3 na tabela. Agora, dividimos 3 por 2, obtendo 3 = 2·1+1,
e escrevemos na tabela:
2 1
8 3 2
2 1
(iii) Pegamos o resto 1 e escrevemos ao lado do 2 na tabela. Agora, dividimos 2 por 1, obtendo 2 = 1 · 2,
e escrevendo na tabela, fica:
2 1 2
8 3 2 1
2 1 0
(iv) Como obtemos resto 0, então o mdc(8, 3) = 1, que é o último resto não nulo.
Podemos agora, observar os números da tabela para encontrar os inteiros x e y tais que 8x + 3y =
mdc(8, 3) = 1:
1=3−2·1
2=8−3·2
1 = 3 − (8 − 3 · 2)
1 = 3 − 8 + 3 · 2 = 8 · (−1) + 3 · 3
Agora, multiplicando a igualdade acima por 4, obtemos 8 · (−4) + 3 · 12 = 4.
6
2.2 Mais soluções
Agora que já sabemos como obter a solução de uma equação diofantina (quando ela existir), podemos
encontrar todas as soluções. Mas como isso ? Não existe somente um resultado ? A resposta para essa
pergunta é não, e isso é o que veremos adiante:
Seja x0 e y0 uma solução particular da equação ax+by = c, onde mdc(a, b) = 1. Então as soluções
da equação são da forma x = x0 + tb e y = y0 − ta, para t variando em Z.
Demonstração. Se x, y é uma solução qualquer da equação, temos que
ax + by = ax0 + by0 = c
daonde
ax − ax0 = by0 − by
a(x − x0 ) = b(y0 − y)
a y0 − y
=
b x − x0
a a
Como mdc(a, b) = 1, então a fração é irredutı́vel. Ou seja, para t inteiro, podemos multiplicar
b b
t
por , obtendo uma fração equilavente. Logo:
t
ta y0 − y
=
tb x − x0
x − x0 = tb ⇒ x = x0 + tb
y0 − y = ta ⇒ y = y0 − ta
Substituindo esses valores na equação ax + by = c, obtemos:
a(x0 + bt) + b(y0 − ta) = ax0 + by0 + abt − bat = ax0 + by0 = c
x = −4 + 3t
y = 12 − 8t
De fato, fazendo t = 2, temos a solução x = −4 + 3 · 2 = 2 e y = 12 − 8 · 2 = −4, o que nos dá:
8 · 2 + 3 · (−4) = 16 − 12 = 4
2.3 Problemas
Problema 2.1 Encontre todas as soluções das euqações a seguir:
(a) 5x + 3y = 1
(b) 24x + 9y = 6
(c) 7x + 4y = 5
(d) 13x + 8y = 4
Problema 2.2 Uma aluna, Bianca, fã de música, reserva num certo mês uma certa quantia para a compra
de CDs ou DVDs. Se um CD custa R$ 12,00 e um DVD R$ 16,00, quais são as várias possibilidades de
aquisição de um deles ou de ambos, gastando-se exatamente R$ 70,00? E qual a equação que representa
este problema?
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Problema 2.3 Com os conhecimentos sobre congruências e equações diofantinas, você consegue obter
as soluções para as equações a seguir ?
(a) 4x ≡ 3 (mod 7)
(b) 3x ≡ 1 (mod 4)
(c) 2x ≡ 3 (mod 5)
(d) 4x ≡ 7 (mod 11)
Referências
[1] S. C. Coutinho. Números Inteiros e Criptografia RSA. IMPA e SBM, 2000.
[2] S. C. Coutinho. Criptografia. IMPA, 2008.
[3] A. Hefez. Iniciação à Aritmética. IMPA, 2009.
[4] S. Jurkiewicz. Divisibilidade e Números Inteiros: Introdução à Artimética Modular. IMPA, 2007.