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Angela Maria Carneiro (Aradjo® .° Ng (A / Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos Anos 30 Tese de Doutorado apresentada a0 Departamento de Ciéncia Politica do Instituto de| Filosofia © Ciéncias Humanas da Universidade| Estadual de Campinas, sob a orientaglo da Prota _ {Marie Herminia B. Tavares de(Almeida 4 / | ! | | Este exemplar corresponde 4 redac’ [final da tese defendida e aprofada pela comissio Julyadora ey Margo de 1994 A Lili, minha mae. A Anténio, Carol . Conceigao ¢ Evelina, amigos "pra se guardar do lado esquerdo do peito” AGRADECIMENTOS INTRODUGAO PARTE I- CORPORATIVISMO E CONSENTIMENTO Capitulo I - Revolugdo Passiva ¢ corporativismo 1.1 ~ Revolugdo passiva ¢ transformismo 1.2 - Revolugio passiva e ampliagdo do Estado 1.3 - Revolugio passiva e projeto hegeménico 1.4 - Revolugdo passiva, guerra de posigdo e formas de hegemonia 1.5 - Fascismo e corporativismo 1.5.1 Corporativismo ¢ governo das massas 1.5.2 Corporativismo e gestio da economia PARTE IT- A CONSTRUCAO DO PROJETO AUTORITARIO- CORPORATIVO Capitulo Il - Os atores e suas idéias: a elaborago do projeto autoritario- corporativista 2.1 - 0 Projto corporativsta dos inteleetaais 2.1.1 Antiliberalismo e revolusio peto alto 2.1.2 Estado autoritario e corporativismo 2.13 Desenvolvimento econdmico eindustrializaglo 2.1.4 Comporatvismo e questao social 2.2- 0 Projeto corporativista dos tenentes 2.2.1 A critica As instinuigbes liberais ¢ a construgdo do Estado Nacional 2.2.2 Corporativismo e construgdo de uma economia nacional 2.2.3 Estado corporativo e democracia corporativa 2.2.4 Corporativismo e justiga social 2.2.5 A proposta de sindicalizagao ¢ representagao potitica das classes 7 18 19 aL 26 28 29 31 35 36 39 40 46 82 87 62 0 72 4 Capitulo IH O Projeto Autoritério-corporativista e suas bases de sustentaco 3.1 - O corporativismo na fala de Getilio Vargas 3.2 - As origens do corporativismo: 0 Ministério do Trabalho 3.3 - As origens do corporativismo: a Lei Sindical de 1931 3.4 Tenentes « oligarquias regionais 3.4.1 A instituigdo da representagto das classes 5.4.2 A reorganizagio pantidaia 3.4.3 Os debates na Constituinte 3.4.4. discussdo do substitutivo 3.5 - Burguesia urbana ¢ corporativismo no pés 30 3.5.1 A burguesia industrial frente ao Governo Provisério 5.5.2 A burguesia frente legislagdo social 3.5.3 O empresariado e a lei de sindicalizagio 3.54 Os empresirios na Constiruinte de 1933/34 PARTE Hl - COOPTAGAO E RESISTENCIA: A CONSTRUCAO DO SINDICALISMO CORPORATIVO Capitulo IV - As estratégias de cooptaco do Ministério do Trabalho ¢ a resisténcia dos trabalhadores 4.1 ~ As greves de 1930 ¢ a roorganizagio do sindicalismo auténomo 4.2 + A resisténcia & lei de sindicalizagiio 4.3 = As greves de 1931 4.4 - As greves de 1932 4.5 - A Revolugdo de 1932 ¢ os trabalhadores Capitulo V - As lideraneas sindi 5.1 Os anarco-sindicalistas 5.1.1 A atuagio dos anarco-sindicalistas no movimento sindical dos anos 30 5.1.2 Os anarquistas e a legislagio trabalhista 5.1.3 O anarcosindicalisme frente & lei de sindicalizagao is e a construcio do sindicalismo corporativo 5.2 Os “amarelos" ¢ 0s socialistas ‘5.2.1 Os "amarelos'e a sindicalizagdo corporativa 5.2.2.0 socialismo “tenentista” 5.3 Os comunistas 5.3.1 Os comunistas ¢ a sindicalizagio oficial 5.4 Os wotskistas 5.4.1 Os trotskistas ¢as leis sociais 34,2 ALC] ea lei sindical SR 98 104 106 109 113, a7 12 124 130 139 152 153 153 159 163 167 174 177 179 130 183 138 191 194 204 207 2 218 220 224 Capitulo VI- A implantacio do sindicalismo corporativista 6.1 A campanha de sindicalizagdo oficial 6.2 As eleigdes elassistas 6.3 A atuagio da bancada classista dos trabalhadores 64 A nova lei de ferias 6.5 A nova lei de sindicalizagao 6.6 Novas temtativas de organizagéio independents 6.7 Sindicalismo oficial ¢ movimento grevista 6.8 Insubordinagdo politica e fortalecimento do sindicalismo corporativo 6.94 derrota do projeto sindical independente CONCLUSAO ANEXOT ANEXO II BIBLIOGRAFIA 233 234 243 247 256 260 263 268 274 281 286 296 31k 315 Agradecimentos ‘A Marie Herminia Tavares de Almeida, minha orientadora, devo muito do meu aprendizado como pesquisadora Beneficiei-me, 20 iongo destes anos de convivio intelectual, da sua postura de profissional séria e exigeme. Recebi dela criticas © sugestoes pertinentes, mas tambem estimulo € liberdade para que cu pudesse desenvolver minhas proprias ideias Do CNPq e da FAPESP recebi as bolsas que permitiram o desenvolvimento de box parte da pesquisa, iniciada quando este trabalho era ainda uma dissertagao de mestrado. Da Capes e da Comissto Fulbright, recebi o apoio financeiro para realizar um ano de estudos na Universidade de Stanford, EUA. ‘Aos funcionarios do Arquivo do Bstado de Sao Paulo pela gentiliza com que me atenderam. A Mariza Zanaia e a todas as funcionérias do Arquivo Edgard Leuenroth, cuja eficiéncia e atenco, em muito facilitaram o trabalho, enriquecedor e instigante mas também cansativo, de pesquisa nas fontes historicas. ‘Ans colegas de tusma e professores do Doutorado, com os quais participei de um debate académico muito estimulante e com quem aprendi a importancia do dialogo interdisciplinar. Aos colegas do Departamento de Ciéncia Politica, pelo estimulo e por terem me concedido licenga para o periodo de estudos nos Estados Unidos e um semestre sem carge didatica, para concluir a redagio deste trabalho ‘Aos professores Ledncio Martins Rodrigues ¢ Juarez Brandlo Lopes, agradego a leitura criteriosa ¢ as criticas formuladas aos capitulos tebricos que apresentei no exame de qualificagao, 'A Michael Hall, pela leitura e discusséo de partes da primeira versio ¢ pelas imimeras indicagdes bibliograficas e de fontes primarias. Minha estadia na Universidade de Stanford, foi muito importante para o redirecionamemto das questdes discutidas nesta tese , assim com pare 4 abertura de novos horizontes de pesquisa. Tempo de enriquecimento intelectual, minha estadia nesta universidade nao teria sido tio proveitosa sem o apoio, carinho ¢ a atengao de que fui cercada ‘Ao Prof Phillippe Schmitter, que me recebeu e foi meu oriemador, nesta estadie, devo fayradecimentos especiais. O contaio com uma vasta literatura, norte americana ¢ européia, sobre o corporativismo, que me proporcionou, ¢ suas sugestdes, fruto de uma leitura sempre atenta dos jextos que produzi, foram muito estimulamtes para minha pesquisa. Os cursos ministrados por ele & as discussdes 1éte-i-téte, despertaram em mim um vivo interesse pela pesquisa comparada , mas que infelizmente nao pude deseavolver para esta tes 'A Sharon Philips devo o convite para trabalhar no Center for Latin American Studies (Bolivar House), onde tive a oportunide de manter um convivio imelectual estimulante com outros estudanies @ pesquisadores latino americanos ¢ larinamericanisis. Neste Centro, aprendi muito sobre a América Latina, principalmente, sobre Mexico e Argentina, paises, cujas trajetorias corporativistas me interessavam de perto. [Ao Prof Richard Fagen . diretor da Bolivar House, devo a gemtiliza de ter me garantido um espaco de trabalho nesta casa, @ suas observagSes criticas ¢ sugestdes de carater metodoldgico ao primeiro texto que escrevi sobre as questées tedricas da tese ‘Ainda na Bolivar House contei com a competéncia adinistrativa ¢ o bom café forte feito por Jutta Mohr. Com Mirian Komblit e Mauricio, com quem dividi a sala de trabalho. ¢ com Tom Cohen, pude debater idéias. trocar experiéncias e compartilhar momentos agradaveis de papos literarios e posticos © apoio emocional dos amigos de Campinas e Siio Pauio foi fundamental Com Ana, companheira de casa por muitos anos. compartilhei muitas idéias. emogdes ¢ os primeiros passos, ainda inseguros, no terreno da pesquisa com a documentagao histérica, Dela ouvi criticas severas a0s primeiros textos que produzi, mas tambem muitas palavras de conforto e de estimulo Daqueles tempos de intenso iraballio nos arquivos e aguerrida mitizancia feminista, lembro-me com muito carinho, Arilda, Conceigao, Carol, Dora, Dione, Dal, Antonio, Rosangela, Flora, Rose, Cristina ¢ Denise fstiveram ao meu lado nos momentos gratificantes € nos momentos de inseguranca ¢ angistia. A Antonio devo, alem disso, os" helps” nas dificuldades com a informatica Nana esteve presente em momentos significativos, com sea apoio afetivo, aqui ¢ nos Estados Unidos Ajucou na datilografia da primeira versio, nos levantamentos bibliograficos nas bibliotecas de Stanford e nas copias de todo 0 material que eu trouxe de Ja, Além disso, encarregou-se muitas vvezes das tarefas domésticas para que eu pudesse dispor de mais tempo para a pesquis Jorge Tapia, colega e amigo desde os tempos do mestrado, foi uma presenga intelectual constante no desenvolvimento deste trabalho, Com ele debati muitas das idéias que desenvolvo neste texto. Suas, opinides e observagées argutas me ajudaram, em varios momentos, a aprimorar e refinar meus argumentos. Estabelecemos nao s6 um debate enriquecedor, mas uma parceria intelectual que tem sido muito produtiva ‘A Sandra, minha itma, pela paciéncia com que aguentou meus momentos de irritagéo e nervosismo, por ter garantido a infraestrutura domestica ¢ assumido muitas das minhas tarefas cotidianas, o que me deu a tranquilidade necessaria para concluir. neste ultimo ano, a redagao deste trabalho. Na fase final de corrego, edi¢do e impresso da tese, contei com a colaboracio e com a generosiciade de varias pessoas ‘Ao Evaldo ¢ & Luciana, do CPD do IFCH, agradego a digitagto dos quadros e tabelas, Conceigio, Marcia ¢ Raquel Meneguello ajudaram na corregao final do texto. Raguel. além disso, liberou 0 uso do computador ¢ de impressora do Cesop para que eu fizesse a impressio final, concedeu-me varias horas de ajuda na formatago das tabeias e quadros e na solucao dos problemas de impressio. Lylia me dew uma grande forga na fase final. Leu e fez a revisto de varias partes do texto tomando sua redagio mais elegante ¢ compreensivel Sérgio Queiroz cedeu-me, yentilmente, seu escritorio seu micro e me facilitou o uso de uma sala e um computador no Instituto de Geoeiéncias. Alem disso, gastou preciosas horas de suas férias para ajudar-me na conversdéo dos meus disquetes originais para o Word for Windows ¢ na formatagao e edigio final do texto. Sem a sua ajuda @ apresentacao urafica desta tese, seguramente, estaria comprometida aii Finalmente. a Evelina Dagnino egradego a amizade. 