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A Constituição de Weimar e os direitos

fundamentais sociais
A preponderância da Constituição da República Alemã
de 1919 na inauguração do constitucionalismo social à
luz da Constituição Mexicana de 1917
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

Sumário
Introdução. 1. A Constituição Mexicana de
31 de janeiro de 1917. 1.1. Antecedentes históri-
cos. 1.2. Os debates da Constituinte. 1.3. O texto
da Constituição Mexicana de 1917. 2. A consti-
tuição da República de Weimar (1919). 2.1. An-
tecedentes históricos. 2.2. O texto da Constitui-
ção de Weimar de 1919. 3. Uma análise compa-
rativa dos textos da Constituição Mexicana e
da Constituição de Weimar. 4. Conclusão.

Introdução
O tema relativo aos direitos fundamen-
tais tem recebido grande destaque e aten-
ção, modernamente, por parte dos estudio-
sos do Direito. À análise da origem, da evo-
lução histórica, da natureza, dos fundamen-
tos e da concretização de tais direitos – tidos
como elementos fundantes das ordens jurí-
dicas nacionais, da ordem jurídica interna-
cional e, no caso da Europa, também da or-
dem jurídica comunitária – têm sido dedi-
cadas inúmeras monografias e páginas de
doutrina, o que põe em evidência a circuns-
tância de que é no respeito à dignidade da
pessoa humana que reside o fundamento
último das mais variadas formas de organi-
zação social.
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro é Ba- Na realidade, a grande atenção que hoje
charela em Direito e em Relações Internacio- se confere à garantia de tais direitos pren-
nais, Mestranda em Direito e Estado pela Fa-
de-se à percepção de que os direitos funda-
culdade de Direito da Universidade de São
Paulo – USP, Professora de Teoria Geral do Es- mentais mantêm com o próprio conceito de
tado e de Direito Constitucional no Instituto democracia uma relação de recíproca inte-
de Ensino Superior de Brasília – IESB, Assesso- ração, pois o efetivo respeito aos direitos
ra de Ministro do Supremo Tribunal Federal. fundamentais dos indivíduos representa
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um dos principais parâmetros de aferição salidade dos direitos do homem (vez que ine-
do grau de democracia de uma sociedade, rentes ao indivíduo enquanto tal) e na pre-
ao mesmo tempo em que a concreta e real tendida universalização dos direitos humanos
existência de uma sociedade democrática (tenta-se implementar, em toda a comuni-
revela-se como pressuposto indissociável à dade internacional, a garantia dos direitos
plena eficácia dos direitos fundamentais assegurados nas Declarações, embora se
(BRANCO, 2002, p. 104). saiba que tal concretização global, na práti-
Essa é a razão pela qual os conceitos de ca, ainda resta incompleta, permanecendo
democracia e de direitos fundamentais ca- no campo das legítimas expectativas). Ao
minham sempre juntos1, valendo referir que contrário disso tudo, não se pode pretender a
a origem dos direitos fundamentais remon- universalidade dos direitos fundamentais,
ta à resistência dos povos contra governos eis que, enquanto valores reconhecidos e
opressores e que a evolução histórica de tais positivados por cada ordenamento constitu-
direitos coincide, em seus pontos essenci- cional, os direitos fundamentais necessari-
ais, com a própria criação e evolução do amente variarão, em termos de sua abran-
Estado e com o advento do constituciona- gência e do grau de sua proteção, conforme
lismo moderno2. a cultura predominante em cada uma das
Cumpre referir, nesse ponto, que as ex- nações7.
pressões direitos do homem, direitos huma- Daí por que se pode afirmar, como pre-
nos e direitos fundamentais serão utiliza- cedentemente referido, que a evolução his-
das, no presente trabalho, com noções con- tórica ou (parafraseando o Prof. Fabio
ceituais próprias e diversas, razão pela qual Konder Comparato, 2001) que a “afirmação
se impõe, na presente introdução, e até mes- histórica” dos direitos fundamentais se con-
mo para que se mantenha um mínimo de funde, em suas linhas mestras, com a evolu-
rigor terminológico, proceder a uma breve ção do conceito e da função do Estado e,
definição de cada um desses termos3. também – já que o instrumento formal da
Na linha do magistério doutrinário de Constituição consubstancia o núcleo essen-
Ingo Sarlet (1998, p. 32), os três termos aci- cial das decisões políticas tomadas pelo
ma mencionados devem ser diferenciados Estado –, mistura-se com o próprio advento
de acordo com um critério de concreção po- do constitucionalismo moderno e, posteri-
sitiva ou de concretização normativa. ormente, com o início do constitucionalis-
Partindo dessa linha de classificação, a mo social.
expressão direitos do homem é utilizada Todas essas considerações se fazem re-
para designar, de maneira mais abstrata e levantes eis que o presente trabalho tem
“com contornos mais amplos e imprecisos”4, como pretensão discutir, por uma análise
aqueles direitos naturais ainda não positi- dos textos constitucionais de Weimar (1919)
vados. O termo direitos humanos, por sua e do México (1917) e dos direitos fundamen-
vez, representaria aqueles direitos já posi- tais sociais neles positivados, a inicialida-
tivados na esfera internacional, enquanto o de do constitucionalismo social. Não se fa-
termo direitos fundamentais abrangeria aque- lará, portanto, no presente trabalho, de di-
les direitos cujo reconhecimento e proteção reitos do homem ou de direitos naturais.
estão assegurados em sede constitucional5. Também não serão abordados – não obs-
Essa distinção6, longe de possuir utili- tante sua importância – os inúmeros e ex-
dade unicamente acadêmica, assume vital pressivos documentos internacionais de re-
importância quando se analisa, por exem- conhecimento e proteção dos direitos huma-
plo, questão relativa aos elementos caracte- nos, limitando-se, desse modo, o objeto do
rizadores dos direitos fundamentais. Desse presente estudo, à análise de direitos e valo-
modo, por exemplo, pode-se falar na univer- res revestidos da nota da fundamentalida-

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de, por efeito de sua positivação em sede meios que permitissem adquirir tais prerro-
constitucional. gativas.
Com efeito, o início da idéia de direitos A incipiente industrialização da socie-
fundamentais – repita-se, de direitos e valo- dade (decorrente da Revolução Industrial,
res reconhecidos em sede constitucional – que teve início na Inglaterra do século XVIII,
remonta ao advento do Estado e das teorias mas que posteriormente produziu efeitos –
contratualistas dos séculos XVII e XVIII, que, em maior ou menor grau – em todo o mun-
com o objetivo específico de justificar e legi- do) e a conseqüente ampliação e mudança
timar a criação da figura estatal, acentua- de perfil do mercado de trabalho (antes emi-
vam que o soberano deveria exercer sua au- nentemente agrário e, agora, marcadamen-
toridade com submissão aos direitos de cada te industrial e urbano) trouxeram novas de-
homem, o que simbolizava o advento da mandas que restavam desatendidas pelas
importantíssima idéia da supremacia do Cartas Constitucionais de modelo clássico.
indivíduo sobre o Estado. A antecipada falência do modelo do
Nesse contexto, surgiram os Estado libe- constitucionalismo clássico começou a tor-
rais8 – modernos –, que, no contexto de pro- nar-se mais evidente a partir do fim da pri-
teção do cidadão contra indevidas ingerên- meira guerra e, notadamente, a partir de
cias do poder estatal, asseguraram uma es- 1917, quando o sucesso da Revolução Russa
fera indevassável de proteção ao indivíduo, e o modo de produção socialista passaram
com a criação dos chamados direitos fun- a inspirar e motivar a classe trabalhadora
damentais de primeira dimensão (ou direi- de todo o mundo.
tos da liberdade ou liberdades públicas), E é exatamente nesse período que se
que, por isso mesmo, representam direitos e situam os dois diplomas constitucionais
prerrogativas a serem exercidos contra o que, por suas disposições de conteúdo emi-
Estado. nentemente social, são tidos como marcos
Incluem-se, entre outros, no rol das li- do constitucionalismo social (Constituição
berdades públicas, os direitos à proprieda- Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar
de privada, à intimidade, à privacidade, à de 1919).
liberdade de reunião, de associação e à livre Na realidade, grande parte da doutrina,
manifestação do pensamento, ou seja, direi- ao se referir ao advento do constitucionalis-
tos que têm como elemento central a relação mo social, menciona, de maneira genérica,
– essencialmente desigual – entre soberano como momentos iniciais dessa nova fase
e indivíduo e como princípios norteadores constitucional tanto o advento da Consti-
o liberalismo (quaisquer intervenções esta- tuição do México como a promulgação da
tais são tidas como nocivas), o individua- Constituição de Weimar, deixando de fazer
lismo, a liberdade e a segurança. qualquer menção individualizadora àquilo
Ocorre, no entanto, que o passar do tem- que cada um desses textos, per se, trouxe de
po e a alteração da realidade social fizeram original e inovador ao corpo das concernen-
com que a mera garantia de direitos a serem tes Cartas Políticas.
exercidos contra o Estado não fosse mais Busca-se, portanto, com este breve estu-
suficiente para permitir a plena realização do, trazer alguns questionamentos sobre
do indivíduo em seu ambiente social. essa fase inicial do Estado Providência, pre-
Na realidade, muitos dos direitos à li- tendendo-se responder à indagação sobre
berdade então previstos nos ordenamentos se a Constituição de Weimar de 1919, ape-
constitucionais – tal como ocorria, por exem- sar de cronologicamente posterior à Carta
plo, com o direito à propriedade – somente Constitucional Mexicana de 1917, poderia,
eram exercidos por alguns membros da co- ou não, ser considerada como decisivamen-
letividade eis que, para os outros, faltavam te precursora do constitucionalismo social.

