a Conservação do
Mutum-de-Alagoas
(Mitu mitu = Pauxi mitu)
República Federativa do Brasil
Presidente
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Vice-Presidente
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Edição
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Coordenação Geral de Pesquisa
Coordenação de Gestão da Informação
SCEN, Avenida L4 Norte, Trecho 2, Bloco B, subsolo, Edifício-sede do Ibama
70818-900 – Brasília – DF – Brasil
Telefone: + 55 61 33161229
© ICMBio 2007. O material contido nesta publicação não pode ser reproduzido, guardado pelo sistema “retrieval” ou transmitido de qualquer
modo ou por qualquer outro meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação ou outros, sem a prévia autorização, por escrito,
do Coordenador da Coordenação Geral de Espécies Ameaçadas.
© dos autores 2007. Os direitos autorais das fotografias contidas nesta publicação são de propriedade de seus fotógrafos.
Plano de Ação para
a Conservação do
Mutum-de-Alagoas
(Mitu mitu = Pauxi mitu)
Colaboradores
Christine Steiner Mercival Roberto Francisco
Fábio Olmos Moacyr de Carvalho Dias
Fernanda Junqueira Vaz Paulo H. Chaves Cordeiro
Fernando Pinto Paulo Rodolfo César
Fernando Siqueira Magnani Roberto Azeredo
João Batista Cruz Rodrigo Mendonça
Luís fábio Silveira Sônia Alina Roda
Marcelo Américo de Almeida Wanderlei de Moraes
Maria Cecília Martins Kierulff
Brasília – 2008
Produção do Plano Onildo João Marini Filho – CGESP/Dibio/ICMBio, Brasília, DF
Paulo H. Chaves Cordeiro – Ornis Meio Ambiente e
Workshop: 24 e 25 de abril de 2007 (Brasília, DF, Brasil).
Desenvolvimento, Rio de Janeiro, RJ
Paulo Rodolfo César – Cesp, Paraibuna, SP
Este plano foi baseado nas discussões ocorridas durante o Roberto Azeredo – Fundação Crax, Contagem, MG
workshop e nas informações fornecidas por especialistas Rodrigo Mendonça – Cesp, Paraibuna, SP
no Brasil. Sônia Aline Roda – Cepan, Recife, PE
Revisões do Plano Vanderlei de Moraes – Itaipu Binacional, Foz do Iguaçu, PR
Será monitorado anualmente pelos participantes e Elaboração de textos:
deverá ser revisado a cada 5 anos. Entretanto, revisões Luís Fábio Oliveira, Sônia Aline Roda, André Maurício Melo
emergenciais poderão ser efetuadas a qualquer tempo, Santos, Elisiário Strike Soares e Carlos Abs Bianchi.
caso alguma mudança inesperada ameace as populações
destas espécies. Revisão técnica
Luís Fábio Oliveira, Elisiário Strike Soares, Sônia Aline
Coordenador Técnico da Série Espécies Ameaçadas Roda, Carlos Abs Bianchi, Fábio Olmos e Marcelo Américo
Onildo João Marini Filho de Almeida.
Documento-Base Revisão e Edição de Texto
Grupo de trabalho que participou da reunião para Gráfica e Editora Diplomata
a elaboração do Plano de Ação (listados em ordem
alfabética): Capa
Giancarlo Zorzin
Christine Steiner – Unesp, Rio Claro, SP SOS Falconiformes – Centro de Pesquisa para a Conservação
Elisiário Strike Soares – CGESP/Dibio/ICMBio, Brasília, DF das Aves de Rapina Neotropicais
Fernanda Junqueira Vaz – Fundação Parque Zoológico de falconiformes@vsnet.com.br
São Paulo, São Paulo, SP
Fernando Siqueira Magnani – Parque Ecológico de São Mapas
Carlos, São Carlos, SP e Sociedade de Zoológicos do Confeccionados no Centro de Sensoriamento Remoto do
Brasil (SZB) Ibama
Luís Fábio Silveira – Departamento de Zoologia e Museu Noemia Regina Santos do Nascimento
de Zoologia, USP, SP Coordenação Geral de Espécies Ameaçadas/Dibio/ICMBio,
Marcelo Levy – Criadouro Científico e Cultural Poços de Brasília, DF.
