SUPERVISIONADO II
1ª Edição - 2007
SOMESB
Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.
Gervásio Meneses de Oliveira
Presidente
William Oliveira
Vice-Presidente
Samuel Soares
Superintendente Administrativo e Financeiro
Germano Tabacof
Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Pedro Daltro Gusmão da Silva
Superintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadêmico
FTC - EaD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância
Reinaldo de Oliveira Borba
Diretor Geral
Marcelo Nery
Diretor Acadêmico
Roberto Frederico Merhy
Diretor de Desenvolvimento e Inovações
Mário Fraga
Diretor Comercial
Jean Carlo Nerone
Diretor de Tecnologia
André Portnoi
Diretor Administrativo e Financeiro
Ronaldo Costa
Gerente Acadêmico
Jane Freire
Gerente de Ensino
Luis Carlos Nogueira Abbehusen
Gerente de Suporte Tecnológico
Romulo Augusto Merhy
Coord. de Softwares e Sistemas
Osmane Chaves
Coord. de Telecomunicações e Hardware
João Jacomel
Coord. de Produção de Material Didático
MATERIAL DIDÁTICO
Produção Acadêmica Produção Técnica
Jane Freire João Jacomel
Gerente de Ensino Coordenação
Equipe
Angélica de Fatima Silva Jorge, Alexandre Ribeiro, Cefas Gomes, Cláuder Frederico, Delmara Brito,
Diego Aragão, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale,
Marcio Serafim, Mariucha Silveira Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval Fonseca
Imagens
Corbis/Image100/Imagemsource
CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE: RELAÇÕES
ESTABELECIDAS POR PROFESSORES DE BIOLOGIA __________ 49
A visão de que aquele que ensina aprende (ou “se forma e re-forma”) ao ensinar está
presente nas mais modernas concepções e obras sobre a formação docente. A dialética
da relação professor – aluno, interativa e recíproca, garante que a docência não seja
mero derramamento de conteúdos inertes em “receptáculos – alunos” vazios e dóceis.
Por esta razão, tantas vezes Paulo Freire repete que “não há docência sem discência”,
e vice-versa.
A obra freireana é vasta e poderíamos ter escolhido vários outros belos escritos, mas
a menção à autonomia é crucial, quando se trata da Educação a Distância. É essencial
o desenvolvimento desta competência, quando o aprendente assume a maior parte
da gestão do processo de aprendizagem. Cabe a ele priorizar, dentre os objetivos edu-
cacionais propostos, aqueles que serão contemplados em primeiro lugar. Não se deve
confundir, no entanto, autonomia com solidão e individualismo no ato de aprender.
Pelo contrário, a aprendizagem a distância é, mais que nunca, solidária e colaborativa
adequando-se, no entanto, aos ambientes virtuais e à mediação da tecnologia de infor-
mação e comunicação e à interatividade, estimulada pela ação tutorial.
Por isso, iniciamos os nossos estudos de Estágio Supervisionado II que tem por ob-
jetivo geral aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem, criando oportunidades
para que apliquem conhecimentos teóricos na prática.
Essa disciplina possui 72 horas e encontra-se dividida em dois grandes blocos temá-
ticos, sendo que serão trabalhados em quatro semanas.
O primeiro Bloco Temático intitula-se “BIOLOGIA EM UMA ABORDAGEM INTER-
DISCIPLINAR” e será desenvolvido a partir dos temas “Teorias Filosóficas Modernas
e Contemporâneas e suas influências no Ensino de Biologia” e “Ensino de Biologia e
Pedagogia Histórico-Crítica(PHC)”.
No segundo Bloco Temático, que recebe o nome de “CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIE-
DADE: RELAÇÕES ESTABELECIDAS POR PROFESSORES DE BIOLOGIA”, estudaremos
mais dois temas: “O Ensino de Biologia e o movimento CTS” e “A Práxis Pedagógica no
ensino de Biologia”.
Todo o material didático dessa disciplina foi estruturado para potencializar sua
aprendizagem, por isso leia, atentamente, todos os textos e realize todas as atividades
propostas, a fim de tirar um excelente proveito desse módulo disciplinar.
De forma vertical, a disciplina promoverá atividades de cunho interdisciplinar, fa-
zendo o seu conteúdo pedagógico transitar e dialogar por esses e pelos demais com-
ponentes curriculares, como também pelas Universidades até as Unidades Escolares,
em uma espiral avançada de descobertas, construção de novas posturas e produção
de conhecimento.
Desejamos a você sabedoria, discernimento, inspiração e realização!!!
Profa Maria Lúcia Perdiz Simões
Profa Marisela Pi Rocha Pereira
BIOLOGIA EM UMA
ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
O que é a filosofia?
A filosofia não é uma disciplina que forneça, fora do âmbito da ciência, uma resposta a to-
dos os problemas não resolvidos da humanidade. É uma disciplina de pensamento cuja tradição
remonta bastante longe em certo número de culturas, por exemplo, no Ocidente, e, sob outras
formas, na Índia. O nosso objetivo aqui não é, portanto, dar uma série de respostas, mas de for-
necer outros métodos de pensamento que não os das ciências, na esperança de que isto contribua
para tornar as práticas sociais, por um lado, mais “responsáveis” e, por outro, mais “humanas”.
Uma das finalidades deste texto é também a de fornecer aos professores de ciências, como pes-
soas individuais, uma abertura que os ajude a perceber diversas abordagens da realidade e a não
encerrá-la dentro do método unidimensional das ciências.
Assim como ocorre com outras disciplinas (como a biologia, a química, a física, a mate-
mática), a filosofia convida a entrar em uma tradição intelectual. Ela desenvolve um método,
conceitos técnicos, ferramentas intelectuais que permitem compreender certas questões. É por
esse motivo que, do mesmo modo que seria insensato querer fazer biologia sem se submeter, por
exemplo, à disciplina Evolução, é impossível fazer filosofia sem adquirir certa técnica e o voca-
bulário adequado. Pode parecer estranho recordar isto, mas é algo necessário em uma cultura na
qual muitos cientistas parecem esquecer toda exigência de rigor quando deixam o domínio de sua
disciplina. Para refletir sobre os problemas da sociedade e sobre as questões humanas é preciso
possuir “ferramentas” do mesmo modo que para fazer física; ambos os casos nos inserem em
tradições intelectuais e utilizamos os resultados das gerações que nos precederam.
Estágio Supervisionado II 7
que nos importa é que uma pessoa a par das práticas de linguagens de nossa cultura possa reconhe-
cer a lâmpada de leitura, os livros, a caneta etc. Do mesmo modo, se dissemos que fulano esposou
beltrana, normalmente não nos lançaremos com base nisso em uma reflexão elaborada sobre a
significação do casamento e do amor. Utilizo então o código restrito: a linguagem do dia-a-dia,
útil na prática e que não leva adiante todas as distinções que se poderia fazer para aprofundar o
nosso pensamento. Caracteriza-se pelo fato de que aqueles que a utilizam partilham as mesmas
pressuposições de base sobre o sujeito de que falam; o discurso científico entra nessa categoria.
Por outro lado, se começamos a colocar questões sobre a amizade, a vida, a morte, a justiça
etc., produziremos um outro tipo de discurso, bem diferente daquele do código restrito. Observa-
remos, por exemplo, que a noção de amizade não é clara. Para torná-la mais precisa, contaremos
histórias, e efetuaremos múltiplas distinções. Precisaremos ultrapassar a minha experiência de
vida cotidiana, a fim de atingir camadas “mais profundas” de minha personalidade e da nossa vida
em comum. Bernstein chamou de “código elaborado” o tipo de discurso que produzimos quando
tentamos superar dessa maneira a linguagem cotidiana e prática. O que caracteriza o discurso
elaborado é que ele é utilizado para falar de sujeitos a respeito dos quais não partilhamos neces-
sariamente as mesmas pressuposições de base.
Em uma primeira aproximação, o código restrito fala do “como” das coisas, do mundo e
das pessoas, ao passo que o código elaborado procura dizer algo do “porquê” e do “sentido”. De
modo geral, as ciências se ocupam com a linguagem restrita. No Ocidente, ainda falando de ma-
neira geral, a filosofia – e por vezes também a religião – ocupa-se com o código elaborado (não
se deve, contudo levar demasiado longe as distinções nem as teorias. Pode haver momentos em
que o biólogo se coloca questões “mais elaboradas” sobre a matéria ou a vida. Pode-se dizer que
ele começa então a filosofar. Qualquer que seja a maneira pela qual se considera essa tendência
dos cientistas a filosofar, podemos dizer, em uma primeira abordagem, que a distinção entre os
códigos “restritos” e “elaborado” funciona bem).
Dentro desta perspectiva, o código restrito corresponde ao interesse que têm os homens e
as mulheres em colocar ordem em seu mundo, em controlá-lo e comunicar a outrem a maneira
pela qual o vêem. Habermas (1973) falará de um interesse técnico. É um código prático. Além
disso, utiliza-se o código elaborado quando se trata de interpretar os acontecimentos, o mundo, a
vida humana, a sociedade. Assim, Habermas dirá que esse interesse filosófico está ligado ao inte-
resse hermenêutico ou interpretatório dos seres humanos. Ainda mais, o código elaborado – e
a filosofia – é utilizado quando se trata de “criticar” interpretações habitualmente recebidas (ou
seja, de emitir uma opinião mais refletida que especifique os
seus “critérios”; a palavra “criticar” vem do grego e significa
“efetuar um julgamento”, não tem nada a ver com “denegrir”).
Essa superação das idéias geralmente admitidas corresponde
a um interesse emancipatório. Como somos por vezes prisioneiros
de esquemas de interpretações da vida, do mundo e da socie-
Jürgen Habermas
dade, uma linguagem crítica tem por finalidade libertar-nos
dessa prisão e renovar o nosso olhar.
Consideremos como a noção de “ciência” é utilizada no código restrito e no código elabo-
rado. O código restrito é aquele utilizado na maior parte dos cursos de ciências. Supõe-se saber
do que se fala, e não se exige reflexão ulterior. Porém, caso se procure fazer uma idéia do que seja
“em definitivo” a ciência, isto é, dar uma interpretação que faça “sentido” para nós, a tarefa se
torna mais complexa. Todas essas interpretações não são equivalentes. Nesse nível interpretatório,
Bachelard queria assim indicar que muitos vivem sem jamais deixar o nível do código restri-
to. Questões como “O que é o amor, ou a amizade?” parecem-lhes ociosas; assim como a maioria
das questões relativas às idéias adquiridas. Pela imagem do sótão ou do porão, Bachelard mostra-
va que, para ele, ser “humano” significava por vezes “subir ao sótão”, isto é, viver em busca de
significações da existência por meio dos símbolos filosóficos, poéticos, artísticos, religiosos etc.
E “descer ao porão” implicava ir, por vezes, olhar o que se passa nos subsolos e fundamentos
psicológicos ou sociais de nossa existência e discernir nos condicionamentos o que nos oprime
ou libera.
Um dos interesses dessa imagem parece ligado ao fato de que se passa a maior parte da exis-
tência na sala de estar e não no sótão ou no porão. Mas aqueles que “não sobem jamais ao sótão” e
“não descem jamais ao porão” carecem talvez de certa dimensão. Por outro lado, aqueles que vives-
Estágio Supervisionado II 9
sem o tempo todo no sótão, ou no porão seriam talvez facilmente considerados como pouco equi-
librados (como por exemplo, aqueles que se preocupam sempre com todas as razões de sua ação).
Permanecemos a maior parte do tempo no mundo prático de nossos códigos restritos. Se
nos afastássemos dele o tempo todo nos tornaríamos literalmente loucos. Pois, se estamos em
vias de efetuar uma experiência de laboratório, não temos vontade, nesse momento, de nos co-
locarmos a questão da significação última daquilo que fazemos. E o mesmo ocorre se queremos
dizer a alguém que gostamos dessa pessoa. Não obstante, pode haver um sentido, tanto para nós
como para os que estão à nossa volta, no fato de podermos, em certos momentos, “interpretar”
o que fazemos, ou “criticar” idéias comuns adquiridas.
Julgamos importante que aqueles que recebem uma formação em ciência não se tornem
seres “unidimensionais”, incapazes de ver algo mais além de sua prática técnica. Não seria lamen-
tável, tanto para a sociedade quanto para os indivíduos, que seres humanos tivessem uma forma-
ção extremamente aprimorada, quando se trata do código restrito, e formação alguma quanto à
utilização de nossas tradições relativas ao código elaborado? Em outros termos, consideraríamos
lamentável, para ambas as partes, formar cientistas que tentariam ser rigorosos quando se trata de
ciências, mas aceitariam facilmente uma total aproximação em outros domínios. Em outros ter-
mos ainda, uma abordagem filosófica se opõe ao condicionamento dos cientistas “técnicos per-
feitos”, mas incapazes de refletir sobre as implicações humanas de suas práticas (seria interessan-
te, aliás, e isto faz parte de uma reflexão filosófica, interrogarmo-nos sobre as razões pelas quais
muitos admitem sem dificuldade permanecer ignorantes quando se trata de questões humanas).
Quando os cientistas desejam ter certa abertura, esta se faz geralmente à margem de seu
trabalho profissional: interessam-se, por exemplo, pela música, por obras sociais ou caridosas,
pela arte ou outras formas de expressão simbólica ou religiosa. Têm mais facilidade em lidar com
grandes idéias sobre o mundo, Deus, a busca do verdadeiro, do que com reflexões concretas so-
bre as questões relacionadas com sua vida profissional. Precisaremos voltar às razões que levam
a nossa sociedade a produzir uma classe média de cientistas técnicos, apolíticos, incapazes de
enfrentar as significações humanas de suas vidas profissionais e confinando os seus questiona-
mentos éticos a sua vida profissional ou privada.
“Por que dar um lugar à filosofia na formação dos cientistas?”. Poderíamos perguntar tam-
bém: “Por que um curso de informática para um biólogo?”, ou: “Por que um curso de ciências
naturais para um matemático?”. A essas questões não existe uma resposta científica: a resposta
é do âmbito de uma política universitária. Impõem-se disciplinas em um programa porque “se”
considera que essas disciplinas são necessárias seja para o bem do estudante, seja para o bem da
sociedade; trata-se sempre do “bem” do modo como os organizadores das formações o repre-
sentam, de acordo com seus projetos e interesses próprios.
Estágio Supervisionado II 11
Deste modo, o senso comum é enriquecido pela assimilação dos conhecimentos científicos
e, de maneira geral, pela experiência humana.
Estas considerações têm implicações éticas, do ponto de vista da comunicação, pela possi-
bilidade de compartilhar o conhecimento em termos inteligíveis com os não-especialistas, através
do senso comum submetido à crítica. Uma reflexão epistemológica se faz necessária a respeito
dos elementos de significação do conhecimento a serem compartilhados prioritariamente. Con-
cluiremos com uma evocação destas questões sobre a ética.
Começaremos por esclarecer o que se entende pela expressão “senso comum”. Pode-se
dizer, numa primeira abordagem, que o “senso comum” é uma disposição geral de todos os seres
humanos para se adaptar às circunstâncias da existência e da vida ordinária.
Ele se relaciona tanto aos sentidos, por levar em conta dados dos órgãos sensoriais, quanto
à capacidade de raciocínio, de reflexão sobre os elementos de uma situação.
Na expressão “senso comum”, a palavra “senso” se refere a uma espécie de síntese ins-
tintiva (mas também intuitiva) imediata, enquanto o termo “comum” indica o caráter ordinário,
difundido, provavelmente generalizado, desta faculdade. Todavia estes termos, senso, comum e senso
comum são ambíguos e recobrem uma pluralidade de significações possíveis, como podemos ver
nas suas mais variadas utilizações em diferentes épocas.
Para alguns, “senso comum” equivale à “opinião comum” e se relaciona com os usos de uma
cultura ou de uma dada civilização, impregnado de seu imaginário e de idéias convencionais ou pre-
conceituosas: neste caso, senso comum se opõe à razão crítica e ao espírito científico. Para outros,
o “senso comum” seria um fundo de noções e de aptidões necessárias ao exercício da capacidade
de julgar partilhado por todos os homens, inscrito por toda a eternidade na natureza humana, que
constituiria a base inalterável de todo pensamento racional e, portanto, de toda ciência. Tratar-se-ia
de uma retomada da noção de “bom senso”, entendido como razão, segundo a conhecida afirma-
ção de René Descartes no Discurso do Método: “A capacidade de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do
falso, que é propriamente o que denominamos ‘bom senso’ ou razão, é naturalmente igual em todos os homens”.
Entretanto, expressões familiares e bastante difundidas hoje em dia como “o senso comum
o diz, rapaz”, ou “isso não tem senso comum”, sugerem uma aceitação implícita da noção de
“senso comum” pelo senso comum, que valoriza seu lado racional e sua legitimidade “natural”
como instância de julgamento. Precisamente por isso, tais expressões
não suprimem a ambigüidade da noção, que lhe parece ser inerentes:
mesmo ao enfatizar a referência à razão, elas implicam a idéia de um
julgamento médio adaptado à vida prática e social, que se deve tanto
ao hábito quanto à opinião e às convenções. Ela também supõe que a
razão que deve guiar o julgamento é a de que dispomos, nutrida dos
conhecimentos admitidos. Mas o que é que nos dá a garantia de que
esta “razão prática” seja suficiente para a constituição ou a aquisição
de novos conhecimentos? René DESCARTES
As próprias ciências e suas respectivas histórias fornecem-nos, por duas razões, dados pre-
ciosos de apreciação. Em primeiro lugar, a ciência, enquanto o conjunto dos conhecimentos cien-
tíficos, que também compreende a evolução desses conhecimentos, constitui um fato inegável
(um fato histórico, cultural, antropológico), com seus resultados verificáveis, por um lado, nas
aplicações ao mundo real e, por outro, na unidade do pensamento conferida por ela (unidade parcial,
mas em contínuo progresso).
