Gases e lı́quidos
8 de dezembro de 2009
1 Sistemas clássicos
Forças intermoleculares
Até aqui estudamos apenas sistemas cuja interação entre unidades constituin-
tes podiam ser desprezadas. De agora em diante, vamos examinar sistemas
cujas unidades constituintes interagem entre si. Neste capı́tulo examinamos
apenas sistemas clássicos de moléculas que interagem entre si por meio de
forças conservativas. A força entre moléculas é considerada atrativa quando
as moléculas não estão próximas e se anula a grandes distâncias. Essa propri-
edade garante que o sistema será um gás se a densidade for suficientemente
pequena. Entretanto, devido à interação, mesmo pequena, haverá o apareci-
mento de propriedades termodinâmicas distintas daquelas correspondentes a
um gás ideal. A curtas distâncias é razoável supor que a força seja repulsiva.
Se a densidade aumentar, a distância média entre moléculas cresce e há a
possibilidade de o sistema se tornar um lı́quido ou mesmo um sólido. Dessa
forma, um sistema descrito por forças desse tipo, isto é, forças repulsivas
a curtas distâncias e atrativas a distâncias maiores mas que se anulam no
limite de grandes distâncias, poderá ser um gás, um lı́quido ou um sólido.
Admitimos que a energia potencial φ(r) entre duas moléculas depende
apenas da distância r entre elas e descreve forças repulsivas a curtas distâncias
e atrativas a longas distâncias. Potenciais que dependem somente da distância
entre moléculas são apropriadas para a descrição de gases formado por mo-
léculas monoatômicas como é o caso dos gases nobres. Se as moléculas não
1
forem monoatômicas a descrição pode ser adequada desde que a molécula seja
aproximadamente esférica. Como a força f = −dφ/dr entre duas moléculas
deve se anular quando r → ∞ então dφ/dr → 0 nesse limite. Um potencial
φ com essas propriedades é mostrado na figura 1. Adotamos φ = 0 quando
r → ∞, como se vê na figura 1. Um potencial que descreve adequadamente
a interação entre moléculas de um gás é o potencial de Lennard-Jones
σ 12 σ 6
φLJ (r) = 4ǫ − (1)
r r
p = kB T (ρ + B2 ρ2 + B3 ρ3 + . . .) (2)
Representação canônica
Consideramos um sistema de N moléculas confinadas num recipiente de vo-
lume V à temperatura T . As posições das moléculas são denotadas por
~r1 , ~r2 , . . . , ~rN e representadas coletivamente pela variável vetorial q, e as quan-
tidades de movimento por ~p1 , ~p2 , . . . , ~pN , representadas coletivamente pela
variável vetorial p. A hamiltoniana do sistema é dada por
2
φ
0
0 r
3
Tendo em vista que a hamiltoniana é separável, isto é, a hamiltoniana
H(q, p) = E (p) + V (q) é a soma de duas parcelas tais que E (p) depende de
p mas não de q e V depende de q mas não de p, então podemos dizer que as
variáveis q e p são estatisticamente independentes, e que suas distribuições
de probabilidades são proporcionais a
Integral de configuração
As propriedades termodinâmicas são obtidas através da função de partição
canônica Z dada por
1
Z
Z= e−βH dqdp (11)
N!h3N
em que h é a constant de Planck e β = 1/kB T . Como H(q, p) = E (q) + V (p)
é separável é possı́vel escrever Z como o produto
Q
Z
Z= e−βE dp (12)
N!h3N
em que Q é a integral Z
Q= e−β V dq (13)
4
o que nos leva ao seguinte resultado para a função de partição canônica
3N/2
1 2πm
Z= Q (15)
N!h3N β
que escrevemos na forma
Q
Z= (16)
N!λ3N
em que
2 1/2
hβ
λ= (17)
2πm
é o comprimento de onda térmico.
