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O NEOCONSTITUCIONALISMO E A CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO

CIVIL CONSTITUCIONAL

Victor Emmanuel Cordeiro Lima

Com a Constituição de 1988, exsurge um direito civil renovado e compromissado mais


com o homem e menos com o patrimônio, mais com o “ser” e menos com o “ter”, num
processo de humanização que refletirá diretamente na propriedade, nos contratos e na
família, vigas mestras da codificação privada.

Resumo: Ontem os Códigos; hoje as Constituições. Em substituição ao Direito Civil, é a


Constituição quem figura hoje no epicentro do sistema jurídico. E esta mudança de
paradigma não se faz sem que o modo de enxergar as relações privadas seja
drasticamente alterado. Na dianteira desta revolução, o neoconstitucionalismo e todos os
desdobramentos teóricos subjacentes à reaproximação recentemente havida entre
Direito, Moral e Ética: supremacia da Constituição, revitalização dos princípios e
valores, protagonismo judicial, preferência por uma justiça tópica. A reboque do
neoconstitucionalismo, a compreensão da Constituição como norma que expande/irradia
seus valores por todas as províncias do Direito, condicionando a atuação dos Poderes
constituídos e a interpretação do direito ordinário. Já não se pode entender o Direito
Civil dissociado da Constituição. Reorientado pelo superprincípio da dignidade da
pessoa humana, exsurge um Direito Civil renovado e compromissado mais com o
homem e menos com o patrimônio, mais com o ser em detrimento do ter, num processo
de humanização que refletirá diretamente na propriedade, nos contratos e na família.
Fala-se na personalização das relações privadas, com ênfase em valores existenciais e
no reconhecimento de que o Direito Civil, ao exercer sua importante função regulatória
do patrimônio, não pode descurar da figura do homem. É este necessário influxo dos
valores constitucionais sobre o Direito quem dá a tônica e a importância da concepção
civil-constitucional das relações inter privatos.

Palavras-chave: neoconstitucionalismo, constitucionalização do Direito, Direito Civil


Constitucional.

INTRODUÇÃO
O Direito Civil passa por uma revolução. De tradição milenar,
acostumou-se a emprestar boa parte de seus conceitos, institutos e princípios ao restante
do ordenamento. Com a passagem da Constituição para o centro da maioria dos
sistemas jurídicos democráticos, vê-se agora ombreado aos demais ramos do Direito e
também deve obediência à Carta.

Naturalmente, este deslocamento – antes no centro, hoje na


periferia do ordenamento – não se fez sem muita reflexão. E em meio à profusão de
novas idéias e discursos jurídicos que marca o atual cenário, fala-se com avidez numa
relação simbiótica entre os ícones das províncias jusprivatista e juspublicista – Direito
Civil e Direito Constitucional, respectivamente – a dar origem a um Direito Civil
Constitucional.

Diversas são as inquietações em torno deste híbrido.


Sinteticamente, questiona-se a) de que modo pode ser conceituado; b) sobre o que
pretende atuar; c) por que modo(s) atua e d) que contribuição pode dar à praxis jurídica
– pois poucas coisas são mais inúteis e perniciosas que a teoria dissociada da prática.

Este o objetivo do presente trabalho: apreender a exata razão de


ser do Direito Civil Constitucional.

Registre-se, para fins metodológicos, que o texto final é fruto de


intensa pesquisa bibliográfica, bem como da análise de decisões judiciais dos Tribunais
Superiores afetas à matéria de fundo.

O NEOCONSTITUCIONALISMO

O constitucionalismo liberal preocupava-se essencialmente em


garantir um espaço de atuação individual perante o Estado. Eram tempos em que as
declarações de direitos – limitadas às liberdades individuais –, a distribuição de
competências e a separação de poderes ocupavam papel central.

Simbólico desta fase é o art. 16 da Declaração de Direitos do


Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, a dizer expressamente que a sociedade
que não garantia direitos e que não separava poderes não tinha uma Constituição
(SANTOS, 2006).

Impotente diante da questão social que abalou o final do século


XIX e o primeiro quartel do século XX, esta visão liberal deu lugar ao
constitucionalismo social, segunda versão do pensamento constitucionalista.

Assim, à medida que a indiferença estatal era substituída pela


prestação de serviços, questões existenciais antes deixadas à solução individual passam
a ser assumidas pelo Estado.