Esse mundo dos homens está numa escala muito grande em relação ao das partículas, e os
átomos nele aparecem como exatamente pequenos – na realidade, não os vemos. Portanto, vai ser
preciso considerar objetos visíveis, acessíveis a nossos sentidos, macroscópicos, ou seja, sistemas
físicos constituídos por um imenso número de partículas. Tudo o que o homem pode ver ou
tocar para forjar a sua intuição pertence, com efeito, a essa categoria: poeiras, árvores, pedras ou
máquinas, até o Sol e para além dele, numa palavra, todo o domínio habitual da física clássica.
Estágio Supervisionado II 13
Podemos notar que a noção de objeto, que parece, porém, um dado primeiro do senso co-
mum, não é de modo nenhum evidente do ponto de vista da física quântica e que ela é, portanto,
inesperada. Um sistema físico, com efeito, é para ele apenas certo conjunto de partículas, cujas
interações mútuas são conhecidas: no mais das vezes, núcleos e elétrons. Se considerarmos sob
este ângulo um objeto perfeitamente trivial, por exemplo, uma garrafa vazia, os princípios quânti-
cos, que só levam em conta as partículas que constituem a garrafa, põem em pé de igualdade um
sem-número de objetos diferentes. Com efeito, os átomos da garrafa poderiam sem nada mudar
em suas interações, agrupar-se de mil maneiras, para formarem mil objetos diferentes: duas gar-
rafas menores, seis copos de licor ou um bloco de vidro fundido. Podemos, igualmente, separar
os átomos segundo sua natureza, para obtermos um pouco de areia e de sal. Redistribuindo os
prótons e os nêutrons para transmutar os núcleos dos átomos sem nada mudar na natureza de
suas interações, poderíamos obter também uma rosa numa taça de ouro. Tudo isso pertence ao
mundo dos possíveis, da multidão de formas que podem assumir as múltiplas funções de onda
possíveis de um mesmo sistema de partículas.
As posições do pêndulo ou do ponteiro são variáveis coletivas, como todas as de que faz
uso a física clássica. Da mesma maneira, é possível definir observáveis coletivas de velocidade,
que, porém, não comutam com as coordenadas de posição. Assim, ainda estamos muito longe da
representação tangível das coisas de Newton ou de um engenheiro.
Podemos definir um objeto como uma classe de funções de onda, e mostra como obter
as observáveis coletivas que o descrevem, a partir dos primeiros princípios da teoria. Assim, um
pêndulo se torna uma bola de metal presa a um fio também de metal. A função de onda é que
indica que os átomos formam uma bola de um determinado raio, e temos algo de análogo para
descrever a forma do fio.
Os homens preferem apegar-se aos aspectos mais grosseiros dos objetos, em vez de levar
em conta todas as suas sutilezas internas, por causa da imprecisão de seus sentidos.
É então que damos o passo decisivo, do quântico ao clássico. Tudo parece separar essas
duas visões do mundo: de um lado, temos funções de onda, quantidades físicas que são operado-
res, uma dinâmica fornecida pela equação de Schrödinger; do outro, temos variáveis de posição
e de velocidade que são meros números, e a dinâmica, neste caso, é newtoniana. Como passar
de uma a outra? Isso pode ser feito, mas temos de reconhecer que exige recursos matemáticos
Estágio Supervisionado II 15
primeira por um movimento à maneira de Newton. Dizem, então, que se ocorre a situação inicial
que corresponde à primeira célula, então a situação que corresponde à segunda célula ocorrerá
depois de certo tempo: dizem que se uma maçã se solta de um galho, então ela cairá diretamente
para baixo. Raciocinam, evidentemente, também sobre muitas outras questões, mas essas de que
falamos estão na origem de sua visão do mundo físico.
A apreciação que os homens fazem de uma situação pode ser traduzida por um projetor
quântico e como a evolução temporal desses projetores segue de perto a evolução clássica da situ-
ação. Podemos utilizar esses resultados, essa correspondência, para demonstrarmos que a lógica
do senso comum é, na realidade, também uma lógica de histórias quânticas coerentes e que os
raciocínios do senso comum são apenas, em última instância, a expressão verbal de implicações
demonstráveis por meio da lógica quântica. Essa identificação da lógica do senso comum com
uma lógica quântica particular com certeza não é perfeita; tem suas exceções, e suas implicações
continuam sendo aproximadas. A aproximação é, porém, excelente na maior parte dos casos. Ou
seja, a probabilidade de que o senso comum se engane é praticamente sempre irrelevante, desde
que ele continue a falar de objetos macroscópicos e não se aventure imprudentemente no infini-
tamente pequeno.
Se há um resultado essencial em tudo isso, ele já foi amplamente sublinhado: o senso co-
mum é conforme à natureza quântica das leis do mundo material, pelo menos nas condições
normais que nos cercam e para os objetos à nossa escala (com freqüência, até, muito abaixo dessa
escala), sendo tudo isso verdade, com raríssimas exceções. Evidentemente, é impossível para o
senso comum determinar por si mesmo quais são as exceções que o limitam, e é por isso que a
descoberta da mecânica quântica pôde perturbá-lo profundamente. Podemos esperar que isso
tenha sido apenas transitório.
É, no entanto, difícil apreciar plenamente todas as conseqüências
filosóficas de tal resultado. De fato, imaginar que o senso comum não
passa do ponto de chegada das leis da natureza e que estas últimas têm
suas próprias formas de lógicas é uma verdadeira reviravolta nas nor-
mas habituais do pensamento. É difícil acostumar-se com tal mudança Niels Bohr
Thomas Kuhn
A teoria central de Kuhn é que o conhecimento científico não
cresce de modo cumulativo e contínuo. Ao contrário, esse cresci-
mento é descontínuo, opera por saltos qualitativos, que não se po-
dem justificar em função de critérios de validação do conhecimento
científico. A sua justificação reside em fatores externos, que nada
têm a ver com a racionalidade científica e que, contaminam a própria
prática científica. A importância atribuída por Kuhn, aos fatores psi-
cológicos e sociológicos na organização do trabalho científico, constitui um rude golpe na “imagem
da ciência que se foi consolidando desde o século XVIII e que tende a identificar a cientificidade com a racionalidade
- senão com a racionalidade «no seu todo», pelo menos com a racionalidade «no seu melhor»”. A obra de Kuhn
desencadeou um autêntico terremoto na filosofia da ciência e inaugura um discurso inovador, que
privilegia os aspectos históricos e sociológicos na análise da prática científica, desvalorizando os
aspectos lógico-metodológicos que ainda encontramos no discurso epistemológico popperiano.
Os saltos qualitativos preconizados por Kuhn, ocorrem nos períodos de desenvolvimento
científico, em que são questionados e postos em causa os princípios, as teorias, os conceitos bási-
cos e as metodologias, que até então orientavam toda a investigação e toda a prática científica. O
conjunto de todos esses princípios constitui o que Kuhn chama «paradigma». Procurando ser fiel
ao autor, utilizamos o conceito de paradigma em dois sentidos fundamentais. Num sentido lato,
o paradigma kuhniano refere-se àquilo que é partilhado por uma comunidade científica, será uma
forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Uma comunidade científica caracteriza-se pela prá-
tica de uma especialidade científica, por uma formação teórica comum, pela circulação abundante
de informação no interior do grupo e pela unanimidade de juízo em assuntos profissionais. Em
sentido particular, o paradigma é um exemplar; é um conjunto de soluções de problemas concre-
tos, uma realização científica concreta que fornece os instrumentos conceituais e instrumentais
para a solução de problemas. O paradigma é, neste sentido, uma «concepção de mundo» que, pres-
supondo um «modo de ver» e de «praticar», engloba um conjunto de teorias, instrumentos, con-
ceitos e métodos de investigação; noutro caso, o conceito é utilizado para significar um conjunto
de «realizações científicas concretas» capazes de fornecer “modelos dos quais brotam as tradições
coerentes e específicas da pesquisa científica”. “Assim, a descrição de Newton do movimento dos
planetas (Lei da Gravitação Universal), ou a descrição de Franklin da garrafa de Leyden são, res-
pectivamente, exemplos de paradigmas para a prática da mecânica e para a ciência da eletricidade.
Kuhn também designa estes «modelos concretos» como «modelos exemplares»”.
Estágio Supervisionado II 17
dentro e à luz do paradigma aceito pela comunidade. Nesta fase da ciência normal, o cientista
não procura questionar ou investigar aspectos que extravasam o próprio paradigma, devemos di-
zer que a curiosidade não é propriamente uma característica do cientista, este se limita a resolver
dificuldades de menor importância que vão permitindo mantê-lo em atividade e que possibilitam
simultaneamente revelar a sua engenhosidade e a sua capacidade na resolução dos enigmas. “Os
problemas científicos transformam-se em enigmas com um número limitado de peças que o cientista - qual jogador
de xadrez - vai pacientemente movendo até encontrar a solução final. Aliás, a solução final, tal como no enigma,
é conhecida antecipadamente, apenas se desconhecendo os pormenores do seu conteúdo e do processo para atingir”
(Kuhn). Deste modo, o paradigma que o cientista adquiriu durante a sua formação profissional
fornece-lhe as regras do jogo, descreve-lhe as peças a utilizar e indica-lhe o caminho ou objetivo
a atingir. É evidente que o cientista, nas suas primeiras tentativas, pode cometer falhas, o que é
perfeitamente natural, no entanto, tal fato é sempre atribuído à sua falta de preparação ou inép-
cia. Isto significa que as regras fornecidas pelo paradigma e o próprio paradigma, não podem
ser postas em causa, já que o paradigma é o sentido de toda a investigação e o próprio enigma a
investigar não existiria sem ele. Esta crença exacerbada no paradigma demonstra-nos que “o tra-
balho do cientista exprime uma adesão muito profunda ao paradigma”. É evidente que uma adesão deste
tipo não pode ser posta em causa ou ser abalada levianamente. A própria comunidade, na sua
prática quotidiana, vai reforçando essa adesão a todo o momento. O que a experiência claramente
demonstra, é que o cientista, individualmente ou em grupo, vai conseguindo resolver os enigmas,
com maior ou menor dificuldade, à luz do paradigma vigente. Neste sentido, não devemos ficar
admirados com a profunda resistência manifestada pela comunidade à mudança de paradigmas.
O cientista, não está minimamente interessado em provocar um abalo, na estrutura do edifício
que de certa forma o “alberga” e dá sentido ao seu trabalho profissional. O cientista é humano; a
proteção, a confiança e de certo modo a segurança, são condições que todo o ser humano deseja
alcançar. Todas estas condições são fornecidas ao cientista pelo paradigma. “O que eles defendem
nessa resistência é afinal o seu modo de vida profissional”.
O decurso da ciência normal, não é feito só de êxitos, pois se assim fosse, não poderíamos
assistir às inovações profundas que têm lugar ao longo do desenvolvimento científico e que, se-
gundo Kuhn, ocorrem por mudança de paradigmas. “Ao cientista «normal» pode suceder que o problema
de que se ocupa, não só não tem solução no âmbito das regras em vigor, como tal fato não pode ser imputado à falta
de preparação ou inépcia do investigador”. Esta experiência pode ser partilhada por outros cientistas
e para, além disso, pode acontecer que o número de incongruências seja cada vez mais signifi-
cativo e a dificuldade em solucioná-las aumente consideravelmente, ou até mesmo, o cientista
confrontar-se com incongruências de impossível solução à luz do paradigma. “O efeito cumulativo
deste processo pode ser tal que a certa altura se entre numa fase de crise. Incapaz de lhe dar solução, o paradigma
existente começa a revelar-se como a fonte última dos problemas e das incongruências, e o universo científico que lhe
corresponde converte-se a pouco e pouco num complexo sistema de erros onde nada pode ser pensado corretamente.
Já outro paradigma se desenha no horizonte científico e o processo em que ele surge e se impõe constitui a revolução
científica e a ciência que se faz ao serviço deste objetivo é a ciência revolucionária”.
O novo paradigma irá redefinir os problemas e as incongruências até então insolúveis, dan-
do-lhes uma solução convincente, e é neste sentido que ele se vai impondo junto da comunidade
científica. Essa substituição não ocorre de um modo rápido; o período de crise, caracterizado
pela transição de um paradigma a outro, pode ser bastante longo. É compreensível que assim
seja, já que cada um dos paradigmas estabelece as condições de cientificidade do conhecimento
produzido no seu âmbito, e essas condições podem ser consideradas ridículas, triviais ou insufi-
cientes, pelos defensores do velho paradigma, ou seja, os cientistas claramente comprometidos e
KARL POPPER
“Mais ou menos tempo será necessário para o novo paradigma se impor, mas,
uma vez imposto, ele passa a ser aceito sem discussão e as gerações futuras de cientis-
tas são treinadas para aceitar que o novo paradigma resolveu definitivamente os pro-
blemas fundamentais. Da fase da ciência revolucionária passa-se de novo à fase da
ciência normal e, portanto, ao trabalho científico sub-paradigmático”. Inicialmente
o paradigma emergente será aplicado em várias áreas, essa aplicabilidade
será assumida sem ainda se ter feito qualquer tipo de prova nesse senti-
do. É para estas áreas que a ciência normal se vai orientar.
Concluindo, podemos dizer que a grande inovação do discurso kuhniano no domínio da
filosofia da ciência, passa por um lado, pela afirmação de que o desenvolvimento científico não é
cumulativo e, por outro lado, e é neste ponto que reside, no nosso entender, a profunda inovação
kuhniana, que a escolha entre paradigmas alternativos não se fundamenta em aspectos teóricos
de cientificidade, mas em fatores históricos, sociológicos e psicológicos, ou seja, numa certa sub-
jetividade e até mesmo numa irracionalidade, que acaba por ter um papel decisivo na imposição
de determinadas teorias em detrimento de outras. Essa imposição, não se deve ao mérito científi-
co das teorias, pelo contrário, devemos procurar as causas dessa imposição, saindo do “círculo das
condições teóricas e dos mecanismos internos de validação e procurá-las num vasto alfobre de fatores sociológicos e
psicológicos. O processo de imposição de um novo paradigma é um processo retórico, um processo de persuasão em
que participam diferentes audiências relevantes, isto é, os diferentes grupos de cientistas. É necessário estudar as
relações dentro dos grupos e entre os grupos, sobretudo as relações de autoridade (científica e outra) e de dependên-
cia. É necessário também estudar a comunidade científica em que se integram esses diferentes grupos, o processo de
formação profissional dos cientistas, o treinamento, a socialização no seio da profissão, a organização do trabalho
científico, etc. Nisto consiste a base sociológica da teoria de Kuhn”.
O discurso de Kuhn é inovador, na medida em que, desvalorizando os aspectos lógico-posi-
tivistas, lógico-empiricistas, lógico-formais e racionais, que claramente encontramos no discurso
popperiano, e que permitem que a ciência se explique exaustivamente pela sua lógica interna, traz
para o debate, uma base sociológica até então desvalorizada e esquecida, que poderá explicar, “por
que razões se comportam os cientistas muitas vezes como se estivessem mais interessados em impedir o progresso
científico do que em promovê-lo; porque é que certas teorias não são aceitas ao tempo da sua descoberta e só o são
muito mais tarde, dando-se como que a sua redescoberta; porque na razão são aceitas teorias cuja obediência aos
padrões estabelecidos está longe de ser evidente; porque são negadas ou rejeitadas teorias resolvidas em experimen-
tação que satisfaz plenamente esses padrões”.
A neutralidade e a objetividade da ciência, características que desde sempre o conhecimento
científico reclamou e que nos levava a distinguir esse saber das chamadas ciências humanas ou
Estágio Supervisionado II 19
sociais, são claramente postas em causa pela teoria dos paradigmas. “Kuhn abandonou de vez o terreno
da epistemologia tradicional e a sua pacífica imagem da ciência herdada do iluminismo e reforçada pelo positivismo,
lançando uma poderosa interrogação sobre a atividade científica, os seus efetivos procedimentos intelectuais e ins-
titucionais, as características das suas situações de sucesso e de crise, operando uma funda ruptura na filosofia das
ciências pelo destaque que assim é dado à matriz histórica na compreensão de tais processos e fenômenos”.
A incorporação de novos cientistas a uma comunidade guarda certa similaridade com a con-
versão e a educação religiosas. Para que os cientistas aceitem um novo paradigma, devem passar
por um processo de conversão e de rompimento com o antigo paradigma. É nisso que consiste
segundo Kuhn, uma revolução científica. Ela é a passagem de um modo de compreender a natu-
reza e os problemas científicos e de resolvê-los para outro, que é incomensurável com o primeiro.
Este é um fenômeno necessário do desenvolvimento das ciências maduras.
Uma disciplina científica ou especialidade passa a existir apenas no momento em que um
primeiro paradigma – uma solução exemplar de um problema – é aceita universalmente (ou qua-
se) pelos indivíduos que investigam algum fenômeno ou conjunto de fenômenos. A partir daí a
Estágio Supervisionado II 21
de ciências é exposto nos laboratórios de ensino é secundária àquela a que ele é exposto por meio
dos livros-texto. Estes lhe ensinam a como resolver problemas científicos dando-lhe exemplos.
Os laboratórios de ensino são construídos de acordo com o que está previsto nos livros-texto.
Toda manipulação de objetos nestes laboratórios é, obviamente, compreensível apenas à luz dos
problemas e soluções veiculados nos livros-texto. Além disso, de um ponto de vista histórico, tais
laboratórios são desastrosos porque criam condições completamente artificiais em relação àque-
las em que os cientistas do passado trabalharam. Os aparelhos são projetados e construídos com
os recursos de uma tecnologia não disponível no passado. Mais uma vez, tais laboratórios só têm
valor enquanto um recurso adicional e complementar ao livro-texto, não podendo ser utilizados
independentemente deste.