0 apoio constante ea confianga que foram essenciais para a realizagdo deste trabalho, Com ela debati longamente a perspectiva teorica € as idéias cemtrais deste tese. Beneficiel-me de sua leitura rigorosa de uma grande parte do texto, das questdes inteligentes que ela me colocava bem como de sua cniticas e sugestdes. Dela veio, em grande medida, « forga para que eu chegasse até aqui INTRODUCAO © objetivo deste trabaiho ¢ discutir as condigdes que permitiram a adogao do corporativismo como estratégia de incorporagio politica da classe trabalhadora no Brasil dos anos 30, Minha intengio é examinar, mais especificamemte, as condigdes que tomaram possivel 2 implantagdo do sindicalismo corporativista, visto aqui, como dimenséo crucial de um projeto autoritario de reestruturagdo das relagdes Estado/Sociedade, articulado e implemeniado pelo Estado. O éxito deste projeto pode ser constatado tanto pela sobrevivéncia da estrutura sindical corporativista, quanto pela persisténcia, até quase os nossos dias, de um padrio de atuagao da classe trabalhadora que, fortemente marcado pela presenga e tutela do Estado, bloqueou @ sua constituigao como sujeito politico auténomo. Na analise desta problemética, examino, de um iado, es condigGes relacionadas & reorganizacio do Estado e do campo ideoldgico, bem como a correlagao de forgas que possibilitaram a implementaglo desta estratégia de incorporagio controlada dos trabalhadores, vie corporativisme. De outro, procuro explicar a reagao da ciasse trabalhadora, analisando as formas de resisténcia que opds a estratéyia de incorporagdo do Estado ¢, principalmente, sua adesio 20 sindicalismo corporativo A pratica oruanizativa, tanto sindical quanto politica, constitui um dos elementos centrais do proceso de constituigao da identidade coletiva dos trabalhadores. (Przeworski, 1977; Gomes.1987} Neste sentido, a mudanga na forma de organizacio dos trabalhadores brasileiros, operada de cima, pelo Estado, a partir da igi sindical de 1931, teve influéncia decisiva no proceso de formagio da sua identidade de classe e na sua constitui¢20 em ator politico. A Gagilidade dos partidos no Brasil e 2 auséncia de partidos operarios de masse tornaram 0 sindicato corporativo © principal instrumento para o desenvolvimento da agao coletiva ¢ politica dos trabalhadores. Foi, principaimente, através dele que os wabalhadores brasileiros se constituiram. a partir dos anos 30, em forga politica central no cenario nacional Por este motivo, os anos 30 tém sido interpretedos pela historiografia como um momento de ruptura no processo de formagao da classe trabalhadora, que vinha sendo conduzido, nas 1rés primeiras décadas do século, pelos proprios trabalhadores através de suas organizagdes autonomas, Considera-se que, # partir desta década, a aruagio politica dos trabalhadores foi marcada pela sue subordinagao @ formas de organizagto criadas e controladas pelo Estado e a objetivos politicos de elites externas & classe ‘A importancia do intervencionismo do Estado na incorporagao politica dos trabalhadores, (e, inclusive das classes empresarisis urbanas) € na conformacao de sua identidade de classe, constitui uum consenso nesta literatura. Entretanto, ha imerpretagdes divergentes em relagdo aos fimdamentos da capacidade de interveneio € controle do Estado sobre as classes. a adesio dos trabalhadores és formas tuteladas de organizagao © mobilizagtio e, ainda, quanto @s implicagdes do_sindicalismo corporativista para a atuaco politica destas classes, 2 Em relagdo a estas questdes € possivel identificar, na historiografia sobre os anos 30, pelo menos dues interpretagdes consagradas!. Para a primeira, a situagdo politica do periodo ¢é vista como uma situagao de crise de hegemonia, cuja origem localiza-se na fragmentacao econémica e politica da oligarquia agriria ¢ na fraqueza estrutural da burguesia industrial. Este crise levou ao estabelecimento de um Estado forte, dotado de uma burocracia aut6noma, capaz de promover de cima a industrializagao intervir nas relagdes entre as classes, organizando-as e concedendo um conjunto de beneficios aos trabalhadores, mesmo contra a resisténcie dos setores dominantes. (Weffort, 1966, Rowland, 1974, Almeida, 1978: Rodrigues. 1986) A fragiiidade estrutural das classes dominantes explica, portanio, a autonomizagao e poder de intervengao do Estado na vide econdmica ¢ social Nesta linha imerpretativa, 2 adesao dos trabalhadores aos sindicatos oficiais. explica-se seja pela madanga na composi¢ao da classe operiria, flndamentaimente, pela origem rural recente dos novos contingentes operirios (Rodrigues, 1986), seja pela debilidade do movimemo operirio preexistente, carente de tradi¢ao organizativa e de experiéncia politica anterior. (Aimeida, 1978) Aqui. € também a fraqueza da classe - no caso, da classe trabalhadora, decorrente das condigoes sécio-econémicas da sua formagio ou das suas condigdes “subjetivas’ -, a variavel explicativa fundamental ‘A segunda vertente percebe o proceso de transigfo da ordem agro-exportadora para a industrial como um processo de "Revolugao pelo alto", que se realizou sob a lideranga das elites agririas tradicionais, Reconhecendo que a transigdo pata o capitalismo industrial no Brasil se deu sem hegemonia burguesa, esta vertente explica o fortalecimento ¢ intervencionismo do Estado como © resultada da tomada do poder pela fragdo agraria nao exportadora em alianca com as classes urbanas emergentes, através do movimento revolucionario de 1930. (Vianna, 1976; Antunes, 1988) Contrapondo-se as idéias de atraso € fragilidade da classe trabalhadora, estas analises enfutizam a sua resisténcia ao atrelamento das entidades sindicais e destacam o papel da repressio € desmobilizagio do movimento operario organizado como condigdo para a imposi¢éo da estrutura sindical corporativa. (Vianna, 1976, Antunes, 1988) Ressaltam, ainda, que o Estado- via corporativismo - combinou coergéo e manipulagao da massa trabalhadora de modo a garantir a sua aquiescéncia, Entretanto, buscam explicar esta aquiescéncia atraves dos argumentos da tradigéo sociolégica’ ela teria sido facilitada pela mudanga na composic&o desta classe ¢ teria sido maior nas regides de baixissima industrializagdo ¢ entre um operariado de origem recente e politicamente inexperiente. (Vianna, 1976) A critica mais importante que se pode fazer primeira vertente interpretativa, diz respeito & propria nogdo de classe embutida nestas andlises. A explicaglo de fragilidade das classes pelos condicionantes estruturais da economia brasileira ¢, no piano politico, pela incapacidade destas " Noo pretendo discutir exaustivamente estas duss vertentes interprets. mas apenss recupersr, resumidamente, sas idéles pinorpas, com © objetivo de silusr os argumenios que sero desenvolvidos nese Uabslho, Para ume discussao exaustva da Inveraiua folativa classe wabelhadora no Hrasil yer Vianna (1978), Paoli. Sider e Telles (1986) 3 classes de construir projetos hegeménicos auténomos e pela auséncia de partidos nacionais fortes indica que as classes so pensadas como entidades monoliticas, que compartitham imeresses estabelecidos objetivamente, a partir da sua insergdo na produgao. Identifica-se as classes na sua constituiclio. em agentes politicos com as classes definidas a partir de lugares na produgdo ¢ confunde-se interesses e aspiragées politicas com interesses corporativos > ‘Alem disso, a afirmagao da auséncia de um projeto hegeménico de classe, configurando uma crise de hegemonia que perdura sem solug&o, condiciona a existéncia de um tal projeto & sua elaboragio por membros ou representantes politicos diretos da classe hegeménica, mais provavelmenie por um partido claramente idemiificado com ela, Busca-se, entio, uma correspondéncia direta entre um partido, uma classe e um determinado projeto politico deixando de contemplar a possibilidade de que, enquanto atores politicos, membros de uma mesma classe se dividam entre partidos e/ou projetos hegeménicos concorrentes. Esta vertente, em conseqiencia, perde de vista que as organizacdes partidarias estrito senso, nao detém 0 monopélio da formulagdo de projetos globais para a sociedade. Principalmente nas situagdes onde os partidos so fracos ou inexistentes, outras forgas, como sindicatos. igrejas, jornais e associagoes, podem estar envolvidas na elaboragao dos projetos hegeménicos ¢ na organizagao do consenso.(Gramsci, 1976) Nestes casos, os intelectuais organicos, que detém o papel primordial na elaboragio destes projetos, devem ser encontrados menos entre os politices do que entre jornalistas, académicos, membros de instituigdes religiosas, lideres sindicais e setores da burocracia.