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Frise-se, neste ponto, por oportuno, que constitucionais, nem legislação ordi-
não se desconhece que disposições tópicas, nária – que irão, pouco a pouco, deli-
relativas a um ou outro direito social, já cons- near, dentro do sistema constitucio-
tavam de textos constitucionais anteriores nal, uma série de direitos sociais e tra-
tanto à Constituição Mexicana quanto à balhistas, que passam a integrar o ar-
Constituição de Weimar9. cabouço econômico-social do país. De
Tal, no entanto, não assume relevância qualquer modo, o fato é que as Consti-
quando se tratar, como no presente caso, de tuições do século XIX foram, de um
estudo relativo ao início do constituciona- modo geral, Constituições liberais (...)
lismo social, entendido este não apenas pouco ou nada diziam explicitamen-
como a inserção isolada, em Cartas de índo- te quanto aos direitos sociais, limitan-
le eminentemente liberal, de dispositivos de do-se, quase sempre, apenas à orga-
índole social, mas, sim, como o reconheci- nização política. Apenas em algumas
mento pelo Estado – e através da inserção, Constituições surgem normas que se
nos respectivos textos constitucionais, de relacionam com o chamado problema
inúmeros artigos, posicionados de forma social...”.
sistematizada e relativos às inúmeras di- No presente trabalho, portanto, tomar-
mensões em que se projeta a vida do indiví- se-á como premissa a circunstância de que
duo em sociedade – de que, além de uma a previsão pontual, em sede constitucional,
conduta negativa a ser assumida em tema de específico ou específicos dispositivos,
de liberdades públicas, deve o Poder Públi- isolado(s), relativo(s) a um determinado di-
co intervir no seio da coletividade para, reito de índole social não basta, por si só,
mediante ação positiva, promover a igual- para conferir à referida Constituição a na-
dade material e permitir que todos exerçam, tureza de Texto Constitucional Social.
em iguais oportunidades, todos os direitos A contrario senso, a mera previsão, em sede
previstos em sede constitucional. constitucional, das chamadas liberdades
Irretocável, sob tal aspecto, a advertên- públicas também não confere, ipso facto, à
cia de Floriano Corrêa Vaz da Silva (1977, Carta Política a qualidade de Texto Consti-
p. 35), que, ao versar o tema relativo ao ad- tucional Liberal – mesmo porque o advento
vento do constitucionalismo social, assim do constitucionalismo social não se deu
se pronunciou: mediante substituição das liberdades negati-
“... seria uma esquematização simplis- vas pelos direitos prestacionais, mas, sim, me-
ta a afirmação de que as Constituições diante complementação (somatório) dos di-
do século XIX foram todas puramente reitos de liberdade (indivíduo contra o Esta-
liberais e as Constituições do século do) com os direitos de natureza social (indi-
XX marcadamente sociais. Em quais- víduo enquanto membro de uma coletivida-
quer Constituições, nas mais diversas de, exercendo direitos por meio do Estado).
épocas, podem ser encontrados e pes- Vê-se, portanto, que o que confere natu-
quisados dispositivos concernentes à reza social a determinado ordenamento
ordem social e econômica, cláusulas constitucional é o reconhecimento manifes-
que explícita ou implicitamente defi- tado pelo Estado – e expresso no texto de
nem o regime econômico-social pre- sua Lei Fundamental – no sentido de que,
tendido pelos constituintes. A própria além de garantir, aos cidadãos, o respeito
ausência de cláusulas sociais numa às liberdades clássicas de que são titulares,
Constituição traduz a opção por de- a sua intervenção no seio da sociedade é
terminado sistema. E esta ausência, é desejada e necessária para que os indivídu-
claro, não impede uma lenta constru- os possam melhor desfrutar de seus direi-
ção jurisprudencial, nem emendas tos e de suas garantias10.

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Daí por que comumente se tem entendi- término da 1 a Guerra Mundial, a
do que a fase do Constitucionalismo Social Declaração dos Direitos do Povo Tra-
tem seu início marcado pelas Constituições balhador e Explorado. Nesse docu-
Mexicana e de Weimar. mento são afirmadas e levadas às
Cumpre advertir, neste ponto, que não suas conseqüências, agora com apoio
serão consideradas, no presente trabalho e da doutrina marxista, várias medidas
para efeito comparatório, a Declaração So- constantes da Constituição mexicana,
viética dos Direitos do Povo Trabalhador e tanto no campo sócio-econômico
Explorado (1918) e a posterior Lei Funda- quanto no político (...).
mental Soviética (10/7/1918). Mas aí, como se vê, já se está fora
É que, apesar da forte inspiração social do quadro dos direitos humanos, fun-
de tais diplomas (eis que consubstanciavam dados no princípio da igualdade es-
os ideais motivadores da Revolução Socia- sencial entre todos, de qualquer gru-
lista de 1917), eles, a pretexto de concretiza- po ou classe social. Desde o seu en-
rem avanços em tema de direitos sociais, saio juvenil sobre a Questão Judiciá-
culminaram por aniquilar os direitos de li- ria, publicado em 1843, Marx criticou
berdade, cuja conquista levou séculos para a concepção francesa de Direitos dos
efetivar-se11. Homens, separados dos direitos do ci-
Na realidade, os avanços obtidos em dadão, como consagradora da gran-
tema de direitos sociais – se houve – culmi- de separação burguesa entre socieda-
naram por ser ofuscados diante das opres- de política e sociedade civil, dicoto-
sões manipuladas por uma auto-reconheci- mia essa fundada na propriedade pri-
da ditadura (ditadura do proletariado), que, vada. Os direitos do homem não pas-
nas linhas defendidas por Schmitt (1982), sariam de barreiras ou marcos divisó-
buscava a fusão entre Estado e sociedade rios entre os indivíduos, em tudo e por
mediante a supressão das liberdades públi- tudo semelhante aos limites da pro-
cas. priedade territorial. E os direitos do
Não se pode atribuir, pois, o caráter de cidadão, sobretudo numa época de
vanguarda em tema de proteção a direitos sufrágio censitário, nada mais seriam
fundamentais a uma Carta que, além de ter do que autênticos privilégios dos bur-
significado um retrocesso no que se refere à gueses, em exclusão da classe operá-
liberdade pública de seus cidadãos, simbo- ria. Na sociedade comunista, cujas li-
lizou típico instrumento de tratamento dis- nhas-mestras foram esboçadas no Ma-
criminatório e excludente entre o proletari- nifesto do Partido Comunista, cinco
ado e as “classes possuidoras”12. anos mais tarde, só os trabalhadores
No sentido do caráter excludente das têm direitos e só eles constituem o
declarações soviéticas, a manifestação de povo, titular da soberania política.
Fabio Konder Comparato (2001, p. 189-186), Sem dúvida, na Constituição Me-
para quem: xicana de 1917 não se fazem as exclu-
“Entre a Constituição mexicana e sões sociais próprias do marxismo: o
a Weimarer Verfassung, eclode a Re- povo mexicano não é reduzido unica-
volução Russa, um acontecimento mente à classe trabalhadora...”.
decisivo na evolução da humanidade Também irretocáveis, nesse ponto, as
do século XX. O III Congresso Pan- palavras de Vieira de Andrade (1987, p. 53),
Russo dos Sovietes, de Deputados que coloca em destaque o caráter “subversi-
Operários, Soldados e Camponeses, vo” de algumas doutrinas do “movimento
reunidos em Moscou, adotou, em 4 de socializante”, no que concerne ao conceito
janeiro de 1918, portanto antes do de direitos fundamentais:

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“O movimento socializante modi- vocábulo ‘dimensão’ substitui, com
ficou profundamente o sistema dos vantagem lógica e qualitativa, o ter-
direitos fundamentais, mas, para além mo ‘geração’, caso este último venha
disso, alterou a própria ‘filosofia’ que a induzir apenas sucessão cronológi-
lhes estava subjacente. ca e, portanto, suposta caducidade
Este movimento trouxe consigo dos direitos das gerações anteceden-
doutrinas e teorias que, por modos tes, o que não é verdade. Ao contrário,
diversos, representam um entendi- os direitos da primeira geração, direi-
mento ‘subversivo’ da concepção li- tos individuais, os da segunda, direi-
beral dos direitos fundamentais: a es- tos sociais, e os da terceira, direitos ao
tatização fascista, que corporativizou desenvolvimento, ao meio ambiente,
os direitos; a massificação e o racismo à paz e à fraternidade, permanecem
nacional-socialista, que os destruíram eficazes, são infra-estruturas, formam
por completo; a funcionalização mar- a pirâmide cujo ápice é o direito à de-
xista-leninista, que os expropriou e mocracia...”.
pôs a serviço de um projecto de socie- A crítica ao termo “gerações” de direitos
dade. fundamentais também é feita por Jorge
Apesar disso, pode afirmar-se que Miranda (2000, p. 32), que, ao enfatizar a
a tradição liberal ocidental não foi dis- falsa impressão de alternância que ele pode
solvida. Ela ‘passa de uma maneira gerar, profere o seguinte magistério:
natural e perfeitamente coerente dos “Conquanto esta maneira de ver
direitos de liberdade aos direitos po- possa ajudar a apreender os diferen-
líticos e depois aos direitos econômi- tes momentos históricos de apareci-
cos e sociais’ (...)”. mento dos direitos, o termo geração,
Na realidade, a percepção que se busca geração de direitos, afigura-se enga-
em tema de concretização dos direitos fun- nador por sugerir uma sucessão de
damentais deve colocar em evidência não um categorias de direitos, umas substitu-
aspecto de mera sucessividade, mas, sim, um indo-se às outras – quando, pelo con-
aspecto revelador da complementaridade 13. trário, o que se verifica em Estado so-
Em atenção ao viés substitutivo que foi cial de direito é o enriquecimento cres-
conferido às várias espécies de direitos cente em resposta às novas exigênci-
fundamentais pelas ditaduras socialistas, as das pessoas e das sociedades. Nem
no sentido de que os direitos sociais sobre- se trata de um mero somatório, mas
põem-se e substituem-se às liberdades clás- sim de uma interpretação mútua, com
sicas, muitos autores têm preferido utilizar a conseqüente necessidade de harmo-
o termo “dimensão”, em vez do termo “ge- nia e concordância prática”.
ração”, para efeito de classificação dos di- De fato, revela-se efetivamente mais ade-
reitos de liberdade (primeira dimensão), di- quada a utilização da expressão “dimen-
reitos sociais (segunda dimensão), direitos sões” de direitos fundamentais14, pois, na
de solidariedade (terceira dimensão) e, até medida em que novas prerrogativas são re-
mesmo, dos direitos à democracia (quarta conhecidas aos indivíduos, estas, longe de
dimensão). excluírem, devem sempre vir a complemen-
Paulo Bonavides (2002, p. 525), um dos tar as demais prerrogativas já conquistadas.
primeiros a sustentar, entre nós, a impro- Mais do que isso, as dimensões mais recen-
priedade da expressão “geração de direitos”, tes e os direitos fundamentais já tradicio-
assim manifestou seu entendimento: nalmente assegurados não só coexistem,
“Força é dirimir, a esta algura, um como mantêm entre si uma relação de recí-
eventual equívoco de linguagem: o proca interação, influenciando-se mutua-