Essas considerações não significam que a visão de Kuhn sobre a educação científica seja
negativa. Poderíamos dizer que ela é negativa porque a educação nas humanidades, por exem-
plo, nos parece positiva por procurar desenvolver no estudante o espírito crítico. E isso parece
faltar, segundo Kuhn, na educação científica. Kuhn não aprecia valorativamente essa diferença
entre a educação nas humanidades e nas ciências naturais. A educação científica, segundo ele, é
certamente inadequada para formar historiadores da ciência (estes estão, afinal, nas humanida-
des), mas é adequada para formar cientistas naturais. Para esse objetivo, ela possui um aspecto
que podemos considerar positivo, tendo em vista a concepção de desenvolvimento das ciências
defendida por Kuhn.
Embora Kuhn descarte qualquer progresso cumulativo de conteúdos ao longo das revo-
luções pelas quais passa determinada disciplina científica, há um tipo de progresso admitido e
que está vinculado estreitamente com a educação científica: o progresso como um aumento na
capacidade de resolver problemas. A última seção de Structure é dedicada a este tema. Como
outros filósofos da ciência, Kuhn continua dizendo que a ciência é uma atividade progressiva,
diferentemente das artes e das humanidades. Contudo, dada a relatividade dos paradigmas e
sua incomensurabilidade, esse não pode ser um progresso cumulativo, nem um progresso em
direção à verdade. Citando Darwin de forma sugestiva, Kuhn diz que, em relação ao passado, o
conhecimento científico moderno é mais adaptado porque apresenta um aumento de articulação
e especialização para resolver problemas. Se assim é, uma das causas desse sucesso do empreen-
dimento científico, entendido nestes termos, é o tipo de educação que os cientistas recebem. Esta
educação é que é adequada para criar e aperfeiçoar melhores solucionadores de problemas.
Estágio Supervisionado II 23
que será dada a representação intelectual de fenômenos físicos de ma- Martin Heidegger
neira independente dos fenômenos dinâmicos. Em outros termos, uma
disciplina científica não é definida pelo objeto que ela estuda, mas é ela
que o determina (na Idade Média, a escolástica dizia que uma ciência não
é definida por seu “objeto material”, mas por seu “objeto formal”, isto
é, por uma maneira de ver o mundo). E, na evolução de uma disciplina,
esse objeto pode variar. Assim, a química orgânica começou como uma
disciplina relativamente revolucionária, ousando aplicar aos seres vivos os
métodos da química. Definia-se pela utilização desses métodos sobre os
seres vivos. Com o seu desenvolvimento e suas múltiplas aplicações, ela
foi em seguida redefinida como a química das cadeias carbônicas.
As rupturas epistemológicas
Na base de toda disciplina, há um corte, uma ação humana que “separa” e que “proíbe”
confundir, sempre em virtude de um projeto. Para a biologia, é o que estabelece a diferença entre
o vivo e o não-vivo; para a física, o que coloca a noção de “matéria”, independentemente dos
projetos humanos ou de todo o seu conteúdo; para a psicologia, é o que distingue o indivíduo
da sociedade e de seu meio e assim por diante. Essa separação, essa construção do objeto pela
comunidade científica, é o que Bachelard chama de “rupturas epistemológicas” (1971), ou seja,
as rupturas que dão um estatuto a um saber determinado. Na base da prática científica existe essa
ação humana, e não um objeto que seria “dado”.
A ciência emerge pouco a pouco do discurso cotidiano e/ou artesanal: do discurso do
jardineiro, por exemplo, ver-se-á aparecer os discursos sistemáticos que se tornarão o tema da
botânica. Porém, ela também se caracteriza pela ruptura em relação ao discurso cotidiano.
Aliás, é característico do discurso científico apagar as suas origens; ele se apresenta muitas
vezes como o da objetividade, fazendo rapidamente esquecer que um ponto de vista foi selecio-
nado de início. Assim, para construir uma “ciência das cidades”, é preciso encontrar uma defi-
nição do que é uma cidade; isto só será possível após se ter escolhido um ponto de vista preciso
para descrever as cidades.
Um paradigma estabelece uma ruptura com os projetos da vida cotidiana, e permite elimi-
nar uma série de questões que não serão mais consideradas como pertinentes. Poder-se-á, por
exemplo, eliminar do estudo das cidades todas as aldeias. É essa “ruptura epistemológica” que
delimitará o objeto e conferirá, também, sua “objetividade” a uma disciplina científica.
Estágio Supervisionado II 25
Atividade Complementar
3. Analise sob o ponto de vista científico e das implicações de ordem religiosa o uso tera-
pêutico das células-tronco.
Estágio Supervisionado II 27
7. Analise a figura abaixo. Que comportamentos inadequados é possível identificar?
Pedagogia Histórico-Crítica
Estágio Supervisionado II 29
• O professor é fundamental nesse processo. Sua contribuição é mais eficaz ainda, quando
ele compreende os vínculos de sua prática com a prática social. Daí a necessidade de se evitar
duas posições equivocadas:
1) Pensar que os conteúdos são autônomos, sem vínculos com a prática social;
2) Acreditar que os conteúdos são irrelevantes colocando todo o peso da ação educacional
na luta política (politicismo).
Em suma, Saviani defende que a determinação da sociedade sobre a educação não retira da
educação a margem de autonomia para retroagir sobre o próprio funcionamento da sociedade, e
assim, coloca a escola como ponto de referência para democratização de conhecimentos, inserin-
do as pessoas numa visão mais crítica da sociedade.
Podemos considerar atualmente que o grande esforço no ensino das Ciências, em parti-
cular da Biologia, é tornar significativo o aprendizado de seus conteúdos, mesmo para alunos
que não dependerão profissionalmente destes conteúdos. Isto, certamente, não significa que de-
vem prescindir do conhecimento científico, pois este deverá ser visto, entre outras coisas, como
oportunidade para discussões amplas que envolvam os saberes da Ciência abrangendo também
a Ética, Tecnologia e Ambiente etc., ou seja, dar aos alunos condições de compreendê-los con-
ceitualmente na sua complexidade.
O estudo da Ciência objetiva também a apreensão dos Princípios e Leis que regem a nature-
za, sendo, portanto, uma ferramenta de compreensão e de significação do mundo que nos rodeia.
Podemos afirmar que é um instrumento complexo de interação entre a comunidade escolar, a
local e a planetária no sentido de formar novos hábitos, propiciando uma postura ativa e solidária
frente aos problemas emergentes da comunidade, visando à cidadania num sentido abrangente.
A despeito de sua importância, a Biologia é abordada por meio de definições, fórmulas e
classificações fragmentadas, que na escola, de um modo geral, são decoradas e repetidas auto-
maticamente, principalmente, nas provas com caráter quantitativo, em que ao aluno cabe apenas
o papel de expectador acrítico e mecanicista: toma nota, copia, responde os questionários, faz
provas, trabalhos em grupos, situações em que cada um está mais preocupado em ser aprovado,
ou tirar “boas notas”.
Este tipo de abordagem contraria as principais concepções de aprendizagem humana, que
concebe este processo como exclusivo do aluno-sujeito, em que este valoriza o papel da interação
Estágio Supervisionado II 31
zido de fora. Desse modo, o trabalho docente relaciona a prática vivida pelos alunos com os conte-
údos propostos pelo professor, momento que se dará a “ruptura” em relação à experiência pouco
elaborada do saber meramente espontâneo (assistemático). Tal ruptura apenas é possível com a
introdução explícita, pelo professor, dos elementos novos de análise a serem aplicados criticamen-
te à prática discente. Em outras palavras, uma aula começa pela constatação da prática social real,
havendo, em seguida, a consciência dessa prática no sentido de referi-la a experiência e a explicação
do professor. Vale dizer: vai-se da ação à compreensão e da compreensão à ação, até se chegar a
uma síntese, o que não é outra coisa senão a unidade entre teoria e prática, ou seja, a práxis.
A proposta de Saviani não se baseia nos princípios propostos por Piaget. Assim, Saviani
chama-nos atenção, novamente, para os limites de toda visão naturalista da inteligência que, ao
valorizar os componentes biológicos, como vimos no processo de desenvolvimento minimiza o
papel da Cultura e História na aprendizagem.
Por outro lado, segundo o próprio Saviani, a pedagogia Histórico-Crítica é mais conver-
gente com a teoria de aprendizagem elaborada por Lev Semenovich Vygotsky. Essa teoria parte
do pressuposto de que o processo de desenvolvimento cognitivo do ser humano se fundamenta
a partir de uma base biológica (um ponto em comum entre Piaget e Vygotsky), que integra es-
truturas provenientes de duas raízes, uma ligada à história social da humanidade, e outra ligada
ao próprio indivíduo, portanto, Vygotsky ressalta a análise do reflexo da sociedade, ou seja, do
exterior no mundo interior do indivíduo, considerando que o desenvolvimento cognitivo se dá
pela interação social, de fora para dentro, e não concebido como construção de um plano interno
do indivíduo, de dentro para fora. Este psicólogo afirma que não faz sentido falar de aprendiza-
gem independentemente de uma etapa particular de desenvolvimento ontogênico alcançada pelo
sujeito (e nisso está próximo a Piaget); contudo, Vygotsky lembra que a aprendizagem tem papel
relevante no desenvolvimento (e aqui ele vai além de Piaget). A visão dialética desse psicólogo
permite compreender, de modo dinâmico a relação desenvolvimento-aprendizagem-desenvol-
vimento que serve de base à teoria da área potencial de desenvolvimento do próprio Vygotsky.
Ainda de acordo com Vygotsky, a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento, mas
precede o desenvolvimento numa relação dialética. Com isso, ele introduz um conceito extre-
mamente relevante, em termos educacionais, o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
que, em suma, pressupõe a existência de um desnível cognitivo entre os alunos e um parceiro
mais capaz, o professor, e com o auxílio dele, os alunos podem realizar tarefas que sozinhos não
seriam capazes, por estarem num nível de desenvolvimento insuficiente.
A repercussão na prática pedagógica sugere que a relação entre aprendizado e ensino seja
reavaliada, pois, segundo o conceito de zona de desenvolvimento proximal, as teorias pedagógi-
cas que pressupõe que o ensino seja direcionado conforme estágios cognitivos predeterminados
são equivocadas, pois, segundo Vygotsky:
“O aprendizado orientado para níveis de desenvolvimento que já foram
atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança.
Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas,
em vez disso, vai a reboque desse processo. Assim, a noção de zona de de-
senvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o
“bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
(VYGOTSKY, 1989, p.100).
Portanto, entendemos dessa teoria que a aprendizagem é possível mesmo que os alunos
ainda não tenham todas as funções intelectuais para compreenderem os conceitos apresentados,
As Tendências Pedagógicas Liberais tiveram seu início no século XIX, tendo recebido as
influencias do ideário da Revolução Francesa (1789), de “igualdade, liberdade, fraternidade”, foi
Estágio Supervisionado II 33
também, determinante do liberalismo no mundo ocidental e do sistema capitalista. Onde estabe-
leceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, o
que se denominou como sociedade de classes. Sua preocupação básica é o cultivo dos interesses
individuais e não sociais. Para esta tendência educacional, o saber já produzido (conteúdos de
ensino) é muito mais importante que a experiência do sujeito e o processo pelo qual ele aprende,
mantendo o instrumento de poder entre dominador e dominado.
Na Tendência Liberal Tradicional é tarefa do professor fazer com que o aluno atinja a
realização pessoal através de seu próprio esforço. O cultivo do intelecto é descontextualizado
da realidade social com ênfase para o estudo dos clássicos e das biografias dos grandes mes-
tres. A transmissão é feita a partir dos conteúdos acumulados historicamente pelo homem, num
processo cumulativo, sem reconstrução ou questionamento. A aprendizagem se dá de forma
receptiva, automática, sem que seja necessário acionar as habilidades mentais do aluno além da
memorização.
Seu método enfatiza a transmissão de conteúdos e a assimilação passiva. É ainda intuitivo,
baseado na estimulação dos sentidos e na observação. Através da memorização, da repetição e da
exposição verbal, o professor chega a um interrogatório (tipo socrático), estimulando o indivi-
dualismo e a competição. Envolve cinco passos que segundo Friedrich Herbart são os seguintes:
preparação, recordação, associação, generalização e aplicação.
Já a Tendência Liberal Renovada trata de um novo pensamento pe- AUGUSTO COMTE
dagógico internacional, que inspirado em John Dewey, veio revolucionar o
tradicionalismo na educação brasileira, sofrendo esta, baseada em Augusto
Comte inspiração positivista.
Para essa tendência o papel da escola é o de atender as diferenças in-
dividuais, as necessidades e interesses dos alunos, enfatizando os processos
mentais e habilidades cognitivas necessárias a adaptação do homem ao meio
social. Sendo o aluno o centro e sujeito do conhecimento.
Segundo Libâneo (1994), esta tendência em nosso país segue duas versões
ANISIO
TEIXEIRA distintas: a Renovada Progressivista (que se refere a processos internos de desen-
volvimento do indivíduo; não confundir com progressista, que se refere a pro-
cessos sociais) ou Pragmatista, inspirada nos Pioneiros da Escola Nova, e a Ten-
dência Renovada não-Diretiva, inspirada em Carl Rogers e A.S.Neill, que se volta
muito mais para os objetivos de desenvolvimento pessoal e relações interpessoais,
(sendo que este último não chegou a desenvolver um sistema a respeito dos mé-
todos da educação). No Brasil, há que se destacar o papel fundamental de Anísio
Teixeira como grande incentivador da pedagogia renovada na escola pública.
Seu método de ensino é o ativo, que inicialmente caracteriza-se pelo método “aprender fa-
zendo” e após a junção dos cinco passos, propostos por Dewey: experiência, problema, pesquisa,
ajuda discreta do professor, estudo do meio natural e social desenvolve o “aprender a aprender”,
que privilegiando os estudos independentes e também os estudos em grupo, seleciona uma situa-
ção vivida pelo aluno, que seja desafiante e que careça de uma solução para um problema prático.
A Tendência Liberal Tecnicista tem seu início, com o declínio no final dos anos 60, da Es-
cola Renovada. Quando mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país, as elites dão
ênfase a um outro tipo de educação direcionada às massas, a fim de conservar a posição de do-
minação, ou seja, manter o status quo dominante.
Três teorias como movimento mundial, tiveram grande repercussão, foram e têm sido fun-
damentais para a desmistificação da concepção ingênua e a-crítica da escola: teoria do Sistema
enquanto Violência Simbólica (Bourdieu e Passeron, 1970); teoria da escola enquanto Aparelho
Ideológico do Estado (AIE, Althusser, 1968); e teoria da escola Dualista (Baudelot e Establet,
1971), todas elas denominadas como “crítico-reprodutivistas”, não apresentam, no entanto, ex-
plicitamente uma proposta pedagógica, limitando-se apenas, a explicar as razões do fracasso
escolar e da marginalização das classes populares, além da necessidade de superação, tanto da
“ilusão da escola como redentora, como da impotência e o imobilismo da escola reprodutora”
(Saviani, 2003a).
Nessa perspectiva, Libâneo (1994), designa na Pedagogia Progressista três tendências:
A Pedagogia Progressista Libertadora que partindo de uma análise
PAULO FREIRE
crítica das realidades sociais, sustenta os fins sócio-políticos da educação.
Teve seu início com Paulo Freire, nos anos 60, rebelando-se contra toda
forma de autoritarismo e dominação, defendendo a conscientização como
processo a ser conquistado pelo homem, através da problematização de
sua própria realidade. Revolucionária, preconizava a transformação da so-
ciedade e acreditava que a educação, por si só, não faria tal revolução, em-
bora fosse uma ferramenta importante e fundamental nesse processo.
A teoria educacional freireana é utópica, em seu sentido de vir-a-ser, de inédito viável, ex-
pressões usadas por Freire, e esperançosa, porque deposita na transformação do homem a idéia
de que mudar é possível, e que não estamos necessariamente imobilizados por estarmos subme-
Estágio Supervisionado II 35
tidos a papéis pré-determinados em uma sociedade de classes. Segundo ele, apesar de os segui-
dores dessa tendência não terem tido a preocupação com uma proposta pedagógica explicita,
havia uma didática implícita em seus “círculos de cultura”, sendo cerne da atividade pedagógica
a discussão de temas sociais e políticos, que a nós nos parece claro ser o método dialógico, usado
para o despertar da consciência política dos analfabetos adultos.
A Pedagogia Progressista Libertária tem como idéia básica modificações institucionais, que
a partir dos níveis subalternos, vão “contaminando” todo o sistema, sem modelos e recusando-se
a considerar qualquer forma de poder ou autoridade.
A participação em grupos e movimentos sociais na socie-
dade, além dos muros escolares, é incentivada e ampliada, tra-
zendo para dentro dela a necessidade de concretizar a demo-
cracia, através de eleições para conselhos, direção da escola,
grêmios estudantis e outras formas de gestão participativa.
No Brasil, os libertários recebem a influência do pensamento de Celestin Freinet e suas
técnicas na qual os próprios alunos organizavam os seus plano de trabalho. O método de ensino
é a própria autogestão, tornando o interesse pedagógico dependente de suas necessidades ou do
próprio grupo.
A Pedagogia Progressista Crítico-Social dos Conteúdos tendo sido fortalecida a princípio na
Europa e depois no Brasil, a partir da década de 80, foi considerada como sinônimo de pedagogia
dialética, no sentido da “dialógica”. Firmando-se como teoria que busca captar o movimento obje-
tivo do processo histórico, uma vez que concebe o homem através do materialismo histórico-mar-
xista, trata-se de uma síntese superadora do que há de significado na Pedagogia Tradicional e na
Escola Nova, direcionando o ensino para a superação dos problemas cotidianos da prática social
e, ao mesmo tempo, buscando a emancipação intelectual do aluno. Aluno este, concreto, inserido
num contexto de relações sociais. Da articulação entre a escola e a assimilação dos conteúdos por
parte deste aluno concreto é que resulta o saber criticamente elaborado (Libâneo, 1990).