> Mais importante ainda, cla desconsidera que os projetos hegemsnicos devem levar em conta a correlagao entre todas as forgas sociais e politicas e nfio apenas entre as classes. definidas pelas relagdes de produgao. Desconsidera portanto, em conseqiiéncia, que dada esta caracteristica dos Projetos hegemdnicos, os partidos politicos envolvidos na sua elaboracho serio mais provavelmente aqueles que conscguirem incorporar os interesses de outras classes ¢ forgas sociais, compatibilizando-os com os interesses dé longo prazo da classe que aspira a hegemonia e nao agueles que afirmarem seu carater de classe 4 Os estudos que adotaram o marco analitico da "revolugao pelo alto", mesmo aceitando as teses da autonomizagao do Estado © da incapacidade hegeménice de qualquer fragio das classes dominantes no pos-30, questionaram o suposto da fragilidade e passividade das classes, propondo-se a resgatar 0 potencial de atuagdo auténoma de grupos ¢ forgas da sociedade civil. Alguns autores destacaram a importancia do empresariado como ator politico estratégico na conformagao do nove esquema de aliangas que se consolidou a partir de 30. Enfatizaram o papel das entidades empresariais fra promogao dos interesses deste setor e sua influéncia seja na determinacao do contelido e da forma que a politica trabalhista acabou adquirindo, seja na criagdio das condigdes para a implantagao de uma politica industrial. (Diniz, 1978; Gomes, 1979) 2 Para uma viso critica destas conepedes ver Proeworski (1977) ¢ Thompson (1982), 3 Para a detnico de "intlectusis orgariens'. ver Gramsci {1971:5/93, 66) € 289294) 4 Ver sobre isto Jessop (7982) e Grumsei (1976) 4 Na mesma perspectiva, trabalhos mais recentes chamaram atenc3o para o papel das entidades empresariais, desde os anos 20, no desenvoivimento de um projeto industrial e na definig’o do modelo de corporativismo que foi implantado definitivamente no Estado Nove. (Leopoldi, 1984 ¢ Costa, 1991) Vianna (1976) ja havia salientado que a transi¢ao "pelo alto" ter exigiu a proposigao de um projeto universalizante, capaz de abrigar os interesses divergentes das diferentes forgas participantes a coalizao dominante, que orientou a politica do Estado pare a implantagio da ordem corporativa corporativismo € a legislagdo social foi interpretado, por este autor, como meio de subordinacdo da classe trabalhadora, de dissimuiagao dos conflitos entre as classes e, nesta medida, de realizagao Go industrialismo. O mérito destes trabalhios esti, no meu entender, no fato de que o reconhecimento da presenga de um Estado autonomizado, forte e interventor nao eliminou, de suas anilises, a existéncia de um projeto politico universalizante, de cunho corporativista, capaz de orientar as agoes das elites. a reestruturagao do préprio Estado e de suas relagdes com a sociedade. E também uma contribuigdio relevante, 0 esforgo destes autores no sentido de recuperar © impacto da atuago politica de trabalhadores e empresrios sobre o conjunto das relagdes de forga existente. Entrezanto, no que se refere a relagao do Estado com os trabalhadores, a énfase destes estudos recai apenas no seu aspecto negativo, repressor ¢ manipulador. Penso, que 0 projeto corporativo do Estado no pés-30 visava a incorporaco politica, sob controle, dos trabalhadores ¢ nao a sua excluséo. Visto desta perspectiva, a politica estatal voltada para os rabalhadores continha uma inegavel dimensao positiva, em que pese os aspectos negativos de repressio © manipulagio. Positividade que significava produgde do consentimento, através do acendimento efetivo de uma parcela dos interesses concretos desta classe, como também de toda uma produgao ideolégica que, - interpelando os trabalhadores enquanto classe “econémica”, reconhecendo-os enquanto “forgas vivas da nacho", dotando-os de direitos. e concedendo-lhes canais de participagao politica -. reve consequéncias diretas sobre 0 processo de formagao da classe trabalhadora.> O reconhecimento desta dimensao positiva, incorporadora, da politica do Estado varguista parece-me fundamental para a compreensao da aceitagao e adesao dos trabalhadores as instituigdes corporativistas, assim como de sua longevidade. Ao salientar a resisténcia dos trabalhadores e 0 carater coercitivo e desmobilizador da nova estrutura sindical, os estudos a que estou me referindo acabam por subestimar o papel dos trabalhadores © de suas organizagdes de classe na conformasio do novo padi de relagdo Estado/classes que se estabeleceu no pos-30. Assim, deixam na sombra a adeso militante & nova estrutura de setores importantes do "velho" sindicalismo ¢ de segmentos da esquerda dos centros mais industrializados, bem como @ intensa mobilizagao e politizagio dos "novos sindicatos oficiais”, na conjumura de 34 € 35. Desse modo, descartam a possibilidade de que o consentimento dos trabalhadores esteja ligado > Tonio a nogdo de "formayao da clase uabulhuutora® de acorée com a detinigze dada por Pareworski (1977) 5 a imteresses de classe e soja, em parte, também consequéncia de propostas e escolhes politicas entre ahernativas historicamente condictonadas. Cabe considerar, finaimente, a vertente de interpretago que se desenvolver. nos anos 80, procurando romper com os paradigmas predominamtes até entio, através do resuate da agiio e intervengao das classes subalternas na historia, Questionando as idéias de atraso, debilidade ¢ heteronomia de ciasse operaria brasileira, bem como a nogio de um Estado demiurgo, alguns estudos contribuiram com o esforgo de recontar a historia dos anos 20 ¢ 30, recuperando o papel da luta politica entre classes ¢ grupos sociais e enfatizando as agdes e opgbes politicas da classe trabalhadora. (De Decca, 1981 e Munakata,1981 ¢ 1982) Contudo, no aff de revisar as interpretagdes correntes, a afirmagao do papel das classes, - que ‘em tais interpretaydes estariam ausentes do processo histérico, inteiramente dominado pelo Estado - levou alguns autores desta vertente a cair no extremo oposto. Assim, ao afirmar enfaticamente 0 papel da luta de classes, acabaram por reduzir o processo hiistérico 0 enirentamento puro e simples centre o capital ¢ 0 trabalho. Do mesmo modo, mereceria uma reflexao te6rica mais profunda a critica a nogao de "crise de hhegemonia", substituida nestes estudos pela idgia de que presenciou-se, nos anos 30, 'a mais completa hegemonia" (Munakata, 1982) Este trabalho inscreve-se neste esforgo de questionamento das interpretagdes dominantes sobre a relagdo Estado/classes trabalhadoras no Brasil. Entendo que a implantagio do. sindicalismo corporativista nos anos 30 deve ser pensada como o resultado de uma luta politica, na qual os trabalhadores estavam implicados enquanto sujeitos capazes de realizar escolhas determinadas Diferentemente de alguns zrabalhos desta uitime vertente, acredito que 0 processo histérico rio pode ser reduzido a Iuta entre capital e trabaltio. Para superar este reducionismo considero necessario romper com a visio das classes como segmentos sociais que se opéem ¢ se enfrentam como biocos homogéneos. F preciso levar em conta a existéncia de interesses e posigdes politicas divergentes no interior de uma mesma classe, além de romper com a postura que confiunde pritica politica com pritica politico-partidaria, admitindo a existéncia de outros canais para a articulagéo de interesses € acesso ao sistema politico.® Compartilho da perspectiva das anilises que adotam uma visio integrada das relagdes entre Estado ¢ Sociedade.’ Isto significa, no meu entender, adotar, ao lado de uma compreensio das classes como sujeitos politicos, uma visto nfio monolitica do Estado. Em outros termos, significa pensar 0 Estado nfo mais como estrutura exterior as praticas dos diferentes agentes, mas como um campo relacional®, que pode se manter no tempo enquanto atualizado pelas agdes ¢ relagdes sociais que Ihe dio sentido e sustentago. Desta perspectiva, parece-me possivel resgatar, para a andlise da relagio Estado/classes © Sobre isto ver Gomes (19751), Porantiero £1585), Praeworsk, (197 7 Ves por exemalo Diz, (187%: 32-42) 8 Sobre a coneepede relacional do Estada ver Poulantaas (1980) Jessop (1982) trabalhadoras no Brasil dos anos 30, a idéia da existéncia de uma crise de hegemonia ¢ o papel de um Estado forte, afirmando, ao mesmo tempo, a presenga politica das classes. Em outros termos, significa pensar o Estado - que emerge reorganizado da crise dos anos 20/30 - como o resultado de tum processo historico no quel os diferentes agentes © forgas politicas atueram dentro de certos limites, a partir de orientagdes e estratéyias politicas determinadas Na consirugae dos argumentos que seréo desenvolvidos neste trabalo busquet subsidios em diferentes analises tedricas. Alem das anilises relativas & problematica da constituigao das classes em agentes coletivos, a literatura relativa a questao do corporativismo, desenvolvida peta ciéncia politica nore americana, ¢ a nogdo gramsciana da revolucao passiva foram meus principais pontos de apoio te6ricos ‘A aquisigfio de cidadania politica € econdmica por parte dos trabalhadores eo desenvolvimento de canais institucionais para a absorgao da participagao de diferentes setores sociais tém sido vistos pela literatura como problemas vitais no desenvolvimento dos sistemas politicos modernos 9 Waisman (1982) observa que no processo de instalagao ¢ desenvolvimento do capitalismo, as crises de incorporagao protagonizadas pela burguesia industrial e pela classe operaria foram momentos cruciais na constituigao ¢ transformagao destes sistemas politicos. Tais crises estiveram na origem das revolugdes modernas, da institucionalizagao ¢ expansyo da democracia liberal na Europa «nos Estados Unidos, dos processos de "Revolugao pelo alto" e da ascensto do nazi-fascismo. Nos paises de industrializagdo tardia, como € 0 caso dos paises latino-americanos, a crise de incorporagao das novas classes foi vivenciada intensamente no século XX, prineipalmente a partir do periodo entre-guerras, quando entra em crise 0 modelo econdmico agrario-exportador ¢ o sistema politico hegemonizado pelas elites agrérias. De acorcio com esta titeratura, dependendo de quem inicia 0 processo, se os trabalhadores ou as elites uovernantes, dois modelos bisi¢os de solugio das crises de incorporago podem ser icentificados: no primeiro, de mobilizagao "por baixo", os trabalhadores