A energia livre de Helmholtz F , a energia interna U e a pressão p =
−∂F/∂V são obtidas a partir da função de partição Z por meio das fórmulas
F = −kT ln Z (18)
∂
U =− ln Z (19)
∂β
e
∂
p = kB T ln Z (20)
∂V
Usando o resultado (15), obtemos
3 ∂
U = NkB T − ln Q (21)
2 ∂β
Por outro lado, a energia média U = hHi = hE i + hV i é dada por
3
U = NkB T + hV i (22)
2
em que hV i é a energia potencial média. As equações (21) e (22) nos mostram
que a energia potencial média se obtém da integral Q por meio de
∂
hV i = − ln Q (23)
∂β
Para a pressão obtemos a fórmula
∂
p = kB T ln Q (24)
∂V
Vemos pois que a determinação das propriedades termodinâmicas de um sis-
tema clássico se reduz à determinação da integral configuracional Q, que está
relacionada com a parte da hamiltoniana correspondente à energia potencial.
5
Virial de Clausius
Vamos mostrar aqui que a pressão de um sistema de moléculas interagentes
pode ser determinado a partir da média de uma função de estado denominada
virial de Clausius. Vimos que a pressão p é determinada por meio de (20) a
partir da função de partição Z, dada por (15). Utilizando a seguinte trans-
~ i = ~ri /L e P~i = L~pi , em que L = V 1/3 , a hamiltoniana
formação canônica, R
(3) se converte na hamiltoniana
1 X Pi 2 X
H′ = + φ(LRij ) (25)
L2 i 2m i<j
~i − R
em que Rij = |R ~ j | e a integral (7) se torna
Z
′
Z = e−βH dQdP
∗
(26)
6
ou, retornando ás variáveis originais,
∂H 2 X pi2 1 X
=− + rij φ′ (rij ) (30)
∂V 3V i 2m 3V i<j
NkB T 1
p= + hW i (34)
V 3V
2 Gases reais
Segundo coeficiente virial
A seguir vamos obter a primeira correção à equação dos gases. Até termos
de ordem quadrática na densidade ρ, a expansão virial é dada por
p
= ρ + B2 ρ2 (35)
kB T
em que B2 é o segundo coeficiente virial. Para determinar B2 procedemos
como segue.
Substituindo a expressão (5) no resultado (22), a energia média U pode
ser escrita como
3 N2
U = NkB T + hφ(rij )i (36)
2 2
7
em que levamos em conta que o número de parcelas em (5) é N(N − 1)/2,
que aproximamos por N 2 /2 pois N é grande. Analogamente, substituı́mos
(32) em (34) para obter a pressão p como
N N2
p= kB T + hw(rij )i (37)
V 3V
em que w(rij ) = −rij φ ′(rij ).
As médias devem ser calculadas utilizando a distribuição canônica dada
por (13). Entretanto, vamos utilizar aqui uma aproximação tal que as médias
são calculadas por
1
Z
hφi = φ(r)e−βφ(r) d3 r (38)
q
1
Z
hwi = w(r)e−βφ(r) d3 r (39)
q
em que Z
q = e−βφ(r) d3 r (40)
8
1
-1
B2 / b
-2
-3
-4
-0.5 0 0.5 1 1.5 2
log (kBT/ ε)
9
energia de interação φ(r) é dada formalmente por
∞ r<σ
φ(r) = (47)
0 r≥σ
O segundo coeficiente virial B2 , calculado a partir de (44), vale portanto
2
B2 = πσ 2 = b (48)
3
e é igual a quatro vezes o volume de uma esfera dura. Veremos mais adiante
que o n-ésimo coeficiente virial é proporcional a bn−1 e que, com exceção do
segundo coeficiente, o coeficiente de proporcionalidade não é igual à unidade.
Entretanto, se admitirmos como uma aproximação que o coeficiente de pro-
porcionalidade seja igual a 1, isto é, se admitirmos como uma aproximação
que Bn = bn−1 , então alcançamos o seguinte resultado aproximado para a
pressão de um gás de esferas duras
kB T ρ
p = kB T (ρ + bρ2 + b2 ρ3 + . . .) = (49)
1 − bρ
ou
kB T
p= (50)
v−b
tendo em vista que ρ = 1/v.