Caldas, Poços de Caldas, MG Pedidos de exemplares deste documento, dúvidas e su-
Maria Cecília Martins Kierulff – Fundação Parque Zoológico gestões devem ser encaminhados para: Onildo João Marini
de São Paulo, São Paulo, SP Filho (onildo.marini-filho@icmbio.gov.br).
Mercival Roberto Francisco – UFSCar, Sorocaba, SP
Catalogação na Fonte
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
F723 Plano de ação nacional para a conservação do mutum-de-alagoas (mitu mitu = Pauxi mitu)
/ Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. – Brasília: ICMBio, 2008.
XXp. : il. color. ; 29cm. (Série Espécies Ameaçadas, 7)
Bibliografia
ISBN 978-85-61842-
CDU(2.ed.)598.2
Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas
Agradecimentos
Apresentação
Sumário
Lista de figuras
1 Introdução
sileiro, sendo o exemplar figurado por vez de Mitu mitu) reflete as mudanças mais
Marcgrave apenas um mutum amazônico recentes na sistemática dos representantes
bastante comum, o mutum-cavalo, Pauxi da família Cracidae.
tuberosa (Spix, 1825). É importante ressal- Da mesma forma que os
tar que, mesmo no século XVII, animais de acontecimentos envolvendo a taxonomia
estimação eram trazidos de regiões bem e a conservação do mutum-de-alagoas, a
distantes por índios, o que justificava de história da ocupação da Mata Atlântica
alguma maneira essa linha de raciocínio. nordestina é longa, polêmica e caminha
Outros autores, por sua vez, assumiam a a passos largos para uma tragédia única
identidade dos dois táxons, considerando no Novo Mundo. A ocupação do litoral
o amazônico Pauxi tuberosa (Spix) como nordestino, especialmente nos estados
subespécie do táxon alagoano. de Pernambuco e Alagoas, confunde-
Entretanto, todas essas sugestões se com a própria história do Brasil, a
eram baseadas apenas no estudo de partir de sua colonização no século XVI
exemplares de Pauxi tuberosa depositados até os dias de hoje. Os desmatamentos
em museus, pois não eram conhecidos para dar lugar a plantações de cana-
quaisquer espécimes de Pauxi mitu em de-açúcar iniciaram-se muito cedo na
coleções científicas, o que dificultava região, mesma época da caça de animais
enormemente qualquer trabalho mais silvestres de maior porte, incluindo
elaborado com esses táxons. As primeiras o mutum. As plantações de cana-de-
tentativas de solucionar consistentemente açúcar dominaram a paisagem das terras
esse problema apareceram apenas em baixas, mas ainda existiam fragmentos
1951, quando uma fêmea foi coletada de floresta de considerável tamanho e
em Alagoas, reabrindo o debate sobre a em bom estado de conservação. A partir
identidade de Pauxi mitu (Linnaeus) em da década de 1970, com o advento do
relação à Pauxi tuberosa (Spix). Após a programa Proálcool, houve um novo ciclo
confirmação de que Pauxi mitu de fato de desmatamento, mais violento e rápido,
existia nas florestas alagoanas, o seu status que dizimou os fragmentos de floresta de
como táxon independente, embora muito tabuleiro e invadiu o planalto adjacente,
relacionado à Pauxi tuberosa, passou a ser eliminando enormes porções de floresta à
reconhecido pela maioria dos autores. revelia do Código Florestal Brasileiro e não
Entretanto, apenas no final do século XX despertando a menor atenção dos órgãos
é que Pauxi mitu passou a ser reconhecido do governo responsáveis pela proteção dos
como espécie plena e distinta de Pauxi recursos naturais. Não é surpresa alguma
tuberosa, com base em diferentes linhas constatar que as localidades com o maior
de evidência. Um histórico da distribuição número de espécies de aves ameaçadas
e da taxonomia desta espécie pode ser de extinção no planeta encontram-se
visto em Collar et al. (1992) e Silveira et justamente em Alagoas e em Pernambuco,
al. (2004). Recentemente, as espécies do onde restam menos de 2% de cobertura
gênero Mitu foram incluídas no gênero vegetal nativa. O mutum-de-alagoas
Pauxi por Frank-Hoeflich et al. (2007), não teve melhor sorte – era a maior ave
que realizaram uma análise filogenética terrestre da Mata Atlântica nordestina,
em que foram incluídos caracteres que provavelmente ocupava grandes
moleculares, osteológicos, de tegumento territórios de floresta virgem, vivendo em
e comportamentais. Dessa forma, o baixas densidades. Apreciado, como todo
tratamento adotado aqui (Pauxi mitu em mutum, como peça de caça, foi dizimado
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Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas
junto com a floresta onde vivia. Graças ao proteção contra caçadores e madeireiros
esforço de um criador carioca, aliado a um e a recuperação dos ambientes são os
ornitófilo alagoano, três exemplares foram primeiros passos a serem dados in situ,
capturados e deram início a um programa enquanto a criação maciça destas aves
de reprodução em cativeiro. A triste em cativeiro é fundamental para garantir
história do mutum-de-alagoas é o reflexo indivíduos viáveis para a reintrodução.