demandam participagao € es elites governantes tém que responder & sua pressto € mobilizag2o; no segundo, de modemnizagio conservadora ou revolugao "pelo alto", as elites procuram incorporar os trabalhadores ou camadas populares, com 0 intuito de fortaiecer a ordem social Na tentativa de compreender meinor as diferentes situagSes historicas que cada um destes modelos comporta, Waisman elabora uma tipologia, combinando duas variaveis relacionadas com os sistemas politicos resultamtes: o grau de centralizagao do poder € o grau de legitimidade Ele indica quatro tipos de resultados das crises de incorporagio: acomodacio, polarizacao. exclusio € cooptagao, A cooptagio € © tipo que mais se aproxima do proceso de incorporagio da classe trabalhadora que se realizou no Brasil a partir da década de 30. Ela geralmente ocorre em sistemas politicos aktamente centralizadores mas que alcancam um alto grau de legitimidade ¢ implica a * Ver, por exemplo, 0s rablhes de Lipsel, Hendty. ¢ Marshall 7 incorporacio politica e ideolbgica dos trabalhadores, mas de forma heterénoma, sob 0 controle das lites dominantes. Isto significa que as elites rejeitamn as organizagdes independemes da classe trabalhadora ¢ que esta, por sua vez, nao se opde 4 ordem capitalista. A cooptagio, como a acomodagic, aleanga um alto grau de legitimidade. No entamo, contrariamente a esta ultima, que se caracteriza por um minimo de controle da sociedade pelo Estado e por um fluxo de participagio e "inputs" politicos que se dio de baixo para cima, a cooptagao implica uma participagdo controlada de cima © a “coordenagdo" da sociedade pelo Estado. Em outros termos, a cooptagdo enquamto estratégia de incorporagao esta, em geral, associada aos processos de mudanca controlados "de cima" pelo Estado e, de acordo cam Waisman, tem no corporativismo, seu principal instrumento de realizagao,!0 Examinando as formas de realizagao da estratégia de cooptagao, Waisman sugere a presenga de duas precondigdes essenciais associadas com a emergéncia ou com a manutengio dos regimes corporativistas, Lima delas é a intencionalidade ¢ a iniciativa das elites dominantes em adotar esta estratégia para a incorporagdo da classe trabalhadora e as poiiticas necessarias a sua implementacio. Outta é 2 "predisposigao" da classe trabalhadora a ser cooptada No entanto, como reconhece 0 proprio autor, um modelo que inclua apenas estes dois contendores & muito simplista para aprender a complexidade dos processos politicos, seja por que utras forgas politicas podem estar envoividas € desempenhar um papel importante, seja por que "elites" ¢ "classe trabalhadora’ constituem agregados heterogéneos tanto do ponto de vista funcional quanto do ponto de vista politico. cuja unidade, portanto, nao pode ser assumida de antemao. As "elites" podem incluir em cada caso concreto diferentes coalizdes de forgas politicas e classes sociais. Assim, a determinagao de que conjunto de forgas deram sustentagio politica a adogio e implememacao de um projeto ou proposta corporativista € parte necessaria da explicac&o. Alem disso, ¢ preciso examinar em que circunstancias estas forgas se unficaram em torno de um tal projeto © 0 grau da sua coesdo ideciégica em tomo desta opgao. Quanto a segunda precondicdo, Waisman salienta que tanto a emergéncia quanto a estabilidade dos regimes baseados na cooptagao dependem ndo apenas do controle da representagio politica e funcional pelo Estado mas também do consentimento dos governados, Neste senti lo, a “predisposiqzo da classe trabaihadora a ser cooptade” @ uma precondigdo para o sucesso dos mecanismos corporativistas ¢, a0 mesmo tempo, o seu “tendao de Aquiles". Nos regimes corporativistas, como as elites governantes procuram organiza ¢ mobilizar a classe trabathadora para utiliza-ia como base de sustentagéo politica, a manutengao do regime implica a existéncia continua de alguma forma de atendimento dos imeresses deste seguimento. A ocorréncia de uma redugdo no nivel de consentimento poderia ievar a um estado de polarizagio, no qual as organizagdes corporativistas s¢ transformariam em instramentos de mobilizagao auténoma Esta possibilidade permise entender. segundo este autor, por que alguns regimes exciudentes © Com uza sentido figeiramemte disunto. 2 noglo de cooptaedo politice & wmbéin uilizads por Simon Schwartaman (1982 para designar sisiems de perticipapde politica conticlado de cima pele Estado, que predominos ao Brasil a parr de 1945 8 constituem, na realidade. casos de cooptagao mal sucedidas!! ¢ por que a estabilidade dos regimes baseados na cooptagio ¢ mais problematica do que daqueles baseados na acomodagao. De qualquer forma. a "predisposic2o" da classe trabalhadora, também precisa ser explicada Seguindo este autor, isto significa investigar que segmentos ou grupos aceitam ou apoiam a politica corporativista, que segmentos resistem a ela e em que condigdes se da este apoio ou resisténcia, O que exige, de um lado, um exame do papel das liderangas sindicais e/ou partidarias na articulagao dos interesses dos trabalhadores e na aceitac&o ou resisténcia as politicas trabalhistas dos novos regimes e, de outro, um exame dos mecanismos utilizados pelas elites para por em pratica a sua estratégia de cooptagao. Trata-se, portanto, de proceder a uma analise da interac entre as liderangas dos trabalhadores ¢ as elites na "produc" desta predisposi¢o. A principal contribuig¢ao de Waisman, do ponto de vista desie trabalho, é 0 fato de que, ao desenvolver a nogio de cooptag&o como estratégia de incorporacao, associa-la ao corporativismo ¢ aos processos de revolugao “pelo alto", sua analise poe em relevo a necessidade da obtengao do consentimento das classes trabalhadoras para o sucesso destes processos ¢ para a estabilidade dos regimes politicos a eles associados. ‘Sua anélise ressalta, como um dado fundamental, a busca de organizag¢ao e mobilizacao dos trabalhadores por parte das elites que adotam a estratégia da cooptagdo, em contraposigdo a aquelas que adotam a exclusdo e tem na repressio e na desmobilizago seus principais instrumentos. Esta perspectiva permite pensar a ideoiogia e as instituigSes corporativas como instrumentos centrais da estratégia de cooptagao, na medida que através deles, as elites procuram responder a determinados interesses e exigéncias dos setores subalternos, ao mesmo tempo que barram a sua organizacio autdnoma e procuram submeté-las ao controle do Estado. © termo corporativismo esta sendo empregado neste trabalho ae partir da definigdo de Schmitter (1974), ou seja, como um sistema de representagho de interesses que busca integrar os grupos funcionais representativos das distintas classes sociais em organizagdes ndo competitivas, oficialmeme sancionadas e supervisionadas pelo Estado Esta definigdo, de corte estruturalista, e a tipoiogia dela derivada, ao enfatizar os arranjos institucionais formais, tem a vantagem de facilitar a identificagéo de formas variadas de estruturas corporativas convivendo com diferentes regimes poiiticos em periodos histéricos diferentes. Ela permite reconhecer @ emergancia nos anos 30 de um padréo corporativista de organizagao © representagao de interesses de tipo estaral e a sua permanéncia até quase os nossos dias apesar das, imporiantes mudangas de regime politico verificadas neste periodo Contudo, 2 identificagao formal de estruturas comporativas, a partir de modelos ideal-tipicos, nao é suficiente, por si so, para explicar a grande variedade existente nos processos histéricos de implamagao do corporativismo € no desempenho de regimes dotados de estruturas corporati istas 11 £ @-easo, sepundo este antr. do tuseism italiano e dos regimes de Franeo ¢ Salazar. no quais uma Tachada eomporativiste ‘esconciau exclusio da classe operama. Ji oy regimes de Vargas no Brasil, de Peron na Argensina e o regime pos-revolucionario no [Mexico sin considerados. por ele. exerplos de coopaario bern suusdia através da implementaedo de mecanismes corporstvists, 9 semelhantes, principaimente no que se refere ao impacto destas estruturas sobre os diferentes grupos sociais Na tentativa de superar esta limitagdo, Stepan (1978:72)propde acrescentar & ide Aispositivos e estruturas corporativas uma anélise "da relagao entre os tipos de politicas do Estado corporativo ¢ os diferentes tipos de sociedade civil” ificagao dos Assim, considerando os regimes que se encaixam na categoria do corporativismo estatal ¢ tomando as politicas destes regimes em relagdo a classe trabalhadora, Stepan distingue dois subtipos: © corporativismo inclusive e o corporativismo excludente ‘0 corporativismo inclusivo, subtipo no qual estaria inciuido o regime de Vargas, caracteriza-se pela tentativa da elite estatal de incorporar politica ¢ economicamente segmentos significativos das classes trabalhadoras, empregando predominantemente politicas de bem estar, distributivas e simbélicas. Ble tenderia 2 ser implantado nas situagdes de crises do poder oligérquico, quando a industrializagio se encontra em fase inicial e © nivel de organizagio e mobilizagdo politica & incipience e nao institucionalizado. © corporativismo excludente, baseia-se numa politica fundamenalmente repressiva € na utilizagio das esiruturas corporativas para desmobilizar e submeter uma classe trabalhadora previamente organizada e atuante. Sua instalagao € mais provavel quando a crise politica decorre de uma situagéo de intensa mobilizago politica, poiarizagio ideolégica e estagnagdo da industrializagdo substitutiva de importagSes. Preocupado em desvendar as razdes ¢ condigdes de implantagao dos corporativismos de tipo estatal, Stepan destaca como varidveis fundamentais: a natureza da crise que Ihes deu origem, os participantes da coalizio dominante, as escolhas programaticas das elites politicas eo seu grau de unidade ideologica