Da Constituição de Weimar de 1919 às constituições europeias


do pós-guerra, o constitucionalismo social transforma profundamente a relação entre
Estado e sociedade. O catálogo de direitos fundamentais foi ampliado, abrangendo
diversos direitos a prestações e à proteção da relação de trabalho. O Executivo assume,
como provedor, um papel de destaque, pela necessidade de assegurar a governabilidade
em um sistema que se legitima, fundamentalmente, por suas prestações sociais e pela
necessidade de que o Estado se situe como eixo dos pactos sociais que efetuam entre si
os partidos com os agentes econômicos e sociais (SANTOS, 2006, p. 48).

A adoção da jurisdição constitucional dá impulso ao processo de


constitucionalização de todos os ramos do direito; as especificidades da hermenêutica
constitucional e a força normativa da Constituição ganham reconhecimento; os direitos
fundamentais são alçados à condição de epicentro axiológico do ordenamento; enfim, a
Constituição passa a protagonizar os principais debates políticos.

Denomina-se neoconstitucionalismo essa postura


constitucionalista forte, na qual a Constituição não se basta como parâmetro orientador
da política, mas se pretende efetiva, com a fiscalização de uma jurisdição constitucional
atuante e expansiva (SANTOS, 2006).

Os autores do neoconstitucionalismo não podem ser reunidos


numa corrente unitária de pensamento. Como adverte Humberto Ávila (2008), a
diversidade de concepções, elementos e perspectivas é tanta que torna inviável esboçar
uma teoria única, havendo mesmo quem, como Paolo Comanducci, utilize a expressão
no plural, referindo-se a “neoconstitucionalismos”.

Todavia, André Rufino do Vale (2006) entende possível


identificar nestas teorias uma série de coincidências e tendências comuns que podem
conformar uma nova cultura jurídica, um paradigma constitucionalista in statu nascendi
- ou, em outros termos, o paradigma do Estado Constitucional de Direito.

Apontando algumas destas características, referido autor destaca


a importância dada aos princípios e valores como componentes elementares dos
sistemas jurídicos constitucionalizados; a ponderação como método de
interpretação/aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos entre valores e bens
constitucionais; a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo
o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes
do Estado – e mesmo a dos particulares em suas relações privadas; o protagonismo dos
juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; a aceitação de
alguma conexão entre Direito e moral (VALE, 2006).

O professor Humberto Ávila (2008) acrescenta a este rol a


prevalência de uma justiça tópica, particular, fundada em normas posteriores,
individuais e concretas, em substituição àquela baseada em normas prévias, gerais e
abstratas.

Enfim, princípios em vez de regras – ou mais princípios que


regras; ponderação em vez de subsunção – ou mais ponderação que subsunção;
Constituição em substituição à lei – ou maior, ou direta aplicação da Constituição em
vez de lei; juízes em vez de legisladores – ou mais Poder Judiciário e menos Poderes
Legislativo e Executivo; justiça particular em vez de justiça geral – ou mais análise
individual e concreta que geral e abstrata (ÁVILA, 2008; VALE, 2006).

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

Uma expressão, diversos significados.


A locução pode ser empregada para identificar o fenômeno pelo
qual a Constituição incorpora formalmente a seu texto inúmeros temas afetos aos ramos
infraconstitucionais do Direito, “fenômeno iniciado, de certa forma, com a Constituição
portuguesa de 1976, continuado pela Constituição espanhola de 1978 e levado ao
extremo pela Constituição brasileira de 1988” (BARROSO, 2005, p. 41).

Em outro sentido, a expressão é associada a um efeito


expansivo/irradiante das normas constitucionais – notadamente dos direitos
fundamentais –, cujo conteúdo material e axiológico se espraia com força normativa por
todo o ordenamento. “Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados
nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de
todas as normas do direito infraconstitucional” (BARROSO, 2005, p. 42), o que
repercute tanto na atuação dos Poderes constituídos – especialmente nas suas relações
com os indivíduos – quanto nas relações entre particulares.

Esta compreensão teve origem na Alemanha do pós-guerra.

Sob a égide da Lei Fundamental de 1949, o Tribunal


Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais, além de terem uma
dimensão subjetiva, desempenham também a função de instituir uma ordem objetiva de
valores.