Para escrever a integral de configuração Q para esferas duras é conveniente
definir a função S(r) = exp{−βφ(r)} que, para o potencial (47), vale
0 r<σ
S(r) = (51)
1 r≥σ
A integral de configuração se escreve como
Z Y
Q= S(rij )d3 r1 d3 r2 . . . d3 rN (52)
i<j
Q = (V − Nb)N (53)
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Em seguida veremos que o análogo do resultado (53) para um sistema uni-
dimensional de esferas duras de diamêtro σ, ou mais propriamente, um gás
unidimensional de bastões duros de comprimento σ, é um resultado exato.
Para demonstrar essa afirmação começamos por calcular a integral de confi-
guração Q para um gás de bastões duros localizados ao longo de um segmento
de comprimento L, que é dada por
Z Y
Q= S(|xi − xj |)dx1 dx2 . . . dxN (54)
i<j
(L − Nσ)N
Q∗ = (58)
N!
e portanto
Q = (L − Nσ)N (59)
que é ánaloga à equação (53).
11
Para um gás unidimensional, a equação análoga à equação (24) é
∂
F = kB T ln Q (60)
∂L
em que F é a força exercida pelos bastões. Usando (59), obtemos o resultado
NkB T kB T
F= = (61)
L − Nσ ℓ−σ
em que ℓ = L/N, que é análoga à equação (50) para um gás de bastões duros.
12
φ
0
0 σ r
φa
em que levamos em conta que o número de pares é N(N − 1)/2 que é apro-
ximadamente igual a N 2 /2 pois N é muito maior do que 1.
A integral que se encontra em (67) identifica-se com a integral de confi-
guração (52) correspondente a um gás de esferas duras. Utilizando a apro-
ximação (53) para essa integral, alcançamos o resultado
Q = (V − Nb)N exp{βaN 2 /V } (68)
ou ainda
N2
ln Q = N ln(V − Nb) + βa (69)
V
A partir da fórmula (24) para o cálculo da pressão, obtemos
NkB T aN 2
p= − 2 (70)
V − Nb V
13
ou
kB T a
p= − 2 (71)
v−b v
que é a equação de van der Waals.
Podemos obter também a energia média U por intermédio de (21), dada
por
3 aN 2
U = NkB T − (72)
2 V
ou
3 a
u = kB T − (73)
2 v
e, diferentemente do que acontece com a energia interna de um gás ideal,
depende do volume. O primeiro termo é devido à energia cinética e o segundo
é devido à energia potencial atrativa. Notar que o segundo coeficiente virial
que se obtém da equação de van der Waals é dada por
b
B2 = a − (74)
kT
A partir de (18) e (16) e usando a fórmula de Stirling, vemos que a energia
livre de Helmholtz vale
V − Nb N
F = −kB T N 1 + ln + βa (75)
λ3 N V
ou
v−b a
f = −kB T 1 + ln 3 − (76)
λ v
Exercicios
1. Determine o segundo coeficiente virial para ums sistema de esferas duras
de diâmetro d. Faça o mesmo para o caso de um sistema bidimensional de
discos duros de diâmetro d e um sistema unidimensional de bastões duros de
comprimento d.
2. Suponha que para um sistema de esferas duras os coeficientes viriais Bn
obedeçam a relação
Bn = Bn−1 B2
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para n = 3, 4, ... Ache uma expressão para pressão como função de T e v. (A
relação acima não é correta para esferas duras nem para um sistema bidi-
mensional de discos duros, mas pode ser considerada uma boa aproximação.
Entretanto, ela é correta para um sistema unidimensional de bastões duros.)
3. Vamos determinar o segundo coeficiente virial para o potencial definido
por
ǫm 0<r<a
φ(r) = −ǫ a<r<b (77)
0 b<r
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