Esta tendência prioriza, o domínio dos conteúdos científicos, os métodos de estudo, habili-
dades e hábitos de raciocínio científico, como modo de formar a consciência crítica face à realida-
de social, instrumentalizando o homem como sujeito da história, apto a transformar a sociedade
e a si próprio. Seu método de ensino parte da prática social, constituindo tanto o ponto de partida
como o ponto de chegada, porém, melhor elaborado teoricamente.
Os autores, Libâneo e Saviani, ao interpretar a pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos
chegaram ao consenso de que dela parte uma das fases, entre tantas outras, de fundamento para
a pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2003b, p.84).
O que se deseja com este texto, é apresentar os passos dessa pedagogia, tendo como base
todo um contexto histórico pedagógico, numa tentativa de entender, como se movem na atuali-
dade, diante de tantos desafios, equívocos, confusões, incertezas e, ainda, das novas necessidades
da educação.
Alguns autores consideram que os educadores de orientação progressista não têm conse-
guido articular convincentemente um movimento orgânico que se mostre como real opção na
construção de uma escola cidadã, uma proposta pedagógica que não se defina somente pelas
necessidades e interesses do capital, mas sim, para a construção e fortalecimento dos princípios
de justiça social e transformação da sociedade.
Quando avaliamos o ensino de ciências (Biologia, Química,
Física e Matemática); é notável que o perfil de trabalho de sala
de aula nessas disciplinas está rigorosamente marcado pelo con-
teudismo, excessiva exigência de memorização de algoritmos e
terminologias, descontextualização e ausência de articulação com
as demais disciplinas do currículo. Para Apple (1982), em seu li-
vro “Ideologia e currículo”, a ciência que é ensinada nas escolas,
sustenta uma imagem idealizada e distante da realidade do traba-
lho dos cientistas, omitindo antagonismos, conflitos e lutas que
são travadas por grupos responsáveis pelo progresso científico. A
conseqüência disso é a construção de uma visão ingênua de uma
ciência altruísta, desinteressada e produzida por indivíduos igual-
mente portadores destas qualidades (Leal e Selles, 1997).
Estágio Supervisionado II 37
No campo da pesquisa didática associada ao ensino de ciências, algumas críticas também
têm sido desenvolvidas. A esse respeito, vale observar que as pesquisas, em seu conjunto, não
conseguiram modificar o ensino-aprendizagem dos conteúdos científicos. As inovações propos-
tas têm obtido penetração modesta, para não dizer incipiente, na realidade escolar brasileira.
Nos últimos tempos, as tendências de pesquisa mais assíduas em ensino de ciências são de
orientação construtivista, nas suas mais diversas matizes (Menezes et al. 1997), sobretudo, os traba-
lhos que tratam das concepções espontâneas e estratégias de ensino direcionadas para a ocorrência
de mudança conceitual. Também aqui, encontramos críticas mencionando a falta de permeabilida-
de desses trabalhos para as questões sociais, o que caracteriza mais uma vez o quadro de interna-
lismo já verificado. O Professor Orlando Aguiar Júnior (FE - UFMG), em artigo recente fez uma
apreciação de mérito de algumas críticas que vêm sendo formuladas à orientação construtivista.
Algumas conseqüências são bastante visíveis para a formação dos alunos:
1) Do ponto de vista da aprendizagem conceitual, essas pesquisas ainda não lograram su-
cesso. Não modificaram a realidade de sala de aula, que continua com as tradicionais aulas de
ciências, pautadas em abordagens de ensino que fecham os conteúdos das disciplinas em si mes-
mos. Há pesquisadores que já admitem que certas estratégias relacionadas à mudança conceitual
têm sua aplicação inviabilizada no contexto geral do ensino de ciências. (Mortimer, 1996).
2) Primazia de conteúdos conceituais e secundarização de conteúdos procedimentais e ati-
tudinais que também são igualmente relevantes para formação integral dos aprendizes;
3) Comprometimento da visão dos alunos sobre o papel da comunidade científica na so-
ciedade, já que, como futuros cidadãos, poderão ficar limitados às idéias dos outros, esmagados
pela sensação de impotência face aos técnicos. Com isso, teríamos continuamente a instalação de
uma espécie de ideologia tecnocrática, radicada na crença de que existe uma relação direta entre
a técnica e soluções eticamente corretas (Santos, 1999). Como as pessoas possuem um conheci-
mento precário e incipiente sobre os aspectos da ciência e da tecnologia, como não refletem sob
o impacto dessas atividades sobre a sociedade, não compreendem a linguagem da ciência, e, não
dominam minimamente os códigos inerentes a esse ramo das atividades humanas, a tendência é
que fiquem na dependência dos técnicos, cientistas, pesquisadores, médicos, economistas, etc. Aí
realmente, a ciência passa a ditar o que é certo e errado, como se fosse um evangelho que dog-
maticamente não pode ser questionado.
Portanto, vislumbra-se um quadro demasiadamente perigoso,
demandando cuidado, no sentido de que temos que buscar alternati-
vas para que possamos alterar o rumo da ciência que é ensinada em
nossas escolas. Reiteramos, não é mais possível ensinar uma ciência
em que se eliminam as ricas contradições pelas quais se desenvolve e
em que estão ausentes os componentes sociais (Menezes, 1997).
No grupo de teorias educacionais que poderiam apoiar nossa
procura, encontramos a Pedagogia Histórico-Crítica. A nosso ver,
essa corrente teórica é excelente instrumento de reflexão para apoiar
a mudança de foco da educação científica, abandonando progres-
sivamente o ensino canônico de ciências que hoje vem sendo vei-
culado em nossas escolas, para constituir um projeto de educação
científica, comprometido efetivamente com a instrumentalização
para cidadania.
Estágio Supervisionado II 39
tição, ou mesmo aspectos puramente “lúdicos” de pesquisar pelo prazer de entender como as
coisas funcionam, será um reducionismo perigoso.
Preparar nossos jovens para os desafios do século XXI im-
põe resolver a seguinte questão: como articular sociedade, ciên-
cia e educação para realmente avançarmos?
A preparação de especialistas demanda longos anos e faz-
se pela transmissão/assimilação do conhecimento clássico. O de-
senvolvimento da capacidade de resolver problemas é tarefa da
educação, dos longos anos de preparação nos bancos escolares.
Nossa primeira tarefa, dentro dos princípios adotados pela PHC, é a luta por uma educação
popular de qualidade, com o resgate dos conteúdos escolares e do rigor necessário ao traba-
lho educativo. Saviani desmonta o discurso pretensamente inovador das tendências não-críticas.
Derruba um a um os argumentos do escolanovismo, sua pretensão a ser democrático e o fato
de esconder sob esse discurso uma estratégia das classes dirigentes para manter uma educação
popular de baixa qualidade.
Se assumirmos os pressupostos teóricos marxistas que embasam a proposta, temos de as-
sumir que o capitalismo não encerra o “fim da história”, que não cria o mundo justo e equânime
que buscamos. Temos de aceitar que suas contradições básicas se avolumam e que mais cedo ou
mais tarde teremos que superar esse modelo econômico.
Assumindo a visão de desenvolvimento histórico que Marx propõe, aceitamos que só pode ser
coerente uma educação que acelere o processo de superação. Se nossa visão é dialética, temos que
aceitar que a superação se dará por incorporação. Só é possível avançar se dominarmos os proces-
sos, a linguagem e os códigos que permitem a construção desse mundo que desejamos superado.
Lutar por uma educação real, concreta, que entregue ao aluno o saber acumulado historica-
mente, é a primeira forma de luta para o avanço social. A proposta é clara: só supera a dominação
quem domina os instrumentos sob guarda dos dominadores. Enquanto apenas uma parte da
sociedade tiver acesso aos mecanismos do saber clássico, as possibilidades de superação e avanço
estarão dificultadas.
Estágio Supervisionado II 41
vidual. Em sua sexta tese sobre Feuerbach, Marx afirma que a essência do homem “não é uma
abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”.
Acrescenta Vale, que, ao produzir e consumir, o ser humano
Karl Marx
cria a vida social e a cultura ampliando seu poder de transformação.
Neste ato de produção e, conseqüentemente, de transformação da
natureza (necessário à produção para a sua subsistência), o homem
começa a se distinguir dos animais: “a produção da vida material pelo
trabalho está, historicamente, na origem da vida social e cultural”
(VALE, 1997, p.43), segundo Marx, a primeira ação histórica humana
que distingue seres humanos de animais não reside no fato dos ho-
mens pensarem, mas de produzirem seus meios de existência.
Ao construir os objetos de que necessita produzir alimentos para seu consumo, confeccio-
nar suas vestimentas, o homem desenvolve a Técnica e a Ciência, aumentando seu conhecimento
e, portanto, seu poder sobre a natureza.
Podemos considerar que Ciência e Tecnologia são heranças culturais, respectivamente co-
nhecimento e apropriação da natureza, também podemos ter em mente que a tecnologia é um
traço fundamental das culturas. Muitos períodos históricos ficaram marcados pelas técnicas
utilizadas pelos homens, como por exemplo, o período paleolítico ficou marcado pelo domínio
do fogo e pelo uso da pedra lascada; no período neolítico a técnica evoluiu e permitiu o uso da
pedra polida.
Num período mais recente, a intensa produção material iniciou-se com a Revolução Indus-
trial, a qual foi possível pela análise dos fenômenos térmicos. Com essa análise foi descoberto o
que era recorrente nesses fenômenos, ou seja, aprisionar trechos de sua realidade e mantê-los sob
controle mais ou menos preciso.
Este percurso evidencia que, no processo de produção material, o ser humano idealiza os
objetos que necessita, antecipa os resultados com base na análise de experiências passadas, ou por
algum princípio recém descoberto e, que passa a ser acionado para a resolução de alguma situação
prática. Em outras palavras, na produção há intelecção.
É preciso pensar que a existência da escola é uma exigência do processo de apropriação do
conhecimento sistematizado por parte das camadas excluídas da população, que – de um modo
geral – estudam nas escolas públicas.
A concepção dialética, proposta por Saviani, também se recusa a colocar, no ponto de par-
tida, determinada visão de homem. Interessa-lhe o homem concreto, isto é, o homem como conjunto
das relações sociais.
Considera que a educação, segundo a concepção dialética que a rege, segue leis objetivas
que não só podem, como devem, ser conhecidas pelo homem, concebendo a realidade como
essencialmente dinâmica. Não nega o movimento para admitir o caráter essencial da realidade,
como o faz a concepção humanista tradicional (na qual o homem é encarado como constituído
por uma essência imutável), cabendo à educação conformar-se a essa essência, em que as mudan-
ças são, pois, consideradas acidentais.
Saviani também não nega a essência para admitir o caráter dinâmico do real, como pensa a
concepção humanista moderna, em que a existência precede a essência, ou, dito de outra forma,
a natureza humana é mutável, determinada pela existência “a priori”.
Estágio Supervisionado II 43
A concepção de um ensino apenas alegre e prazeroso, defendida por muitos educadores,
merece uma profunda reflexão. Nem mesmo os jogos e as brincadeiras são motivados unica-
mente pelo prazer. Conforme Vygotsky, existe uma dose de frustração e desprazer nos jogos e
brincadeiras. Por exemplo, quando as crianças soltam pipas, geralmente as menores acabam sub-
jugadas e perdem seus brinquedos nos embates aéreos, o que lhes causam enormes frustrações,
isso ocorre por não dominarem a técnica, mas ao invés de desistirem, continuam e após alguns
obstáculos acabam por dominar a técnica e garantem a “superioridade aérea”.
Podemos notar que o importante é aprender o jogo e dominar o brinquedo, o prazer e o su-
cesso são conseqüências. Se o ensino de Ciências for apresentado como um desafio a ser vencido, e
se nesse processo de retirada dos véus do incompreensível, houver momentos de prazer, de sucesso,
a aprendizagem estará sendo processada; em caso contrário, devemos interferir e auxiliar o aprendiz,
porque esses momentos de novas aquisições superiores terão mais chances de serem alcançados.
Portanto, se aderirmos à proposta de uma escola somente prazerosa e assistencialista, esta-
remos, desse modo, negando a consciência crítica dos meios naturais, do ambiente dinamicamen-
te histórico e político em que os aprendizes estão inseridos, haja vista, que, em nossa concepção,
os conteúdos em Ciências desempenham um papel crucial ao possibilitar aos alunos a significa-
ção e o desvendar do mundo que os rodeia. Desvendar não se limita mais a um simples acúmulo
de informações científicas sobre a realidade, mas um apropriar-se da cultura elaborada para que
possamos participar ativamente das conquistas da Ciência e da Tecnologia.
O trabalho educativo realiza a ligação entre teoria e a atividade prática transformadora va-
lorizando a instrução como um meio fundamental para instrumentalizar os alunos.
O saber sistematizado (conteúdo) será tanto mais eficaz, quanto mais difundido for; pois,
sabemos que todo conhecimento, acessível a poucos, gera poder nem sempre democrático. A
democratização do conhecimento (Ciência, Tecnologia, Cultura, etc.) é condição básica para o
desenvolvimento do país. Com isso em mente, podemos afirmar que a redução dos conteúdos
significativos ou qualquer tentativa de aligeirar esses conteúdos se constitui numa atitude conser-
vadora, que encontra guarida na classe dominante por esta estar em consonância com perversos
interesses, resultantes sempre da tentativa de manipular e subjugar o coletivo (o povo), tornando-
o massa de manobra e mão-de-obra barata.
Enquanto os políticos preocupam-se com a “quantidade” e “índice de aprovações”, os
educadores precisam “curvar a vara” para o pólo da qualidade e propiciar ensino crítico em escolas
públicas, tendo em mente teleologicamente formar um coletivo instruído de leitores reflexivos,
objetivando unir as pessoas numa sociedade com eqüidade e justiça.
Na atual conjuntura brasileira, isto pode parecer utopia e/ou idealismo, não importa; sa-
bemos que utopia realizada deixa de ser utopia, mas precisamos desse conceito, ou nos confor-
mamos com a situação vigente. Ou, como outra opção, cruzamos os braços e seremos guiados
pelas já mencionadas sórdidas e perversas manipulações da classe dominante que nos impõem
sua hegemonia, fazendo-nos crer que seus interesses atendem às maiorias tanto quanto aos
privilegiados.
No intuito de reverter essa situação, a proposta da Pedagogia Histórico-Crítica nos faz consi-
derar a natureza da educação. A relação visceral entre teoria e prática pedagógica é tratada como:
“Uma pedagogia articulada, com os interesses populares [que] valorizará,
pois, a escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empe-
nhada em que a escola funcione bem: portanto, estará interessada em métodos
Estágio Supervisionado II 45
científicos que precisam ser assimilados e relacionando-os aos conhecimentos tecnológicos; ha-
vendo, assim, a necessidade de apropriação de instrumentos teóricos e práticos indispensáveis e
possíveis para a solução das questões postas por esta prática que para nós, enquanto educadores,
torna-se imprescindível.
O terceiro momento metodológico também não coincide com a pedagogia tradicional que
pressupõem para esse momento, a assimilação dos conteúdos transmitidos pelo professor por
comparação com conhecimentos anteriores, nem com a coleta de dados da pedagogia nova, Mas
na Pedagogia Histórico – Crítica é o momento da instrumentalização, ou seja, a apropriação
dos instrumentos teóricos e práticos, necessários ao equacionamento do problema detectado na
prática social. Nesse processo é fundamental não perder de vista que a educação é uma prática
mediadora e relaciona-se dialeticamente com a sociedade. Em outras palavras: a educação como
prática mediadora terá na prática social o seu ponto de partida e chegada. Essa opção peda-
gógica permite aos alunos perceberem-se como seres capazes de transformar a realidade em que
vivem, mediante a apropriação de ferramentas culturais indispensáveis à compreensão e apreen-
são do mundo.
Numa visão progressista da educação, o professor deve incentivar “o diálogo dos alunos entre si
e com o professor” sem negligenciar o conteúdo “clássico”, a “cultura erudita”, adquirida e sistema-
tizada no decorrer da evolução histórica da humanidade.
Como a educação neste contexto terá na prática social o seu ponto de partida e chegada
cabe ao educador ser eficaz e capaz de articular a sua prática pedagógica com a prática social
geral. Nesse sentido, o papel da escola é transmitir significativamente e compreensivamente con-
teúdos sociais vivos e concretos, indissociáveis das realidades sociais.
A valorização da escola como mediadora, como instrumento de apropriação do saber, é o
melhor serviço que se presta aos interesses populares. Cabe a própria escola contribuir para eli-
minar a seletividade social. Ela é a responsável pela democratização efetiva dos saberes clássicos
que transmitidos significativamente e compreensivamente aos alunos irão possibilitar às classes
dominadas terem consciência de seu papel de exploradas socialmente, para poderem se conscien-
tizar que podem e devem transformar a sua própria realidade e melhorar a sociedade.
O quarto momento da Pedagogia Histórico-Crítica não será a generalização como na pe-
dagogia tradicional, generalização essa que não é outra coisa senão a subsunção de todos os
elementos que integram a mesma classe de fenômenos, usando como base uma lei extraída dos
elementos observados.
Não se confunde também com o levantamento de hipóteses da pedagogia nova, sendo, neste
momento, fundamental para a Pedagogia Histórico-Crítica a incorporação (apropriação) dos ins-
trumentos culturais, transformados em elementos ativos de transformação. Saviani também cha-
ma este momento de catarse com o mesmo sentido dado por Gramsci, em que se entende catarse
como uma composição superior da estrutura em superestrutura no nível da consciência humana.
O quinto momento, como todos os demais, também difere da pedagogia tradicional, que
pressupõem para esse estágio a aplicação do conhecimento obtido, verificando com exemplos no-
vos, determinados pelo professor, se o conhecimento foi assimilado. Por fim, difere da pedagogia
nova com a experimentação, em que se confirma ou rejeita as hipóteses do quarto momento, mas
para a pedagogia Histórico-Crítica é o ponto de chegada, que (como dissemos) é também o pon-
to de partida, ou seja, a própria prática social, chega-se ao mesmo ponto, mas não com o mesmo
espírito, pois os alunos ascenderam a um nível que lhes permite, através da análise (“abstrações
Estágio Supervisionado II 47
Atividade Complementar
1. Analise o ponto de vista de Saviani e dê a sua opinião sobre a necessidade da escola para
o povo.