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mente e fazendo com que o entendimento foram as inovações de cada um desses tex-
de cada um dos direitos fundamentais seja tos, buscando responder à indagação sobre
sempre interpretado (ou reinterpretado) em se seria possível atribuir a um desses diplo-
conformidade com o contexto global da to- mas a qualidade de documento precursor
talidade das dimensões de direitos já reco- do constitucionalismo social.
nhecidas.
O novo entendimento que foi dado às li- 1. A Constituição Mexicana
berdades clássicas, em função do advento de 31 de janeiro de 1917
dos direitos sociais, é um bom exemplo de
1.1. Antecedentes históricos
reinterpretação de direitos em face do ad-
vento de uma nova dimensão de direitos A Constituição do México configura o
fundamentais. reconhecimento e a positivação, em sede
Hoje, e em face do advento do constituci- constitucional, das reivindicações e dos
onalismo social, é extraído dos direitos de princípios inspiradores da Revolução Me-
primeira dimensão (tradicionalmente con- xicana, iniciada em 1910. Por essa razão,
cebidos como direitos de índole negativa) tornar-se-ia despida de sentido qualquer
um viés positivo que impõe ao Poder Públi- análise do texto constitucional mexicano
co não apenas o dever de abstenção, mas, (ainda em vigor, não obstante objeto de
também, uma obrigação de fazer. Do direito emendas) que deixasse de examinar, mes-
à vida (direito de primeira dimensão), por- mo que em linhas gerais, os antecedentes
tanto, derivam, hoje, interpretando-se o di- históricos que culminaram com a promul-
reito à vida como o direito a uma existência gação, em 31/01/1917, da Constituição de
digna, o direito à saúde, à assistência social Querétaro.
e ao lazer (direitos de segunda dimensão) e, Essa estrita correspondência do texto
também, o direito a um meio ambiente eco- constitucional mexicano com os pleitos
logicamente equilibrado (terceira dimen- constantes da Revolução Mexicana foi en-
são)15. fatizada pelo constitucionalista e ex-presi-
É por essa razão que não se pode incluir, dente da Corte Constitucional Fix-Zamudio
sob a denominação de constitucionalismo (2001, p. 89-90), para quem “Nuestra Consti-
social, a Declaração de Direitos do Povo Tra- tución actual entronca directamente con la Re-
balhador e Explorado e a Lei Fundamental volución mexicana. Cierto que en un principio
Soviética de 1918 (10/07/1918), pois, para este movimiento no llevó como objetivo hacer
que se possa falar, propriamente, em consti- una nueva Constitución. Se encabezó inicialmen-
tucionalismo social, é preciso que se tenha, te por Madero contra la dictadura de Díaz, y
sob a égide de um Estado Democrático de después por Carranza para restaurar el orden
Direito, a expressa positivação, em texto constitucional quebrantado por Huerta, pero el
constitucional, da solene intenção estatal de desarrollo mismo de los acontecimientos condu-
consagrar, para além da igualdade formal e jo finalmente a la expedición de una nueva ley
da liberdade individual, também a igualda- fundamental”18.
de material e os demais direitos sociais dela Também nesse sentido, irretocáveis as
decorrentes16. palavras de Daniel Moreno (1973, p. 227),
Daí, portanto, o presente trabalho, que, que, ao referir-se à Assembléia Constituinte
ao perquirir sobre a inicialidade do consti- convocada para elaboração da Constituição
tucionalismo social, pretende, mediante co- Mexicana de 1917, assim se manifestou:
tejo analítico da Constituição Mexicana de “Poucas vezes o pensamento jurí-
1917 e da Constituição de Weimar de 1919 dico foi devedor de forma tão determi-
(excluída, pois, pelas razões acima expos- nante da realidade social e das idéias
tas, a Constituição Soviética17), revelar quais postas em jogo, como no caso da men-

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cionada Assembléia. Foram assinala- latifundiário liberal Francisco Madero, líder
das como causas fundamentais algu- do movimento que se opunha à reeleição do
mas de tipo econômico, sobretudo a ditador, é preso. Candidato único, Díaz é
dura exploração que sofriam os cam- considerado eleito uma vez mais.
poneses e as paupérrimas condições Francisco Madero, ao fugir da prisão,
em que viviam os operários”. exila-se nos Estados Unidos, lança uma con-
Na realidade, apesar de a elaboração de clamação à rebelião armada destinada a
um novo texto constitucional não ter sido, derrubar Díaz e promete que, em havendo
de fato, um dos objetivos da Revolução Me- um novo governo, seria elaborada uma re-
xicana, não é menos exato afirmar que o tex- forma eleitoral e seriam distribuídas terras
to constitucional que sobreveio à dita revo- aos camponeses.
lução deu expressão máxima às aspirações A resposta mexicana à proposta de
por ela reivindicadas. Madero é entusiástica e rapidamente a re-
Com efeito, a Revolução Mexicana ini- volta se alastra pelo país. Ao sul, o chefe
ciou-se em 1910, e o período de agitações camponês de maior relevância é Emiliano
sociais e políticas no México estendeu-se Zapata, que comanda vinte mil homens na
por quase vinte e três anos após a promul- “Legião da Morte”, armados com fuzis e fa-
gação da Carta Política de 191719. cões utilizados para o corte de cana-de-açú-
A Revolução Mexicana mobilizou, em car. Ao norte, por sua vez, destacam-se como
seu processo, milhões de camponeses e ín- líderes Pancho Villa e Pascual Orozco.
dios (estes, despojados que foram dos “eji- Com o recrudescimento do levante cam-
dos”20) e se insurgia, essencialmente, con- ponês, Porfírio Díaz renuncia e foge em 1911
tra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz, e Madero é eleito novo Presidente.
que perdurou de 1876 a 1911 e ficou conhe- Ao contrário do esperado, no entanto,
cida como “porfiriato”. Madero não promove as prometidas altera-
Porfírio Diaz era apoiado, em seu gover- ções no aparelho estatal, o que gera profun-
no, pelo exército, que possuía o poder de da insatisfação dos líderes camponeses que
polícia do Estado, pela Igreja Católica, que o apoiaram, notadamente de Emiliano
tinha ampla liberdade de ação, por grandes Zapata, que se recusa a desarmar seus ho-
empresas privadas (inclusive de origem es- mens e exige a reforma agrária negada pelo
trangeira) e pelos grandes proprietários de novo Presidente.
terra, que haviam sido beneficiados com a Desatendido, Zapata promove, agora
política de extinção dos “ejidos”. com o apoio de Pancho Villa, uma rebelião
Torna-se claro perceber, portanto, desde contra Madero e lança, em novembro de
logo, que as principais reivindicações revo- 1911, o célebre Plano Ayala, que dispunha
lucionárias consistiam na proibição da ree- sobre a distribuição de terra dos latifúndios
leição do Presidente da República21, no re- para os camponeses.
torno dos “ejidos” e devolução das respec- O Presidente Madero, em reação, envia o
tivas terras às comunidades indígenas, na general Victoriano Huerta para derrotar
nacionalização das grandes empresas e ban- Zapata, que repele a ofensiva do exército e
cos, na consolidação de direitos trabalhis- passa a ser tido como um prestigiado líder
tas à classe média emergente e na separa- das camadas mais pobres22.
ção radical entre Igreja e Estado. Em fevereiro de 1913, enquanto a luta
O crescente autoritarismo de Porfírio prossegue no Norte e no Sul, o general
Díaz passa à insustentabilidade, marcan- Huerta assassina Madero e se torna o novo
do o início do processo revolucionário que Presidente, o que levou à instauração de uma
canalizou as insatisfações nacionais, nas passageira frente da oposição, com partici-
eleições presidenciais de 1910, quando o pação de Zapata e Villa, chefiada pelo libe-