da falta de compromisso que os órgãos
ambientais e a sociedade em geral tiveram
com os últimos remanescentes de floresta
dos estados de Alagoas e de Pernambuco. 2 Informações sobre
Dessa forma, não é nenhuma surpresa
constatar que esses dois estados abrigam a espécie e sua
o maior número de espécies ameaçadas
de extinção em todo o Brasil e, talvez, no história natural
mundo todo, sendo motivo de estudos do
fenômeno de extinção em massa. Taxonomia e morfologia
Os caminhos para trazer o O antigamente reconhecido gê-
mutum-de-alagoas de volta às suas nero Mitu era formado por quatro espé-
florestas são longos e demandam grandes cies, três delas amplamente distribuídas
esforços de pesquisadores, ONGs, órgãos na Bacia Amazônica (Mitu salvini [= Pauxi
ambientais, usineiros e da sociedade civil salvini], M. tomentosum [= Pauxi tomen-
em geral. A recuperação das florestas, sua tosa, Figura 2] e M. tuberosum [= Pauxi
tuberosa, Figura 3]) e uma delas antiga- rosa (mutum-cavalo) e P. mitu (mutum-de-
mente registrada numa pequena porção alagoas) são morfologicamente similares,
da Mata Atlântica nordestina (Mitu mitu fato que gerou uma notável instabilidade
[= Pauxi mitu] Figura 4). Recentemente, taxonômica, desde a descrição do táxon
Frank-Hoeflich et al. (2007) sugeriram que nordestino feito por Linnaeus. O mutum-
os representantes deste gênero devem ser de-alagoas possui aproximadamente 90
transferidos para o gênero Pauxi, trata- cm de comprimento total e não apresenta
mento adotado neste plano. Pauxi tube- evidente dimorfismo sexual de plumagem,
solo. Quando alarmado, emite um assovio Na região onde ocorria Pauxi mitu,
fino e curto, abrindo também a cauda encontram-se dois tipos principais de
repetidas vezes em leque, demonstrando vegetação: a Floresta Ombrófila Aberta,
irritação. Também pode eriçar o pequeno onde se observam árvores de grande porte
topete nessas ocasiões. com o sobosque esparso, o que permite
a existência de aves terrícolas de grande
porte. Esse é um tipo de floresta que é
Distribuição e habitat mantido permanentemente úmido, com
Os dados sobre a distribuição de apenas 2 meses secos por ano (VELOSO
Pauxi mitu são, em sua grande maioria, et al., 1991); e a Floresta Estacional
anedóticos. Espécimes cativos foram Semidecidual, onde a estação chuvosa
figurados por Marcgrave no século XVII e e a seca são mais bem demarcadas,
provavelmente vieram das proximidades havendo perda de folhas em cerca de 20%
de Recife. Entretanto, os únicos registros das espécies arbóreas que a compõem
do século XX foram provenientes do (VELOSO et al., 1991).
estado de Alagoas, mais especificamente
da região litorânea. Pinto (1952) coletou
uma fêmea no município de São Miguel Alimentação
dos Campos enquanto Nardelli (1993) Como todos os outros aspectos da
obteve, no final da década de 1970, sua biologia, a alimentação de Pauxi mitu
exemplares vivos em Roteiro e na Barra de na natureza é praticamente desconhecida.