“O povo precisa da escola para ter acesso ao saber erudito, ao saber sistematizado e, em conseqüência, para
expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura popular que correspondem aos seus interesses”. (Saviani,
2000, p. 95)
2. Segundo Marx, a primeira ação histórica humana que distingue seres humanos de ani-
mais não reside no fato dos homens pensarem, mas de produzirem seus meios de existência.
Você concorda com esta afirmativa? Justifique.
O ENSINO DE BIOLOGIA E O
MOVIMENTO CTS
Tendências Pedagógicas
1.Tendências Idealistas-Liberais:
• Pedagogia Tradicional: iniciou-se no século XIX e domina grande parte do século XX;
• Pedagogia Renovada: origina-se na Europa e Estados Unidos, no final do século XIX,
influenciando o Brasil por volta dos anos 1930.
• Pedagogia Tecnicista: Desenvolveu-se na Segunda metade do século XX nos Estados
Unidos e no Brasil de 1960 a 1979.
Estágio Supervisionado II 49
50 FTC EaD | BIOLOGIA
2.Tendências Realistas-Progressistas:
Estágio Supervisionado II 51
52 FTC EaD | BIOLOGIA
O Movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (C.T.S.)
O Movimento C.T.S., segundo Santos e Schnetzler (1997), teve sua origem por volta da
década de 1970. Derivou de um conjunto de reflexões sobre o impacto da ciência e da tecnologia
na sociedade moderna. Conforme apontam Auler e Bazzo (2001), os problemas ambientais e a
vinculação do avanço científico e tecnológico com a guerra fez refluir a euforia em relação aos
resultados do desenvolvimento da ciência.
Devemos ressaltar que o Movimento C.T.S. tem penetração na área relativa ao ensino e
pesquisa didática associada às disciplinas científicas. A repercussão de suas teses nas outras áreas
de conhecimento ainda é superficial. Quanto aos objetivos do movimento, diversos autores têm
abordado o assunto. Destacamos entre eles, Santos (1999): a autora aponta como o objetivo cen-
tral do Movimento C.T.S., o desenvolvimento de uma cidadania responsável (individual e social)
para lidar com problemas que têm dimensões científicas/tecnológicas.
Generalizando, o objetivo mais assiduamente apontado pelos pesquisadores refere-se a pre-
ocupações com a formação para a cidadania, incluindo, a capacidade de tomada de decisão por
meio de uma abordagem que articule ciência, tecnologia e sociedade, concebendo a ciência como
um processo social, histórico e não-dogmático (Santos e Schnetzler, 1997).
Portanto, o Movimento C.T.S. no ensino de ciências postula uma espécie de re-conceituação
para o ensino da área. Trata-se de agregar de forma oportuna, a dimensão conceitual do ensino de
ciências à dimensão formativa e cultural, fazendo interagir a educação em ciência com a educação
pela ciência (Santos, 1999), ensinando a cada cidadão o essencial para chegar a sê-lo de fato.
Assim o Movimento C.T.S. procura colocar o ensino de ciências numa perspectiva diferen-
ciada, abandonando posturas arcaicas que afastam o ensino dos problemas sociais e, adotando
uma abordagem que se identifica muito com a idéia de educação científica.,
Estágio Supervisionado II 53
1. Prática social
A questão da inserção da prática social (contexto sócio-econômico e realidade social) no en-
sino é, certamente, o ponto de convergência mais claro entre as duas correntes de pensamento.
Como já foi evidenciado, a Pedagogia Histórico-Crítica posiciona a prática social como
ponto de partida e de chegada do processo de ensino. Para Dermeval Saviani, é na prática social
que o professor encontrará os grandes temas para o exercício do magistério, identificando, anali-
sando e sugerindo soluções para os principais problemas postos pela sociedade.
Situando a perspectiva do Movimento C.T.S., Santos e Schnetzler (1997) mostram que a
característica básica das abordagens do tipo C.T.S. é igualmente, a colocação de problemas sociais
nos pontos de partida e de chegada das seqüências de ensino.
2. Objetivos educacionais
No que concerne aos objetivos da educação escolar, tanto a Pedagogia Histórico-Crítica,
como o Movimento C.T.S., identificam a importância da escola como instrumento de formação
para a cidadania. A nosso ver, há mais radicalidade nas proposições da Pedagogia Histórico-Críti-
ca, pois ela não deixa dúvidas em suas asserções de que essa cidadania está diretamente vinculada
a um movimento que busca sérias transformações na sociedade injusta e excludente que hoje se
apresenta. Esse apelo transformador nem sempre é percebido nos autores que escrevem sobre
Movimento C.T.S. Em boa parte dos casos, a preocupação expressa pelos autores que trabalham
na linha C.T.S. envolve a discussão sobre o impacto social da ciência e tecnologia; debates em
torno de concepções sobre qual é a natureza da ciência e do trabalho do cientista; a questão da
neutralidade da ciência e da tecnologia; a lógica da eficiência inequívoca da ciência, etc. Entretan-
to, isso não indica que o movimento defenda uma proposta acrítica, que não tenha em suas orien-
tações, conteúdo de denúncia das estruturas desumanizantes que existem em nossa sociedade e o
conseqüente anúncio da possibilidade de transformação, ou seja, o compromisso de uma postura
pedagógica centrada na visão de educação como meio para transformação da sociedade.
De qualquer modo, é visível que as teorias em questão apresentam mais compatibilidade do
que divergências na visão dos objetivos educacionais, apontando para uma perspectiva mais am-
pla, que espelha preocupações com a formação geral dos indivíduos visando uma atuação social
mais responsável.
3. Metodologias de ensino
Quanto à questão das metodologias de ensino, também podemos verificar que existem
numerosos pontos de intersecção entre as duas correntes teóricas. O Movimento C.T.S., por
exemplo, advoga sobre a necessidade de utilização de múltiplas estratégias didáticas.
Segundo Hofstein et al. (1988), os cursos C.T.S. admitem a utilização de: palestras, demonstra-
ções, sessões de questionamento, solução de problemas e experimentos de laboratório.
Podemos acrescentar também os jogos e simulações, fóruns e debates, projetos, redação
de cartas para as autoridades, visitas a indústrias e museus, estudos de caso, ação comunitária,
entrevistas, análise de dados no computador, materiais audiovisuais e, demais atividades didáticas
(Hofstein et al., 1988, p. 362).
As observações relativas às questões de metodologia colocadas pela Pedagogia Histórico-
Crítica atentam para a busca de métodos que sejam compatíveis com os interesses e necessidades
4. Conteúdos
Saviani (1989) deixa claro a importância da escola como instância socializadora do saber
elaborado, inclusive criticando em certos momentos, os modismos educacionais que muitas vezes
prejudicam a consecução dos objetivos educativos, porque diluem os conteúdos numa perspec-
tiva difusa de currículo. Saviani adverte-nos no sentido de que se evite a tendência de se desvin-
cular os conteúdos específicos de cada disciplina das finalidades sociais mais amplas, isto é, de
tomar os conteúdos como se eles tivessem valor por si mesmos sem referência à prática social em
que se inserem, ou se pensar que esses conteúdos específicos não têm relevância na luta política
mais ampla (Saviani, 1995).
Do ponto de vista do Movimento C.T.S., parece-nos que essa preocupação com os conte-
údos também é verificável. Por exemplo, no artigo de Santos (1999), a autora critica veemente-
mente as abordagens de ensino de ciências que fecham a Ciência em si mesma. A autora designa
esses conteúdos desvinculados da realidade de “conteúdos canônicos” e propõe uma reforma
curricular que incorpore conteúdos contextualizados. Aliás, para o Movimento C.T.S., a questão
dos conteúdos é central, já que como mostra o trabalho de Zoller e Watson (1974), há necessi-
dade de uma mudança no eixo central de organização nos cursos de ciências regidos pela orien-
tação C.T.S. Afirmam os autores que enquanto no ensino de base tradicional, a organização do
conteúdo tem como elemento central os conceitos (de Física, Química, Biologia e Matemática),
nos cursos C.T.S., a organização da matéria já não se dá com os conceitos no centro, mas sim,
através de temas sociais. Isso significa que, os conteúdos dos cursos de disciplinas científicas, via
abordagem C.T.S., necessariamente incluem temas sociais.
Percebe-se assim, a convergibilidade entre as duas propostas, encarnada na visão dos conte-
údos como instrumentos mediadores da formação geral dos alunos, e não como mero conjunto
de informações factuais desprovidas de relação com a sociedade, que os alunos apenas memo-
rizam para efeito dos exames, para depois, com a inexorável ação do tempo serem progressiva-
mente esquecidos.
Estágio Supervisionado II 55
Como vimos, as estratégias C.T.S. pressupõe a partici-
pação ativa dos educandos. Participação sempre apoiada pelo
professor, que assim, assume papel de mediador no processo
de ensino-aprendizagem. Desse modo, ocorre a descentra-
lização do poder na sala de aula, porém, tal processo não
implica a diminuição da autoridade do professor. E nesse
sentido, não podemos confundir a expressão dessa autorida-
de com qualquer espécie de manifestação de autoritarismo.
O APRENDIZADO DE BIOLOGIA
Hoernig e Pereira (2001) pensam que, sendo Ciências o componente curricular que trata do
estudo do homem, dos seres vivos em geral, do meio ambiente e também das interações entre
estes elementos, chama a atenção o fato de que muitos alunos acham os conteúdos difíceis ou não
gostam dos mesmos. Isso leva à formulação de algumas questões como, por exemplo: “Sendo
um assunto tão interessante, por que os alunos têm dificuldades em aprender ciências? Por que
muitos alunos não gostam de ciências?”.
O aluno perde o interesse diante de componentes curriculares que nada têm a ver com a sua
vida, com suas preocupações. Muitas vezes decora, de forma forçada, aquilo que precisa saber para
prestar exames e, passadas as provas, tudo cai no esquecimento (Peña, 2001 apud Gadotti, 1987).
Bizzo (1998) escreve que “ciências é difícil quando os alunos não entendem determinadas
afirmações, mesmo que estas apareçam impressas em livros didáticos”, pela simples razão de
que elas se constituem em uma síntese de várias explicações e conceitos e que não podem fazer
sentido sozinhas, como afirmações isoladas.
De acordo com Borges (1997), “o ensino tradicional de ciências, da escola primária aos
cursos de graduação, tem se mostrado pouco eficaz, seja do ponto de vista dos estudantes e pro-
fessores, quanto das expectativas da sociedade”. A escola tem sido criticada pela baixa qualidade
do ensino, por sua incapacidade em preparar os estudantes para ingressar no mercado de trabalho
ou para ingressar na universidade.
No passado ensinava-se ciências para todos, esperando que uns poucos cientistas pudessem
ser identificados precocemente. Os ensinamentos teriam utilidade futura apenas para eles. Para os
demais, a grande maioria, o ensino de ciências era uma espécie de placebo pedagógico que tinha
que ser ingerido durante alguns anos seguidos sem qualquer utilidade (Bizzo, 1998).
A educação em Ciências deve proporcionar a todos os estudantes a oportunidade de desen-
volver capacidades que neles despertem a inquietação diante do desconhecido, buscando explica-
ções lógicas e razoáveis, levando os alunos a desenvolverem posturas críticas, realizar julgamentos
e tomar decisões fundamentadas em critérios objetivos, baseados em conhecimentos comparti-
lhados por uma comunidade escolarizada (Bizzo, 1998).
Para Borges (1997), os professores de ciências, tanto de nível fundamental como de nível
médio, em geral acreditam que o ensino poderia ser em muito melhorado com a introdução de
Estágio Supervisionado II 57
Pereira (1993), afirma que a participação do aluno nas atividades pedagógicas abre espaço
para uma visão mais holística, menos compartimentada, permitindo a compreensão do ambiente
ou da situação em estudo. Este tipo de processo geralmente não termina ao final do curso, aula
ou atividade, mas proporciona elementos para futuras aplicações no trabalho profissional e social,
pois muitas vezes vivencia-se, mas não se compreende aquilo que é freqüente.
Este caminho é interdisciplinar e amplo. Tavares (2001) es-
creve que somos levados a refletir sobre a necessidade de profes-
sores e alunos trabalharem unidos, conhecerem-se e se entrosa-
rem para, juntos, vivenciarem uma ação educativa mais produti-
va. Neste caso, o papel do professor é fundamental no avanço
construtivo do aluno, pois é ele que pode captar as necessidades
e efetivar os benefícios que a educação pode lhe proporcionar ao
estudante. A interdisciplinaridade do professor pode envolver e
modificar o aluno quando ele assim o permitir.
Estágio Supervisionado II 59
Adotamos e assumimos conceitualmente que a participação dos alunos na sociedade seja
considerada como prática social, definida por Vásquez como sendo “um tipo de atividade de gru-
pos ou classes sociais que levam a transformar a organização e direção da sociedade.” (VÁS-
QUEZ, 1990, p. 200)
Sendo assim, as atividades desenvolvidas com os alunos deveriam se caracterizar como
ações que objetivam a gerar mudanças, mas não apenas no plano idealizado. Qualquer discussão
que envolva aspectos da história do homem deve enfocar a história da teoria (saber humano) e
das atividades práticas do homem.
Muitas vezes nos discurso ou trabalho em sala de aula, os professores tentam reduzir o
prático ao que é utilitário, ao que tem uma utilidade já encontrada dentro da nossa sociedade. O
conhecimento teórico, dessa forma, é apresentado como útil ou verdadeiro, a partir do momento
em que se consegue vislumbrar algumas de suas aplicações na prática.
Outros aspectos, que conduzem a uma discussão na direção que propomos, são os temas:
efeito estufa, destruição da camada de ozônio, poluição ambiental generalizada, chuva ácida, água
potável, questão energética. Tais temas representariam problemáticas geradas ou potencializadas
O que é a Ciência Moderna? Podemos considerar que a Ciência Moderna nasceu da união da
especulação com o empirismo. Assim através da observação, experimentação e mensuração, pre-
sentes no método científico, surge a versão experimental desta ciência. Esta, por sua vez, não busca
apenas a explicação para os fenômenos observados, mas objetiva agora definir o princípio geral que
fundamenta tais fenômenos. Com esta sistemática espera-se descobrir as leis da natureza. Assim a
Ciência Moderna, em sua gênese busca definir as leis que regem os processos da natureza.
Através do seu método a Ciência Moderna triunfa a partir do século XIX. Nos domínios
das ciências da natureza o ritmo e o número de descobertas abundam e saem do laboratório para
ter aplicações práticas: ciência e tecnologia encontram-se. A pesquisa fundamental cujo objetivo é
conhecer pelo próprio conhecimento, é acompanhada pela pesquisa aplicada, a qual visa resolver
problemas concretos. Assim todos os domínios, ou quase todos, são atingidos pelo “fazer cientí-
fico”. (LAVILLE; DIONNE, 1999, p.25).
Estágio Supervisionado II 61
Tendo por orientação o modelo das ciências da natureza, as ciências humanas e sociais
(localização ideal para a Ciência da Informação), desenvolvem-se durante a segunda metade do
século XIX e século XX. Anterior a este momento o estudo do homem social havia permanecido
entre os filósofos. Mas o que se desejava agora, em relação aos conhecimentos sobre o homem
social era a elaboração de conhecimentos tão confiáveis e práticos quanto os conhecimentos
desenvolvidos para se conhecer a natureza física. O método empregado no campo da natureza
parece tão eficaz que não se vê razão pela qual também não se aplicaria tal método ao ser huma-
no. Desenvolveu-se um saber científico no campo das ciências humanas e sociais denominado
de positivismo.
O positivismo caracteriza-se a partir dos seguintes pontos: empirismo, objetividade, expe-
rimentação, validade, leis e previsão. A partir destas características desenvolve a base teórico-me-
todológica das ciências humanas e sociais. Entretanto devemos salientar que a convivência das
ciências humanas e sociais não se deu de forma pacífica, pois estas ciências apresentam um grau
maior de complexidade em relação às ciências naturais. Tal complexidade relaciona-se à natureza
do “objeto de estudo” destas ciências – fatos humanos ou o homem em sociedade. Estes por sua
vez são mais complexos do que os fatos naturais devido à inerente e subjacente subjetividade do
ser humano. Assim não podemos garantir com absoluta certeza a direção, significados ou sentidos
destes fatos, ou ainda, garantir que as mesmas causas geraram as mesmas conseqüências. Outro
fator que dificulta o uso do método da ciência moderna nas ciências humanas e sociais é um ator
humano que age e exerce influencias sobre o pesquisado (outro ser humano). Assim, a idéia de
determinismo, tão utilizada nas ciências naturais, aplica-se mal nas ciências humanas e sociais, Com
efeito, nestas ciências o que podemos fazer é interpretar os fenômenos e definir tendências.
A Ciência da Informação adotou o positivismo em suas bases epistemológicas, bem como
todas as ciências humanas e sociais que careciam de um instrumental teórico e metodológico.
No campo da Ciência da Informação a postura positivista gerou empobrecimento das questões
de pesquisa. Wersig (1991), Dervin (1992), Mostafa e Moreira (1999), Borges et al (2004), Naves
(2000), Reis (2002), Ferreira (2003).
Num segundo momento gostaríamos de refletir sobre as novas tecnologias de informação.
Conforme Oliveira citado por Araújo (2000b, p. 166) A forma de relacionamento do homem
moderno com a realidade é tecnológica. Mas o que significa afirmar que mantemos uma relação
tecnológica com a realidade? E quais são as conseqüências deste fato para a constituição de uma
noção de verdade? Conforme Oliveira, citado por Araújo (2000b, p. 166), “O homem moderno só se
interessa pela realidade enquanto o que pode ser posto a sua disposição. (...) Isto revoluciona a autocompreensão do
homem: ele, que no pensamento clássico, era apenas um ente entre os outros, torna-se o ente fundante da verdade
de todas as coisas”.
