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Agradeço à professora Regina

Horta Duarte pelas sugestões e


críticas.

LUIZ CARLOS VILLALTA

CarlotaJoaquina,
PrincesadoBrazil

entreahistóriaea
ficção, um “romance”
críticodoconhecimento
histórico
LUIZ CARLOS
VILLALTA é professor do
Departamento de História
da UFMG.

REVISTA USP, São Paulo, n.62, p. 239-262, junho/agosto 2004 239


“Fizumfilmepretendendoatingirtodasasplatéias,detodasasidades[…]Ocinema,hádoisanos,
acabaranoBrasilpormáadministraçãodosorçamentoseporquehaviapessoasquesósepropunham
afilmarcomorçamentosmilionários.MeuobjetivocomCarlotaJoaquinafoimostrarquedáparafazer
cinemanoBrasil.Quetempúblico,sim,equeosfilmessepagam,sim.Escolhiumtemahistórico
porquesemprefuiapaixonadapelaHistória.Eocinemaéumalinguagemforte,quepodetrazer,além
deentretenimento,tambémconhecimento.AcreditoqueaHistóriaéaficçãodoHomem.Éogrande
romancedahumanidade.Elanosdizquetudoestáemmovimentoequeoqueimportanãoéum
homem,personalidadehistórica,ouumgrupodepessoas.OqueéimportanteéoHomem–issoa
Histórianosdizepodeensinarmaisefetivamentepormeiodocinema.Oshomensmorrem,oHomem
não.Umpovosópodecompreenderoseupresenteapartirdoconhecimentodoquefoioseupassado.
Comessaidéianacabeçaéquerealizei‘CarlotaJoaquina–PrincesadoBrazil’”(Camurati,1996).

N
o trecho da entrevista em epígrafe, o conhecimento do passado que propicia
dada por Carla Camurati a Prêmio traz uma maior compreensão do presente.
Cláudia, em 1996, a cineasta expõe o A narrativa cinematográfica, convertida em
projeto cinematográfico e histórico sub- romance histórico com funções pedagógi-
jacente a seu filme Carlota Joaquina – cas, oferece, assim, um conhecimento do
Princesa do Brazil. Primeiramente, ex- passado e ajuda o espectador, tomado como
plicita o caráter político-estratégico comer- povo, a pensar sobre o presente. Toda essa
cial de sua iniciativa: filmar sem “orçamen- perspectiva denuncia a preocupação histó-
tos milionários”, mostrando que “dá para rica da cineasta e, sobretudo, sua visão
fazer cinema no Brasil” e, simultaneamen- peculiar de história, que dilui as distinções
te, atingindo “todas as platéias, de todas as em relação à ficção.
idades”. A esse propósito, Camurati alia Da entrevista, proponho um salto para o
claramente um outro, igualmente signifi- filme. Carlota Joaquina: Princesa do Brazil
cativo: o cinema, “linguagem forte”, traz começa com imagens da superfície do mar,
“entretenimento” e também “conhecimen- revolta em ondas, em sua infinidade, ao som
to” e, por conseguinte, possui um caráter de uma voz, que recita um texto em espa-
pedagógico. A pedagogia cinematográfi- nhol em que se diz, entre outras coisas:
ca, combinada com a História, porém, tem
duas peculiaridades, na visão da cineasta. “O mundo, da vida marinha, guarda, no
Para Camurati, de um lado, a “História”, mais profundo de suas profundidades, ob-
com H maiúsculo, é a “ficção do Homem”, jetos valiosos, um sonho [...] da época de
o “grande romance da humanidade”, do que Orman, Vitório, da idade da Queda. De-
se pode concluir que essa História aproxi- pois que Deus fez Adão e Eva, pecou Eva,
ma-se muito da ficção, pois é o “romance” teve seus filhos […] Matou Abel ao ir-
do Homem, com H maiúsculo, repito, a hu- mão. Como Abel pecou, todos os seres
manidade, um sujeito que engloba todos os humanos nesta Terra temos pecado e ne-
homens, em toda a sua história no tempo e nhum homem da Terra, ninguém, é per-
no espaço, sujeito total e absoluto. De ou- feito […] A vida segue seu rumo. Os que
tro lado, esse cinema, que desenvolve uma morrem, ao cemitério. Choramos. Mas o
pedagogia histórica, tem um sentido claro: luto temos que guardá-lo no coração […]

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A vida jamais se acaba [....] A vida é infi- mente de Salvador Dalí, texto esse cuja
nita. Morre um, nascem cinco. Morrem natureza caricata, estrangeira, baseada no
cinco, nascem mil”. ouvir dizer, põe em xeque a afirmação ini-
cial sobre o valor dos objetos encontrados
Depois dessa seqüência, focaliza um no mais profundo do mar. As idéias contra-
diálogo entre Yolanda, uma menina, e um ditórias que emergem das duas seqüências
adulto, ambos escoceses, interrompido por iniciais do filme, ao que parece, expressam
uma descoberta: o adulto encontra uma uma dúvida sobre o valor dos objetos depo-
garrafa, trazida pelas ondas do mar, dentro sitados no fundo do mar (no caso, o objeto
da qual se encontra um papel em que se contém um registro escrito), espécie de
registra a razão pela qual Salvador Dalí, o arquivo universal das venturas e desventu-
pintor surrealista espanhol, nunca viajara ras humanas, alentado pelos versos recita-
para o Brasil: de acordo com o que escutara dos na abertura. Com tudo isso, Carla
de outras pessoas, no país, haveria borbo- Camurati, por um lado, anuncia o caráter
letas gigantes que sugam o cérebro das paródico assumido pelo filme em seu con-
pessoas. Yolanda, então, interroga se isso junto. Por outro, ao mesmo tempo dilui as
era verdade, ao que, com ironia, o escocês fronteiras entre a história luso-brasileira na
responde, simulando ele próprio ser uma passagem do século XVIII ao XIX e a fic-
borboleta a sugar o cérebro de Yolanda: ção e, mais do que isso, lança uma dúvida
“De todos os problemas do Brasil, o das sobre o valor dos registros deixados pelo
borboletas gigantes é o pior”. Após zom- homem ao longo da história (do escrito de
bar dessa imagem tão caricata do país, cons- um pintor consagrado, encontrado numa
truída por um estrangeiro que nunca o visi- garrafa, deduz-se que os testemunhos his-
tara, afirma conhecer várias histórias do tóricos são mentirosos, caricatos), fontes
mesmo, propondo-se a narrar à garota a fundamentais do saber histórico, o que re-
história de uma princesa do Brasil, na rea- força a indistinção entre história e ficção.
lidade espanhola: Carlota Joaquina. Ademais, como na abertura, o tema é o
Yolanda, à medida que vai ouvindo a nar- pecado original, e as mazelas que sucedem
rativa, transporta-se para o interior da his- ao homem desde então, numa sucessão
tória-estória que escuta e, portanto, para o infinita de vida e morte, pode-se conjeturar
passado, assumindo-se como a própria prin- se Carlota Joaquina não tem como objeti-
cesa personagem, na sua fase infanto-juve- vo senão apresentar uma história da “Que-
nil. Iniciando dessa maneira, o filme, por da” do Brasil – daquela História com H
um lado, indica que um escocês dá o fio maiúsculo, como afirma a diretora na en-
condutor da narrativa e, por outro, que as trevista supracitada!
imagens surgem da imaginação de Yolanda As seqüências finais de Carlota Joa-
que ouve a história contada por seu patrício, quina são esclarecedoras a respeito da pers-
acreditando existirem aqui borboletas gi- pectiva que o filme anuncia em sua abertu-
gantes. Essa apresentação, assim, sugere ra, encerrando a narrativa com perfeição.
que a narrativa cinematográfica da história Retorna-se ao mar, agora não mais à super-
luso-brasileira a ser desenvolvida embara- fície das ondas e à idéia de infinidade que
lha as visões estrangeira e infantil. Deve-se as mesmas carregam: da embarcação em
considerar, ademais, que a narrativa tem que se encontra Carlota Joaquina, em plena
um ponto de partida: a abertura, com a se- baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar
qüência em que as imagens das ondas se ao fundo, a câmera mergulha no fundo do
acompanham pela recitação de palavras que mar e, em seguida, focaliza o suicídio de
dizem que o mar guarda objetos valiosos e Carlota Joaquina e o diálogo final dos es-
que falam da Queda do homem, da história coceses, à beira-mar. Na sucessão infinita
do pecado da vida (infinita) e da morte e, de vida e morte, quase ao final de Carlota
logo após, a seqüência centrada na desco- Joaquina, a câmara-balança pende para a
berta da garrafa que traz um texto suposta- morte. Movimento mais radical, contudo,

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dá-se em outro plano: o filme vai mais além Camurati foi diretora, pesquisadora, co-
do que se apresentar como paródia e de autora do argumento e roteiro; captou re-
defender que história e ficção encontram- cursos e distribuiu o filme. Negociou com
se num mesmo plano, dizendo, com todas os exibidores uma nova porcentagem na
as letras, que no conhecimento histórico renda obtida na bilheteria (50%, em vez de
não há qualquer verdade alcançável. O 40%). Segundo Arnaldo Jabor, Camurati
narrador escocês, após abordar os momen- “passou centenas de horas em salas de es-
tos finais da vida da rainha Carlota e em pera, descolando patrocínios, pesquisou
resposta à dúvida de Yolanda se a soberana história, escreveu o roteiro, dirigiu a pro-
havia matado D. João, afirma: “Quem sabe, dução, fez a mise-en-scène e […] dado o
Yolanda. O problema com a história é que deserto comercial, distribuiu sozinha o fil-
quanto mais se lê, menos se sabe. Cada um me no país todo” (Jabor, 1995). O filme,
tem uma versão diferente para o mesmo assim, tem um caráter artesanal e, pode-
fato. Quem sabe?”. Aqui, como registram mos acrescentar, pessoal, de tal sorte que é
Regina Horta Duarte et alii, em publicação indissociável da figura da diretora, rotei-
que serve de referência fundamental neste rista, produtora e distribuidora, a própria
artigo, o filme explicita seu tom niilista, Camurati. A cineasta começou a escrever o
levando à conclusão de que qualquer ver- roteiro do filme em 1993 (apud Martins, c.
são vale tanto quanto outra e, ainda, “cria 2000; Camurati, 1996), vindo de uma ex-
escudos para qualquer crítica que se possa periência anterior com um curta-metragem
fazer a ele, já que na prática e na teoria ele (Martins, c. 2000). No final de 1993,
se torna irrefutável: tudo é uma questão de Camurati deu início às filmagens, progra-
opinião” (Duarte et alii, 2000, p. 110). Com madas para durar oito meses. A seqüência
isso, o filme não se constitui apenas em inicial, ao que parece, foi filmada na Escó-
uma manifestação de um niilismo antropo- cia, tendo as filmagens prosseguido em São
fágico, pelo qual episódios históricos espe- Luís, no Maranhão, cidade que serviu de
cíficos são devorados pela estória e, ao cenário para Dom João e sua corte em Por-
mesmo tempo, pelo qual se legitima a estó- tugal. A filmagem não foi um processo tran-
ria-história construída: o filme constitui um qüilo, pois esteve sujeita a sucessivas fal-
amplo ataque ao conhecimento histórico. tas de recursos, o que causou interrupções
Aqui, portanto, a película vai além dos pro- e mudanças no planejamento, conservação
* Aos 30 de dezembro de 1994,
Marcelo Coelho, na Folha de pósitos explicitamente apresentados pela da equipe no limite do estritamente neces-
S. Paulo, escrevia: “Itamar en-
cena mito do ‘homem qualquer’. cineasta na entrevista que escolhi para epí- sário e reciclagem de figurinos. Consumiu
O presidente foi uma espécie grafe. É essa a hipótese que procurarei de- os oito meses programados, concluindo-se
de reizinho que encontrou em
Fernando Henrique o primeiro- senvolver neste artigo. em meados de 1994. Por falta de recursos,
ministro certo. Itamar só existiu,
a rigor, nos episódios românti-
o filme estreou em quatro cinemas cario-
cos em que esteve envolvido. É cas, em 6 de janeiro de 1995, sem propa-
absurdo dizer que Itamar fez