e organizacional Ao referir-se a padrées dominantes de politicas ¢ salientar os diferentes caminhos que as tentativas de instalagdo de sistemas corporativistas pelo Estado podem seguir, Stepan aproxima-se da perspectiva adotada por Waisman ¢ a complementa. A distingao feita por ele entre corporativismo inclusive & corporativismo excludente aproxima-se da distinglio entre cooptacdo e exclusio estabelecida por Waisman. E como este, Stepan vai tomar as politicas corporativistas como *respostas das clites a crises de participagao e controle" e a percepgao de uma ameaga de fragmentagao. (Stepan, 1978:55/58 € 78/79) Sua tipologia, entretanto, permite perceber que as estratégias de cooptagao adotadas por diferentes regimes podem combinar, de variadas maneiras, politicas inclusivas e excludentes, apesar de utilizarem predominamemente as primeiras. No caso de Vargas, apesar da utilizacao predominante de politicas inclusivas, politicas excludentes foram adotadas em relacao aos setores do movimento operirio que se opunham ao regime, Além disso, houve, em diferentes fases do regime, mudanga de um padrao predominantemente inclusivo - vigente nos periodos de 1930-35 ¢ depois de 1942-45 -, para um padr&o de caracteristicas excludentes, na fase intermediaria, quando se instalou o Estado Novo 10 [As andlise destes dois autores aproximam-se, ainda, pela importncia que conferem a dimensio ideoidgica e & busca do consentimento dos trabalhadores para a compreensao da instalayao ¢ da dinamica dos regimes corporativos. Como ja foi dito, a cooptagio é, para Waisman (1982:14), um caso de incorporaglo politica e ideologica da classe trabalhadora, que supde uma cera "predisposigao" desta classe em aceitar as condigdes propostas "de cima” e, quando bem sucedido. aicanga um alto grau de legitimidade. O que ele entende como “a aceitagiio generalizada da ordem social do capitalismo” mais do que como a aceitagdo de determinadas instituigdes, governantes ou politicas, Stepan (1978:79), por sua vez, salienta como uma dimensio fundamental do corporativismo inclusivo © fato das elites estatais terem aspiragao a hegemonia. Aspiragdo esta que pode ser entendida como a adogdo de um projeto corporativista que visa "a integraglo mais completa (econdmica € politica) dos grupos mais estratégicos das classes baixas", com o intuito de construir “um padraio amplamente aceito de participagie cuidadosamente estruturada e de controle politico" A busca de hegemonia significa, aqui, a busca de uma accitagto ampia néo so da ordem capitalista ‘mas também de determinadas formas de gestio econdmica e politica ‘As abordagens de Stepan e Waisman complementam-se, também, na medida que levam em consideragao a questao da diregdo consciente em um contexto de crise, que torna possivel pensar a existéncia de distintas propostas politicas com aspiragao hegemOnica, instigando a reflexao sobre as condigGes que viabiliam uma determinada proposte tornando-a hegemOnica ou que, ao contrario, a transformam numa tentativa fracassada, Em suma, a compreensio do corporativismo estatal como uma esirutura de intermediagao de interesses que se estabelece como resultado de politicas inclusivas ou excludentes em relagio as classes trabalhadoras, acrescenta & perspectiva estruturalista uma visdo mais abrangente do corporativisme. Nesta visto, pode-se concebé-lo, na sua modalidade inclusiva, como mecanismo de uma estratégia de cooptagdo que, como parte de um projeto mais amplo de transformacao econémica ¢ politica “pelo alto", surge como resposta das elites politicas a uma crise de modemizagio ¢ participagao social, ou crise de hegemonia. Cabe ainda mencionar, no debate relativo ao corporativismo latino-americano, a contribuig&o de O'Donnell, cuja abordagem representa um avango tedrico ao aprofundar a relago entre distintas formas de corporativismo e determinadas formas de Estado, como o “populista" ¢ 0 “burocratico- autoritario", ¢ 20 ressaltar 0 cardter classista dos controles e estruturas corporativistas No que diz respeito a forma de corporativismo que surgiu em varios paises da América Latins, a partir dos anos 60, associada a expansio do Estado burocritico-autoritario, O'Donnell (1975:37) define a sua especificidade pelo seu carter biironte ¢ segmentario, Este corporativismo ¢ bifronte porque coniém um componente “estatizante", que consiste na subordinagio ao Estado das orgenizacdes da sociedade civil, © um componente "privatista", que consiste na abertura de areas institucionais do Estado a representagao de imeresses organizados da sociedade civil. O cariter segmentario significa que o funcionamento € o impacto das estruturas corporativistas so distintas a com relagao as classes socieis. 12 Apesar de niio discutir em profundidade as caracteristicas do corporativismo sob o Estado populista, ele sugere que neste, como também sob © "pretorianismo", apenas o elemento estatizante esta presente, O Estado populista é definido como aquele que surge com a crise da dominagao oligarquica. refletindo uma nova alianga que inciui os segmentos urbanos surgidos com a urbanizagao a industrializagio e com o crescimento do proprio aparelho de Estado. Uma das caracteristicas distintivas deste Estado é que cle procura incorporar politica e economicamente as classes populares, sob seu controle, utilizando-as como base de sustentago no processo de ruptura com a dominagio oligarquica. ‘No que diz respeito, portanto, a relagdo com as classes populares, @ especificidade do Estado populista esti no seu cardter inclusivo, em contraposigo ao Estado burocratico-autoritario, que constitui um sistema de exclusto destas classes. ‘As caracteristicas de "inclusivo" ¢ "excludente” so atribuidas, aqui, aos tipos de Estados € nao ‘a0 corporativismo, como fiz Stepan. Porém, O'Donnell (1975:46, nota 45) reconhece que estas caracteristicas se manifestam "nas modalidades de funcionamento ¢ impactos do corporativismo” correspondentes a cada tipo de Estado E também distintivo do Estado populist, na analise de O'Donnell, o fato de apenas as classes populares serem mencionadas como objeto dos mecanismos corporativistas. Isto parece indicar que. na visio deste autor, 0 funcionamento do corporativismo, sob esta forma de Estado, nao tem impacto importante sobre os grupos dominantes. Entretanto, no Brasil, o sindicalismo corporativo, impiantado a partir de 1931, procurou ‘organizar, numa estrutura vertical ¢ simétrica, tanto as classes trabalhadoras quanto as classes proprietarias. E se houve subordinagao das organizagdes cmpresariais certos mecanismos de controle do Estado, veremos, num capitulo subseqiiente, que valem para o periodo Vargas as mesmas observagdes de O'Donnell em relagao a corporativizagao das associacdes empresariais sob 0 Estado burocratico-autoritério: 0 corporativismo estatizante nio despojou a classe empresarial de todos os recursos organizacionais alternatives, como fez com a ciasse trabalnadora As classes proprietirias conseguiram manter associagdes auténomas, paralelas as oficiais, que constituiam uma reserva de poder ¢ de recursos proprios detida por estes setores independentemente do Estado A propria aplicagio das leis sindicais demonstrava o seu “bias” classista, o rigor ¢ inflexibilidade dos seus dispositivos voltavam-se para as classes trabalhadoras - € aliados a repressio serviram para coibit a sobrevivéncia de qualquer organizagdo autonome -, enquamto o empresariado conseguiu alterar alguns dos dispositivos ou encontrar brechas que adequavam a lei aos seus interesses e permitiam a preservagio de sua autonomia O mesmo "bias" pade ser detectado na distinta capacidade de participagao € de influéncia dos trabalhadores © empresarios, nos varios organismos corporatives - comissdes. conselhios, juntas, 12 Para @ desenvolvimento de um argumento sermelhame sobre © impacto diferencial do comporativisin sobre as diferentes lasses, que enfairs a narireza distnta das organizagies de araballiadores ceapitalistas, ver Claus Offe (1988) 12 criados como parte do projeto de construgo de vinculos organicos entre Estado e sociedade -, nos quais seus representantes podiam ter assenio e que proliferaram no aparelho de Estado, mm desde 0s primeiros anos principalmente no Estado Novo, Como estes tipos de organismos exis do Governo Vargas - tendo papel importante, por exemplo, no proceso de elaborugio da legislagto trabalhista - cabe discutir se podem ser identificadas, nesta forma de vinculagao institucional entre Estado © grupos sociais, as caracteristicas do que O'Donnell define como 0 componente *privatista” do corporativismo. Parece-me que nao hi, sob esta forma de Estado, 0 movimento que este autor identifica como de avango da sociedade civil sobre o Estado, No periodo definide por ele como populista, © corporativismo representa intervengdo e controle do Estado sobre a sociedade civil, Entretanto, ¢ inogavel que na, no caso do Brasil, "a institucionalizagio publica de vinculos entre Rstado © sociedade, constituida pelas comissdes, juntas, conselhos ¢ outras entidades estatais, centrais ¢ descentralizadas, nas quais se acham ‘representados' empresérios, e as vezes também trabalhadores, designados diretamente pelo Estado ou por proposta de organizagdes de classe.” (O'Donnell, 1975.59} Deste ponto de vista, ¢ possivel afirmar que esta presente no Estado varguista, pelo menos em germe, © componente “privatista” do corporativismo que, neste caso também, compreende principaimente a representagao de interesses das classes dominantes, constituindo um instramento de mituo controle entre estes setores € 0 Estado. Certamente, a forma que assume esta privatizacao parcial de areas estatais ¢ 03 setores dominantes que dela se utilizam eram distintos daqueles identificados sob o Estado burocrético-autoritirio, Neste, o capital internacional é um dos