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ral Venustiano Carranza, que proclama o cia o general Álvaro Obregón, que, enfim,
Plano de Reconstrução Constitucional. consolida a revolução.
Sob pressão das forças revolucionárias, Pancho Villa abandona a luta em 1920 e
em julho de 1914 o general Huerta renun- é assassinado três anos depois.
cia, passando o poder para Carranza que, Em 1929 é fundado o Partido Revolucio-
depois de três anos de rebelião, dá início ao nário Nacional (PRN), rebatizado, em 1938,
processo de construção das novas institui- de Partido Revolucionário do México e, em
ções mexicanas, o que apenas se consolida- 1946, de Partido Revolucionário Institu-
rá mais de cinco anos depois. cional (PRI), que se torna, por décadas, o
Vitoriosos, os revolucionários dividem- virtual partido único no país25.
se, agora, em constitucionalistas (Carranza
e Álvaro Obregón), que propõem, simples- 1.2. Os debates da Constituinte
mente, a reforma da Constituição Liberal de Apesar de desnecessárias, algumas ano-
1857, e em convencionistas (Emiliano tações referentes à Assembléia Constituinte
Zapata e Pancho Villa), que desejam imple- ou aos debates nela travados serão, por sua
mentar as propostas de transformações ra- peculiaridade, registradas no presente tra-
dicais da convenção de Aguascalientes balho.
(1914)23. Cabe referir, neste ponto, que todas as
Nas regiões controladas por Zapata, co- referências que ora se faz à Constituinte
meçam a ser colocadas em prática as refor- Mexicana foram extraídas da magnífica obra
mas do Plano Ayala, que prevê a devolução – já mencionada neste estudo na nota de
da terra às comunidades indígenas, expro- rodapé no 19 – El Constitucionalismo Social
priação de um terço das terras dos grandes Mexicano – La integración constitucional de
proprietários para distribuição aos campo- México (1808-1988), de Jorge Sayeg Helú.
neses sem terra, fundação de um Banco Agrí- A primeira curiosidade que se gostaria
cola Nacional e de um Partido Agrário e de enfatizar refere-se ao fato de que os mili-
confisco total das terras de quem se opuses- tares não só formavam a maioria da consti-
se às reformas. tuinte, mas também eram os portadores das
As medidas colocadas em prática por idéias mais radicais ali suscitadas (HELÚ,
Emiliano Zapata, no entanto, são mais ra- 1991, p. 600).
dicais e vão além daquilo que foi proposto Outro dado interessante refere-se ao cur-
no texto original do Plano Ayala. Além da tíssimo espaço de tempo utilizado na dis-
reforma agrária, formam-se escolas técnicas, cussão e aprovação do novo texto constitu-
fábricas de ferramentas e um banco de cré- cional, já que a Assembléia Constituinte foi
dito rural. aberta em 01/12/1916 e a Constituição pro-
Venustiano Carranza, insatisfeito com as mulgada em 31/01/1917, ou seja, apenas
concretizações promovidas por Zapata, de- dois meses depois (HELÚ, 1991, p. 604).
seja institucionalizar e regulamentar as rei- De fato, tal como já se enfatizou quando
vindicações revolucionárias e, em 1917, pro- da análise dos antecedentes históricos da
mulga a nova Constituição Mexicana, ins- Constituição Mexicana, não havia, entre os
pirada pela doutrina anarcossindicalista de próprios revolucionários, posição uniforme
Bakunin24. sobre a necessidade de proceder-se a uma
Dois anos mais tarde, a nova Constitui- mera revisão do texto constitucional liberal
ção ainda era completamente ignorada pelo de 1857 ou de confeccionar-se um novo tex-
Governo, Zapata era assassinado a mando to constitucional.
de Carranza (1919) e o país prossegue em Tanto é assim que, no dia da abertura da
guerra civil até que, em 1920, Carranza é Constituinte, o Presidente Carranza (que
deposto e assassinado, e assume a Presidên- depois viria a matar Emiliano Zapata) apre-

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sentou ao Congresso seu projeto de “Cons- maioria deles longos e com vários incisos),
titución Reformada” (HELÚ, 1991, p. 604). além das disposições transitórias.
Apesar de se auto-reconhecer animado Esses 136 artigos foram sistematizados
pelo melhor espírito de implementar as rei- em nove Títulos, que podiam, por sua vez,
vindicações revolucionárias, o projeto apre- dividir-se em capítulos e seções.
sentado por Carranza foi tido como defici- O Título I da Constituição Mexicana de
ente (HELÚ, 1991, p. 605), tendo se expres- 1917 era formado por quatro Capítulos,
sado, no que toca “a las reformas sociales (...) quais sejam: Das Garantias Individuais
en fórmulas amplias, casi abstractas, y reserva- (Cap. I), Dos Mexicanos (Cap. II), Dos Es-
ba su reglamentación efectiva a la ley secunda- trangeiros (Cap. III) e Dos Cidadãos Mexi-
ria” (HELÚ, 1991, p. 606). canos (Cap. IV).
No que se refere às freqüentes remessas, O Título II possuía apenas dois Capítu-
ao legislador ordinário, muito ocorrentes na los: Da Soberania Nacional e da Forma de
Constituição Brasileira de 1988, e constan- Governo (Cap. I) e Das Partes Integrantes da
tes do projeto de Constituição Reformada Federação e do Território Nacional (Cap. II).
por Carranza, assim se pronunciou Helú O Título III organizava-se em quatro Ca-
(1991, p. 607): pítulos: Da Divisão dos Poderes (Cap. I), Do
“Mucho confió Carranza en el acierto Poder Legislativo (Cap. II) – este último ca-
de los legisladores ordinários, al preten- pítulo dividia-se em quatro Seções: Da elei-
der dejar a su cuidado el dictar las leyes ção e da instalação do Congresso; Da inici-
reclamadas por el pueblo en los campos de ativa e da formação das leis; Da competên-
batalla; por fortuna, empero, quienes acer- cia do Congresso e Da Comissão Permanen-
taron fueron los legisladores constituyen- te –, Do Poder Executivo (Cap. III) e Do Po-
tes, al haber dado el paso decisivo, logran- der Judicial (Cap. IV).
do romper aquel tabú que les impedia dar O Título IV tratava, unicamente, Das
cabida dentro de la Constitución a las fór- Responsabilidades dos Funcionários Públi-
mulas sociales que una depurada técnica cos, o Título V, Dos Estados e da Federação,
constitucional les aconsejaba a no incor- o Título VI (composto exclusivamente pelo
porar a ella”. célebre artigo 123), Do Trabalho e da Previ-
Feitos esses breves registros sobre alguns dência Social. O Título VII tratava Das Dis-
aspectos interessantes, relativos à Assem- posições Gerais, O Título VIII, Das Refor-
bléia Constituinte Mexicana, deve-se, ago- mas da Constituição e, finalmente, o Título
ra, analisar em que medida os direitos cons- IX cuidava Da Inviolabilidade da Consti-
titucionais por ela consagrados efetivamente tuição.
inovaram em tema de concretização de di- Da análise de cada um dos dispositivos
reitos fundamentais sociais, examinando- constantes do texto constitucional mexica-
se, também, se, em face das prescrições cons- no, observa-se que a Constituição de 1917
tantes da Constituição Mexicana de 1917, não se limitou a consagrar, em seu corpo, as
pode esse documento ser tido como o pre- aspirações e reivindicações veiculadas pela
cursor do constitucionalismo social, que iria Revolução, garantindo, também, ao lado das
influenciar grande parte das Constituições determinações de índole social, em seu Ca-
do pós-segunda guerra. pítulo I (Das Garantias Individuais), inú-
meros direitos clássicos à liberdade.
1.3. O texto da Constituição Entre o extenso rol de direitos de primei-
Mexicana de 1917 ra dimensão constantes do Capítulo I do
A Constituição Mexicana promulgada Título I da Constituição Mexicana, desta-
em 31/1/1917 – e que entraria em vigor em cam-se os seguintes: proibição da escravi-
1/5/1917 – compunha-se de 136 artigos (a dão (art. 2o); igualdade entre os sexos (art.

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4o); liberdade de expressão e de informação Além de tais direitos de segunda dimen-
(art. 6o); vedação à censura prévia (art. 7o); são, a Constituição Mexicana previu, em li-
direito de petição (art. 8o); liberdade de reu- nhas gerais, em seu artigo 27 (pertinente à
nião e de associação (art. 9o); direito à livre questão agrária no México e tido como um
circulação (art. 11); princípio do juiz natu- dos pilares da consagração, no texto consti-
ral e proibição de juízo de exceção (art. 13); tucional, das idéias fulcrais da Revolução),
irretroatividade das leis prejudiciais aos ci- a propriedade da nação relativamente às
dadãos (art. 14); devido processo (art. 14, § terras e águas (que podiam, ou não, ser trans-
1o); legalidade em matéria penal (art. 14, § mitidas a particulares, mediante proprieda-
2o); vedação à extradição por crimes políti- de privada), a possibilidade de desapropri-
cos (art. 15); inviolabilidade de domicílio ação de terras por utilidade pública, medi-
(art. 16); sigilo de correspondências (art. 16, ante indenização, a proteção da pequena
§ 2o); vedação ao exercício arbitrário das propriedade (art. 27, XV) e a função social
próprias razões (art. 17); acesso gratuito ao da propriedade.
Poder Judiciário (art. 17, § 1o); vedação de Ao lado da questão agrária, tratada no
prisão por dívida (art. 17, § 3o); garantias do art. 27 da Constituição, o artigo 123 (que
acusado (art. 20 – frise-se, no ponto, que o compunha o Título VI: Del Trabajo e de Previ-
sistema penal mexicano funda-se sobre a sion Social) consubstanciava o outro pilar
“base do trabalho”); vedação de penas cru- sustentador da consagração das aspirações
éis (art. 22); princípio do non bis in idem (art. revolucionárias em sede constitucional.
23); liberdade religiosa (art. 24); mandato de Destacam-se, nesse dispositivo – tido por
seis anos conferido ao Presidente da Repú- alguns doutrinadores como inaugurador do
blica, “que por nenhum motivo poderá vol- Direito Constitucional do Trabalho –, as se-
tar a desempenhar este posto”26 (art. 83 – guintes prescrições: direito ao emprego e
direito à alternância política), e separação correlata obrigação do Estado de promover
Estado/Igreja (art. 130). a criação de postos de trabalho (art. 123,
Ao lado dos direitos de liberdade acima “caput”); jornada de trabalho máxima de
referidos, a Constituição Mexicana de 1917 oito horas (I); jornada noturna de seis horas
previu, também, direitos e garantias de se- (II); proibição do trabalho aos menores de
gunda dimensão. Estes – apesar de cons- 14 e jornada máxima de seis horas aos mai-
tantes, em sua essencialidade, nos arts. 27 e ores de 14 e menores de 16 (III); um dia de
123 – não se concentram em um único Capí- descanso para cada 6 dias trabalhados (IV);
tulo da Constituição, apresentando-se, ao direitos das gestantes (V); salário mínimo
contrário, dispersos ao longo de todo o tex- digno (VI), a ser estabelecido por uma co-
to da Carta Política. missão nacional formada de representan-
Sob tal aspecto, deve-se destacar as se- tes dos trabalhadores, patrões e do governo;
guintes previsões: proteção à família (art. direito a salários iguais aos que exercem
4o)27, direito à saúde, de incumbência da Fe- iguais funções, sem discriminação de gêne-
deração e das entidades federativas (art. 4o, ro ou nacionalidade (VII); participação dos
§ 2o), direito à moradia digna, a ser concreti- trabalhadores nos lucros das empresas (IX);
zado por meio de apoio Estatal (art. 4o, § 3o), horas extras limitadas a três diárias, reali-
proteção pública dos menores (art. 4o, § 4o), zadas no máximo três dias consecutivos, e
direito ao trabalho e ao produto que dele acrescidas de 100% (XI); criação de um fun-
resulta (art. 5o), proibição de contratos que do nacional de habitação, a ser administra-
importem na perda de liberdade do indiví- do pelo Governo Federal, pelos trabalhado-
duo (art. 5o, § 4o)28 e a vedação à constituição res e pelos patrões (XII, § 1o); direito à capa-
de monopólios (art. 28 – direito esse de na- citação ao trabalho (XIII); responsabilidade
tureza eminentemente econômica). do empregador por acidente de trabalho