O CONTEXTO DA PRODUÇÃO E DO
seu sucessor; o sucessor é quem ganda (Camurati, 1996). Em 3 de fevereiro
fez Itamar. Itamar foi a prova de 1995, a Folha de S. Paulo registrava que
de que o Brasil pode prescindir

LANÇAMENTO DO FILME
de um presidente” (Folha de S. cerca de 25 mil pessoas haviam assistido
Paulo , Ilustrada, 30/12/
1994, pp. 5-8). Essa imagem ao filme até o dia 24 de janeiro.
negativa do então presidente, A produção do filme, insisto, deu-se em
exemplo, segundo o articulista,
de que o Brasil prescindia de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, 1993 e 1994, coincidindo com boa parte do
um presidente, forte mesmo
depois da eleição de Fernando de Carla Camurati, é uma produção cine- governo do presidente Itamar Franco: o
Henrique Cardoso, expressa matográfica realizada em 1993-94 e lança- roteiro desenvolveu-se no seu primeiro ano
uma visão que circulava nos
meios intelectualizados brasilei- da em 1995, segundo ano do Plano Real, e as filmagens em parte de seu segundo
ros de então. Teria Carla ano. Itamar Franco, ao tempo da produção
Camurati comungado da mes-
marco da transição entre os governos de
ma avaliação? Teria, ainda, Itamar Franco e de Fernando Henrique do filme, era célebre pela imagem de intem-
projetado essa imagem sobre
a figura de Dom João VI, mos- Cardoso. pestivo e folclórico, por oscilar entre o
trando-o, a caçar, dormindo, Como assinalam Regina Horta Duarte imobilismo e a ação brusca na sua ação
atingindo um pássaro aciden-
talmente? et alii, o filme teve um caráter artesanal. governamental (*). Assumira o governo

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após a derrocada de Fernando Collor de Franco, cujos inícios coincidiram parcial-
Mello, de triste memória e cujos desmandos mente com os meses finais das filmagens
e desatinos parecem ter sido decisivos na de Carlota Joaquina: um plano de estabi-
produção de Carlota Joaquina, o que, faço lização econômica, concebido depois de
questão de registrar, já foi identificado por tentativas frustradas do presidente no sen-
Regina Horta et alii. tido de debelar a inflação, crescente e per-
Em 1990, Fernando Collor de Mello sistente, o que não fora conseguido de for-
assumira a presidência e extinguira a ma duradoura com outros planos econômi-
Embrafilme e o Concine, aumentando a cos, nos governos Sarney e Collor (Duarte
fragilidade do cinema nacional, que, nos et alii, 2000). Itamar Franco expunha sua
primeiros anos da década de 1990, viveu vida privada e teve um governo marcado
um de seus períodos mais áridos (Duarte et por trapalhadas, mas, com o Plano Real,
alii, 2000, p. 104; Oliveira, s/d). Collor, em aparentava, em momento posterior às fil-
sua curta gestão, iniciada sob uma certa magens de Carlota, ter debelado o dragão
euforia popular, guiou-se por pressupostos da inflação e levara FHC à vitória nas elei-
neoliberais, abrindo a economia nacional à ções de 1994. Em fins de fevereiro de 1994,
concorrência externa e iniciando um pro- quando a filmagem de Carlota estava em
cesso de privatizações. O presidente exi- seus inícios, o presidente, no carnaval ca-
bia-se constantemente diante da mídia, pra- rioca, expôs-se ao lado de uma modelo,
ticando esportes e deixando à mostra seu Lilian Ramos, que se encontrava sem rou-
corpo musculoso, procurando aparentar pa íntima, sendo ambos fotografados nessa
uma imagem de força e determinação, es- situação. A foto ganhou o mundo e provo-
forço este cujo ápice foi sua declaração de cou escândalo, havendo, da parte dos mais
que tinha “aquilo roxo”. O governo Collor conservadores, verdadeira indignação com
marcou-se também por ser alvo de denún- o comportamento presidencial, censurado
cias de corrupção, que levaram a intensas pela imprensa da época, tendo o Estado de
manifestações populares. Acuado por es- S. Paulo claramente denunciado a farsa de
sas últimas e pela abertura de um processo toda a presepada donjuanesca presidenci-
de impeachment, ocorrida aos 29 de setem- al. Os temas da elite degradada, da abertura
bro de 1992, Collor renunciou à presidên- ao domínio estrangeiro e da corrupção eram,
cia aos 29 de dezembro do mesmo ano, antes portanto, conforme já observaram Regina
que o Congresso aprovasse seu impedimen- Horta Duarte et alii, assuntos vitais para a
to. Em toda a investigação feita pelo Con- sociedade brasileira desses anos iniciais da
gresso Nacional, pela imprensa e órgãos década de 90. Somava-se a isso, também, a
policiais sobre o presidente, seus parentes exposição pública de comportamentos pri-
e seus lacaios, afloraram aspectos da vida vados dos governantes, muitas vezes por
privada e sexual de Collor e sua família, obra e vontade dos mesmos.
bem como uma ampla rede de corrupção. O lançamento do filme coincidiu com
A ascensão de Itamar Franco à presi- os inícios do governo de FHC, intelectual
dência da República não encerrou as de- conceituado, eleito em fins de 1994, alguém
núncias de corrupção, que, a partir de en- então acusado de ter dito que era melhor
tão, passaram a ter como alvos não mais a esquecer seus escritos sobre a “dependên-
presidência, de reconhecida honestidade, cia”, um governante que defendia a políti-
mas, sobretudo, membros do Poder Legis- ca de inserir o Brasil na roda-viva da glo-
lativo e funcionários do Executivo, pegos balização, dando continuidade ao neo-
pela chamada CPI do Orçamento. Em 1993, liberalismo abraçado pelo outro Fernando.
realizou-se um plebiscito para decidir so- Produção e lançamento do filme, enfim,
bre regime e sistema de governo (Monar- deram-se em momentos de contradições,
quia? República? Parlamentarismo? Presi- nos quais, no Brasil, assim como no cine-
dencialismo?). Em 1994-95, FHC execu- ma nacional, alimentavam-se esperanças,
tou o Plano Real, sob a batuta de Itamar ao mesmo tempo em que se desenvolviam

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ações para revolver o lodo emergente de- nação independente. Seu intuito era “con-
pois da passagem de Collor Babá e seus 40 tar a história pelo olhar estrangeiro, mais
e tantos ladrões, lodo definido pela corrup- distante e generoso que o nosso”, mas ao
ção dos políticos, pela exposição da vida mesmo tempo de alguém de uma pátria
privada dos mesmos, muitas vezes repletas dominada pelo Império Britânico, poden-
de detalhes grotescos. Destaco que a pro- do “falar mal dos ingleses de forma con-
dução do filme deu-se num momento de vincente”: daí ter escolhido um narrador
tensões e indefinições: se à época da elabo- escocês (apud Duarte et alii, 2000). Con-
ração do roteiro imperavam os escândalos fessou, ademais, ter optado pela liberdade
políticos e privados e as dificuldades do da imaginação de Yolanda, podendo “va-
governo em debelar a inflação, quando das zar a fantasia de uma menina de dez anos
filmagens o governo lograva seus primeiros que não é especialista, que não vai se inco-
sucessos, à época, ainda, de longevidade modar se a voltinha do cabelo em 1800 era
duvidosa. Foi nesse contexto de transição, para a frente ou para o lado” (apud Duarte
insisto, bastante turbulento, cheio de incer- et alii, 2000), do que se reforça a conclusão
tezas, em que a corrupção política evidencia- apresentada anteriormente, segundo a qual
va-se, assim como a mistura da vida privada a menina escocesa funciona como a chave
e da vida pública dos governantes, que Carla usada pela cineasta para abrir a porta da
Camurati escreveu o roteiro, produziu e lan- fantasia, deixando a ficção enredar a histó-
çou seu filme. ria; funciona, também, como a chave que
lhe permite trancar a história, com uma só
“voltinha”. Curiosamente, no entanto,

A DIRETORA E O FILME
Camurati afirmou, por várias vezes, ter feito
ampla pesquisa histórica, respondendo com
isso às críticas de membros da família real
Os custos de Carlota Joaquina, segun- que apontaram erros históricos. O senador
do declarações da própria Camurati, foram Darcy Ribeiro e a historiadora Ana Parsons
reduzidos: R$ 673 mil, o que, na época de teriam ajudado a cineasta nas suas investi-
sua produção, era uma cifra baixa, uma vez gações (Camurati, 1996). Tudo isso me
que, em média, os filmes eram produzidos permite concluir que, no filme, instaura-se
por R$ 1,2 milhão. Como afirma Camurati, uma tensão entre a ficção e a história: em
“foi um filme barato” (Martins, s/d). Carlota Joaquina, “há uma atitude incoe-
Já salientei no início o propósito de rente, pois às vezes há um elogio da ficção
Camurati com seu filme: produzir uma e do descomprometimento e a liberdade
narrativa cinematográfica que constituísse dela decorrente, mas tantas vezes o real, o
uma espécie de romance histórico com fun- que verdadeiramente aconteceu é persegui-
ções pedagógicas e que, assim, oferecesse do e mesmo usado como defesa do filme”
ao espectador um conhecimento do passa- (Duarte et alii, 2000). Essa contradição,
do e o ajudasse, como povo, a pensar sobre ademais, é ao mesmo tempo resolvida e
o presente. A cineasta, porém, deu outras acentuada por meio de um ataque ao co-
importantes declarações sobre sua obra, que nhecimento histórico e a suas bases, feito
vão ao encontro da perspectiva já identifi- insistentemente no filme, desde sua aber-
cada. Disse querer “fazer um filme sobre a tura, na qual se põe em dúvida o valor dos
História do Brasil”, acrescentando que isso documentos, como já salientei: resolvida,
“só podia ser sobre a chegada da família porque o filme pende a favor da ficção; e
real”, “um ponto culminante de nossa his- acentuada, porque isso não elimina de todo
tória”, privilegiando “um período gauche” a busca de legitimidade nos fatos históri-
(apud Duarte et alii, 2000). Dessa afirma- cos. Será essa a conclusão que procurarei
ção, portanto, conclui-se, como registram demonstrar ao final. Antes, porém, quero
Regina Horta Duarte et alii, que a chegada apresentar algumas informações sobre a
da Corte é o marco fundador do Brasil como recepção do filme.