O caso Lüth (1958) consagrou a importância desta dimensão


objetiva, compreensão que resulta do significado dos direitos fundamentais como
princípios básicos da ordem constitucional (BARROSO, 2005; BRANCO, COELHO,
MENDES, 2008). Sob esta ótica, os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da
garantia de posições individuais, incorporando o papel de normas que filtram os valores
básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo – e formando,
pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático.

A conseqüência é que o direito fundamental não é mais


considerado exclusivamente sob a perspectiva individualista, mas, igualmente, o bem
por ele tutelado é visto como um valor em si, a ser preservado e fomentado.
Interessa mais diretamente a este trabalho esta segunda
concepção.

Uma vez assentado que o ordenamento deve proteger


determinados direitos e valores não apenas pelo eventual proveito que possam trazer a
uma ou a algumas pessoas, mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfação,
chegou-se à idéia de que esta categoria de normas constitucionais [os direitos
fundamentais] condiciona a interpretação de todos os ramos do Direito (BARROSO,
2005).

Esta tomada de consciência marca a passagem da Constituição –


berço por excelência dos direitos fundamentais – para o centro do sistema jurídico.

A Constituição passa a ser encarada não apenas como um


sistema em si, mas também como um modo de olhar e interpretar todos os demais
ramos do Direito. Esta filtragem constitucional consiste em que toda a ordem jurídica
deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores
nela consagrados.

Assim é que, longe de significar apenas a inclusão do direito


ordinário na Carta, a constitucionalização do direito importa sobretudo a releitura dos
diversos ramos do direito à luz da Constituição.

Ou, para dizer de outro modo, não há – ou pelo menos não deve
haver – norma infraconstitucional que não deva passar pelo crivo da Lei Maior, pelo
que é lícito afirmar que toda interpretação jurídica é também uma interpretação
constitucional.

Este o quadro em que se desenvolve a constitucionalização do


Direito Civil.

A CONSTITUIÇÃO E O DIREITO CIVIL


LÔBBO (1999) destaca que o Direito Civil, ao longo de sua
história no mundo romano-germânico, sempre foi identificado como o locus normativo
privilegiado do indivíduo. Em contraposição à constituição política, “era cogitado como
a constituição do homem comum, máxime após o processo de codificação liberal”
(LÔBBO, 1999, p. 99), pelo que nenhum ramo do direito era mais distante do Direito
Constitucional que ele.

As relações entre os dois foram da absoluta indiferença à


interação constate em pouco mais de dois séculos.

BARROSO (2005) identifica o marco inicial dessa trajetória na


Revolução Francesa, que deu a cada um deles o seu objeto de trabalho: ao direito
constitucional, uma Constituição escrita (1791); ao direito civil, o Código napoleônico
(1804). Apesar da contemporaneidade dos dois documentos, “direito constitucional e
direito civil não se integravam nem se comunicavam entre si” (BARROSO, 2005, p.
45).

É a fase em que o Direito Civil figura como reino da autonomia


da vontade.

A superação do modelo liberal e o advento do Estado Social


marcam o segundo momento desta evolução.

Cônscio das profundas desigualdades materiais havidas entre os


indivíduos, o Direito Civil começa a superar o individualismo exacerbado. Em nome da
solidariedade social e da função social da propriedade e do contrato, o Estado começa a
interferir nas relações entre particulares visando, sobretudo, à tutela jurídica dos mais
fracos.

Este processo de crescente intervenção estatal – verificado


especialmente no âmbito legislativo – reduziu sensivelmente o espaço da autonomia
privada e terminou por subtrair do Código Civil matérias inteiras, por vezes
transformando-as em ramos jurídicos autônomos.
É a fase do dirigismo contratual, que consolida a publicização
do direito privado – e que é ainda hoje uma realidade.

Em substituição ao Direito Civil, é a Constituição, hoje, quem


confere unidade dogmática ao sistema e incorpora os valores dominantes, figurando no
centro do ordenamento.

Para BARROSO (2005, p. 43), o que marca o estágio atual é


justamente “a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde
passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil”.

Há regras positivadas impondo o fim da supremacia do marido


no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a função social do contrato e da
propriedade; e há também princípios – igualdade, solidariedade social,
razoabilidade/proporcionalidade e outros tantos – cuja força normativa se difunde por
todo o ordenamento e condiciona a interpretação do direito ordinário.