São Miguel (Figuras 11a e 11b). Assume- Sabe-se apenas das informações de Pinto
se, atualmente, que a distribuição do (1952), que coletou uma fêmea cuja
mutum-de-alagoas abrangia apenas as moela estava repleta de frutos de uma
matas atlânticas de baixada nos estados planta chamada localmente de castelo
de Alagoas e de Pernambuco. Burmeister (Phyllanthus nobilis). Coimbra-Filho (1971)
(1856) sugeriu que esta espécie também relata que caçadores faziam espera por
ocorria na Bahia, mas esta sugestão é esta espécie em mangabeiras em fruto,
certamente devida a uma confusão com enquanto Nardelli (1993) observou três
o mutum-do-sudeste, Crax blumenbachii, aves alimentando-se dos frutos de uma
pois o mutum-de-alagoas é restrito árvore denominada batinga (Eugenia sp.,
apenas ao “Centro Pernambuco” de Myrtaceae). Como os demais cracídeos de
endemismo, uma reduzida área de Mata grande porte, Pauxi mitu é principalmente
Atlântica localizada do norte do Rio São frugívoro, consumindo folhas e brotos
Francisco até o Rio Grande do Norte. em menor quantidade. Os cracídeos
Registros em altitudes mais elevadas de grande porte são mais predadores
(~800 m) podem ser assumidos com base que dispersores de sementes, pois
em topônimos, como a pequena vila de destroem a parte reprodutiva dos frutos,
“Mutum”, em Alagoas, nas proximidades sendo dispersores mais eficientes apenas
da Usina Santo Antônio. quando ingerem coquinhos ou frutos
Os mutuns do gênero Pauxi de sementes duras, que são eliminadas
são aves essencialmente florestais, posteriormente nas fezes destas aves.
habitam matas primárias de terra firme Provavelmente, como outros mutuns,
ou de tabuleiros, podendo utilizar alguns deve também ingerir oportunamente
remanescentes de mata secundária pequenos vertebrados ou invertebrados
em avançado estado de regeneração. como lagartas ou caramujos.
26
Fig. 11a – Distribuição presumida de Pauxi mitu
Fig. 11b – Informações adicionais sobre a distribuição presumida de Pauxi mitu
Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas
Reprodução 3 Ameaças
Apenas um relato sobre a repro-
dução é conhecido na natureza. Nardelli Histórico da ocupação da área
(1993) fotografou um ninho desta espécie
em Alagoas, e o ninho não difere muito A área de domínio do sistema
do construído por sua espécie-irmã, Pauxi canavieiro nos estados de Alagoas,
tuberosa (Luís Fábio Silveira, observação Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do
pessoal), sendo uma plataforma feita com Norte é uma das regiões mais exploradas
galhos trançados no alto de uma árvore. economicamente no Nordeste do Brasil.
Apesar do tamanho e da sua plumagem Além disso, a região é densamente
negra, a ave permanece camuflada em povoada devido aos vários pólos industriais
meio à folhagem. Esse tipo de ninho é ali instalados. Sob o ponto de vista
bastante comum entre os Cracidae e Pauxi sucroalcooleiro essa região é importante
mitu não foge à regra. Todos os demais tanto pela expressiva produção obtida,
relatos de reprodução referem-se apenas como pela quantidade de pessoas
à população cativa, mantida inicialmente empregadas, tendo que utilizar mão-de-
na Zoobotânica Mário Nardelli, em Niló- obra de regiões vizinhas, como do Agreste
polis, Rio de Janeiro (NARDELLI, 1993) e do Sertão durante os períodos de safra
e depois transferida para dois centros de (ANDRADE, 1998).