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A RECEPÇÃO DA CRÍTICA E DO
A crítica especializada saudou o filme
de maneira bastante elogiosa, mesmo por-

PÚBLICO
que ele, como emblema de nosso cinema,
assumia o caráter de Fênix, renascido das
cinzas. A crítica considerou-o como obra
Carlota Joaquina teve mais de 1,3 mi- que “reconta a sórdida verdade sobre a fa-
lhão de espectadores. Cerca de 22 mil fitas mília real responsável pelo embrião do
de vídeo do filme foram vendidas. Segun- Brasil moderno”, como um “retrato devas-
do a cineasta, em entrevista a Tereza Mar- tador da nobreza decadente” e “a origem
tins, o filme rendeu uma bilheteria aproxi- dos métodos corruptos com que se exerce
madamente de R$ 6,5 milhões. Esse públi- o poder no poder” (Duarte et alii, 2000).
co que assistiu ao filme, diga-se de passa- Luís Carlos Barreto, produtor, considerou
gem, participou da efervescência política a iniciativa de Camurati “quase suicida”,
dos anos 1992-95, vendo no cotidiano os por sua coragem de filmar quando a produ-
flashes da corrupção dos nossos políticos, ção nacional estava paralisada (Camurati,
de aspectos grotescos da vida privada dos 1996). Jabor afirmou que o estímulo de
mesmos e, ainda mais, lidando com as in- “Carla Camurati foi o nada. O absurdo
certezas e perspectivas que se anunciavam político brasileiro recente superou qualquer
no campo da economia. Segundo Arnaldo ficção. Collor reformou nossa dramaturgia.
Jabor, em artigo publicado logo no primei- O descompromisso de pessoas possuídas
ro mês do lançamento de Carlota, o “públi- apenas do absoluto desejo de filmar (como
co se encanta com o óbvio retrato do nosso Carla) liberta-as das velhas convenções
passado sem-vergonha, nós que começa- narrativas” (Jabor, 1995).
mos como uma piada burocrática de Portu- Os críticos especializados, mesmo quan-
gal e que até hoje assistimos à ópera bufa do se curvaram à síndrome de Fênix, dei-
dos congressistas canalhas e chantagistas” xaram escapar, aqui e acolá, comentários
(Jabor, 1995). Assim, se é possível conjec- ácidos sobre Carlota. Eli Azeredo, crítico
turar que, para Camurati, Carlota Joaquina de cinema do Rio de Janeiro, por exemplo,
é uma narrativa sobre a nossa “Queda”, o disse que Carlota não seria “um grande
mesmo parece ser válido em relação ao que filme do ponto de vista artístico”, mas “‘foi
pensava parcela dos críticos e mesmo do uma surpresa e é um fenômeno’” (Ca-
público, pois esses remetem-nos ao ponto murati, 1996). O entusiasmado Jabor de
primeiro da “ópera bufa”, ao nosso começo janeiro de 1995 criticou, de forma sutil,
como “uma piada burocrática de Portugal”. figurinos e a fotografia: afirma que “uma
O público intelectualizado e escolar, de equipe alegre […] criou figurinos fantás-
fato, não se isolou em relação a essa onda ticos de bom e mau gosto (Ladeu Burgos,
de boa receptividade. “Em São Paulo, Emilia Duncan) e uma fotografia tropi-
600.000 estudantes fizeram trabalhos de color de Breno Silveira”, ressalvando,
escola com base na fita. Carla foi convida- porém, que toda a equipe “deve ser um
da pela PUC do Rio e pela Universidade de exemplo para criadores”, que era “lindo
São Paulo para proferir palestras sobre ver neste filme até mesmo uma formação
História e Cinema” (Camurati, 1996). Se o imperfeita de recém-chegada de lentes e
público, no conjunto, divertia-se com a sem ‘bom senso’ gramatical. Ótimo. Isso
paródia de nossa história, reação bastante dá uma agudeza que permite romper com
diferente teve a família imperial. “O filme as noções aceitas da história oficial brasi-
foi criticado pela família real brasileira, por leira” (Jabor, 1995).
mostrar os personagens, segundo declara- Carlota seria mesmo uma ruptura “com
ções de dom João de Orleans e Bragança, as noções aceitas da história oficial brasi-
tataraneto de dom João VI, de forma debo- leira”? Em que medida a “história oficial”
chada e inverídica. ‘Como sátira é ótimo. não é reiterada pelo filme e, mais do que
Como história é zero’” (Camurati, 1996). isso, combina-se com a crítica que o mes-

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mo faz à história, no geral, como campo do viscondessa de Mata-porcos, responsável
conhecimento? Essas são as questões que pela intermediação de favores régios a par-
procurarei discutir a seguir. ticulares, tal como Paulo César Farias,
durante o governo de Fernando Collor.
As personagens não fogem dos estereó-

DA ESTÓRIA À HISTÓRIA,
tipos. Dom João está sempre esfarrapado,
freqüentemente a comer frango e a apre-

PASSANDO PELAS REFERÊNCIAS


sentar-se como abobalhado, indeciso, uma
marionete manipulada por seus ministros e

INTERTEXTUAIS
por Lorde Strangford, ainda que Camurati
faça concessões ao acerto de algumas deci-
sões do mesmo aqui e acolá, sobretudo no
Com uma narrativa que sai da boca do que se refere ao modo de lidar com os
escocês, passando pela mediação da mente amantes da esposa (no que se vê certa es-
infantil de Yolanda, Carlota Joaquina, uma perteza) e na decisão de transferir a Corte
paródia da história luso-brasileira, sem para o Brasil: numa seqüência da película,
compromisso com a transposição para a tela Dom João, respondendo ao ataque de
de novidades ou mesmo do rigor da histo- Carlota, afirma preferir ser um rei covarde
riografia, focaliza as Cortes de Espanha, a ser um rei morto. Sua situação de marido
Portugal e Brasil, a transferência da Corte traído é exposta insistentemente no filme,
portuguesa para o Rio de Janeiro no con- que a caracteriza como de conhecimento
texto das guerras de Napoleão e o retorno público. Seus dilemas fisiológicos são apre-
do rei Dom João VI e sua família a Portu- sentados por várias vezes: do comer ao
gal, em abril de 1821, centrando-se nas evacuar. Sua chegada ao trono é mostrada
personagens históricas de Dom João VI, de como o resultado de duas fatalidades: a
Dona Carlota Joaquina, de Dona Maria I, morte do irmão tornou-o herdeiro da Co-
Dom Pedro I, etc. roa; a loucura da mãe precipitou sua ascen-
A Corte de Espanha é apresentada como são ao posto máximo do Reino. Uma se-
alegre, voluptuosa, marcada pela inteligên- qüência traduz toda a concepção sobre Dom
cia, toda essa idéia sendo construída pelo João apresentada no filme, sob os filtros
recurso à música flamenca, e a um cenário dos dois escoceses que o narram: numa
marcado pela presença do vermelho. A caçada, o rei dorme e, assustado por um
Corte portuguesa, em Lisboa, em contras- pesadelo, atira para o alto, matando um
te, é sombria, triste, beata: isso tudo se re- pássaro acidentalmente. Os acertos de el-
força pela composição do cenário, no qual rei, portanto, são casuais, surgindo, surpre-
sobressaem o preto e a onipresença de cru- endentemente, de suas próprias trapalha-
zes. Nos diálogos, sublinham-se a inteli- das. D. João, ademais, é um intermediário
gência de Carlota, desde sua infância na no saque das riquezas brasileiras pelos in-
Espanha, e a tibieza de Dona Maria e Dom gleses. Sublinhe-se, assim, que a “intenção
João, marionetes nas mãos de clérigos, dos do filme é historicamente imprescindível,
nobres e da Inglaterra. Maus modos à mesa ou seja, romper, através do riso, com as
complementam a imagem desabonadora da solenidades de origem, seja mostrando reis
Corte portuguesa em Lisboa: arrota-se, e rainhas com estômagos, sexo e intestinos
come-se com as mãos, ouvem ruídos de como quaisquer de seus súditos, seja exi-
gases sendo expelidos. A Corte portuguesa bindo a chegada da Corte ao Brasil como
no Brasil traz a marca do exótico tropical: resultado de uma fuga covarde” (Duarte et
a natureza voluptuosa, a onipresença de alii, 2000, p. 108).
negros e índios, a riqueza de seus recursos Carlota contrasta com João em todos os
naturais e, ainda, a intensa corrupção, que sentidos, mas, como ele, tem a vida privada
tem como uma de suas artífices uma funcio- devassada: adúltera contumaz, mulher fo-
nária da rainha, presenteada com o título de gosa, é viril, inteligente, perspicaz, ambi-

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ciosa, inescrupulosa, destemida. Logo a Na trama, a diretora enxerta interferên-
princípio, a princesa vê seus conhecimen- cias oriundas do presente e da ficção: Dom
tos colocados à prova, sendo interrogada João, como o papa João Paulo II, beija o
sobre vários assuntos, episódio que é confir- solo do Brasil ao chegar ao Rio de Janeiro;
mado pela historiografia (Azevedo, 2003, Carlota, de forma similar a Imelda Marcos,
p. 52-3). Como mulher viril, copula com esposa do ditador filipino Ferdinando Mar-
os homens sempre estando por cima, sen- cos, coleciona pares de sapato, dizendo que
do única exceção seu amante negro brasi- se trata de “um par para cada dia”; Carlota
leiro Fernando Carneiro Leão (segundo menina, como a madrasta, feia e má, de
Vainfas, provavelmente “branco na histó- Branca de Neve, mira-se no espelho, inter-
ria” – 2001, p. 234), com quem a posição rogando-se sobre quem é mais bela, se ela
se inverte, concessão da cineasta, quem mesma ou outra princesa.
sabe, ao estereótipo do negro como sujei- A película, na realidade, “repete, um
to com grande vigor sexual, superior ao por um, os lugares comuns sobre a fuga de
dos brancos (1). Dona Maria I é uma ver- Lisboa, a chegada ao Rio de Janeiro, os
dadeira idiota, louca e beata, vive em ro- primeiros anos da Família Real no Brasil”
marias e procissões. (Maestri, 2002). O filme é repleto de omis-
Dom Pedro, epilético e amante fogoso, sões e erros históricos – como afirma Ro-
aparece sempre com roupas verdes e ama- naldo Vainfas (2001, pp. 230-2), conta
relas, cores do Brasil, escapando, como “uma história cheia de erros de todo tipo,
assinala Mário Maestri, da “avacalhação deturpações, imprecisões, invenções”, em
geral” (Maestri, 2002). Através da apre- grande parte calcada no livro de João Felício
sentação – sutil, é bem verdade – de Pedro dos Santos, o romance histórico intitulado
I como herói, insinua-se a unidade dada Carlota Joaquina – a rainha devassa, não
pelo nacional, reiterando, nesse último as- sendo, contudo, fiel ao mesmo. Em parte
pecto, a imagem consagrada pela história uma necessidade do tom satírico e
oficial. Carlota Joaquina é, portanto, uma caricatural assumido pela narrativa, tais
deglutição, misto de paródia e alegoria, do erros, porém, passam ao espectador uma
passado histórico pelo presente e também certa leitura da história de caráter conser-
da história pela ficção: exorciza o caráter vador, em termos historiográficos e políti-
extrovertido de nossa formação econômi- cos, valendo a pena sublinhar apenas al-
ca e social, que, então, no momento da pro- guns deles.
dução do filme, em plena onda neoliberal, No filme, as riquezas do Brasil são, equi-
motivava embates, agindo Itamar Franco vocadamente, associadas ao ouro e diaman-
com titubeios e, malgrado a imagem um tes, cuja extração já se encontrava, à época,
tanto apatetada que passava, à semelhança em declínio (Vainfas, 2001, p. 234). Se na
de D. João VI, alcançava sucesso, resga- narrativa desnuda-se o denominado “senti-
tando o orgulho nacional. Nas entrelinhas do da colonização”, apreendido por Caio
da narrativa, “delineia-se uma busca, a Prado Júnior em 1942 (Prado Júnior, 1976)
busca de origens […] uma origem da cor- e desenvolvido por Fernando Novais pos-
rupção, dos desmandos do exercício do teriormente (Novais, 1981), não apresenta
poder, do domínio do capital internacional nenhum vestígio das críticas feitas a essa
configurando-se tais fatores quase como um interpretação por outros historiadores, de 1 Para Schwarzman, a seqüên-
cia do encontro entre Carlota e
fio condutor para a história do país. Ciro Flamarion Cardoso (Cardoso, 1980, Fernando (não exclusivamente
Camurati diz debochar dos europeus, mas pp. 109-132) a João Luís Fragoso (Fragoso, a cópula) é “particularmente
feliz”, pois nela se vê a “apro-
constrói a imagem de uma Inglaterra oni- 1998). Insere-se a dança flamenca na Corte priação dos signos, reconver-
tidos novamente em signos de
potente, frente à qual a elite portuguesa […] espanhola, mas sua presença parece ser brasilidade, exótico, tropicali-
não passa de uma marionete. Joguete de pouco provável historicamente naquele dade”; nessa seqüência, vê-se
Carlota aderir, “ela também,
uma lógica econômica e política interna- momento, quando as cortes européias imi- finalmente, à miscigenação, ao
cional, a esta elite só resta a obediência” tavam a Corte francesa, o que seria de es- som grandiloqüente do Tico-tico
no Fubá de Zequinha de Abreu”
(Duarte et alii, 2000, p. 110). perar dar-se especialmente na Espanha, do- (Schwarzman, 2003, p. 169).