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(XIV); direito à formação de sindicatos (XVI); operária ainda não se fazia sentir em um
direito de greve, reconhecido inclusive em país que apenas iniciava seu processo de
favor dos patrões e em favor dos funcionári- industrialização. Por outro lado, a sensibi-
os públicos (art. XVII); criação das juntas de lidade dos jovens generais e chefes revolu-
conciliação, formadas por igual número de cionários orientava-se no sentido da ado-
representantes dos trabalhadores e dos pa- ção de soluções enérgicas na ordem jurídi-
trões e por um representante do governo ca laboral”.
(XX); direito à indenização em caso de de- Mário de la Cueva (1960), ao enfatizar a
missão sem justa causa (XXII) e reconheci- importância do art. 123 da Constituição
mento da utilidade pública da Lei de Segu- Mexicana e ao investigar as origens do mo-
ro Social, que compreenderá “seguros por vimento em prol de uma legislação traba-
invalidez, por velhice, seguros de vida, de lhista no México, adverte que a ingerência
interrupção involuntária do trabalho, de en- no desenvolvimento do direito do trabalho
fermidades e acidentes de trabalho e qual- mexicano deve-se, unicamente, ao governo
quer outro seguro destinado à proteção e ao presidencialista, não tendo assumido a clas-
bem-estar dos trabalhadores, dos campone- se operária nenhuma participação nesse
ses, dos não-assalariados e de outros seto- processo.
res sociais e respectivos familiares” (XXIX – Registre-se, finalmente, um aspecto pou-
traduzi). co referido da Constituição Mexicana de
Interessante notar que, não obstante o rol 1917: a sua nítida integração, ao lado dos
de direitos conferidos ao trabalhador seja direitos de primeira e de segunda dimen-
de notável abrangência e extensão (deixan- são, de direitos fundamentais de terceira di-
do de observar, por isso mesmo, a melhor mensão.
técnica constitucional29 ao estabelecer, em Com efeito, como se sabe, os direitos de
sede constitucional, prescrições de índole terceira geração são aqueles que protegem
eminentemente infraconstitucional30), não não o homem, considerado isoladamente,
foi a classe trabalhadora relevante no pro- mas, sim, a coletividade como um todo, ra-
cesso revolucionário mexicano, pois, con- zão pela qual trata-se de direitos de titulari-
soante já assinalado, a população mexica- dade difusa, fundados nos princípios da
na que, em 1910, deu início ao movimento fraternidade ou da solidariedade. No rol dos
contrário ao ditador Porfírio Díaz era emi- direitos fundamentais de terceira dimensão,
nentemente composta por camponeses já incluem-se, por exemplo, o direito a um meio
que o México ainda não tinha experimenta- ambiente equilibrado, o direito à paz, à au-
do um processo de industrialização que o todeterminação dos povos e à preservação
permitisse contar com uma numerosa clas- do patrimônio histórico e cultural31.
se operária. O artigo 3o da Constituição Mexicana,
Daí por que parece ser o artigo 27 – per- ao versar sobre o sistema público de educa-
tinente à questão agrária mexicana – aquele ção, afirma que este deverá promover, além
que incorporou, de uma maneira mais fiel, de todas as faculdades do ser humano, “a
as legítimas reivindicações constantes da consciência da solidariedade internacio-
revolução e aquele que atendeu, de maneira nal”, em claro beneplácito ao princípio ins-
mais imediata, os pedidos que mais afeta- pirador dos direitos de terceira dimensão e
vam, diretamente, a vida dos mexicanos. com nítida percepção de que determinados
Nesse sentido, manifesta-se Ary Brandão valores devem ser protegidos não apenas
de Oliveira (1991, p. 66), que, citando Nestor em relação ao indivíduo (primeira dimen-
de Buen (1977, p. 232) e ao colocar em desta- são) ou a uma coletividade nacional (segun-
que o viés eminentemente camponês da re- da dimensão), mas, sobretudo, em face de
volução mexicana, afirma que “a questão toda a comunidade (terceira dimensão).

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No artigo 25, que trata sobre a interven- aumento em sua classe operária militante e,
ção do Estado no domínio econômico, afir- conseqüentemente, nas reivindicações por
ma-se que os setores sociais e privados da ela manifestadas.
economia sujeitam-se aos interesses públi- Essa realidade de prosperidade interna
cos e ao uso, em benefício geral, dos recur- representou, também, um dos fatores que
sos produtivos, devendo-se cuidar, portan- impulsionaram a Alemanha a tomar parte
to, de “su conservación y el médio ambiente” na acirrada disputa européia por fatias de
(art. 25, § 4o). mercado consumidor e, conseqüentemente,
No artigo 27, por sua vez, ao serem dis- a participar da Primeira Grande Guerra, da
ciplinados a reforma agrária e o modo de qual saiu como grande derrotada.
organização dos assentamentos, reconhece- A entrada da Alemanha na Primeira
se a necessidade de se editar medidas para Guerra, no entanto, trouxe profundas con-
“preservar y restaurar el equilibrio ecológico” seqüências internas, causadas pelo eleva-
e, também, para “evitar la destrucción de los do número de mortos e feridos32 e, também,
elementos naturales”. pela profunda crise econômica que se aba-
Da análise dessas três passagens cons- teu sobre um país totalmente voltado a ati-
tantes do texto constitucional mexicano, vidades bélicas33.
pode-se concluir que tal diploma não ape- Marco Aurélio Peri Guedes (1998, p. 35),
nas reconheceu e positivou direitos de ter- em sua dissertação de mestrado, afirma que
ceira dimensão, mas também – ao colocá-los “a guerra começou em 4 de agosto de 1914,
em relação de recíproca interação e mútua sem que a Alemanha estivesse economica-
influência com outros direitos fundamentais, mente preparada. Na verdade – prossegue
como, por exemplo, o direito à propriedade ele – os militares e os políticos esperavam
(1a dimensão) e a função social da proprieda- que a guerra fosse vencida em poucas se-
de (2a dimensão) – teve nítida percepção do manas. Não houve qualquer preocupação
caráter complementar que lhes é inerente. governamental em estocar alimentos para
uma guerra em longo prazo, até porque tudo
2. A Constituição da estava concentrado no esforço de guerra”.
República de Weimar (1919) Nos últimos anos de guerra, a situação
interna na Alemanha é de profundo caos, o
2.1. Antecedentes históricos
que também foi agravado pelo intenso blo-
Assim como a Constituição Mexicana queio naval inglês, que trouxe escassez de
que cronologicamente lhe antecedeu, tam- alimentos à população e conseqüente infla-
bém a Constituição de Weimar nasceu num ção de preços (GUEDES, 1998, p. 37).
período de profundas perturbações sociais. Nesse contexto, levantes começam a eclo-
Para analisar o contexto histórico em que dir em toda a Alemanha, levantes esses que,
se deu o advento da Constituição de agora, além de decorrerem da miséria e da
Weimar, deve-se remeter à vitória alemã, crise social internas, eram também inspira-
liderada por Bismarck, na Guerra Franco- dos pelo recente e próximo exemplo da
Prussiana (1870) e ao estímulo que essa vi- União Soviética34.
tória representou para o início da luta de Iniciou-se uma verdadeira revolução
unificação federalizada dos principados e bolchevista no seio do Reich. Os partidos de
das cidades livres de língua alemã na Con- extrema esquerda – espartaquistas e socia-
federação Germânica. listas independentes – exigiam a dissolu-
Concretizada, sob o reinado do Kaiser ção das instituições parlamentares alemãs
Guilherme II, a criação do Primeiro Reich, a (SILVA, F., 1991, p. 42).
Alemanha experimentou um notável cres- Em novembro de 1918, eclodiu na Ale-
cimento urbano-industrial, o que gerou um manha uma rebelião naval que culminou