parceiros fundamentais da coalizdo dominante € um dos setores que “privatiza” reas do Estado, enquanto no Faado do pos-30, esta coalizio era composta principalmente pela burguesia urbana emergente pelos segmentos agrarios modernizantes. Quais foram, precisamente, 08 setoreé dominantes a participar dos orgiios corporativos © quais as agéncias ¢ atividades do Estado “privatizadas", apenas uma pesquisa especifica relativa aos vinculos entre entidades empresariais ¢ Estado poderia detectar. Nos limites deste trabalho, importa considerar a predominancia, no Estado varguista, do corporativismo estatizante, mas reconhecer a presenca de um estigio embrionario de "privatizagio" de atividades estatais, posto que este reconiecimento implica tratar os dispositivos corporativos nfio apenas como instrumento de comtrole « incorporag2o do setor popular, mas também como canal de comunicagdo € interpenetrarao entre Estado ¢ grupos dominantes Igualmente importante para a andlise que vamos desenvolver, € 0 reconhecimento do caréter ciassista dos controles ¢ esiruturas corporativistas e, em decorréncia, do seu papel de instrumento de uma dada estrutura de dominagao. Esta parece ser uma das contribuigdes fundamentais de Donnell. Ao pensar o corporativismo como fungio de uma determinada forme de Estado, ole concebe os mecanismes de vinculagao Estado/sociedade, nao apenas como estruturas de representagao e intermediaglo de interesses, ~ como fazem os autores figados a uma concepgic 3 esirusuralista ou sistémica - mas como parte das estruturas que organizam a dominagao ‘Além disso, como O'Donnell define 0 Estado "populista” pelo seu cardter inclusivo e considera © corporativismo como o nucleo central de suas politicas de incorporagao do setor popular. cabe acrescentar & sua interpretaciio, a partir das sugestdes de Stepan, a idéia de que sob esta forma de Estado, o corporativismo constitui tambem um mecanismo de busca de consenso e de reconstituigaic dos apareihos de hegemonia do bloco dominante. Sem esquecer, no entanto, que Stepan chama latengdo para a relacio entre corporativismo inclusive © busca de hegemonia sem aprofundar a discussio desta problematica. ‘As contribuigdes de Waisman, Stepan € O'Donnell, nos aspectos destacados acima, constituiram um referencial importante para a andlise que desenvolvo neste trabalho. Entretanto, no interior do quadro teérico elaborado por eles, algumas questdes permanecem em aberto. Como jicas e da busca de hegemor pensar, por exemplo, a questao da intencionalidade das elites po! nos processos de revolucao pelo alto, geralmente caracterizado pela presenga de um Estado forte? Que tipo de hegemonia pode s¢ realizar sob regimes autoritirios, como o de Vargas, que adotaram 0 corporativismo inclusive ? As reflexées desenvolvidas por Gramsci, em especial acerca da concepglo da revolugao passiva € de sua relagiio com a problematica da hegemonia ¢ do corporativismo, - de que trato detidamente no capitulo I -, apontaram alguns caminhos na elaboragio de respostas a essas questes Analisar as transformagdes politicas € econdmicas iniciadas com a Revolugio de 30 tendo como referéncia a nogao de revolugae passiva permite reconhecer as caracteristicas particulares do nosso transito & industrializaga0, como um processo conduzido pelas maos de um Estado forte, que assumiu o papel de condutor do desenvoivimento e de regulador da distribuigao. Esta nogdo permite, ao mesmo tempo, pér em relevo a dimensio do consenso, ou modelo de hegemonia, que corresponde a reestruturagao das relagdes deste Estado com as massas trabalhadoras, mesmo sob a forma autoritiria de regime que predomina sob o Governo Vargas. Dessa perspectiva, pode-se identificar nas decisées © politicas do Estado pés-30, principalmente naquelas relativas &@ reorganizagao de suas reiagdes com a sociedade ¢ & gesto da economia, um conjunto de orientagdes basicas que configuravam a existéncia de um projeto de cunho autoritario-corporativo, cujos pilares fundamentais residiam no fortaiecimento do Estado. na incorporagic, sob controle, dos trabalhadores ¢ na promogio "pelo alto" do desenvolvimento evondmico. Como uma das caracteristicas centrais dos processos passivos ¢ a de que neles 0 Estado substitui os grupos dominantes no seu papel de diregdo, este projeto pode ser considerade como “projeto do Estado", na medida em que foi articulado e reelaborado no interior do proprio aparelho do Estado. E fundamental frisar que 2 claboragao de tal projeto nfo foi fruto de uma operagao demiirgica desta entidade. Em primeiro lugar, seus proponentes e articuladores eram "intelectuais" que, precisamente por serem representantes das principais forgas politicas que assumiram o poder em 30, foram colocados em postos chaves do aparelho estatal 14 Em segundo iuger, este projeto incorporava orientagdes ¢ significados elaborados por outros atores sociais relevantes que expressavam alternativas politicas conflitantes. Neste sentido, é possivel compreender seu cariter contraditorio e preliminar, ¢ perceber que, no embate politico dos anos 30, este projeto foi fostalecendo algumas linhas de agdo e abandonando outras, recebendo adesoes & sendo depurado No que diz respeito as classes trabalhadoras, este projeto adotou propésitos nitidamente inclusivos. incluia seu reconhecimento como forga econémica e politica central na construgao da nagdo, defendia seus direitos sociais, sua organizagio no sindicato corporativo ¢ a sua participagao politica em organismos do Estado Ressalte-se, contudo, que tais propdsitos estavam associados @ uma nova concepgéo de cidadania € de democracia, Uma forma de cidadania "regulada" (Santos (1979) - isto é, exercida polas classes, enquanto forgas econdmicas, ¢ cuja realizagdo deveria se dar nos quadros de ume “democracia corporativa’ -, que supunha uma sociedad harménica, livre do conflito entre as classes, eum Estado autoritario. Esta formulagao expressava 2 adocao de uma estratégia de cooptagaio!3 dos irabalhadores e uma concepgao “organiciste” da hegemonia. (ipola e Portantiero, 1989) (© esforgo de construcao desta forma de hegemonia, pelas lites que assumiram 0 poder em 1930, deu-se através de "uma complicada estratégia de transagSes" e de incorporagdo ao sistema politico de segmentos das classes populares. (Portantiero, 1985) Ela realizou-se, de fato, através de teins limitados e de forma contraditoria, ao combinar a busca de participagio e adesto ativa destes segmentos com medidas repressivas elementos de manipulagao ideologica, Como a hegemonia implica sempre o desenvolvimento de instituiges, as estnuturas corporativistas constituiram, no processo que se inaugurou com a Revolugdo de 30, o instrumento por exceléncia de produgao do consentimento. ‘A esirutura sindical corporativista construida pelo Estado varguista a partir de 1931, juntamente com a legislagdo trabalhista, seo considerados, neste trabalho, como as pegas chaves de uma estratégia de incorporagao dos trabalhadores. Como parte de um processo de revolugao passive, esta estratégia constituiu, na conjuntura dos anos 30 e 40, o principal instrument de obtencao do consentimento das classes subaltemas, de ampliagdo da base social do Estado e, portanto, de recomposicao dos aparelhos de hegemonia das classes dominantes. Desta perspective, a relagio que se estabelece entre Estado e classes trabalhadoras no pos-30 rao € qualificada a partir da imagem da manipulaga0, da desmobilizagzo e da imposigio coercitiva, mas compreendida a partir da reorganizagio da forma de dominagao e de obtengao do consenso. O que significa dizer que o Estado varguista na medida em que busca @ integragio das massas trabalhadoras sob seu controle. incorpora interesses substantivos desta classe, ao garantir seus direitos ¢ reconhecer © sindicato como interlocutor legitimo, aceitando sua presenga mediatizada no proprio Estado '3 4 cooptugao. da maneira como tor delinida por Waisman pode ser associada ao vansformismo, enquanto @ forms de ‘oblengdo do voasens, tipica dos processex Ue revolug2o passiva 13 Assim, a adesio da classe trabalhadora ao sindicalismo corporativo ¢ as relagdes estabelecidas por ela com 0 Estado nao serio explicadas pela sua fragilidade politica e organizativa ou pela sua “falsa consciéncia", mas como resultado de uma escolha , entre alternativas, historicamente condicionadas, vinculada ao atendimento de interesses da classe Neste sentido, procuro ressaltar o papel de setores importantes do sindicalismo preexistente e, inclusive das liderangas sindicais de esquerda, na conformagao da nova estrutura sindical, Analiso esta adestio dos trabalhadores como um proceso contraditério e conilitivo que combina resisténcia, assimilagao do projeio corporativista © apropriagao da organizagao corporativa para a defesa de interesses classistas Por outro lado, entendo esta adesdo como um proceso de transformismo que aiterou a correlagdo de forgas no interior do movimento operario, favoravelmente ao projeto corporativista e em detrimento dos projetos que defendiam a autonomia organizativa ¢ politica dos trabalhadores, demonstrando 0 sucesso da estratégia de cooptagio desenvolvida pelas elites estatais. Finalmente, © conjunto das reflexdes que serio desenvolvidas ao longo deste trabalho. permitem afirmar: foi através do sindicalismo corporativista - principal forma de organizagio dos trabalhadores brastleiros durante um longo periodo de tempo - que estes se constituiram em ator politico. Um proceso que bloqueou a constituigio de sua autonomia politica ¢ a sua transformagio em sujeito de ago hegeménica Esta tese esta dividida em trés partes. A primeira, que contém o Capitulo I, trata, a partir dos textos de Gramsci, da relagdo entre revolucao passiva, hegemonia e corporativismo. ‘A segunda parte trata do projeto autoritario-corporativo e de suas bases