criação em Minas Gerais, nos municípios Ao longo dos 4 séculos de desen-
de Contagem e de Poços de Caldas. volvimento da cultura canavieira no
Em cativeiro, as fêmeas realizam Nordeste, as áreas consideradas como
duas posturas por ano, sendo a primeira as mais adequadas para o cultivo de
nos meses de agosto/setembro e a segunda cana-de-açúcar foram principalmente
em janeiro/fevereiro. Dois ovos são postos as várzeas e as encostas dos tabuleiros.
em cada postura, embora esse número No entanto, com a necessidade de
possa variar de um a três. A incubação em expandir a lavoura e aumentar a produção
cativeiro dura 29 dias e diversas formas de açucareira e alcooleira, principalmente na
manejo, já testadas em outras espécies, década de 1950, passou-se a incorporar
vêm ampliando o tamanho da postura, que gradativamente as terras de tabuleiros.
pode chegar a até 12 ovos por fêmea. Apesar da baixa fertilidade do solo, o uso
dessas áreas por canaviais apresentava
Atualmente, nos dois cativeiros vantagens, pois facilitava a mecanização
que concentram 100% das aves conheci- e dispensava algumas técnicas como
das, duas técnicas de manejo são feitas. drenagem e curvas de nível. A produção
No Criadouro Científico e Cultural Poços tornou-se mais barata, mesmo com
de Caldas (CCCPC), são mantidos casais o aumento da adubação, implicando
fixos durante todo o ano, enquanto na
também num grande processo de perda da
Sociedade de Pesquisa em Manejo e
cobertura vegetal que, até então, mantinha-
Manutenção da Fauna Silvestre (Crax) um
se em bom estado de conservação.
macho pode ser utilizado para copular
com várias fêmeas no período reproduti- A partir dos anos de 1960, a
vo. Esta última forma de manejo, aliada à cultura canavieira não mais levou em conta
retirada dos ovos para incubação artificial as condições climáticas e topográficas,
ampliou enormemente o plantel dessas expandindo-se para áreas íngremes mais
aves nos últimos anos. interioranas, provocando os mais variados
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Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
2005). Eles se localizam nas seguintes bro de 1994 relativas à classificação dos
usinas: Cachoeira, Caeté, Coruripe, Porto estágios de sucessão da Floresta Atlântica
Rico, Serra Grande, Sinimbu, Sumaúma, como: fisionomia; estratificação; altura
Triunfo, Utinga Leão (RODA e SANTOS, média da vegetação; existência, diversi-
2005). A Usina Serra Grande situa-se fora dade e quantidade de epífitas; existência,
da área de registro do mutum-de-alagoas, diversidade e quantidade de trepadeiras;
no entanto o Comitê para a conservação ausência ou presença e quantidade de
da espécie, na sua primeira reunião em serapilheira; sobosque; diversidade bio-
2003, achou necessária sua inclusão por lógica e dominância de espécies.
apresentar um dos fragmentos florestais
A presença de algumas espécies
(Engenho Coimbra) mais representativos
arbóreas e de predadores potenciais
e bem conservados.
do mutum-de-alagoas foi comentada
Apesar dos registros históricos durante as entrevistas aos mateiros que
englobarem seis municípios dos Tabuleiros acompanhavam a equipe nos diferentes
Costeiros do Estado de Alagoas (Pilar, fragmentos. Em alguns casos, foi possível
São Miguel dos Campos, Jequiá da Praia, a detecção visual de alguns predadores.
Roteiro, Barra de São Miguel e Marechal A seguir, o resultado obtido pelo trabalho
Deodoro), as áreas inventariadas pela desenvolvido pela Cepan, em cada usina:
Cepan reuniram dez municípios (Barra de
Santo Antônio, Campo Alegre, Coruripe,
Ibateguara, Jequiá da Praia, Maceió, Usina Cachoeira
Marechal Deodoro, Pilar, Rio Largo e São
Miguel dos Campos). Os fragmentos visitados na
Usina Cachoeira localizam-se em áre-
Foi elaborado protocolo para as não próximas de povoados e vilas
aquisição das informações a ser aplicado em (15km de Maceió), com exceção da
cada fragmento, obtendo-se informações Grota da Cachoeira e Bamburral, situ-
preliminares sobre: caracterização da adas próximas à usina. As coordenadas
estrutura da vegetação; disponibilidade de referência são: Barragem das Prensas
de abrigos e sítios reprodutivos para o (9°26’09.3”S/35°40’43.5”W), Grota de Ca-
mutum-de-alagoas; forma e tamanho choeira (9°25’51.1”S/35°43’36.1”W), Mata do
do fragmento; presença de predadores
Bamburral (9°26’09.45”S/35°43’23,5”W),
potenciais; presença de outros cracídeos;
Mata da Sela (9°22’S/35°43’W) e Mata
segurança das áreas; pressão antrópica;
do Raboio (9°22’53.1”S/35°40’05.4”W).