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por transformar-se numa guerra civil rio) abandonam definitivamente o governo
(COMPARATO, 2001, p. 196). e convocam uma greve geral.
Lionel Richard (1988, p. 29-31) assim O Príncipe Marx, então, anuncia a abdi-
descreveu a revolta que se iniciou, em 1918, cação do Imperador, designa Friederich
no porto de Kiel: Ebert (líder dos social-democratas) para
“Os marinheiros se haviam recu- exercer as funções de chanceler, propondo,
sado a seguir os oficiais que queriam ainda, a convocação de uma Assembléia
continuar a guerra no mar. As más Nacional Constituinte. Precipitando-se, no
condições de vida fizeram o resto: a entanto, Philip Scheidemann, ministro in-
bandeira vermelha foi hasteada nos tegrante da social-democracia, anuncia, no
navios e 20.000 marujos armados ocu- mesmo dia, no balcão da chancelaria em
param o porto. Desarmaram oficiais, Berlim, a proclamação da República36.
libertaram os prisioneiros nos quar- Formou-se, então, um governo provisó-
téis, elegeram um conselho de solda- rio (Conselho dos Delegados do Povo), che-
dos. Com esse exemplo, interrompe- fiado por Ebert e que compreendia três inte-
ram o trabalho nas fábricas. Os gre- grantes da social-democracia (SPD) e outros
vistas formaram um conselho de ope- três integrantes do Partido Social Democrá-
rários. Após Kiel, o processo se repe- tico Independente (USPD)37. Esse governo
tiu em Stuttgart e Hamburgo. As esta- provisório, no entanto, tinha objetivos di-
ções foram ocupadas, as tropas levan- vergentes38, pretendendo o SPD a convoca-
taram contra os oficiais, os comandan- ção de assembléia constituinte e o estabele-
tes militares foram substituídos, os cimento de uma democracia parlamentar,
meios de transporte requisitados por enquanto o USPD buscava o imediato esta-
soldados em revolta. Símbolos de sé- belecimento de uma ditadura do proletaria-
culos de opressão, as insígnias foram do, com a completa socialização da econo-
por toda parte destruídas; bandeiras mia nos moldes soviéticos.
vermelhas foram hasteadas; organi- Essa divergência foi solucionada medi-
zaram-se conselhos de operários e de ante a convocação de um congresso de re-
soldados...”. presentantes das diferentes províncias in-
A reforma constitucional do texto ale- tegrantes do Reich, que, reunido em Berlim,
mão, de 3/11/1918, que determinou a par- em 20/01/1919, deliberou, por ampla mai-
lamentarização da Alemanha e que passou oria, no sentido da convocação de uma as-
o poder ao Príncipe Max von Baden35 (que sembléia constituinte.
também estava incumbido de celebrar o ar- O local escolhido para sediar a Assem-
mistício com os Estados Unidos), foi, por- bléia Constituinte foi Weimar, eis que, além
tanto, tardia e não conteve o fluxo das agita- de trazer a inspiração de Goethe, que ali vi-
ções sociais (BRUNET, 1921, p. 32-33). vera, ficava afastada das lutas travadas em
Na linha do relato histórico feito por Berlim em função do levante spartakista39.
Comparato (2001, p. 196-198), tem-se que, É que dias antes (entre 6 e 15 de janeiro)
logo após a reforma constitucional de 03/ as forças militares alemãs travaram violen-
11/1918, em 8/11/1918, uma República tos conflitos em Berlim contra os militantes
“Democrática e Socialista” era proclamada Spartak, do que resultou o assassinato de seus
na Baviera. líderes Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Sentindo que a esquerda mais radical – Convocadas as eleições para a Assem-
especialmente o grupo Spartak, liderado por bléia Constituinte, antecipava-se aquilo que
Karl Liebknecht – ganhava o apoio das li- seria uma das causas da ruptura de Weimar:
deranças populares, os sociais democratas a absoluta fragmentação política e ausência
(integrantes do partido socialista majoritá- de maioria positiva no Parlamento40.

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Sob tal aspecto, irretocáveis as palavras república alemã (agora, uma República Fe-
de Bourthoumieux (1950, p. 28): derativa, formada por 17 Länder).
“Cette dissociation du pouvoir réel
et du pouvouir legal caractérise dês lê 2.2. O texto da Constituição
début la période nouvelle et marque de Weimar de 1919
ce qui em será la loi constante: neces- A Constituição Alemã de 1919 era com-
site de réaliser et de maintenir um posta por 165 artigos (excetuando-se as dis-
compromis entre dês forces naturelle- posições transitórias), divididos em dois li-
ment divergentes. Ce compromis, uni- vros: Livro I, relativo à “Estrutura e Fins da
quement imposé par la crainte com- República”, e Livro II, pertinente aos “Di-
mune de la Révolution n’est qu’une reitos e Deveres Fundamentais do Cidadão
tréve momentanée pour les adversai- Alemão”.
res de la République. Il ne suppose O Livro I, por sua vez, ao dispor sobre a
aucun accord sur les questions politi- estrutura e as finalidades da República, di-
ques et sociales. Cet accord n’exist vidia-se em sete capítulos, quais sejam: Ca-
même pas dans la coalition républi- pítulo I (A República e os estados); Capítulo
caine des socialistes, des democrats II (O Parlamento); Capítulo III (O Presidente
et du centre. Dés les premières séan- da República e o Governo Federal); Capítu-
ces de l’Assemblée nationale, il fut vi- lo IV (O Conselho da República); Capítulo
sible que seuls les discourses qui exal- V (A Legislação da República), Capítulo VI
taient l’heroisme des armées et repous- (A Administração da República) e Capítulo
saient toute responsabilité du Reich VII (A Administração da Justiça).
dans la guerre étaient capable de faire O Livro II do texto constitucional de
l’unnanimité”. Weimar, que estabelecia os direitos e os de-
Os membros do SPD obtiveram a maio- veres fundamentais do cidadão alemão,
ria das cadeiras41, mas não sua maioria ab- possuía os seguintes capítulos: Capítulo I
soluta (163, num total de 414). As demais (A pessoa individual); Capítulo II (A vida
cadeiras restaram pulverizadas entre parti- social); Capítulo III (Religião e agrupamen-
dos de tendências diversas, ficando o USPD, tos religiosos); Capítulo IV (Educação e es-
com apenas 22 representantes. Os spartak42 cola) e Capítulo V (A vida econômica).
não participaram da Assembléia Constitu- O Livro I, enquanto veiculador da orga-
inte43. nização do Estado, da estruturação de seus
O projeto da Constituição de Weimar foi órgãos e dos limites de atuação dos Länder
redigido por Hugo Preuss, professor de ori- em face do Reich e de cada um dos Poderes
gem judaica adepto do comunitarismo, até Políticos em relação aos demais, não traz
então alijado do centro acadêmico alemão44, maiores inovações, eis que, em regra, os tex-
discípulo de Otto v. Gierke e influenciado tos políticos destinam-se a estabelecer pres-
por Weber, que era considerado um dos pou- crições de tal natureza46.
cos juristas de tendências de esquerda45. Foi sobre o Livro II, no entanto (que com-
Em 9 de julho de 1919, a Assembléia ra- preende os artigos 109 a 165), que incidiu
tificaria o Tratado de Versalhes (verdadeiro maior parte da atenção dos estudiosos. Não
Diktat) – que, pelas duras penalidades e faltaram críticas aos direitos e garantias nele
indenizações econômicas que impôs à constantes. Técnicas de hermenêutica foram
Alemanha, representaria um outro fator de- aprimoradas para permitir que os direitos
terminante do colapso de Weimar em 1933 fundamentais conferidos por esses disposi-
(após o golpe final desferido pela Crise de tivos ao povo alemão pudessem alcançar
1929) – e, em 11 de agosto de 1919, restava nível mais elevado de concretização. Che-
promulgado o novo texto constitucional da gou-se também a sustentar que a Constitui-