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mínio dos Bourbons, como a França Dona Maria I e o príncipe Dom João (re-
(Vainfas, 2001, p. 230). Os maus modos da gente de 1792 até 1816, quando se tornou
família real lusitana à mesa, ademais, são rei, vindo a ser aclamado em 1818) conti-
também um erro, visto que, à época, entre nuaram com as Reformas Ilustradas, intro-
os grupos que ocupavam as altas hierar- duzindo, contudo, algumas alterações. In-
quias sociais em Portugal e no Brasil, já se telectuais ilustrados ocupavam cargos no
viam hábitos mais “refinados”. governo, à semelhança do que ocorrera
A caracterização de Dona Maria apre- durante o reinado de D. José I, mas muitos
sentada no filme – uma beata completa- deles, significativamente, tinham se con-
mente imbecil – ecoa estereótipos que re- servado distantes dos intuitos políticos de
montam ao livro Reino da Estupidez, de Pombal, embora, quanto aos desígnios cul-
Francisco de Mello Franco, de 1785 (em turais, demonstrassem grandes afinidades
manuscrito), sátira ao governo mariano e com ele. Em tal situação, enquadrava-se,
elogio ao consulado de Sebastião José de por exemplo, parcela significativa dos que
Carvalho e Mello, Conde de Oeiras e, de- tinham assento na Academia de Ciências,
pois, Marquês de Pombal, ministro de El- instituição patrocinada pelo governo. A
Rei Dom José I, de 1750 a 1777. Segundo política econômica reformista sofreu igual-
as palavras de Mello Franco: mente algumas alterações. Insistiu-se no
2 Douglas Libby investigou o caso combate ao contrabando e na defesa do
da produção têxtil mineira, a
partir do exame de relatos de “Lisboa já não hé, torno a dizer-vos, exclusivismo comercial metropolitano nas
viajantes estrangeiros do sécu- A mesma, que ha dez annos se mostrava colônias, mas se extinguiram os estancos e
lo XIX (Koster, Saint-Hilaire,
Luccock, Spix & Martius, Maria [ao tempo de Pombal]: as companhias privilegiadas de comércio.
Graham, Richard Burton, Kidder Continuou-se a perseguir o desenvolvimen-
e Saint-Hilaire,) e do “Inventá-
He tudo devoção, tudo são terços
rio de teares existentes na Ca- Romarias, novenas, vias-sacras” (Franco, to manufatureiro do Reino, motivo por que
pitania de Minas Gerais”, de
1786. Em sua pesquisa, con- 1820, p. 21). se proibiram as manufaturas de têxteis no
clui, primeiramente, que o Brasil em 1785, à exceção dos tecidos lisos
Alvará de 1785 foi inócuo em
Minas Gerais, pois, no Inventá- O reinado mariano, entretanto, dizem e grosseiros de algodão (Novais, pp. 239,
rio supracitado, em relação a
94,8% dos teares arrolados, vê- os historiadores, foi uma continuidade par- 244-6; Libby, 1997, pp. 121-2 e 250, e
se menção à produção de pa- cial em relação ao governo que o antece- Domingues, 1994, p. 106) (2). O Estado,
nos lisos de algodão, embora
da variedade grosseira (que deu, em termos teóricos e práticos, embora no entanto, recuou da administração direta
não eram proibidos): “o produ- das empresas, alienando os estabelecimen-
to final consistia nos tecidos
tenha constituído uma reação contra ele:
grosseiros de algodão usados pautou-se, em linhas gerais, pela continui- tos reais; ao mesmo tempo, procurou-se
para vestir escravos e para
ensacamento, especificamente dade de princípios e nomes, pela inovação aprimorar tecnicamente a produção tanto
isentos das proibições” (Libby, e pela reparação. Por um lado, a “Viradeira” na metrópole como na colônia, incentivan-
1997, p. 99). Avalia, em se-
gundo lugar, que a abertura dos (1777-1792) prosseguiu com o propósito do-se a diversificação das atividades pro-
portos brasileiros ao comércio
internacional em 1808 e a en- de fortalecer o absolutismo e manteve al- dutivas nesta última. Movido pelo objetivo
trada de tecidos oriundos das guns homens em postos de comando, como, de industrializar o Reino, o Estado patroci-
fábricas britânicas solaparam
a indústria doméstica apenas por exemplo, o próprio filho de Pombal, nou pesquisas, abriu escolas e financiou
nas regiões em que os custos publicações na área das ciências naturais
de transporte não encareciam
que permaneceu na presidência do senado
sobremaneira o preço final das da Câmara de Lisboa; Diogo Antônio Pina para fomentar a produção de matérias-pri-
importações. Com base nas
observações feitas pelos viajan- Manique, colaborador do governo anteri- mas na América (Dias, 1968, pp. 113-6).
tes entre 1808 e 1867, por or, que foi alçado à intendência geral de Por outro lado, Dona Maria retrocedeu no
fim, afirma que Minas Gerais
era a região que possuía a in- polícia em 1780; Martinho de Mello e Cas- que se refere à visão imperial pombalina,
dústria têxtil caseira mais de-
senvolvida, exportando merca- tro, ex-embaixador português em Londres em razão do que a ação governamental tor-
dorias para pontos distantes de e ministro do Ultramar, em cujo cargo foi nou-se prisioneira dos interesses e precon-
todo o país. A produção têxtil
doméstica, ademais, existia em mantido; e, por fim, José de Seabra da Sil- ceitos da metrópole: afastou as elites locais
quase todas as regiões do Bra- de postos de comando e refutou, por exem-
sil: Nordeste, Sudeste e Cen-
va, o “‘segundo filho adotivo’” de Pombal,
tro-Oeste. Essas conclusões perseguido por ter conspirado contra ele, plo, a proposta de criação de uma fundição
põem em xeque as interpreta-
ções que avaliam como terrí- que foi reintegrado (Tavares & Pinto, 1990, de ferro em Minas Gerais, feita por Dom
veis para o Brasil os efeitos das p. 13; Castro, 1992, p. 12; Maxwell, 1985, Rodrigo José de Menezes (Novais, 1981,
medidas tomadas pela Coroa
portuguesa em 1785 e 1808. p. 93; Domingues, p. 129). Além disso, pp. 268, 274 e 277, e Maxwell, 1985, pp.

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96-8 e 119-20), algo só admitido em 1795, despreparo, pela indecisão, pela corrupção
já sob a regência joanina. A rainha, ainda, de seu governo e pela ignorância. Em al-
adotou medidas reparadoras em relação aos guns momentos, porém, reveste-se de co-
perseguidos e prejudicados durante o rei- ragem e de lucidez, que são, no entanto,
nado josefino, enquadrando-se nesses ca- devoradas e anuladas no decorrer da narra-
sos os jesuítas, os intelectuais ilustrados tiva, como se demonstrará a seguir. Os his-
que não comungaram do regalismo toriadores, é certo, falam sobre a corrupção
pombalino (o oratoriano Teodoro de Al- da administração régia (3), sublinham seu
meida, por exemplo) e, de resto, os encar- caráter arcaico para a época, apontando
cerados ou desterrados por motivos políti- mesmo sua degeneração em gerontocracia
cos, alvos de medidas conciliatórias por (Vinhosa, 2000, p. 355). Focalizam igual-
parte do novo governo. Isso, no entanto, mente as hesitações de Dom João VI, mas
não implicou a aprovação do retorno da procuram situá-las no contexto em que se
Companhia de Jesus aos domínios portu- desenvolveram. Assim, mostram-no atu-
gueses (Domingues, 1994, p. 93; Falcon, ando em meio às pressões inglesas e fran-
1982, pp. 428-9; Beirão, 1944, pp. 262-3 e cesas, ao embate entre liberais e absolutis-
Castro, 1992, pp. 12-3). tas e, ademais, entre portugueses e brasi-
O filme parece embaralhar os papéis dos leiros. Se, de fato, Lorde Strangford procu-
membros da família real. Explica o casa- rava intrometer-se em tudo o que lhe pare-
mento apressado de Dom José, filho de cia ser do interesse dos ingleses – do que é
Dona Maria com Dom Pedro III, em fun- exemplo seu papel na suspensão, aos 16 de
ção da grave doença deste último, sugerin- junho de 1813, do Alvará de 26 de maio de
do que a Coroa seria herdada a partir da 1812, que determinava a cobrança dos
morte do mesmo: isso, obviamente, não mesmos direitos de baldeação das merca-
procede, pois Dona Maria era a rainha, a dorias inglesas que aqueles que incidiam
soberana, e Dom Pedro apenas seu marido. sobre as mercadorias do Brasil e produtos
Caracteriza a Inconfidência Mineira como portugueses na Inglaterra (AN/RAO, Li-
uma conspiração de oficiais inspirada na vro 6, 1813-14, p. 19-19v), ou ainda a sua
Revolução Francesa, reprimida por Dom intermediação na entrega de diamantes ao
João, o que contraria os ensinamentos dos comandante da fragata inglesa, destinados
livros de história, mesmo os mais tradicio- a Londres, também no mesmo ano (AN/
nais: os oficiais militares não eram os úni- RAO, Livro 6, 1813-14, p. 26-6v) –, Dom
cos inconfidentes, não houve como, crono- João, sem desconsiderar o poder de fogo
logicamente, a Revolução Francesa poder dos ingleses, procurou defender a integri-
influenciar a Inconfidência Mineira; Dona dade e o desenvolvimento de seus domí-
Maria foi quem assinou a sentença e a co- nios, protelando as decisões que fossem em
mutação da pena dada aos conspiradores sentido contrário e adequando-se às trans-
de Minas Gerais (Maxwell, 1985, pp. 220- formações históricas das quais era especta-
1 e Villalta, 2000, pp. 37-68). A idéia de dor e ator. Assim, por um lado, abriu os
transferência da Corte para o Brasil, por sua portos brasileiros às “nações amigas”, aos
vez, atribuída no filme aos ingleses, era muito 28 de janeiro de 1808, dias após chegar à
antiga, remontando aos anos 1580. Foi rea- Bahia, rompendo com o monopólio comer-
tivada pelos reformistas ilustrados portugue- cial português, medida que, em boa parte,
ses, sendo, já no século XIX, defendida por favoreceu a Inglaterra e prejudicou todo o
políticos portugueses em 1801 e 1804. A esforço português anterior, intensificado 3 Segundo Oliveira Lima, a “épo-
ca de Dom João VI estava con-
vinda da família real, portanto, foi muito desde a ascensão de D. José I ao trono, em tudo destinada a ser na história
brasileira, pelo que diz respei-
mais que uma fuga irrefletida ou um mero 1750, de desenvolver as manufaturas no
to à administração, uma era de
ato de obediência aos ingleses (Carvalho, Reino de Portugal, vindo a ter o mesmo muita corrupção e peculato, e
quanto aos costumes era de
1998, p. 105 e Lira, 1994, pp. 108-12). efeito o Tratado de Navegação, Comércio muita depravação e frouxidão,
A personagem de Dom João VI, no fil- e Amizade, de 1810, que fixava tarifas al- alimentadas pela escravidão e
pela ociosidade” (Lima, 1996,
me, caracteriza-se pela covardia, pelo fandegárias mais baixas aos produtos in- p. 84).