aspectos hídricos; conectividade potencial
Todos esses fragmentos localizam-se no
entre os fragmentos; impactos ambientais
município de Maceió.
decorrentes da agricultura; infra-estrutura,
acesso e trilhas; ocorrência de caça De maneira geral, os fragmentos
e retirada de madeira. Os protocolos estão associados a encostas íngremes
encontram-se no Anexo 2 do relatório (Grota da Cachoeira, Bamburral e parte dos
elaborado pela Cepan (RODA e SANTOS, fragmentos de Raboio) ou área de proteção
2005), disponível no endereço eletrônico de mananciais (Barragem das Prensas).
www.cepan.org.br (acessado em 8 de
A Mata do Raboio é um complexo
fevereiro de 2008).
de pequenos fragmentos de formatos
Para padronizar a caracterização bastante irregulares e de diferentes
da vegetação seguiram-se alguns itens da tamanhos, geralmente menores do que
Resolução Conama n° 28 de 7 de dezem- 10 ha. Visualmente, é possível perceber o
32
Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas
arrastos de caçadores por toda a mata, árvores adultas. Essas áreas onde há corte
apesar dessa ser vigiada constantemente seletivo (principalmente perto das vilas
e existirem placas de alerta e proibição de moradores) estão sendo monitoradas
de entrada. e um projeto de recuperação florestal
vai ser implementado. São inúmeras as
nascentes e riachos no interior da mata,
Usina Serra Grande sendo muitas delas perenes.
A Mata de Coimbra é o maior
fragmento de mata situado em propriedade
de usina na região, e possui cerca de 3.500 Usina Sinimbu
ha. As coordenadas de referência são: Foram visitadas as matas das fazen-
9º00’02.21’’S/35º51’12.51’’W e está das do Prata (9º54’08.7’’S/ 36º08’04.9’’W)
localizada no município de Ibateguara. e Riachão (9º56’26.5’’S/36º09’00.7’’W),
Vários estudos estão sendo ambas localizadas no município de Jequiá
desenvolvidos, em Coimbra, como da Praia. Essas duas áreas encontram-se
subsídio para desenvolver protocolos em estado completo de degradação. As
para a restauração da Floresta Atlântica grotas antes florestadas encontram-se
do Nordeste. Estudos de identificação parcialmente descobertas, expondo o solo
de árvores, aves, mamíferos, abelhas e a ações de intempéries. Durante a visita
formigas que fazem parte da dispersão e da equipe de campo, foram observados
predação de sementes, polinização das vários arrastos de caçadores no interior
plantas, herbivoria, produção de frutos das matas, além de árvores cortadas, ca-
e sementes e regeneração da floresta já çadores e pessoas apreendendo aves. Não
estão sendo desenvolvidos, desde o ano havia vigilância ou placas de sinalização
2000, por uma equipe de pesquisadores em nenhum dos fragmentos visitados.
da UFPE e do Cepan. Na Fazenda do Prata, praticamente
Na Mata de Coimbra, há uma toda a área florestada foi cortada e
dominância de espécies produtoras de posteriormente queimada. Os fragmentos
frutos como Sapotaceae, Annonaceae, se encontram em estágio inicial de
Mimosaceae, Melastomataceae, etc. No regeneração. O mesmo se observa na
entanto, é observado que esses frutos são Fazenda Riachão e em outras áreas
pouco consumidos. visitadas brevemente (fazendas Taquari,
Cacimbão, Pau Amarelo, Mangabeira e
Florística e fisionomicamente, Luziápolis). A Fazenda Mangabeiras foi,
a Mata de Coimbra apresenta uma no passado, área de registro do mutum-
vegetação exuberante, no entanto existem de-alagoas (PINTO, 1952).