de sustentaciio € esta lo II, discuto como se constitui, & pa dividida em 2 capitulos. No C; do pensamento dos intelectuais autoritarios € do tenentismo, um projeto de constituigdo de um Estado forte, de modernizacfio da sociedade, de concessio de direitos sociais aos trabalhadores e de uma reordenagdo corporativista das relagdes entre o Estado e as classes, que teve grande influéncia na preparacfo e nos desdobramentos da Revolug&o de 30. Procuro mostrar que corporativismo surge neste projetc, como o instrumento central para a incorporagao politica e econdmica das massas trabalhadoras sob 0 controle do Estado. No Capitulo HI, analiso a luta politica que se desenrola ao longo dos anos 30 em torno da implantagfo deste projeto. Examino a atuagio das forcas politicas que Ihe dao sustentagio: os grupos que ocupam postos chaves no apareiho de Estado, os tenentes em especial, e as forcas politicas tradicionais que constituem a base de apoio de Getilio nos Estados, assim como os grupos ¢ forgas que véo sendo cooptados por este projeto, ou a eis vao aderindo, ao longo do periodo, de modo a garantir o seu fortaiecimento, apesar da mudanga na correlagio de forgas, que se verifica a partir da "Revolugéo" de 1932. Discuto, tambem, a atuagao do empresariado urbano e 0 seu papel na conformagao do modelo corporativo que foi implantado. A terceira parte refere-se 4 reacéo das classes trabalhadoras implantagio das estruturas i6 corporativas ¢ contém trés capitulos, No Capitulo IV, examino as estratégias adotadas pelo Ministério do Trabalho, no periodo de 1930 a 32, para impulsionar a organizagao do sindicalismo corporativo. Como comtraponto, examino a resisténcia dos trabalhadores @ implantago deste sindicalismo ¢ sua luta pelo cumprimento da legislagao social, através do acompanhamento do movimento de reorganiaagzo das entidades sindicais autonomas © do movimento grevista do periodo No Capitulo V, discuto as propostas alternativas de “amarelos’, anarquistas, comunistas & trotskistas para. a organizago dos trabalhadores, procurande mostrar as estratégias de enfrentamento do projeto corporativista do Estado adotadas por cada uma destas correntes. Quanto 0s anarquistas, chamo atengao para o desenvoivimento de uma pratica muitas vezes contraditoria com seu idedrio no que diz respeito defesa da legislacdo trabalhista e & luta pelo seu cumprimento, © para 0 seu esforgo de resisténcia a0 sindicalismo corporativo, e de defesa da organizagao auténoma, Ressalto a atuagiio das liderangas "amarelas", mostrando a sua importancia enquanto cortente sindical ¢ seu papel como a principal forga de sustemtagao do projeto corporativista no interior do movimento operario, No caso dos comunistas ¢ trotskistas examino a sua paulatina mudanga de posigo em relagio aos sindicatos oficiais, mostrando como a sua adesio constituiu um apoio importante pera a consolidagao deste sindicalismo jumto a massa trabalhadora No Capitulo VI, analiso 0 éxito da implantagao do corporativismo no periodo que vei da instituigo da represemtagdo de classes na Assembicia Constituinte até a derrota da insurreigio armada de 1938. Discuto a atuagdo da bancada dos empregados na Assembiéia Constituinte como uma forga de sustentagéo das propostas governistas ¢ a atuagHo dos grupos de esquerda nos sindicatos oficiais, salientando seu papel na crescente combatividade e politizagao destes sindicatos. Procuro mostrar, como esta politizacaio dos sindicatos oficiais e a sua participagio nos movimentos politicos de oposigao.- como a luta antifascista e a ANL -. contribuiram, para consolida- jos em detrimento das entidades aut6nomas mas, ao mesmo tempo, justificaram a mudanga de atitude do Governo em relagao ao movimento sindical, com a adogo das medidas repressivas de fins de 35. PARTE I CORPORATIVISMO E CONSENTIMENTO. CAPITULO I Revolugao Passiva e Corporativismo Preocupados com a forma assumida no Brasil pelo processo de transigo de uma economia agro-exportadota capitalista @ economia capitalista industrial, alguns autores empregam a nogao de revolugao passiva tomando como fomte inspiradora a interpretagdo gramsciana do Risorgimeno italiano, enquanto processo de ascensio da burguesia ¢ constituiglo do Estado burgués sem revolucao do tipo radicai-jacobino. ! A forma que assume este processo de transigao é, entretanto, mais uma vez pensada como tendo a ver com a auséncia de uma classe hegemdnica e de um projeto industrializante, e com a autonomizagao do Estado que, diante da fraqueza das classes, conduz uma politica de antecipagao de condigdes institucionais para @ industrializaglo. A nogo de Revolugdo Passiva agrega, na abordagem destes autores, apenas a idéia de que o comportamento hesitante do Estado ¢ a auséncia de um projeto de industrializaydo sistematico ¢ coerente indicam que o processo deu-se através de modificagdes moleculares que alteraram progressivamente a composigao de forcas anterior e tomaram- sea matriz de novas modificagdes. A énfase é posta no papel do Estado como agente estas modificagdes Este tipo de interpretagao realiza uma leitura restrita do conceito de revolugdopassiva, desconsiderando um conjunto de implicagdes tedricas que podem ser derivadas do fato de Gramsci empregar esta nogio no apenas para pensar os fendmenos histéricos relativos a chamada idade da Restauragdo, ou seja, 0 periodo de organizagdo dos Estados burgueses apos a Revolugao Francesa, mas também aqueles relatives ao periodo posterior a Primeira Guerra Mundial e a Revolugao de Outubro e que tem no fascismo € no americanismo expressdes da reestruturagio do capitalismo a nivel mundial e das novas relagdes que se estabelecem entre politica ¢ economia, Christine Buei-Giucksmann (1978:120-122) chama atengio para o fato de que ao ampiiar © conceito de revolugdo passiva, Gramsci vai conferir a ele uma importancia histérica e metodologica geral, enquanto “tendéncia potencial, interna a todo processo de transicHio". Neste sentido, este conceito permitiria pensar as formas de construgio do bloco no poder, as diferentes modaiidades da hegemonia, nas suas relagoes com © Estado e a sociedade civil, as novas formas de organizagdo do trabalho e de relagao entre economia ¢ politica, bem como possibilita "uma nova interpretacdo global das modalidades politicas de superagdo de um modo de produgao" Franco De Felice (1978:194)) também mostra como a reflexdo gramsciana constitui um novo campo tebrico ao generalizar a categoria da revolugao passiva de modo a abarcar fendmenos to distintos quanto a "expansio francesa na Itdlia (...). © choque entre moderados ¢ democraticos no | Ver por exemplo Meiteles, (1975), Couto (1988), spesar de reconhever a utlizagdo do eoncento ein Gramsci como um ‘principio anterpretawvo de carater geval. nO incorpora, a n0Ss0 ver, ra andlise da histéria brasileira odes as miplicagdesteoriees do enloque gramsciine, 19 Risorgnmento, 0 transformismo, a relagio burguesia-socialismo ¢ o fascismo! Assim ampliada, a nogao de revolugao passive pode ser tomada como critério de interpretagao de toda uma época de transformacdes historicas, que se caracteriza pela “auséncia de outros elementos ativos de modo dominante".2 ou seja, pela auséncia de iniciativa popular. Neste sentido, é identificada como um processo de revolucao-restauragdo, "restauracdes progressivas", ou como um evolucionismo reformista onde o elemento de transformacio ¢ essencial Para alguns uma tal ampliago acaba por transformar a Revolugao Passiva em uma categoria vazia, incapaz de explicar qualquer dos processos que pretende abarcar. Ao contrério, entendo que a novidade ¢ a importancia desta ampliago do conceito esta precisamente no fato dela ter como resultado o desiocamento do eixo da discussdo sobre os processos de transigao que tem a Revolugao. Francesa como modelo. Parece-me que um dos problemas das andlises marxistas - e nao s6 delas, alias - foi o de ter tomado como modelo de constituigio da sociedade e do Estado capitalista um proceso ‘unico, que portanto pode ser considerado mais a exce¢ao do que a regra em relagdo as formas como se deu esta passagem, nos quatro cantos do mundo. Gramsci tambem considera a Revolugao Francesa como modelo, mas como modelo ideal de revolucionar processo revolucionirio a partir do qual ele desenvolve sua teoria da hegemonia ¢ pensa a estratégia revolucionaria da classe trabalhadora. Mas ¢ principalmente através da ampliagio da categoria da Revolugao Passiva que ele se diferencia da tradi¢ao mencionada, pois toma esta categoria como regra, como modelo para descrever a maior parte dos processos de transiglo. Neste sentido, a nogao de Revolugio Passiva, como outros conceitos gerais, ¢ uti) justamente por ser ampla e recobrir melhor uma quantidade maior de processos de transigdo, inclusive aquele relativo a passagem para a fase monopoiista do capitalismo 1.1 Revolucao passiva e transformismo Foi principalmente através da nogao de transformismo - enquamo um dos métodos através dos quais uma classe pode chegar @ ser hegeménica (Mouse, 1978) - que Gramsci identificou os tragos ‘comuns que permitem interpreter fendmenos histéricos muito distintos como processos de revolugo passiva, Ele distingue, na historia da Italia, duas formas do transformismo que se identificam, em periodos distintos, com as experiéncias de oposigio do Partido d'Agto ¢ do PSI: 1) de 1860 a 1900, *transformismo molecular", incorporagdo progressiva de personalidades politicas do partido democratico de oposigae & “classe politica” moderada- conservadora, (que se caracterizava pela versio & interveng3o das massas populares na vida estatal ¢ a ume reforma orgdnica que substituisse ‘0 “dominio” ditaorial, pela negemonia), 2) de 1900 em diante, transformismo de grupos inteiros de esquerda que se passaram ao campo moderado (Q. p. 962). Os tragos comuns que permitem idemtificar estes processos como formas historicas da revolugao passiva so, fundamentaimente 2 Gramsch. A. 1975. Quagerni del Carvers,» 1827, doravante citado apenas como Q, Ver também De Felice, 197496) 20 - transformages moleculares que alteram progressivamente a correlagao de forgas, devido a passagem, cooptagio, de elementos das forgas antagénicas, em seu detrimento, as fileiras das forgas dominantes que s&o, assim, modificadas e fortalecidas,3 (ver exemplo do PSI, na ascensio do fascismo) = “absorgao e decapitagao do antagonista de parte dos grupos dominantes que deste modo desenvoivem uma iniciativa hegem@nica". (De Felice, 1978:195) Este processo de absorgao € visto, capacidade da forga antagdnica de desenvolver uma consciéncia da sua como decorréncia da missio ¢ da missto do adversirio, - consequéncia, portanto, do empirismo da sua relagio seja com a realidade na qual atua seja com os grupos sociais que procura representar - 0 que the impede de realizar todas as suas potencialidades.