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gleses. Por outro lado, ao mesmo tempo, D. mente das Graças, que os naturaes do Bra-
João revogou, em 1º de abril de 1808, as sil têm recebido em todos os tempos do
proibições que pesavam ao desenvolvimen- Throno, e das infinitas Mercês que Sua
to das manufaturas no Brasil (Neves, 1995, Alteza Real tem por elles distribuido” (AN/
p. 87-93). Absolutista por convicção, pres- RAO, Livro 3, 1810-11, p. 175). A todas as
sionado pela Revolução do Porto, de 24 de medidas aqui apresentadas, que mostram a
agosto de 1820, ainda no Rio de Janeiro, seriedade da administração política régia e
resignou-se a jurar à Constituição de Cádiz o incremento do comércio, devem ser so-
de 1812. Já em Portugal, para onde partiu madas, ainda, a mudança na fisionomia
aos 21 de abril de 1821, depois de demora- urbana do Rio de Janeiro e as iniciativas
da reflexão e de resistir o quanto pôde, ju- culturais do rei, dentre as quais é possível
rou a Constituição de 1822, no que não foi destacar a introdução da imprensa e a cria-
seguido por sua esposa, Dona Carlota ção da biblioteca régia, não se esquecendo
Joaquina, a qual, por isso, foi desterrada igualmente da dedicação do príncipe à ro-
para o Palácio do Ramalhão, endereçando tina burocrática (Neves & Neves, 2004, p.
uma carta malcriada ao marido, na qual se 72). Reitero, enfim, como o fizeram em
lê: “Na terra do desterro eu serei mais livre artigo recente Lúcia e Guilherme Pereira
que V. M. em vosso palácio. Eu levo comi- das Neves, as palavras de Oliveira Lima
go a liberdade: o meu coração não está es- sobre Dom João: “Se não foi um grande
cravizado; ele jamais curvou diante de al- soberano, soube combinar dois predicados:
tivos súditos que têm ousado impor leis a um de caráter, a bondade; o outro de inte-
V. M...” (apud Schwarcz, 2002, p. 360). ligência, o senso prático de governar” (Ne-
Ciente de que, no Brasil, estava a parte mais ves & Neves, 2004, p. 72).
rica de seu império, Dom João procurou O filme, ao focalizar a Independência,
cooptar as elites locais, concedendo-lhes, conforme assinalam Duarte et alii, obscu-
até 1821, mais de 254 títulos de nobreza e rece o processo de delineamento de inte-
nomeando 2.630 cavaleiros, comendadores resses de uma elite em luta, defensora de
e grã-cruzes da Ordem de Cristo, 1.422 da uma sociedade escravista e hierárquica, da
Ordem de São Bento de Avis e 590 da de qual surgirá o predomínio da defesa da
Santiago (Schwarcz, 2002, p. 255), o que, ordem monárquica após a Independência.
destaque-se, Carla Camurati exibe com Omite, assim, os projetos políticos de outra
muito humor. Mostrava-se, ademais, aten- natureza que foram gestados no período e
to à construção de uma identidade brasilei- que levaram à instalação de uma arena de
ra em oposição à portuguesa, reprimindo combate após a partida de Dom João em
com certa tolerância as suas manifestações 1821: não havia uma lógica inexorável a
que se restringissem ao nível dos discur- cumprir-se sob os olhos de uma população
sos. Assim, por sua ordem, em 1811, o inerte, existindo, de fato, outros projetos e
conde de Aguiar, secretário de Estado dos possibilidades (Duarte et alii, 2000, p. 112-
negócios do Brasil, determinou a Paulo 4). De um lado, setores das elites coloniais,
Fernandes Vianna, intendente-geral de po- que nutriam o desejo de manter uma alian-
lícia, que repreendesse “mui asperamente ça política com a metrópole, posição essa
no Real Nome” a José Joaquim Martins adotada por José Bonifácio e pelo grupo
Zimblão, o qual usara de “expressão falsa palaciano, procuraram manter a unidade
e atrevida” em uma súplica que lhe enca- Brasil-Portugal até o último momento (Ne-
minhara, afirmando “que não he[ra] a falta ves, 2003, p. 376). Por outro lado, as di-
de capacidade e intelligencia que o inhib[ia] mensões continentais do Brasil “impediam
de ter sido já despachado, mas huma certa uma imediata unidade de propósitos das
antipathia a tudo que se diz Brasileiro” diversas lideranças locais”, havendo da
(grifos meus). Contrapondo-se à visão do parte das províncias do Nordeste o ressen-
brasileiro Zimblão, o Conde de Aguiar afir- timento, seja pela situação de neocolônias,
mava que o mesmo esquecia-se “inteira- seja pela repressão de que foi vítima a

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República Pernambucana de 1817. A Re- à causa republicana, antitirânica, antico-
volução Pernambucana de 1817, esqueci- lonial, defensora da propriedade e da es-
da pelo filme, “a mais ousada e radical ten- cravidão. A unidade do Brasil contra Por-
tativa de enfrentamento até então vivido tugal, enfim, teve que ser construída ao
pela monarquia portuguesa em toda sua longo de um processo que comportou ins-
história” (Bernardes, 2001, p. 163), repri- tabilidade, ressentimentos e rancores e, não
mida severamente por Dom João, anuncia- se pode esquecer, o uso das armas, contra
ra percepções essenciais num processo de Portugal e contra o que soava como seces-
independência de colônias, situação da são. Nessa construção, de um lado, pesa-
América Portuguesa, particularmente do ram os propósitos das Cortes instaladas em
Nordeste: o antagonismo entre coloniza- Lisboa e, de outro, os temores de ameaças
dos e colonizador, personificados nas figu- à ordem social, “que, depois de 1790, fica-
ras do brasileiro e do português, e a oposi- ram estreitamente associadas ao republica-
ção entre Colônia e Metrópole (4). Somou nismo, e tenderam a produzir uma maior
a isso a repulsa à administração monárquica coalizão dentro da elite, especialmente entre
que presidia o empreendimento colonial da a dos proprietários de terra” (Maxwell,
“metrópole interiorizada”, definida pelos 2000, p. 189). O fantasma da ameaça à
grupos e interesses sediados no Centro-Sul ordem social – exorcizado pelos mineiros
do Brasil, e delineou uma identidade por em 1789, dado o elitismo do movimento,
meio de uma rejeição dupla, ao elemento fator de recuo das elites baianas, em rela-
reinol e à Coroa, então sediada no Rio de ção à sedição de 1798 e experiência
Janeiro. Nessa época, os colonos reconhe- vivenciada em Pernambuco, em 1817 –
ciam-se como paulistas, baianos, mineiros, afloraria novamente nos idos de 1822
pernambucanos e entendiam, ao mesmo (Villalta, 2003, pp. 59-63). Dom João VI,
tempo, que “ser paulista, pernambucano ou estrategista político, teve um papel nisso,
bahiense significava ser português, ainda pois foi “o mentor da Independência que
que se tratasse de uma forma diferenciada manteve unido o território da América
de sê-lo”, isto é, ser português da América Portuguesa, quase um milagre, através da
(Jancsó & Pimenta, 2000, pp. 136-7) ou ser corte que se estabeleceu no Rio e do filho
brasileiro, como esboçava o citado D. Pedro, que ficou, com Dia do Fico ou
Zimblão, em 1811. Ao mesmo tempo, os sem ele” (Vainfas, 2001, p. 234). Dom
pernambucanos agiram como forças cen- Pedro tomara tal iniciativa seguindo o con-
trífugas, regionalizantes, que hostilizavam selho paterno, como fez questão de lem-
a hegemonia do Centro-Sul sobre o restan- brar-lhe – em carta datada de 19 de junho
te das possessões americanas de el-rei, de 1822, na qual manifesta sua recusa em
embaralhando a dicotomia brasileiros/por- obedecer às ordens das Cortes, que deter-
tugueses e os esforços desenvolvidos pelo minavam seu retorno a Portugal. Disse-lhe,
monarca com vista a romper com a descen- então, o príncipe Pedro que dele ouvira,
tralização político-administrativa que im- numa conversa, antes de sua partida, “no
perara em todo o período colonial, passo seu quarto; ‘Pedro, se o Brasil se separar,
essencial para a preservação do Império antes seja para ti, que me hás de respeitar,
Luso-brasileiro então sediado na América. do que para algum desses aventureiros’”
Contudo, os pernambucanos revolucioná- (Norton, 1979, p. 149). Esse conselho é
rios deixavam a porta aberta para a incor- recuperado pelo filme, mas de um modo
poração, à República por eles instituída, do em que se diminui a clarividência do rei: o
conjunto dos brasileiros e de parcela dos conselho só surge após Dom Pedro pedir- 4 O processo de emancipação
política foi lento, não linear,
portugueses, vendo-se como parte de uns e lhe para permanecer no Brasil, justificando envolvendo, como condições
outros, devotando evidente hostilidade em sua solicitação pelo fato de que, assim, as subjetivas, a distinção entre
mazombos e reinóis e a consta-
relação aos últimos, ocultada e negada por terras do Brasil sempre seriam suas (isto é, tação do antagonismo entre os
motivos estratégicos, e exigindo apenas de de seu pai). Só diante dessa justificativa, o interesses dos habitantes da
Colônia e da Metrópole
ambos, portugueses e brasileiros, a adesão pai concede-lhe a autorização para ficar, (Mattos, 1999, p. 18).

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dizendo-lhe: “Tens razão meu filho, é me- no formado pelas possessões das duas co-
lhor que o Brasil fique nas tuas mãos do roas [de Espanha e de Portugal], abrangen-
que com um aventureiro que lance mão da do toda a América Meridional e Central, e
Coroa e faça a Independência” (5). quase metade da Setentrional” (Lima, 1996,
Camurati, no entanto, com essa alteração, pp. 187 e 196; Cunha, 1985, pp. 140-1; Aze-
desloca a autoria da idéia de Dom João para vedo, s/d, p. 2) (6). A posição de Carlota
D. Pedro, invertendo os papéis. Essa ope- Joaquina nesse projeto, no entanto, era
ração, somada à parvoíce que impera no motivo de controvérsia, seja entre os ingle-
comportamento do soberano, acaba por ses, seja no governo português, cuja avalia-
5 A historiografia brasileira, frise-
se, em favor de Carla Camurati, minimizar seu papel na construção de nos- ção modificou-se ao longo do tempo. Esca-
não está imune a certos luga-
res-comuns carregados de pre- sa Independência, com todas as caracterís- pam ao filme, em grande medida, as con-
conceito, que sobrevivem mes- ticas que ela assumiu: unitária, monárquica, tradições e mudanças. A princípio, nos idos
mo quando as evidências ca-
minham no sentido contrário. O afinada com os interesses socioeconômicos de 1808, Dom João (Lima, 1996, p. 191) e
livro Carlota Joaquina na Corte
do Brasil, publicado em 2003,
de nossas elites. Camurati, ao mesmo tem- Dom Rodrigo de Souza Coutinho, inimigo
de Francisca L. Nogueira de po, pasteuriza o processo de Independên- declarado de Dona Carlota, aceitavam a
Azevedo, por exemplo, é extre-
mamente arguto em sua tese cia, ocultando a complexidade e as contra- possibilidade de concretizar aquele proje-
central sobre Dona Carlota, dições que permearam a sua construção. À to, via o reconhecimento dos direitos da
compreendendo que a mesma
nunca teria sido fiel aos “pre- época da produção do filme, já havia uma Princesa do Brasil à Coroa espanhola. En-
ceitos da educação feminina
que recebeu”, recusando a sub- farta produção historiográfica que permi- tre os agentes ingleses, o almirante Sir
missão aos homens e negando tia escapar de uma visão simplificadora Sidney Smith endossava a mesma idéia, o
a cultura humanista de sua épo-
ca, a qual consagrava à mu- sobre a Independência do Brasil. que não ocorria com Lorde Strangford, o
lher nobre o papel de objeto
estético, sendo casta, decoro- A participação de Carlota Joaquina e de qual encarava Carlota como inimiga dos
sa e duplamente dependente do Dom João nos conflitos dinásticos espa- interesses ingleses e defendia a Indepen-
marido (Azevedo, 2003, p.
155). A autora, entretanto, re- nhóis é outro aspecto controverso. Carlos dência das colônias espanholas; na Espa-
produz a lenda negra sobre o nha, em 1812, o embaixador inglês, por sua
IV, rei de Espanha, e seu filho Fernando,
reinado de Dona Maria I, de
que é tributária Camurati, sob pressão napoleônica, abdicaram em vez, opunha-se às pretensões da princesa e
centrando-se na idéia segundo
a qual “D. Maria I traz de volta 1808, em favor de José Bonaparte, irmão à possibilidade de uma regência luso-espa-
ao poder parte do setor mais do imperador francês. Carlota Joaquina, nhola no Prata (Azevedo, 2003, p. 127).
conservador e reacionário da
nobreza e do clero lusitanos” legitimada pela revogação da Lei Sálica, Dom João e seu ministério, por sua vez,
(Azevedo, 2003, p. 19). Com
isso, perde de vista seus aspec- ocorrida em sessão secreta das Cortes, em cedo passaram a reprovar a ascensão polí-
tos reformistas ilustrados. Insis- 1789, “como filha primogênita de Carlos tica da princesa, preferindo exigir “a parti-
te, ao mesmo tempo, em apre-
sentar a Corte portuguesa como IV e única herdeira da dinastia em liberda- cipação do infante D. Pedro Carlos – primo
mais triste do que a de Espa- de”, assumiu, do Brasil, “a defesa da Casa de D. Carlota e sobrinho de D. João, criado
nha, usando, para tanto, den-
tre outras fontes, uma passagem de Bórbon” (Azevedo, s/d, p. 2). Essa situa- na Corte de Bragança – na disputa pela
de uma carta da esposa do
então diplomata Junot, na qual ção gerou uma crise entre “as principais regência” (Norton, 1979, p. 41 e Azevedo,
se lê: “... Não há palácios em potências européias em virtude da possibi- s/d, pp. 4-5), impedindo-a de deslocar-se
Lisboa. A roupa do povo, em
Lisboa, nada tem de particular, lidade de uma nova União Ibérica”, pois para o Rio da Prata ainda ao final de 1808
como em Madri, mas é bem
mais alegre. Essa conformida-
isso quebraria o equilíbrio político euro- (Lima, 1996, p.193-194) e asfixiando-a fi-
de de vestimentas e, sobretudo peu. A própria transferência da Corte para nanceiramente em 1809 (Azevedo, 2003,
a cor preta, dava a Madri uma
tristeza que não me desagra- o Rio de Janeiro, em 1807-08, e a constru- p. 201). Essas modificações na posição do
dava, sobretudo à época em ção de um amplo império luso-brasileiro, governo do Rio de Janeiro, em linhas ge-
que me refiro. Desde então,
nossas roupas influenciaram um com sede no Brasil, o que foi aludido ante- rais, reconheça-se, não passam desaperce-
pouco as espanholas” (apud.
Azevedo, 2003, p. 54 – riormente, envolviam o projeto de conquista bidas pelo filme. Sob pressão do marido e
negrito meu). Deixo ao leitor a das colônias espanholas do Rio da Prata, de seus ministros, Carlota concordou em
conclusão sobre onde as rou-
pas do povo eram mais tristes, sendo isso explicitamente alentado por D. assinar um manifesto anunciando o envio
se em Portugal ou em Espanha.
Rodrigo de Souza Coutinho, conde de de D. Pedro Carlos, em fins de 1808, ao Rio
6 Dona Carlota detestava o con-
de de Linhares, chamando-o de
Linhares, ministro de Dom João, e pelo da Prata, para governar “interinamente os
“el torbelino, por estar sempre conde de Palmela, representante do gover- domínios americanos” de Espanha (Lima,
em movimento, atendendo a
uma multidão de negócios, e no do Rio de Janeiro na Espanha, entre 1809 1996, p. 205 e Azevedo, 2003, p. 93). A
só em última extremidade lhe e 1812, tendo esse último sonhado com a diversidade de posições era ainda maior no
pedia qualquer obséquio”
(Lima, 1996, p. 184). criação de “um colossal império ultramari- interior do Vice-Reinado do Rio da Prata:

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havia partidários de Carlota, outros que desabonadoras para a família real como um
defendiam a regência de D. Pedro Carlos e, todo, mas, sobretudo para o domínio portu-
ainda, alguns que eram partidários do cô- guês e para as figuras de Dom João e Dona
nego Inca Mango Capac (Azevedo, 2003, Carlota. Possuem clara conexão, ademais,
p. 147). Em relação às pretensões de Dona com o momento da produção do filme: a
Carlota, nas Cortes e na Junta Governativa corrupção generalizada dos políticos, a fra-
de Espanha, também se verificavam oposi- queza de nossas lideranças, a exposição de
ção e hesitação: temiam que, com isso, se detalhes grotescos da vida privada de nos-
entregasse o poder a Portugal (Azevedo, sos governantes e as incertezas que nos
2003, p. 113). A princesa, além disso, ja- cercavam a respeito do futuro. Posso con-
mais esteve disposta a participar de qual- jeturar se, em alguma medida, na figura de
quer movimento de caráter emancipatório Dom João, Carla Camurati não colou a de
ou que ferisse a integridade dos domínios Itamar Franco. Sua chegada à presidência
de sua família de origem, os Bourbons. Em foi uma surpresa, assim como a ascensão
1812, a Junta Central de Espanha reconhe- de Dom João VI; no exercício do governo,
ceu os direitos de Carlota a suceder ao tro- ele também hesitava, parecendo ser manie-
no, contudo, em 1813, as pretensões de tado por outrem; expunha ou tinha exposta
Dona Carlota foram de todo encerradas, publicamente sua vida íntima, suposta ou
pois a guerra assumiu novos rumos e não, verificando-se situação similar com o
Fernando VII, o rei espanhol deposto, vol- Dom João de Carla Camurati; sua conduta
tou à Espanha (Azevedo, 2003, pp. 129-35). como governante, a despeito dos seus acer-
Dom João, instigado por Dom Rodrigo (fa- tos, era lida por parte da imprensa da época
lecido em 1812), ademais, agia de modo com um misto de surpresa e desprezo, como
dúbio nas questões platinas. Em 1810, com se pode ler na nota da p. 242, em que se
vontade de mostrar sempre concordar com reproduzem as considerações de Marcelo
os conselhos britânicos, prometeu a Lorde Coelho, o qual o tomava como um exem-
7 Vale aqui reproduzir o que es-
Strangford não mais se intrometer nos ne- plo de que o Brasil prescindia de presiden- creveu, há décadas, com algum
exagero, Luís Norton, reclaman-
gócios do Prata. A região estava agitada pela tes, no que se pode ver um paralelo com o do do que ocorreu com gera-
“Revolução de Maio”, de Buenos Aires, episódio da caçada supracitada, para cujo ções de brasileiros, em virtude
de sua “boa fé” e do “mau
assistindo a conflitos entre seus partidários êxito a ação régia contribuiu acidentalmen- ensino”. Tais gerações acredi-
e os realistas de Montevidéu. Dom João, às te. O filme, ao pasteurizar as diferenças ana- taram que Dom João era “um
rei fujão, pusilânime” (Norton
escondidas, malgrado todas as suas promes- lisadas e minimizar o cerco político de Dom não poderia imaginar que esse
chavão seria reproduzido à
sas de neutralidade, usando os “interesses” João à sua esposa, reforça, de um lado, uma exaustão pela mídia a partir da
de Dona Carlota como cunha para seus pró- visão de Carlota como mulher desprovida década de 90): “E como D.
João VI era fisicamente grotes-
prios projetos e contrariando os interesses de qualquer princípio que não a satisfação co, e a sua obesidade doentia
lhe dava um ar pacífico e sim-
ingleses, mandou invadir a Banda Oriental. de suas ambições pessoais e sexuais e, de plório, fizeram-lhe um perfil re-
Negou ser seu desejo incorporá-la ao terri- outro lado, de D. João como imbecil e como cortado da caricatura física;
porque ele era bom gastrô-
tório português e devolveu-a, depois, por marionete dos ingleses (7). Reitera o senso nomo, encheram-lhe os bolsos
acordo firmado aos 20 de outubro de 1811, comum segundo o qual o projeto de um de frangos e a farda de sebo;
porque gostava de música sa-
com Inglaterra e Espanha (Cunha, 1985, pp. Brasil independente, sob o regime monár- cra e tinha gênio dócil, foi acu-
sado de mansidão, de timidez
145 e 151, e Lima, 1996, p. 214), porém, em quico, preservando-se sua unidade territo- e de apatia lorpa, qual frade
janeiro de 1817, ocupou novamente Monte- rial e mantendo-se a dependência em rela- inculto. Decoraram contra ele
estes versos populares: ‘Nós
vidéu. O Uruguai separou-se do Brasil ape- ção à Inglaterra e a ordem socioeconômica temos rum rei/ Chamado
João.../ Faz o que lhe man-
nas em 1828. As informações a respeito dos herdada do período colonial (com exceção dam/ Come o que lhe dão,/ E
atores históricos supracitados e seus confli- do monopólio comercial), foi o único apre- vai para Mafra/ Cantar
cantochão’. Chamaram-lhe
tos, no que se refere ao trono espanhol e ao sentado no curso do processo de emancipa- tudo; só não disseram que ele
domínio da região platina, em grande parte ção política. Com tal estreiteza, perde-se era muito inteligente e perspi-
caz e que tinha sido um grande
encontravam-se disponíveis quando Carla de vista que tal projeto foi vitorioso em rei no Brasil: o verdadeiro fun-
dador da nacionalidade brasi-
Camurati produziu seu filme. meio ao confronto com outras alternativas leira, como hoje, finalmente,
Todas as imagens estereotipadas de – separatistas e republicanas, como se ve- parece estar provado e reco-
nhecido” (Norton, 1979, pp.
Carlota Joaquina, Princesa do Brazil são rificou em 1817, por exemplo – e minimiza- 83-4).

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se o papel de Dom João VI. O cinema, na medida em que não ilumina os projetos
obviamente, não pode nem deve reprodu- alternativos que foram derrotados no curso
zir os detalhes e as minúcias do processo da história. Dessa forma, conduz-se o es-
histórico, mas, por seu papel como forma- pectador mais ao deboche do que à reflexão
dor de uma memória histórica nacional, é crítica sobre a história do Brasil. Se, como
justo esperar que abra espaço para as con- lembra Elias Thomé Saliba, “a paródia tam-
tradições e os diferentes projetos construí- bém pode reforçar o estereótipo, enfatizar o
dos ao longo da história e, ainda, que vá cânone, repetir o mesmo significado”
além do que conta a história oficial e nos (Saliba, 1999, p. 440); se, como ensina
ensina o senso comum. Alcides Freire Ramos – ao analisar as inter-
Estereótipos e erros históricos poderi- pretações de Sorlin sobre as relações entre
am ser atribuídos ao duplo filtro que con- cinema e história –, o filme histórico não
duz a narrativa do filme: do adulto e da cria/produz saber histórico, antes o repro-
menina escocesa, Yolanda. A aceitação duz e reforça (Ramos, 2000, pp. 35-7), é
desse pressuposto, contudo, não invalida a possível concluir que a película dirigida por
constatação de que a paródia construída por Camurati opta por reforçar o saber mais
Carla Camurati, longe de ir além da histó- conservador e arcaico, considerando-se o
ria tradicional, parece estar aquém dela, repertório historiográfico que se encontrava
quando não vem confirmá-la, assim como à disposição da cineasta à época da produ-
ao senso comum. O filme, ao contrário do ção do filme. E isso tudo tem um agravante:
que anuncia a cineasta, não oferece conhe- Carlota Joaquina “é apresentado, diaria-
cimento histórico ao espectador, nem que mente, em centenas de salas de aula de esco-
se considere que a mesma concebe a histó- las e universidades como dessacralização da
ria como um romance: ele reforça, na ver- historiografia patrioteira por professores em
dade, as idéias que os espectadores trazem, geral interessados em suas disciplinas e alu-
sendo nulo em termos de ampliação do nos” (Maestri, 2002).
conhecimento. Ainda que se considere que Há que se reconhecer que o filme tem
não se trata de uma película histórica, pois um grande mérito: desnuda o comprometi-
Carlota explicita desde seu início o seu mento e o caráter de construto, de artifício,
vínculo com a ficção, nem por isso é um das imagens legadas pelo passado, em boa
filme inocente em termos de história e, parte consagradas pela historiografia bra-
muito menos, sem conseqüências no que se sileira, explicitando a fabricação da icono-
refere à construção de uma visão da histó- grafia colonial, seu caráter de monumento,
ria nacional. Identificar os perdedores e isto é, de vestígio que é utilizado pelo po-
ganhadores dessa leitura fílmica da histó- der (Le Goff, 1984, p. 102). Carlota meni-
ria é essencial para que se desvende seu na afirma querer ser pintada de forma que
projeto de intervenção histórica. Na apro- fosse mais bonita que a princesa Margari-
priação inventiva da história feita por da, intenção que no filme é desnudada como
Carlota Joaquina, calcada em inúmeros impossível, senão com o recurso à falsifi-
estereótipos, nossas elites, Dona Carlota, cação, tendo em vista a feiúra da persona-
Dona Maria I e Dom João saem chamusca- gem. A mesma Carlota menina recebe um
dos e poupa-se Dom Pedro I, preservando-o, “retrato” do príncipe Dom João, ficando
assim, como herói nacional. Toda essa vi- encantada com sua beleza, que se compro-
são relaciona-se com o momento histórico va ser falsa logo no primeiro encontro, o
da produção do filme, marcado pela cor- qual é registrado por uma imagem, em pri-
rupção e pela desesperança em relação ao meiro plano, do rosto abobalhado e feioso
futuro do Brasil. Essa é a chave que explica do então infante de Portugal. Se até aqui a
em grande medida os tons assumidos pela farsa não parece atingir imagens que se
leitura da história apresentada pelo filme tornaram célebres nos livros de história,
Carlota Joaquina. O potencial corrosivo isso é revertido ao final do filme, envol-
do filme, contudo, reduz-se enormemente vendo um dos mais célebres pintores da