O que se pretende então é “não apenas investigar a inserção do


direito civil na Constituição jurídico-positiva, mas os fundamentos de sua validade
jurídica, que dela devem ser extraídos” (LÔBBO, 1999, p. 100).

Assim entendida, “a constitucionalização [...] oxigena o próprio


direito civil, tornando-o mais flexível, mais vivo, menos formal, e coerente com o que
de atual tem sido produzido na órbita do direito constitucional” (MAGALHÃES, 2006,
p. 212).

Certo que o Direito Civil deve continuar sendo aquilo que


sempre pretendeu ser – a regulação do patrimônio, porque inviável, senão
verdadeiramente impossível a convivência social sem regras claras sobre tema tão
explosivo –, o que se busca é um fundamento ético que possibilite esta regulamentação
sem descurar do homem e de outros interesses seus que não os estritamente
patrimoniais.
Já não se pode entender o direito civil em suas vigas
fundamentais sem o necessário suporte lógico – e axiológico – do direito constitucional.
“Um se prende ao outro como corpo e alma” (STOLZE, PAMPLONA, 2005, p. 54). E
não é por outra razão que se diz em doutrina que “o direito privado passou a ser o
direito constitucional aplicado, pois nele se detecta o projeto de vida em comum que a
Constituição impõe” (LÔBBO, 1999, p. 100).

O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O Código Civil de 1916 era egoísta, patriarcal e autoritário,


refletindo, naturalmente, a sociedade do século XIX. Preocupava-se com o “ter” em
detrimento do “ser”. Ignorava a dignidade humana. Não se compadecia com os
sofrimentos do devedor. Esmagava o filho dito “bastardo”. Fazia-se de desentendido no
que dizia com os direitos e litígios pela posse coletiva das terras. E o que é pior,
imaginava que as partes de um contrato eram sempre iguais (LÔBBO, 1999; STOLZE,
PAMPLONA, 2005).

Em sentido diametralmente oposto, a Constituição de 1988, na


esteira do movimento de humanização do Direito que influenciou quase todos os
ordenamentos ocidentais no pós-segunda guerra, consagrou em mais de uma
oportunidade a dignidade do homem, a valorização social do trabalho, a igualdade
substancial, a proteção dos filhos – todos, sem distinção –, a função social da
propriedade e o exercício responsável da atividade econômica.

Longe de pretender ser apenas uma carta solene de boas


intenções, passou a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser
observado nas relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação
infraconstitucional.

O conflito axiológico era inevitável. E a promulgação de novo


Código, embora tenha inegavelmente atenuado esta subversão com a adoção de diversas
fórmulas humanizadoras, não foi capaz, para muitos, de alterar substancialmente este
quadro – havendo mesmo quem diga em doutrina que referido Código já nasceu
“velho”, “retrógrado” e “demagógico”.
Neste contexto de mudança de paradigmas, em que o eixo
valorativo do direito civil se desloca do patrimônio para a pessoa, surgiu a necessidade
de uma releitura que partisse da premissa de que a Constituição, como norma
hierarquicamente superior, traz em seu bojo uma escala de valores que deve ser
necessariamente observada por todo o ordenamento.

Porque é a Constituição – e não mais o Código Civil – quem


exerce função unificadora do sistema; mais ainda, porque é a Carta Magna quem
verdadeiramente funda o ordenamento jurídico, o que se tem é que a carga valorativa
que dela emana passa a demarcar os limites da autonomia privada, da propriedade e da
proteção da família.

O Direito Civil deixa de encontrar seu único fundamento no


Código e na legislação ordinária. E é neste contexto que ganha corpo o Direito Civil
Constitucional.

Inicialmente esta orientação doutrinária importava na mera


consideração das relações de Direito Civil no núcleo da Constituição.

Em seu aspecto substancial, contudo, implica a própria


reconstrução axiológica do direito privado em face dos valores constitucionais, na busca
da realização dos direitos fundamentais e da concretização de um Estado Constitucional
de Direito.

A expressão remonta ao trabalho pioneiro de Pietro Perlingieri;


e na visão da professora Maiana Alves Pessoa, “quer elevar os direitos fundamentais da
pessoa” (2007, não paginado).