E no sentido apresentado acima afirmamos que, através da técnica e da tecnologia, colocamo-
nos diante da natureza e a dominamos, humanizando-a. Assim, a técnica e a tecnologia não nos são
estranhas, nem distantes. Elas passam a ser a nossa forma de agir/estar no mundo que nos cerca.
Tal situação fica ainda mais grave se pensarmos que atualmente temos as tecnologias de informação
que trabalham com dispositivos que, por sua vez, atuam diretamente sobre a linguagem.
Consideramos que a Ciência da Informação também compõe este processo de racionali-
zação da vida humana através de conceito de “gestão institucional dos saberes” citado anterior-
mente. Tal “composição” dificulta que vejamos outros padrões de reflexão, afinal o processo de
instrumentalização da vida humana atinge todos os campos de ação. Este processo gera uma
visão específica do mundo tecnológico que nos afasta de outras percepções da realidade, pois ele
Estágio Supervisionado II 63
saída a dispensar do sistema tecnológico inteiro. Outra ordem de visão crítica é a dos neoludistas,
que vêem nos novos computadores, mais um instrumento de retirada do homem do processo
econômico. Para os neoludistas, o desemprego decorre diretamente do progresso técnico, ou seja,
a tecnologia informacional - fundada na microeletrônica e na tecnologia de informação - substitui
o capital humano com tal intensidade que hoje é impossível gerar empregos para todos.
Com efeito, a avaliação da técnica, nas últimas décadas, foi predominantemente negativa,
anulando as diferenças entre uma técnica e outra; atribuiu-se a ela uma finalidade, um sentido
intrínseco, que a guiaria do início ao fim, uma racionalidade própria. Um bom número de filó-
sofos, particularmente, representou a técnica de cinco maneiras distintas: como autônoma em
relação ao homem; como domínio, uma característica da própria modernidade (visão comum na
cultura contemporânea); como oposta ao pensamento; e como totalitarismo. Hans Jonas, Ernst
Jünger, Günther Anders, Oswald Spengler, Karl Jaspers, Martin Heidegger, Theodor Adorno e
Max Horkheimer são alguns dos pensadores que expressam essas tendências. Para Heidegger,
por exemplo, a essência da técnica é a imposição. Mais que fazer ou usar a técnica, o homem está
no âmbito dessa imposição, sendo por ela dominado.
Para o intelectual francês Serge Latouche (1994), o domínio da na- SERGE LATOUCHE
tureza, através da ciência e da tecnologia, é um projeto totalitário, sendo a
técnica “um instrumento poderoso na colonização de corpos e espíritos”,
de “padronização do imaginário”. Para ele, a técnica é a própria cultura do
Ocidente: “O empreendimento colonial participa também do projeto de total domínio
da natureza. À exploração marítima do século XVI sucede a exploração científica do
século XVIII. Ao confisco das riquezas e das almas, segue-se o inventário enciclopédico
do Cosmo”. O que leva Latouche a concluir que a técnica “tornou-se um artigo
de fé universal, a conseqüência concreta e a presença visível da nova divindade: a ciência”. À condenação da téc-
nica, em geral, acompanha a condenação da ciência. Raramente elas são vistas como distintas.
Para algumas correntes críticas da modernidade, como Marcuse, ciência e capitalismo são
uma só coisa. Em outras palavras, ciência (conhecimento racional e objetivo) e ideologia (concep-
ção de mundo) se confundem. Desaparece o valor objetivo do conhecimento científico. Nesse
sentido, a crítica da “razão instrumental”, “razão unidimensional”, ou “razão técnica” encerra, no
fundo, uma crítica da própria civilização. Daí o ataque à “sociedade industrial” ou “tecnológica”,
justamente a sociedade moderna baseada na ciência e na tecnologia.
A associação com o capitalismo decorre do fato de que o desenvolvimento dos meios de
produção e obtenção dos recursos, a técnica, desencadeou o processo de grande crescimento
econômico dos últimos séculos. Deve-se salientar, no entanto, que, apesar dos tropeços de ordem
social e ambiental, tal crescimento econômico trouxe também benefícios e facilidades que nos
períodos anteriores seriam quase inimagináveis. Não foi a técnica, no entanto, que desencadeou a
série de infortúnios ambientais e sociais dos séculos seguintes. Para Mumford,
“...por mais que a técnica descanse nos procedimentos objetivos das ciên-
cias, não forma um sistema independente, como o do universo. Ela existe como
um elemento da cultura humana, que promove o bem ou o mal, segundo os que
a exploram programem. A máquina em si não tem exigências ou fins. É o espírito
humano que possui exigências e estabelece as suas finalidades. Para reconquistar
a máquina e submetê-la aos fins humanos, é necessário primeiro entendê-la e
assimilá-la. Até o momento, o que temos feito é adotá-la sem entendê-la por
completo, ou por outro lado, como os mais pobres românticos, temos rechaçado
a máquina sem perceber que ela pode ser assimilada de forma inteligente”
Mumford, 1992, ps. 23-24
Estágio Supervisionado II 65
A CIÊNCIA E OS CÓDIGOS DE ÉTICA
O ideal de uma educação que se empenhe em formar e aprimorar a conduta dos jovens, de
forma que esta venha a ser fundada no respeito a certos princípios fundamentais da vida pública
e da dignidade do ser humano, - ou seja, o ideal de uma formação para o exercício da cidadania
e para a conduta ética -, está entre os objetivos mais amplos e ao mesmo tempo mais consen-
suais da ação educativa escolar. A lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, a ele consagra um lugar de destaque ao afirmar, logo em seu artigo 2º que “A educação
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania...”.
O engajamento das instituições escolares em favor de uma formação geral que resulte no prepa-
ro para o exercício da cidadania e se empenhe na promoção de uma conduta fundada em princípios
éticos de valorização dos direitos e deveres fundamentais da pessoa deixou de ser um assunto restrito
a especialistas e profissionais da educação para se constituir em uma questão de interesse público.
Assim, fala-se de uma “escola tradicional” cuja principal preocupação teria sido não com a
formação, mas com a transmissão de informações. Fala-se ainda da necessidade de recorrermos
às novas teorias educacionais, com suas pretensas bases “científicas”, a partir das quais podería-
mos desenvolver novas metodologias de trabalho supostamente mais eficazes. Assim concebido,
o problema da efetivação de uma educação voltada para a formação ética e para o exercício da
cidadania aparece como um “novo desafio”, cujo enfrentamento, por sua vez, também demanda-
ria o desenvolvimento de novas abordagens e metodologias de ensino.
É possível que alguns aspectos desse diagnóstico e de suas pretensões sejam verdadeiros.
Como veremos há, de fato, elementos e desafios novos nessa tarefa de educar os jovens para que
sua conduta se paute em princípios éticos que consideramos valiosos e para que o exercício da
cidadania tenha em sua formação um lugar privilegiado. No entanto, é necessário ressaltar que a
novidade não reside na identificação do problema, nem em seu caráter urgente, mas possivelmen-
te na abrangência que ele tomou neste século. Já no século IV a.C., por exemplo, ao refletir sobre
problemas análogos aos que hoje temos em pauta, Aristóteles escreveu:
“Os homens tornam-se bons e virtuosos devido a três fatores, e estes são a natureza,
o hábito e a razão. Ora, a razão e a inteligência são os fins de nossa natureza. Por
isso é necessário preparar-lhes a formação e o cultivo dos hábitos. Já se disse de que
natureza devem ser os futuros cidadãos [ ... ]: o resto é obra da educação.”.
Estágio Supervisionado II 67
cia”, não fundada no privilégio do sangue ou nas escolhas dos deuses, mas justificada num ideal
de desempenho escolar abstrato. Assim, colocar hoje a velha questão: “a virtude pode ser ensina-
da – e deve sê-lo – a todos?” é, novamente, se perguntar sobre a viabilidade e sobre a pertinência
moral de se estender a cidadania à totalidade da população, e não só em seus aspectos formais e
legais, mas na materialidade de políticas sociais.
Vemo-nos, pois, diante de um dilema que é análogo - embora não o mesmo – àquele exa-
minado pelos educadores e filósofos da Grécia Clássica. Por isso retomemos algumas de suas
reflexões. Não para tomá-las como respostas prontas aos nossos problemas que, com efeito, são
diferentes, mas para que delas possamos partir em direção a uma reflexão sobre a natureza de
problemas que hoje temos se desejarmos que as instituições escolares contribuam para a forma-
ção da conduta moral de seus alunos.
Antes mesmo de passar à análise de algumas das respostas clássicas à questão formulada
– “a virtude pode ser ensinada?” – pensemos sobre o próprio sentido dessa formulação radical
do problema. Por que, por exemplo, Sócrates não pergunta a Protágoras como ensiná-la, mas
questiona a própria possibilidade de seu ensino? Não creio que Sócrates duvidasse pelo menos
do fato de que a conduta moral virtuosa autônoma pudesse ser apreendida e nem mesmo de que
a presença de um mestre ou professor teria um papel destacado nesse tipo de empreendimento.
Basta, nesse sentido, recordar algumas de suas palavras no momento de sua defesa no julgamento
que o condenou à morte: Outra coisa não faço, diz Sócrates,
“senão andar por aí persuadindo-vos, moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do
corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos ha-
veres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vem os haveres e todos os outros
bens particulares e públicos”.
Ora, se o próprio Sócrates afirma que toda sua vida e sua missão se concentram na exorta-
ção a um aprimoramento da conduta moral de seus concidadãos, por que haveria ele de perguntar
a Protágoras se a “virtude” pode ser ensinada, ao invés de simplesmente debater sobre os meios
supostamente mais eficazes de fazê-lo? Provavelmente porque ao formular a questão de forma
radical Sócrates obriga o diálogo a voltar-se para a própria natureza do problema moral e para a
dificuldade de seu ensino, evitando tratá-lo, assim, como uma mera questão de recursos pedagó-
gicos ou de procedimentos didáticos eventualmente comuns às áreas ou disciplinas correntes.
A ironia mordaz e característica de Sócrates ressalta alguns problemas graves e pouco anali-
sados nas tentativas atuais de se tratar da ética na formação dos jovens: quem é mestre nos valores
que devem reger a vida e a conduta dos jovens que educamos? Em que base pode um professor
arrogar-se o direito de transmitir e de cultivar valores e princípios que deveriam guiar a conduta
de nossos alunos? E, por outro lado, como podemos negligenciar justamente esse ponto tão cru-
cial da formação educacional?
Talvez uma das melhores respostas a esse questionamento seja a proferida por um de seus
adversários, Protágoras, provavelmente o mais destacado representante dos sofistas na época
de Sócrates. Ela parece conter pelo menos alguns pontos fundamentais para a compreensão da
natureza do ensino e da aprendizagem de condutas morais e de princípios éticos. Destaquemos
alguns trechos desse notável diálogo a fim de sobre ele tecer algumas reflexões que podem guar-
dar interesse ainda hoje para os educadores.
Estágio Supervisionado II 69
A crítica ao dogma, a apresentação e discussão pública das razões são valores subjacentes
e fundamentais tanto à ciência e à educação escolar como à democracia. A melhor forma de
cultivá-los e transmiti-los como um dos mais importantes legados culturais da humanidade é
torná-los presentes não só em nossas palavras, mas em nossas ações como professores e profis-
sionais da educação. Por essa razão, eles são um exemplo frisante da idéia de Aristóteles de que
a conduta moral não decorre da simples consciência de certos princípios, nem da posse ou da
enunciação de imperativos e máximas morais, mas é resultante de um constante exercício prático
neles fundado, ao que acrescentaria que é sendo um professor justo que ensinamos o valor e o
princípio da justiça aos nossos alunos, sendo respeitosos e exigindo que eles também o sejam é
que ensinamos o respeito, não como um conceito, mas como um princípio de conduta. Mas é
preciso ainda ressaltar que o contrário também é verdadeiro, pois se as virtudes, como o respeito,
a tolerância e a justiça são ensináveis também o são os vícios, como o desrespeito, a intolerância
e a injustiça. E pelas mesmas formas.
Assim, surgiu uma série de questões tão inevitáveis quanto difíceis de serem respondidas:
quais são esses valores cujo cultivo deve ser a meta das instituições escolares? Como escolhê-los
dentre a multiplicidade de visões éticas presentes em nossa sociedade? Que ações são incompa-
tíveis com esses princípios?
O próprio ordenamento jurídico de nosso país, materializado em nossa Constituição Fede-
ral, aponta para certos princípios éticos, como a solidariedade, o cultivo da liberdade de opinião
e discussão, a solidariedade, bem como uma série de direitos econômicos e sociais, como fun-
damentais para a vida em sociedade. A instituição escolar deve, portanto, não só reconhecê-los
como princípios éticos fundamentais como promovê-los em suas ações e discursos, já que ela
se filia a um ideal de conduta apontado como elemento programático comum à nação na qual
ela pretende iniciar seus alunos. Mas também é evidente que o problema não se encerra nesses
grandes princípios gerais. Até porque sua simples aceitação não resulta num curso de ação claro
e inequivocamente operacionalizável.
Nessa, como em tantas questões polêmicas ligadas aos valores de uma sociedade, talvez
sequer faça sentido procurar apontar caminhos prontos e soluções gerais. Até porque esse tipo
de empreendimento revelaria uma prepotência descabida, como vimos por ocasião da própria
fala de Sócrates. Isso não nos impede, no entanto, de pelo menos sugerir que a gravidade do pro-
blema e a urgência de seu encaminhamento recomendam muito mais o convite a uma discussão
séria dos princípios morais que devem guiar a ação docente do que a propagação de “verdades
últimas” e “receitas infalíveis”. Somente uma comunidade escolar, na concretude de seus desafios
cotidianos, poderá estabelecer de forma significativa seus parâmetros de ação ética, por meio de
uma discussão constante dos princípios gerais de nossa cultura e dos compromissos históricos de
nossas instituições de ensino.
2. Analise a proposta curricular da escola em que você ensina ou está estagiando e destaque
os objetivos explicitados no Projeto Pedagógico.
3. Elabore uma lista das principais dificuldades encontradas pelo professor de Biologia,
em sala de aula, no que se refere aos conteúdos que ele deve dominar para trabalhar o tema
“Genética”.
4. Faça uma lista de termos técnicos novos que são apresentados quando o tema Genética
Mendeliana é trabalhado em uma classe do 2º ano do Ensino Médio.
Estágio Supervisionado II 71
5. “Os ´hiperespecialistas´ são pretensos conhecedores, mas de fato praticantes de uma
inteligência cega, posto que parcelar e abstrata, evitando a globalidade e a contextualização dos
problemas”. Comente a afirmação de Morin, com base no modelo interdisciplinar.
Estágio Supervisionado II 73
Carvalho e Gil-Pérez (1993), ao tratarem do processo de formação de professores de Ciên-
cias, e apresentarem uma proposta, reforçam algumas críticas aos modelos existentes.
Sob orientação de uma perspectiva construtivista, os autores mencionam a necessidade de
um processo formativo de mudança didática, e não apenas de apresentação de novas propostas
didáticas. Tal processo de mudança pautado em trabalhos cooperativos, que partam das próprias
concepções dos professores, problematizando-as, permitindo assim possíveis reformulações das
mesmas.
O que se configura como uma questão problemática autêntica, no processo de
formação inicial dos professores das ciências, é o fato de a mesma, freqüentemente, se
estruturar a partir da justaposição entre “uma formação científica básica e uma formação psico-
sóciopedagógica geral” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 1993, p.68).
Tendo em vista as questões apontadas acima sobre a formação inicial, faz-se necessário
também priorizar e promover ações no campo da formação continuada de professores.
A formação continuada de professores do Ensino Fundamental e Médio tem merecido
destaque tanto em ações governamentais, quanto de instituições diretamente relacionadas com
essa questão. As universidades, por exemplo, nas últimas três décadas, envolvem-se em proje-
tos que objetivam atingir o professor que está
na sala de aula. Via de regra, um profissional
que tende a se distanciar das inovações tanto
no campo dos conteúdos específicos de sua
área de atuação quanto no campo dos conteú-
dos pedagógicos. Distanciamento fortemente
influenciado pela estafante rotina de trabalho
que a maioria desses profissionais enfrenta no
seu cotidiano de trabalho.
Estágio Supervisionado II 75
Para formular uma proposta de modalidade formativa adequada ao processo de progres-
são do conhecimento profissional, PÓRLAN e RIVERO (1998) elegem três princípios para a
formação continuada de professores: o princípio da articulação entre a teoria e a ação docente; o
isomorfismo, que diz respeito à necessidade da coerência entre o modelo formativo que se prati-
ca e o modelo didático que se propõe; e a consideração das concepções prévias dos professores
como eixo do processo formativo.
Orientados por esses princípios, PÓRLAN e RIVERO (1998) propõem uma modalidade
formativa centrada no tratamento de problemas práticos e organizada no planejamento, experi-
mentação e avaliação de hipóteses curriculares concretas. As atividades propostas para essa mo-
dalidade devem se organizar numa seqüência cíclica, flexível e progressista. O desenvolvimento
progressivo desses ciclos exige estratégias de avaliação mais amplas que devem ser entendidas
como investigação e regulação do processo formativo, favorecendo a coerência entre a proposta
hipotética e o aprendizado profissional real. Assim, a avaliação deve ser entendida como uma
forma processual, qualitativa e contínua, desenrolando-se em cada uma das atividades do ciclo
metodológico.