áreas na mata (antigos sítios de moradores)
que se encontram com a fisionomia
bastante alterada e em estágios de Usina Sumaúma
conservação e regeneração diferenciados.
Duas matas foram visitadas na
Existem locais com fisionomia de floresta
Usina Sumaúma, a Mata das Carobas
primitiva, principalmente nos fundos de
(9º47’07.9’’S/35º58’49.0’’W), e a Mata
vale. Grande parte da mata já foi cortada
da Fazenda Charles (9º44’24.7’’S/
há cerca de 50 anos, mas já se encontram
35º57’00.6’’W), ambas localizadas no
em estágio avançado de regeneração.
município de Marechal Deodoro.
Ainda existe corte seletivo, mas não de
35
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
que fica mais próxima à usina tem várias principalmente caçadores, entrem
trilhas, facilitando o trânsito de pessoas motorizadas na propriedade. Segundo
que as utilizam para cortar caminho até a administração da usina, é possível
o asfalto. Essa mata ainda apresenta linha encontrar nas trilhas armadilhas feitas com
de transmissão de energia que corta a canos que funcionam como espingardas
mata no sentido transversal. As grotas são improvisadas e de disparo automático.
bastante íngremes e muitas delas são de Vários tiros foram ouvidos durante a
difícil acesso. visita.
Foi possível observar no interior Há uma grande área aberta entre a
da mata muita madeira cortada e lenha Mata do Cedro e os outros fragmentos – os
retirada, além disso, tiros foram ouvidos canaviais – que estão sendo abandonados
em duas ocasiões. Na borda, observou-se para dar lugar a pastos. Essa região é toda
muito lixo que não parecia ser doméstico. cercada e existem várias áreas encharcadas
Em uma das grotas foi encontrado um carro (paludosas).
sem os vidros, os bancos e as peças. A duplicação da BR-101 em Alagoas
Apesar disso, a mata apresenta afetará diretamente a Mata do Cedro,
fisionomia de mata madura com árvores necessitando haver acompanhamento
que chegam a 40 m no fundo de algumas por parte dos órgãos públicos sobre
grotas, entre elas destaca-se Terminalia os impactos provocados pela obra. O
brasiliensis (mirindiba), bastante rara na projeto executivo, bem como o manejo
região. da faixa de domínio da rodovia, devem ser
A Mata do Cedro e outros feitos de forma a minimizar os impactos,
fragmentos muito próximos possuem especialmente os referentes à perda
1.000 ha. Parte dessa mata já sofreu corte de habitat e fragmentação. Os recursos
seletivo e está em plena recuperação. No oriundos de compensação ambiental
entanto há grotas com árvores emergentes podem ser direcionados para a recuperação
que chamam a atenção. Esse conjunto de das matas localizadas nas áreas de soltura
fragmentos e a Mata do Cedro são cortados do mutum-de-alagoas. Para a pequena
pelo Rio da Conceição, que também passa Mata do Humaitá (não visitada) já houve
ao lado da usina. No interior das matas, há registro do mutum-de-alagoas. Hoje essa
várias nascentes que desembocam nesse mata é um pequeno fragmento.
rio e também no açude. Uma tubulação
de gasoduto da Petrobras corta parte da
mata. A Mata do Cedro chama a atenção
de caçadores pela grande quantidade
5 População em
de caça. As cotias (Dasyprocta aguti) são
abundantes nas estradas e trilhas dentro
cativeiro
Todos os exemplares de Pauxi
da mata. mitu conhecidos são oriundos de aves
Existe uma estrada que atravessa capturadas pelo criador Pedro Mário
a Mata do Cedro, mas o acesso é restrito Nardelli, no final da década de 1970,
por causa das correntes e dos cadeados. cujos descendentes encontram-se hoje
Várias outras estradas de acesso às matas em dois criadouros no estado de Minas
das proximidades também oferecem essa Gerais. Nardelli narra a história das aves
resistência, que é uma forma encontrada em seu livro “A preservação do mutum-de-
pela usina de impedir que pessoas, alagoas Mitu mitu”, assim como algumas
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Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
pesquisas que realizou com a espécie de Pauxi mitu, com o restante apresentando
quando essas estavam sob sua guarda características que sugerem hibridação
(NARDELLI, 1993). O primeiro exemplar com Pauxi tuberosa.