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ção Alemã possuía uma contradição abso- 109); igualdade cívica entre homens e mu-
luta entre seus dois livros, que estabeleciam lheres (art. 109, § 1o); direito à nacionalida-
uma organização liberal de Estado, de um de (art. 110); liberdade de circulação no ter-
lado, e conferiam direitos de natureza soci- ritório e para fora dele (art. 111 e 112); direi-
alista, de outro (SCHMITT, 1982). to das minorias de língua estrangeira (art.
O fato, no entanto, é que o rol sistemati- 113); inviolabilidade de domicílio (art. 115);
zado de direitos constante do Livro II da irretroatividade da lei penal (art. 116); sigi-
Constituição de Weimar, ao garantir tanto lo de correspondência e de dados telegráfi-
liberdades públicas como prerrogativas de cos ou telefônicos (art. 117); liberdade de
índole social, notabilizou e celebrizou a manifestação do pensamento (art. 118); ve-
Constituição Alemã de 1919, que, não obs- dação à censura, exceto para proteger a ju-
tante suas imperfeições – inerentes a toda ventude e para combater a pornografia e a
obra humana –, inspirou textos constitucio- obscenidade47 (art. 118, § 1o); proteção ao
nais por todo o mundo, inclusive no Brasil matrimônio e à família (art. 119)48; igualda-
(Constituição de 1934). de jurídica entre os cônjuges (art. 119); igual-
Não obstante seja o Livro II dividido em dade entre filhos havidos na constância ou
cinco capítulos temáticos (A pessoa indivi- fora do matrimônio (art. 121); liberdade de
dual; A vida social; Religião e agrupamen- reunião (art. 123); liberdade de associação
tos religiosos; Educação e escola e A vida (art. 124); direito ao voto secreto (art. 125);
econômica), revela-se incompleto o estudo direito de petição ao Poder Público (art. 126);
que, partindo apenas da análise dos respec- igualdade de acesso aos cargos públicos
tivos títulos, pretenda classificar, a priori, (art. 128); direito adquirido e reivindicáveis
quais dimensões de direitos fundamentais perante o Poder Judiciário, em tema aspira-
foram contempladas em cada um desses ca- ções patrimoniais de servidores públicos e
pítulos. soldados de carreira (art. 129, “caput” e § 3o);
É que o Capítulo II, por exemplo – que liberdade de consciência e crença religiosa
tem como tema central “A vida social” – , (art. 135); separação Estado/Igreja (art. 137);
não apenas dispõe, ao contrário do que pode liberdade de associação religiosa (art. 137, §
parecer, sobre direitos fundamentais de ín- 1o) e liberdade de sindicalização (art. 159).
dole social, possuindo, também, prescrições Entre os direitos de segunda dimensão –
de natureza eminentemente liberal, consa- que conferem o caráter social à Constitui-
gradoras das chamadas liberdades públi- ção de Weimar –, devem-se destacar as se-
cas, tal como aquela referente ao direito de guintes garantias: proteção e assistência à
petição (Capítulo II, art. 126). maternidade (art. 119, § 2o e 161); direito à
Desse modo, apesar de a Constituição educação da prole (art. 120); proteção mo-
de Weimar possuir, como característica, a ral, espiritual e corporal à juventude (art.
organização e sistematização de seus pre- 122); direito à pensão para família em caso
ceitos (ao contrário do que se verifica na de falecimento e direito à aposentadoria, em
Constituição Mexicana), ainda assim as di- tema de servidor público (art. 129); direito
versas espécies de direitos fundamentais ao ensino de arte e ciência (art. 142); ensino
encontram-se dispersas no corpo do texto obrigatório, público e gratuito (art. 145); gra-
constitucional, devendo-se, portanto, para tuidade do material escolar (art. 145); direi-
identificá-las, proceder a um exame de cada to a “bolsa estudos”, ou seja, à “adequada
um dos 165 artigos da referida Carta Política. subvenção aos pais dos alunos considera-
Desse modo, entre o extenso rol de direi- dos aptos para seguir os estudos secundá-
tos fundamentais de primeira geração cons- rios e superiores, a fim de que possam co-
tantes da Constituição de Weimar, desta- brir a despesa, especialmente de educação,
cam-se os seguintes: direito à igualdade (art. até o término de seus estudos” (art. 146, §

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2o); função social da propriedade49; desapro- to, de dispositivo destinado unicamente a
priação de terras, mediante indenização, contemplar direitos fundamentais de tercei-
para satisfação do bem comum (art. 153, § ra dimensão.
1o); direito a uma habitação sadia (art. 155); Com efeito, o art. 150 da Constituição da
direito ao trabalho (art. 157 e art. 162); pro- República Alemã de 1919, ao dispor que “os
teção ao direito autoral do inventor e do ar- monumentos de arte, históricos e naturais,
tista (art. 158); proteção à maternidade, à bem como a paisagem, gozam da proteção e
velhice, às debilidades e aos acasos da vida, incentivo estatais”, positivou, em sede cons-
mediante sistema de seguros, com a direta titucional, típicos direitos de terceira dimen-
colaboração dos segurados (art. 161 – pre- são, titularizados por toda a coletividade e
vidência social); direito da classe operária a consistentes na garantia de preservação do
“um mínimo geral de direitos sociais” (art. meio ambiente (“monumentos naturais” e
162); seguro-desemprego (art. 163, § 1o) e “paisagem”) e de conservação dos patrimô-
direito à participação, mediante Conselhos nios históricos e culturais (“monumentos
– Conselhos Operários e Conselhos Econô- históricos” e “monumentos de arte”).
micos –, no ajuste das condições de trabalho
e do salário e no total desenvolvimento eco- 3. Uma análise comparativa dos
nômico das forças produtivas, inclusive me- textos da Constituição Mexicana e
diante apresentação de projeto de lei (art. 165).
da Constituição de Weimar
Registre-se, por oportuno, que, tal como
ocorre com a Constituição Mexicana de 1917, Inicialmente, procederemos a um cotejo
também um aspecto da Constituição de das disposições constantes de cada uma des-
Weimar costuma ser desconsiderado pela sas Cartas Políticas, relativamente aos direi-
doutrina: a existência, no corpo de seu tex- tos fundamentais de primeira dimensão:

Direitos Fundamentais Constituição


Constituição de Weimar de 1919
de Primeira Dimensão. Mexicana de 1917
Direito à igualdade Art. 4o Art. 109
Liberdade de circulação no
Art. 11 Arts. 111 e 112
território nacional e para fora dele
Direitos das minorias – Art. 113
Inviolabilidade de domicílio Art. 16 Art. 115
Irretroatividade da lei penal Art.14 Art. 116
Art. 117 (incluídos os sigilos aos dados
Sigilo de correspondências Art. 16 § 2o
telegráficos e telefônicos)
Liberdade de manifestação do
Art. 6o Art. 118
pensamento
Art. 118, § 2o (exceto na proteção à
Vedação à censura Art. 7o
juventude e no combate à pornografia)
Proteção ao matrimônio e à família
– Art. 119
(garantias institucionais)
Igualdade jurídica entre cônjuges – Art. 119
Igualdade jurídica entre filhos
havidos na constância ou fora do – Art. 121
matrimônio
Liberdade de reunião e associação Art. 9o Arts. 123 e 124
Direito de petição ao Poder Público Art. 8o Art. 126
Igualdade de acesso aos cargos
– Art. 128
públicos

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Direitos Fundamentais Constituição
Constituição de Weimar de 1919
de Primeira Dimensão. Mexicana de 1917
Art. 129, “caput” e § 3o (relativamente a
Direitos adquiridos – pretensões pecuniárias relativas a
servidores públicos e soldados de carreia
Liberdade de consciência e crença
Art. 24 Art. 135
religiosa
Separação Estado/Igreja Art.130 Art. 137
Proibição à escravidão Art 2o –
Princípio do juiz natural e
Art. 13 –
proibição de juízo de exceção
Devido processo Art. 14 § 1o –
Vedação ao exercício arbitrário das
Art. 17 –
próprias razões
Acesso gratuito ao Poder Judiciário Art. 17 § 1o –
Vedação de prisão por dívida Art. 17, § 3o –
Princípio do “non bis in idem” em
Art. 23 –
matéria criminal

Do exame do quadro acima, pode-se per- natural. Nada há, no entanto, como já acen-
ceber que as duas Constituições tiveram tuado, que indique o caráter proposital des-
percepção semelhante no que se refere à sa “lacuna”.
necessidade de não apenas abranger-se a No que se refere aos direitos de segunda
proteção constitucional aos direitos de índo- dimensão, pode-se perceber uma nítida di-
le social, mas, também, de se preservar o con- ferenciação entre os dois textos quanto aos
teúdo das liberdades públicas já alcançadas. temas sociais prioritários, eleitos pelos di-
Não há nada de discrepante entre os dois plomas constitucionais para os fins de ou-
textos constitucionais em exame (Constitui- torgar-se especial proteção.
ção Mexicana de 1917 e Constituição de Com efeito, pode-se observar que a Cons-
Weimar de 1919) que indique que qualquer tituição Mexicana – apesar de ter reconhe-
um desses diplomas (frutos, respectivamen- cido outros direitos, como o direito à educa-
te, de uma revolução camponesa e de uma ção (art. 3o), à saúde (art. 4o, § 2o) e o direito à
assembléia constituinte convocada em meio moradia (art. 4o, § 3o) – concentrou-se, de
a profunda crise econômica e a perturba- maneira sensível – e até mesmo em razão de
ções sociais também imputáveis à ameaça sua origem –, na solução das questões agrá-
socialista) tendesse, desde seu início, à ins- rias (art. 27) e dos direitos trabalhistas (art.
tituição de regimes autoritários. 123).
Pelo contrário, o quadro acima reflete que Os direitos sociais fulcrais no ordena-
o rol das liberdades públicas foi ampliado mento jurídico mexicano são o reconheci-
nos textos Mexicanos e de Weimar, caben- mento da função social da propriedade e da
do destacar, por sua vanguarda, dispositi- possibilidade de esta ser distribuída por
vo da Constituição de Weimar que assegu- desapropriação, de um lado, e a outorga de
rava a igualdade entre filhos havidos na especial proteção ao trabalhador, inclusive
constância do matrimônio ou não. mediante a instalação de um regime de pre-
Chama a atenção, no entanto, a ausên- vidência social, de outro.
cia, no texto de Weimar, de dispositivos in- Na realidade, uma análise dos textos
tegrantes do chamado “direito processual constantes dos arts. 27 e 123 revela que to-
constitucional”, consistentes nos princípi- dos os demais direitos ali elencados decor-
os básicos do devido processo legal e do juiz rem, materialmente, do direito de proteção