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Vista do Largo
do Palácio
no Dia da
Aclamação de
Dom João VI,
de Jean
Baptiste
Debret,
c. 1818-31

8 Lilia Schwarcz considera que


Jean-Baptiste Debret e os de-
mais artistas da missão france-
sa, filiados ao neoclassicismo,
contratados em 1815 e chega-
dos em 1816, produziram uma
missão francesa, Jean-Baptiste Debret. linguagem pictórica do quadro, substituin- “arte estatal, patriótica e preo-
cupada em vincular os feitos dos
Numa das seqüências finais, a família real do-a pela lente da cineasta. As reações dos monarcas aos ganhos do pas-
examina dois quadros de Debret: um pri- membros da família real sobre o quadro sado clássico idealizado.
Alocados diretamente a servi-
meiro, em que é retratada toda a família são distintas. Se a infanta o acha lindo, a já ço do Estado, não tinham pru-
ridos em mostrar engajamento
real (que não consegui identificar e que rainha Dona Carlota critica-o. Depois de e paixão política” (Schwarcz,
possivelmente não foi feito, de fato, pelo contemplá-lo por algum tempo, diz: “Ah, 2002, p. 312). O próprio
Debret, envolvido na constru-
pintor francês em questão), e um segundo, não havia tanta gente, tenho certeza”. Dom ção de cenários para aclama-
ção de Dom João VI (arcos triun-
sobre a aclamação de Dom João como so- João retruca: “Carlota, por Deus, pões sem- fais, obeliscos, iluminações
berano do Reino Unido de Portugal e Bra- pre defeito em tudo!”. Dom Pedro e Dom etc.), afirma em relação ao
quadro Aclamação de Dom
sil, a prancha 95, denominada Vista do Miguel também se pronunciam. Pedro diz João VI (Schwarcz, 2002, pp.
Largo do Palácio no Dia da Aclamação de ao irmão: “Quem é esta bela dama que está 313 e 322-3): “A fim de não
perder, na medida do possível,
Dom João VI (Debret, 1993) (8). atrás de nossa mãe, Miguel?”. Obtém como o meu caráter de pintor da his-
tória, vali-me do antigo cerimo-
Em relação ao primeiro quadro, a câ- resposta: “Ora, Pedro, não dá pra ver nada, nial dos reis de Portugal para
mara exibe-o, diante dos olhos do especta- nem sequer a nossa mãe”. Dona Carlota, representar D. João VI em uni-
forme real” (apud Alencastro,
dor, tendo ao lado a figura de Debret, ou- fechando tudo isso, conclui: “O problema 2001, p. 143). Segundo Luiz
Felipe de Alencastro, quando
vindo-se ao fundo os comentários de mem- é que Debret não é Velásquez”. Encerran- da preparação de publicação
bros da família real, centrando o foco em do essa seqüência, logo após Carlota expor da Viagem Pitoresca, de De-
bret, o destino da monarquia
Carlota Joaquina, a qual afirma: “Mas que sua opinião, é entregue um presente (um brasileira parecia incerto, em
feia estou. Não gostei das cores. Agora feto morto, filho de D. Pedro) e um bilhete, meio às turbulências do perío-
do regencial, situação em que
vamos ver o quadro da praça”. escrito por Noemi, ex-amante do príncipe, “a inscrição das cerimônias im-
periais e dos monumentos fun-
Em relação a este quadro, Vista do Lar- afastada do mesmo por obra de El-Rei. Com dadores da instituição impe-
go do Palácio, as reações dos membros da tudo isso, por meio das afirmações de rial”, na obra em questão, “as-
sume um caráter pedagógico,
família real são distintas. A câmara posicio- Carlota e da imagem do feto, Carla Camurati de propaganda política em
favor do único governo monar-
na-se no lugar do quadro, exibindo as ex- expõe um juízo desfavorável a Debret e, ao quista da América, de apoio
pressões das personagens que o observam, mesmo tempo, denuncia o “falso” que se ao representante ameaçado do
‘sistema europeu’ num continen-
criando um artifício por meio do qual o ocultaria no quadro do mesmo, uma ima- te de países dotados de gover-
gem da realeza consagrada nos livros de nos republicanos encarnando
espectador não vê a obra de Debret, mas,
o ‘sistema americano’”
sim, a família real. Dilui-se a mediação da história; afirma, além disso, por contrapo- (Alencastro, 2001, p. 143).

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sição, o caráter de verdade que confere ao problema com a história é que, quanto mais
filme e, por conseguinte, a interpretação que se lê, menos se sabe” – e que isso legitima
ele apresenta, que não é senão uma só: a a opção, feita pelo filme, por uma das ver-
família real portuguesa é sórdida. A denún- sões da história dentre as alternativas exis-
cia da farsa subjacente ao conhecimento his- tentes, conclui-se que as duas possibilida-
tórico, além disso, é reforçada por outra pas- des estão corretas. De modo semelhante ao
sagem do filme, aquela em que Dom João quadro de Debret, pintado por um estran-
queima o documento que registra a investi- geiro, um francês, a história-estória de
gação sobre o assassinato da esposa de Carlota é contada, de cabo a rabo, por um
Fernando Carneiro Leão, em que esteve di- estrangeiro, um escocês, sendo quadro e
retamente envolvida Dona Carlota Joaquina, narrativa do filme visões da história de luso-
a acreditar-se em João Felício dos Santos (s/ brasileiros e espanhóis, segundo uma pers-
d, p. 289). Imagens falsas, documentos es- pectiva estrangeira, de outros. Em face
critos ausentes – essas idéias permitem a desses elementos, o próprio filme se justi-
Carla Camurati concluir que conhecimento ficaria como uma estória, como uma leitu-
histórico tem bases frágeis e oculta a sordi- ra paródica da história. Se com esse proce-
dez da família real. dimento a diretora desculpa sua própria
Em Carlota Joaquina há, ainda, uma caricatura, expressa também uma insatis-
seqüência intrigante, em que se vê a rainha fação com as muitas dúvidas trazidas pela
em uma embarcação, na superfície do mar, leitura dos livros de história, dos próprios
focalizada em planos geral e médio, jogan- documentos históricos e/ou suscitadas pe-
do um par de sapatos, para com isso não las divergências contidas nas interpretações
carregar nenhum vestígio de terra do Bra- neles contidas. Leva à visão de que, na his-
sil, que ela tanto odiava. Cabe dizer que, tória, há muitas incertezas, de que as fontes
em seguida, visualizam-se, em primeiro históricas são constituídas segundo inte-
plano, vários outros pares de sapato depo- resses, abrem espaço para a simulação e
sitando-se no fundo do mar. Isso faz lem- apresentam apenas um fragmento da vida
brar a fala da protagonista, segundo a qual do homem, como sujeito individual e cole-
ela usaria um par de sapatos em cada dia… tivo; de que os historiadores, por conse-
Remete também às palavras da abertura do guinte, têm inteira liberdade para escreve-
filme, segundo as quais as profundezas do rem o que quiserem, produzindo diferentes
mar ocultariam “riquezas”: é toda a estória versões: um par de sapato, enquanto na vida
de Carlota que se encontra no fundo do mar, o homem deixa vários. O filme, por meio
todavia, na superfície aparece apenas um desses estratagemas, ataca os fundamentos
sapato. Seria essa seqüência uma metáfora do conhecimento histórico – as fontes so-
da relação do historiador com o passado, bre as quais a história se baseia são aquelas
mediada pela seleção e análise dos teste- que escaparam à destruição; dentre as fon-
munhos, legados por esse mesmo passado? tes de que se utiliza, algumas são prenhes
E/ou ainda, metáfora da leitura feita pelo de falsificação; elege alguns testemunhos
próprio filme, uma, dentre outras possíveis, e seleciona determinados aspectos para
para a história de Carlota Joaquina, sinali- focalizar, em detrimento de outros; e pro-
zando que também o cinema seleciona e duz versões diferenciadas, conflitantes e
que, no caso, fizera uma escolha tão caricata pouco seguras, sobre um mesmo fato – e,
quanto a visão de Salvador Dalí, registrada ao mesmo tempo, legitima as escolhas que
num documento escrito encontrado numa ele próprio fez: de uma versão dentre ou-
garrafa que se achava no mar? Essas supo- tras e de embaralhar ficção e história.
sições não são excludentes, mesmo porque Ambas, afinal, ficção e história, são apre-
Carla Camurati coloca história e ficção num endidas como romances.
mesmo patamar. Se for considerado que Nas últimas décadas, contudo, deve-se
essa seqüência antecede a defenestração da salientar, têm-se alterado bastante as con-
história pelo escocês – ao afirmar que “o cepções de conhecimento histórico. No que