Enfim, o que se pretende é “não apenas investigar a inserção do


direito civil na Constituição jurídico-positiva, mas os fundamentos de sua validade
jurídica, que dela devem ser extraídos” (LÔBO, 1999, p. 99).
Flávio Tartuce (2007) entende-o como uma variação
hermenêutica, uma mudança de atitude no ato de interpretar a lei civil em confronto
com a Constituição:

Uma atitude bem pensada, diga-se de passagem, que tem


contribuído para a evolução do pensamento privado, para a evolução dos civilistas
contemporâneos. Essa inovação reside no fato de que há uma inversão da forma de
interação dos dois ramos do direito – o público e o privado –, interpretando o Código
Civil segundo a Constituição Federal em substituição do que se costumava fazer, isto é,
exatamente o inverso (TARTUCE, 2007, p. 117).

Enfático, o professor Gustavo Tepedino (2004, p. 117) clama


por uma “imprescindível e urgente releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da
Constituição”; e assevera que “é de se buscar a unidade do sistema, deslocando para a
tábua axiológica da Constituição da República o ponto de referência antes localizado no
Código Civil” (2004, p.13).

Fala-se então na despatrimonialização/ personalização/


repersonalização (a depender do autor e da obra) das relações privadas. Busca-se um
fundamento ético para que o Direito Civil continue a regular o patrimônio sem descurar
do homem e de seus interesses não-patrimoniais.

Doutrina e jurisprudência já começaram a se dar conta do


potencial deste novo Direito Civil.

Súmula do Superior Tribunal de Justiça – a de número 364,


aprovada pela Corte Especial em outubro de 2008 – ampliou sobremaneira a proteção
da Lei nº 8.009 de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.

Chegavam àquele Tribunal decisões em que se afirmava que o


conceito de família não alberga a situação de pessoa que mora sozinha; que família é
um tipo de associação de pessoas; que não se concebe família de um só indivíduo; que a
pessoa solteira não constituía entidade familiar, pelo que não se poderia falar na
proteção da Lei nº 8.009/90, a qual, sendo exceção à regra comum da penhorabilidade
dos bens do devedor, não deveria admitir interpretação extensiva.

Na origem de tal divergência estava o artigo 1º da sobredita Lei,


a dizer singelamente que o imóvel residencial do próprio casal ou da entidade familiar é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses ali previstas.

Discordando deste entendimento, o ministro Humberto Gomes


de Barros destacou no julgamento do REsp nº 450.989 que a impenhorabilidade do bem
de família não visa apenas à proteção da entidade familiar, senão à do próprio direito a
moradia que é inerente à pessoa humana.

É absolutamente manifesta neste julgado – já na ementa – a


expansão do direito fundamental cravado no artigo 6º da Carta brasileira sobre a
interpretação de uma lei cível, a possibilitar que um valor constitucionalmente protegido
servisse de vetor hermenêutico à resolução de típica controvérsia inter privatos.

Observe-se que um mesmo artigo de lei dava margem a duas


interpretações possíveis e igualmente razoáveis. O que o Superior Tribunal de Justiça
fez foi encampar aquela que melhor realizava a vontade da Constituição, dentro da
compreensão alhures exposta de que a Lei Maior, como norma que irradia efeitos por
todo o ordenamento jurídico, necessariamente condiciona a compreensão do direito
ordinário.

À luz desta hermenêutica concretizante, que em última análise


busca a realização de importante direito social, “o conceito de impenhorabilidade de
bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e
viúvas” – diz a redação dada à Súmula 364/STJ.

Outro exemplo desta evolução viu-se nos julgamentos que


versavam sobre a prisão civil do depositário infiel.
É a própria Constituição quem admite essa modalidade de prisão
como uma das duas exceções em que é possível a prisão por dívida no Brasil (artigo 5º,
inciso LXVII). Contudo, o Supremo, revolucionando sua jurisprudência, adotou a tese
da supralegalidade dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos –
no caso, o Pacto de São José da Costa Rica, cuja incorporação pelo ordenamento teria o
condão de paralisar a legislação ordinária com ele incompatível – para não mais admiti-
la.

Disse o Ministro Cezar Peluso durante o julgamento dos


Recursos Extraordinários nº 349.703 e nº 466.343 e do Habeas Corpus nº 87.585, em
que se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel, que a Constituição Federal
não deve ter receio quanto aos direitos fundamentais.

Em suas palavras:

O corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo.


O valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é
irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um
retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o 'corpus vilis' (corpo vil), sujeito a
qualquer coisa (BRASIL. Supremo... 2008, não paginado).

É a dignidade da pessoa humana prevalecendo sobre a proteção


do patrimônio.

Terreno igualmente fértil para a influência de valores


constitucionais, a responsabilidade civil vem passando por verdadeira revolução.

Os próprios termos em que vazado o parágrafo único do artigo


927 do Novo Código Civil – pelo qual haverá obrigação de reparar o dano
independentemente de culpa quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem – permitem que se
vislumbre a adoção de uma cláusula geral de responsabilidade objetiva a atuar como
potencial porta de entrada de valores constitucionais.
Além disso, a extrema receptividade às normas de proteção à
dignidade da pessoa facilita sobremaneira a interação com a Constituição.

Há grande potencial no diálogo com o Direito de Família, onde


a responsabilidade civil começa a dar os primeiros passos.

Diz-se, por exemplo, que a violação do dever jurídico de


fidelidade por um dos cônjuges pode gerar indenização por danos materiais e morais ao
inocente; ou que a ruptura imotivada de um noivado às vésperas do casamento é
igualmente passível de redundar neste dever de indenizar.

Mais recentemente, viu-se a 3ª Turma do STJ obrigar pai a


indenizar filha em R$ 200 mil por abandono afetivo (REsp 1159242), tendo afirmado
expressamente o Trinbunal a) que inexistem restrições legais à aplicação das regras
concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no
Direito de Família; e b) que o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos
que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

Perceba-se que a embasar todas estas pretensões reparatórias


está não apenas o Código Civil, mas a própria Constituição, por seu artigo 5º, inciso X.

Sem pretender esgotar aqui os exemplos, é possível vislumbrar


uma concepção constitucional do Direito Civil também nos julgamentos do STF que
reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo (ADI 4277; ADPF 132), a
reforçar a percepção de que esta específica questão só pode ser devidamente
equacionada quando entram em cena os valores hauridos da Constituição.

Dada a inexauribilidade dos valores constitucionais, não se sabe


ao certo aonde é possível chegar. Já não se discute, porém, que há uma brutal mudança
de paradigmas em curso a exigir a devida atenção do civilista.

Este o terreno arenoso – porém absolutamente promissor – em


que se desenvolvem os estudos de Direito Civil Constitucional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

É verdade que os aspectos da esfera privada que a Constituição


se dispôs a regular compõem o objeto de estudo do Direito Civil Constitucional, como
quer Nelson Nery Costa (2008).

Não menos verdade, contudo, é que a expressão também quer


elevar os direitos fundamentais da pessoa, exatamente como entende a professora
Maiana Alves Pessoa (2007).

Reorientado pela dignidade da pessoa humana e devidamente


alinhado ao programa constitucional inaugurado em outubro de 1988, que pretende a
construção de uma sociedade justa e solidária, exsurge um direito civil renovado e
compromissado mais com o homem e menos com o patrimônio, mais com o “ser” e
menos com o “ter”, num processo de humanização que refletirá diretamente na
propriedade, nos contratos e na família, vigas mestras da codificação privada.

Por uma opção política, vários destes institutos foram


diretamente dispostos na Constituição, o que lhes conferiu uma maior estabilidade.

O que a Carta não disciplinou, contudo, recebe o necessário


influxo da dignidade da pessoa humana pela via da interpretação civil-constitucional.

Certo que o compromisso maior do direito contemporâneo é


com os princípios fundamentais, não é exagero dizer que “é imprescindível e urgente
uma releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição” (TEPEDINO,
2004, p.117).

Assim, “é de se buscar a unidade do sistema, deslocando para a


tábua axiológica da Constituição da República o ponto de referência antes localizado no
Código Civil” (TEPEDINO, 2004, p. 13).

Presencia-se a estruturação exegética de um direito civil mais


humano, centrado nos direitos fundamentais e na proteção de valores outros que não os
eminentemente patrimoniais; que valoriza o “nós” em detrimento do “eu” mesmo
naqueles casos em que a ordem constitucional preferiu não interferir diretamente,
realizando o compromisso constitucional por meio de uma hermenêutica que coloca a
dignidade da pessoal no papel de epicentro axiológico do ordenamento.

O paradigma do Estado Constitucional de Direito chega enfim


ao Direito Civil.

BIBLIOGRAFIA

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