(Q.,p. 962) Cabe ressaitar 0 fato de que através da nogo de transformismo, Gramsci esta chamando a atengo para o papel da imervengo consciente das forgas politicas nos processos de transformagio passiva, Na andlise do Risorgimento, o aspecto consciente da agdo, ou seja, a elaboragio teérico- programatica, é vista como determiname da correlagdo entre as forgas em presenga e, portamto, dos resultados da luta A luta politica ideolégica entre os grupos e ciasses, ou os chamados "fatores subjetivos” constituem, para Gramsci, 08 critérios tedricos-metodologicos centrais no entendimento da dinamica dos processos de restauragao. Diz ele: "Sempre a propésito do conceito de “revolugao passiva! ou de “revolugo-restauragio’ no Risorgimento italiano, & necessario colocar com exatidio 0 problema que, em algumas tendéncias historiograficas, é denominado das relagdes entre condicdes objetivas e condigdes subjetivas do evento histérico. Parece que a condigdes subjetivas existem sempre que existirem condigdes objetivas, isto na medida em que se trata de simples distingdo de cariter diditico: logo, a discussfo pode versar sobre o grau e a intensidade das forgas subjetivas, sobre a relac&o diaiética entre as forcas subjetivas contrastantes”. (MPE, p. 80)4 A énfase na centralidade da politica, ado elimina, entretanto, o nexo politica-economia, mas ao contrario permite repensar, para a passagem da fase concorrencial a fase monopolista do capitalismo, as formas da politica nas suas relagdes com as forgas produtivas ¢ 0 novo papel do Estado na ‘economia Deste prisma, € possivel perceber @ originalidade da andlise gramsciana do americanismo- fordismo, ¢ também do fascismo, enquanto expressdes de processos passivos de reestruturagio do capitalismo.> 3 Na esperiéneu do Risorgimento italiano. Gramsci mostra como 4 adesto de elementas do Partido gio eo cavoursm. ‘contibuiu para liquidar 0s neo-puelfos, muditicando paulaunamemte a eomposigho das Yorgas maderaias. de un lado € de outo ‘entiaqueeenio 0 proprio cape do mazzinianisma Ver Gramsci. A. 1976, Maguavel.« Poliusa eo Estado Modemo. p. 76-7? ‘Goravante ctado upenas como MP2 41 Sabre 0 mado coma Grassi pense o papel da subjesividade vex Moule (1978.76777) 3 Como saints Buci-Gluckamana (1978 139/141 ests onginalidade reside na tenatva de “spreendar x contatendncias do ‘ppt desde as formas de organizagdo trabalno, explorar novamente 6 espayo da politica que se situava no proprio centro dt esatépia dos eonselhos, a luz dos novos desenvolvimenios do capitalism". Gramsci vii penser ofordstuo e o americanisno come resposts cupitalists lei tendencal da queds de taxa de iuero. Mas, ao coniirio de qualquer leitu's exenomicisa, vai procurar pensar como o ipo de classe wabalhadora vai condicionar seja morfologicamente, veje politicamente 0 carter tendencial desta le [Na medida em que nde existe Tei endencie] sem comratendénci. "sto & , vartante politca. sem mtrodugfo das relagbes de forea 21 ‘A discusso feita por De Felice sobre os desdobramentos da categoria da revolugao passiva fomece pistas que permitem pensar a experiéncia brasileira e latino-americana do periodo entre- guerras, Este autor identifica trés nucieos temaiticos que s¢ unificam através deste coneeito. O primero, se refere as formas de ascensiio da burguesia e de formagio dos Estados burgueses no periodo da Restauraglo, Neste sentido, # nogdo de revolugao passiva tende « apreender "as formas da mudanca dos sujeitos sociais ¢ominantes" © segundo micleo procura captar no mais a mudanga das classes dominantes mas 0 modo como elas se constituem politicamente enquanto "seres dominantes". Diz respeito a revolugo passiva enquanto programa de intervencdo politica "no sentido que os liberais italianos o utilizaram para 0 Risorgimento". (Buci-Glucksmann, 1978:120) Um terceiro grupo de quest®es presentes na reflexdo gramsciana se retaciona com © modo como se desenvolve a luta de classe entre burguesia ¢ proletariado e, portamto, com as discussées relativas @ hegemonia e suas formas, Gramsci emprega a categoria da revolugio passiva para examinar toda a fase historica que se abre com a Primeir Guerra Mundial ¢ 2 Revolugao de Outubro, procurando aprender modo de desenvolvimento da crise orginica e as formas da sua gestio. (De Felice, 1978:207) Através das analises do fascismo ¢ do americanismo ¢ possivel perceber dois desdobramentos importantes desta problematica: um, que diz respeito a relagao entre revoiugao passiva e guerra de posigao, e, em decorréncia, & dessimetria da luta de classes e das formas da hegemonia; outro, que se refere & relagao entre reorgenizacio das forgas produtivas e formas da politica. 1.2 Revolueao passiva ¢ ampliagio do Estado A partir das analises historicas e da elaboragao da teoria da Revolugao Passiva ao longo dos Cadernos do Carcere possivel apreender-como Gramsci procede & transformac&o de um conceito historico em conecito geral. No que se refere ao primeiro nucleo temético, da analise do Risorgimento italiano se extrai um conjumto de orientagdes que podem ser tomadas como formula geral da revolugao passiva, aplicaveis portanto a outros contextos e periodos. Em primeiro lugar, as transigdes passivas compreendem sempre um momento de “restauragdo", entendida como compromisso com os velhos setores dominates, que se di na auséncia de uma intervengao ativa das massas, ¢ como reaglo a certas formas esporadicas ¢ elementares de subversivismo popular, ¢ um momento de "revoluglio", ou seja de progresso ¢ de transformagdes efetivas, na medida em que estas "restauragdes” acolhem “uma certa parcela das exigéncias vindas de baixo". (Q..1524-5. citado por Coutinho, 1988:108) Mas na relagéa conservagdo/inovagao, 0 segundo termo é fundamental na medida em que, como enfatiza Gramsci, "sob um determinado involucro politico, necessariamente se modificam as relagdes sociais fundamentais ¢ novas forgas politicas efetivas surgem e se desenvolvem, influindo indiretamente, 22 através de pressao lenta mas incoercivel, sobre as forgas oficiais que se modificam sem perceberem ou quase”, (Q., 1818, citado por De Felice,1978:197) 0 "progress" e as mudangas reais ocorrem, no entanto, dentro de certos limites ja que as revolugdes passivas se caracterizam pela sua transitoriedade (o que nfo significa curta duragio no tempo) e pelo seu "no marcar época". O que significa dizer que elas compreendem a transformagao de uma formacao social, mas nunca a sua superagdo € criagdo de novas relagdes sociais de produgao capazes de "marcar toda uma época’, Em segundo, no que se refere relagio entre classes dominantes e Estado € caracteristico dos processos de revolucio passiva que o Estado substitua as classes dominantes na sua fungéo de dirego, assumindo um papel ativo de motor do desenvolvimento econdmico. Gramsci chama atenc@o para o papel da ampliagZio do Estado nos processos de transigiio Através da categoria da Revolugdo Passiva ¢ possivel perceber que ha, na sua concepeao, dois tipos opostos de ampliagao do Estado. © De um lado, © tipo em que a ampliagao do Estado se realiza através da expansividade hegemdnica na sociedade civil e portanto, através de formas de democracia de base ¢ de participacio ativa das massas de modo que © consenso tende a predominar sobre a coergao.7 De outro, nos processos conservadores © passivos, a ampliagao do Estado significa o seu fortalecimento ¢ a tendéncia a absorver a sociedade civil, de modo a destruir qualquer iniciativa popular, Nestas wansigdes, a classe dominante ja perdeu (ou nunca adquiriu) sua capacidade expansiva (Q., p.53) € nfo deseja "dirigir", ou seja, nao deseja abrir mao de parte de seus interesses para incorporar, autenticamente, 0s interesses e aspiragdes de outros grupos (Q., p.1822) E, entao, substituida pelo Estado que assume o papel "dirigente", de promotor da inovagdo € do progresso. Gramsci explica este papel ative do Estado também pela subversio nas relagées entre economia ¢ politica na transi¢o, O Estado assumiria este papel nas situagdes onde a inexisténcia de uma sociedade econémica e civil desenvolvida, colocava nfo a tarefa de libertar as forgas econdmicas ja desenvolvidas, mas a de "criar as condig&es gerais para que essas forgas econdmicas pudessem nascer”. (Q., p. 747) Esta situagao de subaltemidade das suas forgas econdmicas prejudicaria a capacidade hegemdnica da classe dirigente ¢ sua autonomia frente ao Estado. Aprofundando o significado da fungao do Piemonte no Risorgimemto italiano, Gramsci vai enfatizar a proporgdo entre os elementos de dominagio ¢ de diregio nos processos passivos: toda revolugao passiva cria uma certa predominancia da dominacao, no sentido de que *realiza uma © ats eva discussée do papel do Estado nas revolugdes pussivas . me basco em Busi

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