da coleção de Nardelli foi obtido em A avaliação fenotípica, com base
novembro de 1976, uma fêmea cativa nos caracteres diagnósticos (SILVEIRA
proveniente da cidade de São Miguel dos et al., 2004), é ferramenta segura
Campos. Segundo o proprietário que doou para identificar os indivíduos de Pauxi
a ave, o espécime tinha 6 anos e procedia mitu (GRAU et al., 2003). Entretanto,
do município de Roteiro. Essa ave morreu análises genéticas são fundamentais e
pouco tempo depois. Em 1979, Nardelli imprescindíveis para indicar os melhores
obteve cinco exemplares do mutum-de- pareamentos, visando aumentar a
alagoas, dois machos e três fêmeas, sendo variabilidade genética da espécie.
que um casal não se reproduziu. Dessa
forma, todo o conjunto gênico existente Os métodos utilizados para a
da espécie é oriundo de apenas um macho reprodução das aves são diferentes nos
e duas fêmeas. dois criadouros, mas ambos utilizam
chocadeiras elétricas, retirando os ovos das
Em 1990, o criadouro de Pedro fêmeas após a postura. Com a retirada dos
Nardelli, no Rio de Janeiro, contava com ovos, as fêmeas são estimuladas a novas
19 exemplares do mutum-de-alagoas, posturas dentro de uma mesma estação
sendo que no mesmo ano foi realizado o reprodutiva. Além disso, o criadouro da
cruzamento com Pauxi tuberosa. Em 1999 Crax utiliza-se de um único macho para
o plantel, que contava com 43 aves, foi fertilizar várias fêmeas, promovendo o
transferido do Rio de Janeiro para dois encontro dos casais somente quando
criadouros em Minas Gerais, a Fundação esses apresentam sinais que favoreçam
Crax, em Contagem, pertencente ao o cruzamento. Dessa forma, a Fundação
pesquisador Roberto Azeredo, que Crax obtém mais ovos férteis por fêmea a
recebeu 23 indivíduos, e o Criadouro cada estação reprodutiva do que obteria
Científico e Cultural Poços de Caldas, em condições normais. Em Poços de
em Poços de Caldas, pertencente ao Caldas, as aves são mantidas em casais.
pesquisador Moacyr de Carvalho Dias,
que recebeu 20 aves. Cinco exemplares A necessidade de se transferir
recebidos pela Crax, por problemas físicos algumas aves para outros criadouros,
diversos, não serviam para a reprodução diminuindo assim o risco de perda da
e o plantel reprodutivo foi constituído população por epidemias foi discutida
por 18 aves. A população existente desta nas reuniões do Comitê da espécie.
espécie está dividida da seguinte forma: Alguns candidatos, com estrutura para
darem continuidade ao programa de
Crax: 88 indivíduos, dos quais reprodução são o Zoológico de São Paulo
aproximadamente 60% possuem caracte- e o criadouro de cracídeos e tinamídeos
rísticas fenotípicas de Pauxi mitu, enquanto pertencente a Centrais Elétricas de São
que os outros 40% apresentam fenótipo Paulo (Cesp) em Paraibuna. Os trâmites
que reúne características desta espécie para a transferência de alguns indivíduos
com Pauxi tuberosa (GRAU et al., 2003). para o Zoológico de São Paulo estão em
Criadouro Científico e Cultural andamento.
Poços de Caldas: 33 indivíduos, cerca de
75% deles com características fenotípicas
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Parte 2
PLANO DE
CONSERVAÇÃO
Plano de Ação para a Conservação do Mutum-de-Alagoas
1 Objetivos gerais
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Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
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