As atividades propostas para essa modalidade formativa dão sentido à investigação do pro-
fessor e se destinam:
a) Ao reconhecimento de problemas práticos, buscando formular problemas hipotéticos
que favorecem o conhecimento profissional;
b) À mobilização das concepções, experiências e obstáculos associados aos problemas prá-
ticos, conscientizando os professores de suas próprias idéias;
c) À promoção do questionamento reflexivo e argumentativo para o desenvolvimento uma
resposta curricular adequada ao problema selecionado;
d) À experimentação curricular, favorecendo o contraste entre o saber prático para o de-
senvolvimento das hipóteses e o desenvolvimento real dos acontecimentos em aula, buscando
possibilitar a reflexão-na-e-sobre-a-ação (SCHON, 2000); e
e) À meta-reflexão, favorecendo a capacidade do professor de reconhecer as próprias idéias
e de avaliar que necessita aprender e se conscientizar de como este aprendizado ocorre.
O acesso dos professores aos textos de apoio promove a articulação entre a teoria e a prática
apontada por PÓRLAN e RIVERO (1998) necessária ao processo de formação. Sem desvalori-
zar o conhecimento específico, GRAEBER et al. (2001) afirmam que ele não é suficiente para a
formação de professores e que a atividade docente está longe de ser inferior, vocacional ou im-
provisada. Ao contrário daqueles que consideram a discussão dos aspectos metodológicos ame-
açadores para o ensino, temendo o esvaziamento do conteúdo científico, a idéia defendida é a de
que não há como discutir metodologias de ensino e aprendizagem sem articulá-las ao conteúdo
científico. SHULMAN (1987, citado por GRAEBER et al., 2001) denomina o conhecimento fru-
to dessa articulação de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo e aponta esse amálgama especial entre o
conteúdo específico e o conteúdo pedagógico como sendo especialidade dos professores.
A partir desse conceito, fez-se uma nova classificação dos textos de apoio selecionados em
textos de Conteúdo Pedagógico, de Conteúdo Específico e de Conhecimento Pedagógico do
Conteúdo. Essa classificação informa a natureza do conhecimento que um determinado artigo
trabalha, dando aos professores maior transparência ao seu próprio aprendizado.
Para podermos conversar sobre uma possível articulação entre Ensino de Biologia e Poe-
sia, é conveniente conhecer o poeta que inspirou LIMA, BARROS & TERRAZAN (2004) para
escrever este texto.
Não há dúvidas que a antologia poética brasileira, e também seu cancioneiro, estão plenos
de materiais que podem ser trabalhados de maneira a proporcionar uma leitura mestiça, que en-
volva tanto o lirismo da Literatura quanto o rigor da Ciência.
Porém, aqui se optou por um poeta português, porque foi um dos maiores poetas do século
XX, que criava com facilidade tanto em nossa língua, como no Inglês e no Francês.
E também porque sua própria personalidade era rica e generosa, capaz de se deixar possuir
por outras almas poéticas, com vidas particulares, amores, medos, depressões. Enfim, tudo em si
era dele e dos outros, de seus heterônimos.
FERNANDO
Na obra de Fernando Pessoa, dele mesmo e não de algum dos he- PESSOA
terônimos, se buscou o início do texto “Mensagem”, para uma leitura es-
pecial e única. Para realizar a leitura antes anunciada, se criou uma expres-
são/categoria – quase-sinônimo – que se tornou “ferramenta específica”
de leitura e de interpretação.
Assim, cada condição apresentada pelo poeta é interpretada como
um olhar particular lançado sobre uma aula de Biologia, aqui tomada
como um evento a ser compreendido.
Iniciando a conversa
Estágio Supervisionado II 77
Uma expectativa sempre presente era de que, a partir desses estudos sobre o ensino e apren-
dizagem, alguns de seus resultados fossem levados diretamente às salas de aula. Porém, começou-
se a perceber que era preciso conhecer melhor aquele que seria o interlocutor privilegiado, aquele
que, por dever de ofício, deveria ser capaz de levar tais resultados em consideração na sua prática
profissional, ou de outra forma, deveria ser uma espécie de “consumidor crítico” de tais estudos.
Passou-se, então a se ocupar em estudar a melhor maneira, o modo mais eficiente, mais
eficaz de formar nossos futuros professores. Buscou-se, e continuou buscando, financiamentos e
justificativas, para trazê-los de volta às Universidades depois de formados, para o que julga-se ser
a necessária e fundamental formação contínua e continuada.
Assim, as pesquisas que nasceram a partir das preocupações com a melhoria do ensino e
aprendizagem, agora se subdividiram em vários campos. Muitos profissionais da pesquisa em En-
sino de Biologia continuam trabalhando no campo do Ensino e Aprendizagem, senão com exclu-
sividade, com maior interesse e dedicação. Porém, é crescente o interesse no campo da Formação
de Professores, inclusive porque a maioria destes pesquisadores são formadores de professores
atuantes em universidades, públicas ou privadas, que são agências formadoras por excelência.
Mensagem
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qua-
lidades ou condições, sem as quais os símbolos serão mortos para ele, e ele morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e
cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe a inter-
pretar. A atitude cauta, a ironia, a deslocada æ todas elas privam o intérprete da primeira condição para
poder interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se
entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, ordena, reconstrói noutro nível o sím-
bolo; tem, porém, que fazê-lo depois que se usou da simpatia e da intuição. Um dos fins da inteligência,
no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo.
Não poderá fazer isso se a simpatia não tem lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabeleci-
do. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser
interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que
permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionando com vários símbolos, pois que, no
fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois erudição é uma soma; nem direi
cultura, pois cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser
bem entendidos se não houver antes, ou ao mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é menos definível. Direi talvez, falando a uns que é a graça, falando a outros que é a mão
do Superior Incógnito, falando a terceiros que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da
Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que
delas usam, falando ou escrevendo.
(Pessoa, 1986, p.3)
Estágio Supervisionado II 79
Fernando Pessoa nos fala de “símbolos” e “rituais simbólicos”. Se fizermos, mesmo que de
uma forma descompromissada, uma identificação, uma analogia dos Símbolos de Pessoa com a
Biologia ensinada e seus fenômenos, suas leis, suas fórmulas e seus modelos e também dos rituais
simbólicos do poeta, com as aulas de Biologia normalmente ministradas em nossas escolas, talvez
possamos perceber que precisamos deixar de lado os “sujeitos” e passar a olhar, e principalmen-
te a ver, os alunos como “pessoas”, ou como relatou um aluno, quando questionado sobre seu
professor de Biologia: “a maneira que ele nos tratou, isto é, como fossemos (sic) seres humanos
“pensantes” e não completos idiotas intitulados de alunos” (apud Barbosa Lima, 1993 p.122).
De qualquer forma, seja qual for a opinião de um aluno sobre seu professor, o que precisa-
mos resgatar e justificar é a idéia de que o ensino de Biologia é importante na formação do cida-
dão e as aulas devem se tornar, como procuramos em nossas pesquisas, eficazes mas prazerosas,
efetivas mas interessantes. E nossos sujeitos devem se tornar pessoas.
Retornemos a Pessoa, para analisar cada um dos parágrafos de seu texto no viés dos “qua-
se-sinônimos” propostos, onde o símbolo é a Biologia ensinada; os rituais simbólicos, suas aulas.
O intérprete que poderá ser visto aqui, tanto como o professor quanto como o aluno.
A primeira questão que é possível levantar neste parágrafo é a seguinte: quem é o intérprete?
A resposta mais rápida, mais fácil e descompromissada seria, sem dúvida, o professor. Afi-
nal, ele detém o poder do conhecimento, tanto do conteúdo a ser ensinado quanto do que irá
acontecer naquele espaço especial que é o lugar onde acontece a aula, teórica ou experimental,
pouco importa.
Mas essa resposta, apesar de verdadeira, é incompleta porque ignora os alunos. É incom-
pleta, porque os alunos, as pessoas, estão lá. Querendo ou não, gostando ou não, interessadas ou
fingindo-se de, estão no mesmo espaço, ao menos de corpo presente.
Diz Bakhtin (1997) quanto ao ouvinte:
“o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um dis-
curso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ati-
va: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se
para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante
todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes
já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor”. (p. 290)
Neste ponto, o ouvinte torna-se locutor, emite uma resposta que não é necessariamente
uma resposta fônica. Pode ser, por exemplo, o acatamento de uma ordem dada.
Participa ativamente do ritual simbólico de Pessoa. O autor se torna mais claro e específico
em relação àquele aluno que dialoga consigo mesmo, através do pensamento.
Há um intérprete que pode tanto ser o professor quanto o aluno, porém, ambos devem
respeitar as cinco condições dadas por Pessoa, caso isso não aconteça, a Biologia será morta para
eles e eles mortos para ela.
É comum as aulas de Biologia serem encaradas pelos alunos como “monótonas”; impor-
tantes ou não, são vistas como parte de um ritual. Não do ritual necessário, segundo Pessoa, para
conhecer e interpretar o Símbolo, mas parte de um rito de passagem exigido pela sociedade, e
A primeira condição
Estágio Supervisionado II 81
“Tanto a simpatia quanto a antipatia constituem processos de interação. Quando
temos ‘simpatia’ por uma pessoa, tendemos a interpretar favoravelmente o seu com-
portamento, e a agir de acordo com essa interpretação ... No entanto, a relação pro-
fessor-aluno não se limita à apresentação dos papeis diferentes. Uma vez colocados na
sala de aula, professor e alunos passam a constituir um grupo novo, com uma dinâmica
própria, e entre eles se desenvolvem, muitas vezes, intensas relações interpessoais. É
nestas que o processo de percepção e avaliação de qualidades pessoais assume uma
importância decisiva”. (p.242, 244)
E nós ainda afirmamos que é esse triângulo de relações simpáticas, intérprete-professor/sím-
bolo (a Biologia)/aluno, que irá possibilitar o desenvolvimento da simpatia do aluno pelo símbolo.
Mas o aluno é também intérprete. Mesmo em aulas do tipo tradicional, em que ele faz parte
do coro, onde tem poucas condições de usar a palavra e, em geral, decora um texto que não é seu,
pois o seu é aquele que foi construído pelos sentidos e pela cultura; decora um texto que entra em
confronto e contesta o seu. Enfim, intérprete, nesse estágio, pouca ou nenhuma simpatia sente
pelo símbolo.
Surge, agora, um novo tipo de “representação” no cenário da sala de aula: a aula investigati-
va. Esse método de aula é geralmente fundamentado na solução de problemas abertos, problemas
que envolvem situações que apresentam alguma dificuldade sem, contudo, serem impossíveis de
solucionar com o já aprendido e estão longe de serem, ou poderem ser considerados charadas,
mas para os quais os alunos não têm respostas prontas, exigindo uma postura de investigação
(Gil-Perez & Valdés Castro, 1997).
Esse intérprete-aluno é chamado a participar da aula, mas, ainda assim, tem um texto anterior,
construído com elementos provavelmente de sua cultura, ou do senso comum, que vai se transfor-
mando, evoluindo para o texto da Ciência, de acordo com suas possibilidades intelectuais.
Para assumir uma postura de investigação, antes de qualquer coisa, o intérprete/aluno deve
assenhorear-se do problema a ser solucionado, de maneira que este se torne seu problema, instigan-
do sua curiosidade, estimulando-o à elaboração de hipóteses e ao desenvolvimento de estratégias,
visando colocá-las à prova na procura de respostas. Deve, enfim, simpatizar com o símbolo.
Quando os alunos simpatizam com o símbolo, estamos diante somente de possíveis intér-
pretes – alunos e avaliando suas adequações. Todos estão em igualdade de condições. A memori-
zação pura e simples não torna nenhum deles “virtuose”, da mesma maneira que a “amnésia” ou
a pouca dedicação extra-classe não torna, obrigatoriamente, nenhum deles um “canastrão”.
As chances são oferecidas igualmente, o texto da peça está disponível. Que cada um tome
seu papel.
“Necessitamos uma faculdade que nos faça ver o fim de longe, e essa fa-
culdade é a intuição. Ela é necessária ao explorador [professor] para que possa
escolher sua rota, e não o é menos àquele que o segue [aluno] e deseja saber por
que escolheu tal rota”. (p.21)
Chamar de conceitos intuitivos àqueles conceitos que o estudante traz de seu cotidiano,
formados pelos sentidos, pela cultura, pelo senso-comum, é admitir também que em sua evolu-
ção conceitual a intuição pode estar presente. Para atingir um grau de intuição tal que lhe permita
um crescimento na compreensão do conhecimento científico, precisa, antes de tudo, ir vencendo
seus conceitos anteriores, trazidos de há muito. Tomar contato com o que já foi didaticamente
transcrito e ir além.
Mesmo um professor, seja de Ensino Médio ou universitário, verá algo de novo, com faci-
lidade, se não estiver preso a certas idéias preconcebidas.
A intuição nos move. Faz-nos perseguir objetivos e por conseqüência levantar hipóteses e
buscar comprová-las. Ela pode ser a chave para a construção de um novo conhecimento.
A terceira condição é a existência da inteligência. Sobre ela o poeta quase tudo falou. A
Biologia depende de observação, análise e discernimento. Aquele que simpatiza com o símbolo
e que assume uma postura investigativa diante da natureza, certamente está fazendo uso de sua
inteligência. Seja ele um intérprete-professor, participando de cursos de educação continuada ou
se preparando para suas aulas, seja ele um intérprete-aluno, dedicando-se a destrinchar cuidado-
samente um problema proposto.
A inteligência, seria a responsável pela capacidade de reconhecer o símbolo, identificá-lo
como novo, procurar as semelhanças e as diferenças existentes entre este e aqueles que já se en-
contram em sua mente.
Sendo nosso símbolo a Biologia, aquele aluno que simpatiza com o símbolo pode ser um
bom intérprete, se permitir que sua intuição flua, pondo-a a prova através da comprovação de
hipóteses formuladas e ainda apresentar boa capacidade de reconhecer e decodificar o símbolo.
A quarta condição
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias,
que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionando com vários símbolos,
pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois erudição
é uma soma; nem direi cultura, pois cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim
certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou ao mesmo tempo, o
entendimento de símbolos diferentes.
A compreensão, como definida por Fernando Pessoa, é muito mais abrangente de que aque-
la vulgarmente empregada. Compreender para aplicação diária é o mesmo que entender, dominar
um assunto de modo que este seja suficiente para seu próprio uso.
Estágio Supervisionado II 83
Mas Pessoa amplia a definição, ao mesmo tempo em que nos mostra que para compreen-
dermos o símbolo é necessário o conhecimento de outras disciplinas. Outros focos de luz preci-
sam ser usados para iluminá-lo.
A Língua Portuguesa, da mesma forma que os demais idiomas, emprestam palavras à ciên-
cia, que passam a ter significados próprios, que descrevem e/ou definem fenômenos. E é com
essa nova significação que essas palavras emprestadas devem ser utilizadas.
Lemke (1997) comenta que a linguagem da ciência não faz parte do vocabulário ordina-
riamente empregado pelos alunos e seu uso lhes provoca certa estranheza até que a utilização
dos termos científicos tenha sido feita por bastante tempo. Por isso, o autor recomenda que os
professores devem expressar todas as relações semânticas entre os termos e todas as relações
conceituais que existem no interior de cada tema, até onde seja possível, tanto em linguagem
coloquial como em linguagem científica, e assinalar claramente quando se deve empregar um e
outro. (p. 185)
Então é tarefa do professor mostrar esses múltiplos usos de cada palavra, ressaltando o
significado estrito empregado na Biologia para seus alunos.
Como afirma Mortimer (1996), não podemos nos restringir e tampouco solicitar aos alunos
uma linguagem diferente da usada quotidianamente, já que precisamos nos relacionar de maneira
inteligível com todas as pessoas.
A quinta condição
A quinta é menos definível. Direi talvez, falando a uns que é a graça, fa-
?
lando a outros que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros que é o
Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo de Guarda, entendendo cada
uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que
delas usam, falando ou escrevendo.
A grande dificuldade reside em tentar imaginar algo que nunca se viu, que
seja consistente em todos os pormenores com o que já se observou a ao mesmo
tempo seja diferente até aí do que se pensava; mais, terá de ser uma afirmação
bem definida, e não apenas uma proposição vaga. É, na verdade, difícil.
A Einstein é atribuída uma frase que afirma que a imaginação é mais importante que o
conhecimento.
Para Vygotsky (1997, p. 10): a imaginação como toda atividade criadora, se manifesta por
igual em todos os aspectos da vida cultural possibilitando a criação artística, científica e técnica.
Nesse sentido, absolutamente tudo o que nos rodeia e tenha sido criado por mão humana, todo
o mundo da cultura, a diferença do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da
criação humana, baseado na imaginação.
Ou seja, é preciso lembrar que aquele que está na posição do novo sujeito, também possui
uma imaginação, uma graça ou o próprio incógnito, como acentua Fernando Pessoa, que lhe confe-
re uma capacidade de ver o que outros não são capazes, de formular idéias que não são percebidas
pelos professores. Não se trata, é claro, de permitir que qualquer nova idéia se avolume e se trans-
forme em um conhecimento com base, como Feynman enfatiza. Aí reside a dificuldade por ele
aludida e que transforma a relação entre o educador e o aprendiz num campo criativo. A um é dado
o poder de veto, pois tem o arsenal cultural que permite ver se novas idéias estão de acordo com o
Em “Mensagem”, Fernando Pessoa aponta para cinco condições que julga importantes
para se atingir o entendimento dos símbolos e dos rituais: simpatia, intuição, inteligência, com-
preensão e uma última, menos definida, que ele denomina poeticamente como graça, ou Superior
Incógnito ou, ainda, Conversação do Santo Anjo da Guarda.
Nossa preocupação foi a de encontrar na poesia de Fernando Pessoa uma fonte para se
pensar o ensino, articulando a criação artística com o pensamento de alguns filósofos, pesquisa-
dores em Biologia e em Ensino de Biologia.
Esperamos ter evidenciado, neste trabalho, que é possível nos apropriarmos do texto do
poeta e aplicá-lo ao processo de “transmissão cultural do conhecimento”, uma vez que o saber
científico se apresenta como um conjunto de símbolos a serem decodificados por um novo sujei-
to que surge como protagonista nos processos de ensino e aprendizagem.