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toca à relação entre o sujeito e o objeto de ciedade e os pontos de universalização ou
conhecimento, a historiografia vem minan- de conexão com processos de outros po-
do o ideal positivista de objetividade (Bur- vos. Todas essas considerações, no entan-
ke, 1992, p. 15; Proença, 1990, pp. 23-4; to, não equivalem a igualar história e fic-
Citron, 1984, pp. 97-9). Compreende-se – ção e, por isso mesmo, a endossar a idéia de
e isso tem sido sublinhado desde muito que em história há um relativismo total, um
tempo atrás – que o sujeito cognoscente vale-tudo: o historiador persegue um efei-
não pode ser objetivo nos termos fixados to de verdade muito diferente daquele ao
pelo positivismo, pois isto está além de suas qual pode estar atrelado o cineasta; não
possibilidades históricas, na medida em que sendo ingênuo, ao criticar os documentos-
escreve a história a partir de procedimen- monumentos, busca compreender as con-
tos e elementos que, por si sós, impedem a dições de sua própria produção, as estraté-
realização daquele ideal de objetividade gias de poder que segredam. Seu objetivo
(Veyne, 1987, pp. 24, 42 e 48). Primeira- é construir conhecimento, o que implica
mente, a história nasce das interrogações uma seleção e uma crítica cuidadosa das
levantadas pelo sujeito a partir de perspec- fontes, o uso de métodos adequados para
tivas, anseios, angústias e parâmetros que proceder à análise das mesmas, o diálogo
são do seu próprio tempo, do seu presente. com o conhecimento histórico produzido e
Em segundo lugar, baseia-se em testemu- a produção de uma síntese que respeite as
nhos do passado, em vestígios, os quais não especificidades temporais e espaciais dos
são inocentes: as fontes expressam as rela- fatos e, ao mesmo tempo, que não obscure-
ções de força estabelecidas à época de sua ça as participações, as vozes e as inter-re-
produção; traduzem pontos de vista, posi- lações dos diferentes sujeitos históricos –
ções ideológicas, interesses específicos de toda essa construção, frise-se, sendo expli-
indivíduos, grupos, classes, gêneros, etnias, citada aos pares, submetida à apreciação
etc. Como afirma Le Goff, o “documento é dos mesmos, à verificação de sua coerên- 9 Ramos, ao confrontar cinema e
história, afirma que a escrita da
monumento. Resulta do esforço das socie- cia e consistência. A leitura de Camurati, história organiza-se sob a for-
ma de uma narração literária,
dades históricas para impor ao futuro – contudo, ao negar a objetividade da histó- diferenciando-se dessa por pro-
voluntária ou involuntariamente – deter- ria, segundo termos positivistas, nega-a, no curar “produzir um efeito de
realidade/verdade por meio
minada imagem de si próprias. No limite, todo, como conhecimento válido, reiteran- da citação de documentos (o
que, em última análise, permite
não existe um documento-verdade. Todo do aquele ideal de objetividade que já se a verificabilidade)” (Ramos,
documento é mentira. Cabe ao historiador encontra no ocaso entre os próprios histo- 2000, p. 39). Enfatiza que se
trata de “efeito de verdade” (o
não fazer o papel de ingênuo […] É preci- riadores e legitimando seu filme (9): o sa- que se finca na prova) e não
so começar por desmontar, demolir esta ber histórico de base que inspira Carla é um “verdade” (já que sempre per-
manecerão incertezas). Acres-
montagem, desestruturar esta construção saber de outrora, de inspiração positivista. centa, ademais, que o filme
também procura o mesmo “efei-
e analisar as condições de produção dos Nele só há lugar para a “velha história”, to de verdade”: mas o uso de
documentos-monumentos” (Le Goff, 1984, com seus antigos e novos clichês: os exóti- documentos, em filmes, dá-se
fora do contexto, com o que se
pp. 103-4 – grifos meus). A historiografia, cos signos dos trópicos, concebidos pelos produz um “efeito de verdade”
não-histórico (ficcional) e, ao
por esse motivo, tem enfaticamente defen- estrangeiros e associados à brasilidade, mesmo tempo, histórico (produ-
dido que “o chamado contexto real dos fatos desde Rugendas e Debret, de fato, são in- to de um determinado presen-
te, o da produção dos filmes).
não existe senão enquanto um conjunto de corporados, mas, melhor dizendo, são rei- Por tudo isso, segundo Ramos,
versões” (Marson, 1984, p. 50); que só terados acriticamente, ainda que com de- não significa que “aí exista his-
tória”. Duarte et alii, em discus-
“existem histórias parciais” (Veyne, 1987, boche. Todo documento, como Carla são similar, mas analisando a
relação entre história e ficção
p. 54), porque conhecidas de forma relati- Camurati insinua, é uma mentira, mas isso pela mediação do cinema,
va, segundo as perspectivas do historiador não significa que o historiador é um mais precisamente de Carlota
Joaquina, citando Castoriadis,
e de seu tempo, segundo os limites e as bobalhão ingênuo e que qualquer história afirmam que “se a História re-
jeitou a busca de uma verdade
possibilidades contidos nas fontes; e que, seja válida como conhecimento: todo um positiva e totalizante, nem por
além disso, a polêmica é a regra e funda- aparato teórico-metodológico vem sendo isso abandonou ‘a exigência
de coerência ou não-contradi-
mento do conhecer. Rejeitam-se as histó- desenvolvido para garantir e verificar a ção bruta – e é essa exigência
rias universais, buscando-se as especifici- consistência do conhecimento histórico, o que o ceticismo, ou o
relativismo, recusa’” (Duarte et
dades dos processos históricos de cada so- qual, se comporta uma pluralidade de ver- alii, 2000, p. 110).

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sões, não admite como válidas todas e quais- real portuguesa vive situações dramáticas,
quer versões… E, assim sendo, se como por exemplo, pedaços de “nuvens negras”
cinema Carlota Joaquina é válido, como caem sobre as personagens). Em relação
história, nada traz de novo e consistente. exclusivamente a tais aspectos, que reme-
Sheila Schwarzman afirma que Carlota tem à linguagem de Carlota Joaquina, Prin-
Joaquina apresenta uma proposta de “uma cesa do Brazil, é perfeita a análise de Sheila
nova encenação da História do Brasil”, pela Schwarzman: a encenação da história ofere-
qual o “trópico se assume como trópico e cida pelo filme é inovadora. É tudo propo-
incorpora as cores e a imagem que dele se sitada e explicitamente fake.
criou” (Schwarzman, 2003, pp. 167-8): essa Resta, ainda, uma última questão. A
asserção é válida apenas parcialmente, na cineasta faz questão de mostrar a mediação
medida em que o filme inova do ponto de da linguagem cinematográfica, explici-
vista estético, no plano da forma assumida tando que aquilo que o espectador vê na
pela narrativa, mas não em termos do seu tela não “é a história tal como ela ocorreu”.
conteúdo, da história por ele veiculada e da Estaria a cineasta insinuando que a história
concepção de conhecimento histórico que não faz o mesmo, que a história como co-
carrega. Camurati tem um grande mérito: nhecimento oculta sua linguagem? Posso
faz questão de sublinhar que seu filme é dizer, apenas, que a cineasta não apresenta
uma construção feita segundo uma deter- a história tentando fazê-lo e acrescentar,
minada linguagem – que é obviamente a do ainda, que professores e alunos, em boa
cinema – e a todo tempo mostra suas mar- parte, não analisam o próprio filme Carlota
cas. Malgrado as ambigüidades já aponta- Joaquina como construção cinematográfi-
das no filme no que se refere às relações ca, feita em determinado contexto históri-
entre história e ficção, esse é seu aspecto co, com o que perdem de vista a riqueza da
mais notável e delicioso, a única novidade possibilidade de confrontar, a partir dele,
trazida por sua “encenação da história”: cinema e história: docentes e, por meio
novidade cinematográfica, mas não histó- deles, discentes, vêm, pelo contrário, reite-
rica. Lembra o espectador, em vários mo- rar os estereótipos de que o filme é veículo
mentos, que ali, à sua frente, não se encon- (10). A responsabilidade por isso, saliento,
tra o passado, mas uma visão sobre o pas- não é de Carla Camurati, advindo das fa-
sado, plena de ficção. Trata-se do passado lhas na formação dos pesquisadores e pro-
luso-brasileiro ficcionalizado numa paró- fessores de história.
dia que, supostamente, é a visão do outro,
o escocês, mas que pode ser lida como a

CONCLUSÕES
paródia feita por uma brasileira, nos idos
de 1995, dos próprios estereótipos que os
outros constroem sobre o passado do Bra-
sil. Assim, se Carlota Joaquina, de manei- Carlota Joaquina, Princesa do Brazil,
ra estereotipada, apresenta suas persona- de Carla Camurati, produzido em meio a
gens, bem como os povos português, “bra- transformações políticas e econômicas sen-
sileiro” e espanhol, as cortes de Espanha, síveis por que passava o país na primeira
Portugal e do Brasil, privilegiando o grotes- metade da década de 90 do século passado,
co e o cômico, se procura fazer uma história driblando os inúmeros obstáculos econô-
de nosso Pecado Original, entretanto, deixa micos que afetavam o cinema nacional,
10 Ronaldo Vainfas inocenta os saltar aos olhos do espectador os artifícios apropria-se da história luso-brasileira da
professores e responsabiliza
totalmente Carla Camurati: “las- com que compõe os cenários (visivelmente passagem do século XVIII para o século
timo a sorte dos professores que
se disponham a explicar aos
pobres, sem qualquer requinte, permitindo XIX de modo bastante peculiar: evidencia
alunos a matéria, pois o filme entrever o falso do fausto exibido na tela), os o tom ficcional, estrangeiro, paródico e
mais confunde que esclarece ao
tratar das dinastias dos reis de figurinos (inadequados em termos das ves- infantil que essa apropriação assume e, ao
Bragança e dos Bourbons na tes da época, estando muito próximos do mesmo tempo, desnuda aos olhos do es-
época” (Vainfas, 2001, p.
230). contemporâneo) e a trama (quando a família pectador a mediação da linguagem cine-

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matográfica, legitima-se e, finalmente, pro- ança, armada pela ficção, Carlota Joaquina,
move uma crítica ao conhecimento históri- “romance”, não cumpre o propósito peda-
co, assumindo uma feição supostamente gógico anunciado pela cineasta na entre-
relativista e moderna, mas, na verdade, de vista que concedeu a Prêmio Cláudia, com
base positivista; se, como Le Goff, parte da a qual abri este artigo. E não cumpre o pro-
constatação de que todo documento é mo- pósito pedagógico também porque nós,
numento, de que todo documento é menti- professores, não sabemos analisá-lo ade-
ra, deduz, ao contrário do historiador fran- quadamente: em sala de aula, o filme con-
cês, que toda história é uma mentira, é “fic- tinua a ser visto como “verdade”, surpre-
ção”. Em virtude desse seu modo particu- endentemente, apesar das mudanças ocor-
lar de se apropriar da história e em função ridas no conhecimento histórico e no seu
da recepção do público (e essa responsabi- ensino. Essa forma de utilização do cinema
lidade não pode ser debitada a Camurati, como recurso didático revela que não ape-
mas à incompetência nossa, agora como nas Camurati é prisioneira de uma concep-
professores de história), o filme, contudo, ção de história arcaica: enquanto a cineasta
acaba por confirmar o senso comum e vem denuncia a história como farsa dupla, isto
reiterar não apenas os ícones da história é, como processo (a história do Brasil como
oficial – como Dom Pedro I – como tam- país independente, desde suas origens, é
bém um ideal conservador de conhecimen- marcada pela corrupção e pela submissão
to histórico, que ecoa a perspectiva internacional) e como conhecimento (a
positivista criticada pela própria historio- história assenta-se em fontes plenas de fal-
grafia. A cineasta, ao criticar o conheci- sificação e comporta múltiplas versões,
mento histórico, reafirma paradoxalmente todas elas equiparáveis), sendo-lhe subja-
o ideal de objetividade positivista e ignora cente com essa iniciativa uma nostalgia da
toda a discussão que a história fez sobre si velha história, supostamente objetiva e
mesma, bem como as configurações da idéia verdadeira e, ao mesmo tempo, a reprodu-
de verdade por ela procurada nas últimas ção dos estereótipos mais arcaicos dessa
décadas. Faz, com isso, um ataque à histó- última, os professores de história, por sua
ria, “à moda antiga”: uma crítica suposta- vez, tomam o filme como a ressurreição da
mente avançada ao conhecimento históri- realidade passada, não aproveitando as
co é, na realidade, conservadora. No fun- possibilidades – que Camurati deixa escan-
do, há um ideal de “verdade objetiva” por caradamente abertas – de se perceberem as
trás do combate que faz à história. É verda- especificidades da linguagem cinematográ-
de que o filme Carlota Joaquina lembra- fica e do uso do filme como testemunho
nos “que a História, como o cinema, corta, histórico do tempo de sua produção. Essa
monta, obscurece ou ilumina um persona- situação transforma-nos em “ingênuos
gem ou diferentes fatos históricos, confor- mentirosos” ou ingênuos críticos, impede-
me a leitura que o presente impõe ao passa- nos de ver o que há de novo na “encenação
do”, como salienta Schwarzman (2003, p. da história” apresentada por Carlota
168). Todavia, ao mesmo tempo, faz tábua Joaquina – filme extremamente rico, na
rasa das diferenças que separam História e medida em que nos estimula a debater e a
Cinema e, ainda, veicula uma visão sobre a pensar, sobre cinema, história e ensino de
passagem do século XVIII para o século história – e faz-nos repetir e endossar a velha
XIX que apenas reitera o senso comum e a história, de algum modo reiterada pelo fil-
historiografia, quando não oficial, a mais me, mesmo quando ele o nega – uma histó-
frágil, em seus fundamentos, e acrítica, em ria pasteurizada, estereotipada, que repro-
relação às fontes e métodos de análise. duz o senso comum e vista como detentora
Assumindo uma feição duplamente con- de verdades absolutas. Conduz-nos tam-
servadora, sob a roupagem da paródia e do bém a anular as diferenças que separam as
deboche, protegida pelas lentes ficcionais leituras da história feitas pela historiogra-
e estrangeiras dos escoceses, adulto e cri- fia e aquelas produzidas pelo cinema.

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