Estágio Supervisionado II 85
prios conhecimentos num trabalho em grupo, a socialização de conhecimentos prévios e sua
utilização para a construção de conhecimentos novos e mais elaborados.
O jogo pedagógico ou didático é aquele fabricado com o objetivo de proporcionar deter-
minadas aprendizagens, diferenciando-se do material pedagógico, por conter o aspecto lúdico
(Cunha, 1988), e utilizado para atingir determinados objetivos pedagógicos, sendo uma alternati-
va para se melhorar o desempenho dos estudantes em alguns conteúdos de difícil aprendizagem
(Gomes et al, 2001).
Nesta perspectiva, o jogo não é o fim, mas o eixo que conduz a um conteúdo didáti-
co específico, resultando em um empréstimo da ação lúdica para a aquisição de informações
(Kishimoto,1996).
No entanto, o jogo nem sempre foi visto como didático, pois como a idéia de jogo encon-
tra-se associada ao prazer, ele era tido como pouco importante para a formação da criança.
Sendo assim, a utilização do jogo como meio educativo demorou a ser aceita no ambiente
educacional (Gomes et al, 2001). E ainda hoje, ele é pouco utilizado nas escolas, e seus benefícios
são desconhecidos por muitos professores.
Segundo Miranda (2001), mediante o jogo didático, vários objetivos podem ser atingidos,
relacionados à cognição (desenvolvimento da inteligência e da personalidade, fundamentais para
a construção de conhecimentos); afeição (desenvolvimento da sensibilidade e da estima e atuação
no sentido de estreitar laços de amizade e afetividade); socialização (simulação de vida em grupo);
motivação (envolvimento da ação, do desfio e mobilização da curiosidade) e criatividade.
Assim, consideramos que a apropriação e a aprendizagem significativa de conhecimentos
são facilitadas quando tomam a forma aparente de atividade lúdica, pois os alunos ficam entu-
siasmados quando recebem a proposta de aprender de uma forma mais interativa e divertida,
resultando em um aprendizado significativo.
Neste sentido, o jogo ganha um espaço como a ferramenta ideal da aprendizagem, na me-
dida em que propõe estímulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de experiência
pessoal e social, ajuda a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua persona-
lidade, e simboliza um instrumento pedagógico que leva o professor à condição de condutor,
estimulador e avaliador da aprendizagem. Ele pode ser utilizado como promotor de aprendiza-
gem das práticas escolares, possibilitando a aproximação dos alunos ao conhecimento científico,
levando-os a ter uma vivência, mesmo que virtual, de solução de problemas que são muitas vezes
muito próximas da realidade que o homem enfrenta ou enfrentou.
Esta compreensão é válida quando refletimos sobre os processos de ensino e aprendizagem
de Ciências e Biologia, nos níveis fundamental e médio.
Estes processos envolvem conteúdos abstratos e, muitas vezes, de difícil compreensão e,
ainda hoje, sofrem influências da abordagem tradicional do processo educativo, na qual prevale-
cem a transmissão-recepção de informações, a dissociação entre conteúdo e realidade e a memo-
rização do mesmo.
O conteúdo “Evolução dos Vertebrados”, embora desperte interesse nos alunos, não tem
sido transmitido/apropriado de forma correta, sendo comum a idéia de que a evolução é uma esca-
da na qual os mamíferos são os seres “mais evoluídos”, e o homem estaria no topo dessa escada.
Outro conteúdo relacionado à Genética está cada vez mais inserido no cotidiano social, seja
nas revistas, jornais, noticiários e até mesmo em novelas e programas populares; mesmo assim, o
Os jogos foram elaborados com base na literatura existente sobre jogos didáticos e conte-
údos específicos: Evolução de Vertebrados e Genética.
Estágio Supervisionado II 87
Para a elaboração dos jogos foram necessários total domínio do conteúdo e auxílio de um
professor-orientador, experiente no assunto.
Primeiramente, foram confeccionados protótipos dos jogos e, posteriormente, as ver-
sões finais.
O jogo envolvendo o conteúdo sobre Evolução de Vertebrados foi intitulado “EVOLU-
ÇÃO: A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA”, e confeccionado em papel cartão, papel color set
e papel sulfite, utilizando-se, ainda, lápis aquarelável e papel contact. Os dados e pinos foram
comprados prontos em lojas especializadas.
Ele é composto por 1 tabuleiro, 5 pinos,1 livro de regras, fichas de 5 ,10, 20, 30 e 40 pontos,
5 cartas, sendo uma de cada grupo de vertebrados,5 livros, sendo um para cada grupo de verte-
brados e 4 dados, sendo 1 de 4 faces, 1 de 10 faces, 1 de 12 faces e 1 de 20 faces.
REGRAS DO JOGO
O tabuleiro foi desenhado com base no cladograma da evolução dos vertebrados, presente
no livro “A Vida dos Vertebrados” (Pough et al, 1999), para que ao visualizar o tabuleiro os alu-
nos tenham uma visão geral de toda a evolução até a época atual. Nesse “cladograma” os joga-
dores têm que se movimentar ao longo de tempo geológico, passando por todas as evoluções e
vivenciando o que aconteceu com cada grupo de vertebrados. Para isso, foi necessário situar cada
evolução ao seu período geológico e colocá-las de forma didática no jogo. Entre as evoluções,
os jogadores teriam que passar por situações reais características da época, como reprodução,
alimentação, interação com outros animais, extinção, etc.
Assim, o jogo representa, em um tabuleiro, os caminhos evolutivos dos cinco grupos de
vertebrados que conhecemos hoje. Todos os jogadores começam o jogo na era geológica de-
nominada Era Paleozóica, cerca de 438 milhões de anos, no período Siluriano, sendo peixes
primitivos, sem mandíbulas, que foram os primeiros vertebrados a surgir na Terra. Cada jogador
ou equipe representará um grupo de vertebrados e terá como objetivo chegar à época atual com
o maior número de pontos, passando por evoluções, reproduções, extinções e interações com
outros animais.
Ele pretende retratar, de forma simplificada, as principais mudanças evolutivas que deram
origem aos vertebrados que conhecemos hoje, reconhecendo–se que a evolução é um processo
lento e gradual, que demora milhões de anos para acontecer, e que durante este processo várias
espécies extinguiram-se, não sendo viável representar todas no jogo.
Recomenda-se que este jogo seja utilizado, preferencialmente, por cinco pessoas ou cinco
equipes, com idade superior a 12 anos.
Cada jogador ou equipe representará um grupo de vertebrados e, para isso, deve sortear
uma das cinco cartas correspondentes. Feito isso, cada jogador pega o livro correspondente ao
seu grupo e deve seguir seu caminho, lendo o que acontece em cada casa que ele parar, obede-
cendo às regras.
Cada jogador começa com 50 pontos e deve disputar a ordem de jogada com o dado de 20
faces. Os jogadores movem-se de acordo com os números tirados, no ápice superior, do dado de
movimentação (azul). Em cada casa que cair, eles devem ler para todos o que está acontecendo.
As casas vermelhas correspondem aos passos evolutivos, e todos os jogadores são obriga-
dos a parar, ler em voz alta o que está acontecendo, para que todos saibam. As casas laranjas são
Estágio Supervisionado II 89
do em sua face superior, as peças desviradas devem ser encaixadas no tabuleiro preenchendo os
locais que representam os indivíduos no heredograma.
Se o grupo considerar que uma ou mais peças não encaixam no heredograma, ele a deixa
desvirada, se outro grupo em sua vez de jogar quiser utilizar uma ou mais peças desviradas ele
tem o direito de encaixá-las em seu tabuleiro, e depois disso jogar o dado e desvirar o número de
peças como descrito anteriormente.
E assim por diante, os grupos vão jogando o dado, desvirando e utilizando as peças con-
forme sua vez de jogar.
A parte inferior do tabuleiro, que representa os filhos do casal em questão, não tem o esbo-
ço dos indivíduos, pois pode variar de caso a caso; em alguns, esta parte ficará sem se completar
totalmente, e será preenchida de acordo com o número de filhos do casal, seguindo a idade, do
mais velho (à esquerda) até o mais jovem (à direita).
Quando um dos grupos terminar de preencher o tabuleiro e responder às respectivas ques-
tões propostas, deve solicitar ao professor para que corrija o heredograma, se o tabuleiro estiver
completado de forma correta, o grupo ganha 120 pontos, os demais grupos ganharão 10 pontos
para cada acerto e perderão 10 para cada erro, indivíduos não completados não ganham nem
perdem pontos.
Se o grupo que completou primeiro o heredograma, não o completar corretamente, per-
derá 10 pontos para cada erro, o professor não deve apontar os erros, e todos os quatro grupos
continuam jogando até que um deles termine de completar o heredograma corretamente.
Depois desta fase, o professor deverá corrigir as questões do respectivo caso. Os pontos
serão recebidos pelos grupos de acordo com a porcentagem de acerto de cada questão, especifi-
cada no livro de respostas.
O professor deve utilizar o livro de respostas para se orientar durante a prática. Vence o que
obtiver maior número de pontos.
3. Conclusão
A função educativa do jogo é facilmente observada durante sua aplicação com os alunos, veri-
ficando-se que ela favorece a aquisição e retenção de conhecimentos, em clima de alegria e prazer.
Assim, por aliar os aspectos lúdicos aos cognitivos, entendemos que o jogo é uma importante
estratégia para o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e complexos, favorecendo a moti-
vação interna, o raciocínio, a argumentação, a interação entre alunos e entre professores e alunos.
Consideramos, ainda, assim como Kishimoto (1996), que o jogo desenvolve além da cogni-
ção, ou seja, a construção de representações mentais, a afetividade, as funções sensório-motoras e
a área social, ou seja, as relações entre os alunos e a percepção das regras. Como nos lembra essa
autora (Kishimoto, 1996, p.37): “A utilização do jogo potencializa a exploração e a construção do
conhecimento, por contar com a motivação interna típica do lúdico”.
Pelo exposto, entendemos que o jogo deveria merecer um espaço e um tempo maior na
prática pedagógica cotidiana dos professores. Esperamos que os jogos sobre Evolução e Gené-
tica elaborados, não apenas tenham contribuído para a apropriação de conhecimentos, mas tam-
bém para sensibilizar os professores para a importância desses materiais, motivando a elaboração
de novos jogos didáticos.
ANDRÉ, M.E.D.A. Etnografia da Prática Escolar. Ed. Papirus, 7 ed. Campinas, São Paulo, 2002. 128p.
AULER, D.; STRIEDER, D.M.; CUNHA, M.B. O enfoque ciência-tecnologia-sociedade como pa-
râmetro e motivador de alterações curriculares. Atas do I Encontro Nacional de Pesquisadores em Ensino de
Ciências. Águas de Lindóia/SP, 1997. p. 187 -192.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Bastos, F. (1992). O conceito de célula viva entre os alunos de segundo grau. Em Aberto, ano11,
número 55, 63-69.
Bizzo, N.; Kawasaki, C.S. (1999). Este artigo não contem colesterol: pelo fim das imposturas inte-
lectuais no ensino de ciências. Projeto-Revista de Educação: Ciências: Que temas eleger?, 1 (1), 25-34.
BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil. Ed. Ática, São Paulo, SP, 1998.144p.
Estágio Supervisionado II 91
Brasil. Sec. De Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais; apresentação dos te-
mas transversais, ética. MEC/SEF 1997.
CHALMERS, A. F. Qué es esa cosa llamada ciencia? (E. P. Sedeño y P. L. Mañez, trads.). Madrid: Siglo
Veintiuno de España, 1989.
FRIEDMANN, A. Brincar: crescer e aprender - o resgate do jogo infantil. Moderna, São Paulo, 1996.
GARDNER, P. Representations of the Relationship between Science and Technology in the Cur-
riculum. Studies in Science Education, n. 24, p. 1-28, 1994.
GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 2ª ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2003.
GIL PERÉZ, D.; VALDÉS, C.P. La resolución de problemas de física: de los ejercicios de aplicación al
tratamiento de situaciones problemáticas. Revista Enseñanza de la Física, Córdoba, v. 10 n. 2, p 5-20, 1997.
GIL PÉREZ, D., Contribución de la historia y de la filosofía de las ciencias al desarrollo de un modelo
de enseñanza/aprendizaje como investigación. Enseñanza de las Ciencias, v. 11, n. 2, p. 197-212, 1993.
GIL PÉREZ; D., MONTORO, I. F., ALÍS; J. C., CACHAPUZ, A. & PRAIA; J. Por uma imagem não
deformada do trabalho científico. Ciência & Educação, v. 7, n. 2, p. 125-153, 2001.
KUHN, T., “The Structure of Scientific Revolutions”, Chicago, 2ª ed. Chicago University Press, 1972, p. 30.
LEITE, D. M. Educação e relações interpessoais. In: PATTO, M. H. S. Introdução à psicologia escolar. São
Paulo: Queiroz, 1983.
Lemke, J. L. (1997). Aprender a hablar ciencia: Lenguaje, aprendizaje y valores. Barcelona: Paidós.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conte-
údos. São Paulo: Loyola, 1990.
LIMA, M. C. A. B. Explique o que tem nessa história São Paulo. 2000. Tese (Doutorado)-Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
MARX, K. ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MIGUENS, M. & GARRET, R.M. Práticas em la Enseñanza de las Ciências. Problemas e Possi-
bilidades. Revista Enseñanza de lãs Ciências, n.3, v.9, novembro/1991.
MIRANDA, S. No Fascínio do jogo, a alegria de aprender. In: Ciência Hoje, v.28, 2001 p. 64-66.
MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: para onde vamos? Inves-
tigações em ensino de ciências, v. 1, n.1, abril, 1996. Disponível em: <www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm>.
NOVAK, J.D. Uma Teoria de Educação. Ed. Pioneira, São Paulo, SP, 1981, 252 p.
PEREIRA, A. B., OAIGEN, E. R. HENNIG, G. J. Feiras de Ciências. Editora da Ulbra, Canoas, RS,
2000, 285p.
Estágio Supervisionado II 93
PLATÃO. Apologia de Sócrates. In: Col. Os Pensadores. São Paulo, Abril, 1976.
PORLÁN, Rafael; RIVERO, Ana. El conocimiento de los profesores. Sevilla: Díada. 1998.
POUGH, F. H.; HEISER, J. B.; MC FARLAND A vida dos Vertebrados. 2. ed. Atheneu: São Paulo, 1999.
REZENDE, Flávia; BARROS, Susana; LOPES, Arilise; ARAÚJO, Renato. InterAge: um ambiente
virtual construtivista para a formação continuada de professores de Física. Caderno Brasileiro
de Ensino de Física. Vol. 20, N.3, Dez.. pp. 372-391. 2003.
REZENDE, Flávia; LOPES, Arilise; EGG, Jeanine. Problemas da prática pedagógica de professo-
res de Física e de Matemática da escola pública. In Atas do IV Encontro de Pesquisa em Ensino de
Ciências. Bauru. 2003
SANTOMÉ, J.T. Libros de texto y control del currículum. Cuadernos de Pedagogía, n. 168, março de
1989. p. 50-55.
SANTOS, César Sátiro dos. Ensino de Ciências: Abordagem Histórico-Crítica. Ed. Armazém do
Ipê. Campinas-SP, 2005.
SANTOS C. M. dos. Levando o jogo a sério. Presença Pedagógica. v.4 n.23. set/out. 1998, p. 52-57.
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 36ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
__________. Educação e questões da atualidade. São Paulo: Livros do Tatu/Cortez, 1991 (Coleção
Hoje e Amanhã).
__________. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 5.ed. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1985 (Coleção Educação Contemporânea).
VALE, J. M. F. Diálogo Aberto com Demerval Saviani. In: SAVIANI, D. Demerval Saviani e a Edu-
cação Brasileira: O Simpósio de Marília. São Paulo: Cortez, 1994.
______. Educação Popular. Revista Ciência Geográfica, São Paulo, nº 6, p. 43-49, abr. 1997.
VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis (tradução de Luiz Fernando Cardoso). 4 ed. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1990.
VIERNE, S. Ligações tempestuosas: a ciência e a literatura. In: CORBOZ, A. et al. A ciência e o ima-
ginário. Brasília: UNB, 1994.
Estágio Supervisionado II 95
Referências Eletrônicas
www.planetaeducacao.com.br/new/colunas2.asp?id=220
www.planetaeducacao.com.br/new/colunas2.asp?id=87
www.planetaeducacao.com.br/new/colunas2.asp?id=176
http://cienciahoje.uol.com.br/54755
http://www.cineweb.com.br/arquivo/arquivo.asp?idfilme=677
http://e-pipoca.cidadeinternet.com.br/filmes_zoom.cfm?id=3625
http://cineclick.virgula.terra.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=517
http://www.cinemaemcena.com.br/not_arquivo_filme.asp?cod=1496
http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/sorriso-de-mona-lisa/sorriso-de-mona-lisa.htm
http://cineclick.virgula.terra.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=823
http://e-pipoca.cidadeinternet.com.br/filmes_zoom.cfm?id=6295
http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/shine/shine.htm
http://www.webcine.com.br/filmessi/shinebri.htm
http://cineclick.virgula.terra.com.br/cinemateca/ficha_filme.php?id_cine=9298
http://e-pipoca.cidadeinternet.com.br/filmes_zoom.cfm?id=774
http://www.imdb.com/title/tt0094027 (em inglês)
http://www.itajaionline.com.br/livros/magru/opreco.htm
http://www.clubedematematica.com.br/gt19/T1901trabalho.rtf
http://br.geocities.com/historiaworks/senso.html
http://www.sbq.org.br/PN-NET/causo8htm
www.aticaeducacional.com.br/htdocs/secoes/atual_cie.aspx?cod=756
www.sciam.com.br
cienciaemdia.zip.net
www.fundar.org.br/texto_7.htm
www.unesco.org
www.ead.ftc.br