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ao trabalho, de um lado, e da função social globais, ao menos em tema de mundo oci-
da propriedade, de outro. dental (até mesmo em face do exemplo e da
Esse aspecto, por óbvio, não pode, de ameaça soviéticos).
maneira alguma (e nem aqui se pretende O advento de uma nova classe operária,
isso), desqualificar o texto constitucional mais organizada em função de seus interes-
mexicano, indubitavelmente a Constituição ses, foi conseqüência de um processo de in-
que, cronologicamente, instaurou a fase do dustrialização da produção que, em uma ou
constitucionalismo social ao prever, em seu outra medida e em graus diversos de inten-
corpo, ao lado das liberdades clássicas, di- sidade, atingiu a quase totalidade dos paí-
reitos fundados na essencial igualdade ses europeus e americanos, o que fez com
material dos indivíduos, garantindo aos que reivindicações de direitos trabalhistas
camponeses a possibilidade de obtenção de fossem uma constante na época.
terra mediante sua redistribuição pelo Go- Sob tal aspecto, a Constituição Mexica-
verno e o respeito à pequena propriedade na desempenhou papel de vital importân-
rural e assegurando aos trabalhadores di- cia, pois não apenas reconheceu direitos,
reitos mínimos, como aqueles relativos à jor- mas, também, conferiu-lhes estatura consti-
nada de trabalho, à fixação de um salário tucional, tudo a significar a especial prote-
mínimo, à especial proteção conferida aos ção de que seriam titulares.
ambientes de trabalho periculosos ou insa- Irretocáveis, no ponto, as palavras de
lubres, à participação nos lucros das em- Karl Loewenstein (1970, p. 401):
presas, à proteção à trabalhadora gestante e “Como postulados expressamen-
à possibilidade de se submeter as contro- te formulados, os Direitos Fundamen-
vérsias decorrentes do contrato de trabalho tais socioeconômicos não são absolu-
a um órgão de julgamento neutro, composto tamente novos: alguns deles, como o
por igual número de representantes de tra- direito ao trabalho, foram inscritos nas
balhadores e patrões e por um membro do Constituições Francesas de 1793 e
governo. 1848. Mas foi apenas em nosso sécu-
Os avanços alcançados pela Constitui- lo, depois da primeira e, em maior grau
ção Mexicana de 1917 em tema de direito ainda, depois da segunda guerra
agrário e de direito do trabalhador são, por- mundial, que se converteram no equi-
tanto, irrecusavelmente notáveis. pamento-padrão do constitucionalis-
Deve-se destacar, no entanto, que, ape- mo. Foram proclamados pela primei-
sar da histórica primazia cronológica mexi- ra vez na Constituição Mexicana de
cana em tema de positivação constitucional 1917, que, com um salto, se poupou
de direitos de natureza social, a abrangên- todo o caminho para realizá-los: to-
cia e a extensão nas quais esses direitos fo- das as riquezas naturais foram naci-
ram consagrados (com enfoque nas ques- onalizadas e o Estado assumiu com-
tões agrárias e trabalhistas) fizeram com que pletamente, pelo menos no papel, a
o exemplo Mexicano, não obstante inspira- responsabilidade social para garan-
dor, culminasse por configurar um modelo tir uma existência digna a cada um de
de referência quase que regional, muito ade- seus cidadãos”.
quado à realidade daquele país, mas pouco Deve-se registrar, no entanto, a advertên-
universalizante. cia de Mario de la Cueva (1960), que, ao co-
Com efeito, as reivindicações concernen- locar em destaque a falta de originalidade
tes à necessidade de se conferir especial pro- do art. 123 da Constituição Mexicana, afir-
teção aos trabalhadores em geral, consoan- ma que a maioria das disposições ali conti-
te se observou do breve relato do contexto das já eram conhecidas de outros povos. O
histórico do pós-guerra, eram praticamente legislador mexicano, segundo ele, inspira-

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va-se visivelmente nas experiências de paí- subvenção de famílias carentes para que
ses como França, Bélgica, Itália, Estados seus filhos pudessem ir à escola (arts. 145 e
Unidos, Austrália e Nova Zelândia. 146). O sistema de previdência social, por
A circunstância de que o conteúdo ma- sua vez, foi estabelecido de maneira mais
terial das prescrições trabalhistas veicula- organizada e explícita, com previsão de par-
das pela Constituição Mexicana já havia ticipação do segurado (art. 161), sendo, ain-
sido contemplado em outros textos legais da, dividido em regime de previdência do
europeus associada, ainda, ao fato de que, setor público – para funcionários públicos
na Europa, a questão agrária, de longe, não (art. 129) – e regime geral de previdência (art.
assumia as feições com que ela se registrava 161). Estabeleceu-se, também, como meio de
no México culminaram por fazer com que a incentivo à pesquisa, o direito à proteção
Constituição Mexicana tivesse, ela própria, autoral do inventor e do artista (art. 158).
pouca influência na confecção das outras O Capítulo V da Constituição de Weimar,
constituições que aderiram ao modelo do por sua vez, ao tratar sobre “A vida econô-
constitucionalismo social. mica”, estabeleceu, ao lado de prescrições
Utilizando-se de expressão constante do como a pertinente à função social da pro-
texto de Loewenstein, pode-se afirmar que a priedade (art. 153) e à criação de um re-
Constituição Mexicana, apesar de cronolo- gime previdenciário (art. 161), um sistema
gicamente pioneira, culminou por não as- de participação de empregados (“de todos
sumir a condição de “equipamento-pa- os grupos profissionais importantes”) na con-
drão”, inspirador e conformador dos textos dução das políticas de “desenvolvimento eco-
constitucionais posteriores. nômico das forças produtivas” (art. 165).
A questão dos direitos trabalhistas, de Essa participação era concretizada por
grande relevância na época, não era nova meio dos celebrizados Conselhos Operári-
nos países europeus (não obstante tais pres- os (que se organizavam, em termos de abran-
crições não estivessem contidas, tão deta- gência, da seguinte maneira: conselho ope-
lhadamente, em textos constitucionais). rário de empresa, conselho operário de cir-
Também o tratamento dado à questão agrá- cunscrição e Conselho Supremo do Trabalho,
ria mexicana, por peculiar, não poderia ser além dos Conselhos Econômicos de circuns-
estendido, de maneira irrestrita, às futuras crição e do Conselho Supremo de Economia).
Constituições. Nos termos da Constituição Alemã, “to-
Adicione-se a isso, ainda, a existência, à dos os projetos de lei político-sociais ou po-
época, de poucos doutrinadores mexicanos lítico-econômicos, de importância funda-
que, ao analisarem a Constituição de 1917, mental, devem passar pelo conhecimento do
difundissem, por suas obras, as conquistas Conselho Supremo de Economia, antes de
sociais alcançadas em continente america- serem apresentados” (art. 165, § 2o). O Con-
no. Como resultado, tem-se a pouca reper- selho Supremo de Economia, ele próprio,
cussão, fora daquele país, do texto constitu- também tinha poderes para apresentar pro-
cional mexicano. jetos de lei de sua iniciativa.
Ao contrário disso tudo, a Constituição Com a instituição dos Conselhos, a Cons-
de Weimar, que nascia dois anos após, pre- tituição de Weimar reconheceu não apenas
via, ao lado dos direitos dos trabalhadores a necessidade de intervenção estatal em de-
e do estabelecimento da função social da terminadas esferas, para os fins de viabili-
propriedade, um rol sistematizado de ou- zar a fruição, por um maior número de pes-
tros direitos, do qual se destacam, por exem- soas, dos direitos fundamentais por ela pre-
plo, o avançado sistema de educação públi- vistos, mas estabeleceu, também, que os ter-
ca, obrigatória e gratuita, que previa, inclu- mos, as medidas e os modos com os quais
sive, a gratuidade do material escolar e a essa intervenção se efetivaria deveriam con-

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tar com o apoio, o respaldo e a opinião das de Weimar de 1919 devem sempre ser lem-
categorias econômicas envolvidas. bradas, ambas, como os primeiros textos
As prescrições de direitos fundamentais constitucionais que efetivamente concreti-
sociais constantes da Constituição de zaram, ao lado das liberdades públicas, dis-
Weimar, desse modo, parecem concretizar positivos expressos impositivos de uma
preocupações de caráter menos regional e conduta ativa por parte do Estado para que
mais abstratas e universalizantes50, mais este viabilize a plena fruição, por todos os
adaptáveis, portanto, à realidade de outros cidadãos, dos direitos fundamentais de que
países e, por isso mesmo, mais inspiradoras. são titulares.
Adicione-se a isso tudo o fato de a Cons- Um outro aspecto importante e pouco
tituição de Weimar vir acompanhada e en- lembrado das Constituições Mexicana e Ale-
riquecida por um intenso debate, travado mã (1919) é a expressa referência, delas cons-
entre nomes de peso (como, por exemplo, tante, à garantia de direitos fundamentais
Schmitt, Kelsen, Heller, Anschütz, Smend, de terceira dimensão, como aqueles perti-
entre outros tantos), que, seja criticando, seja nentes à proteção ao meio ambiente e ao
preservando, culminou por dar expressão e patrimônio histórico e cultural.
divulgar a experiência alemã para o restan- A importância desses dois textos consti-
te do mundo. tucionais, portanto, é notável, vez que dão
Parecem irretocáveis, desse modo, as início a uma nova fase do constitucionalis-
palavras de Ary Brandão de Oliveira (1991, mo (fase essa ainda em discussão e nova-
p. 67), que, ao referir-se à Constituição Me- mente posta em questionamento), que é a
xicana de 1917, assim se pronunciou: fase do constitucionalismo social.
“Efetivamente, seria faltar à verda- Advirta-se, por oportuno, que nenhum
de afirmar uma repercussão que ine- desses textos deve ser analisado pelos re-
xistiu. Em termos genéricos, a Europa sultados que efetivamente gerou, eis que,
desconheceu a legislação mexicana. como se sabe, a Constituição de Weimar teve
As atenções do mundo jurídico se vol- vida breve (até 1933), tendo assistido ao
taram para a Constituição alemã de advento do regime nazista, e o diploma
Weimar, a cuja promulgação seguiu- Mexicano, embora em regime de plena vi-
se vigorosa literatura. Nesse particu- gência, tenha questionados, por alguns dou-
lar, a avançada posição mexicana viu- trinadores, seus atributos de identidade e
se prejudicada pela escassez de estu- rigidez constitucional, ante a numerosa
dos doutrinários a seu respeito”. quantidade de reformas a que já foi sub-
Também nessa linha é o entendimento metido.
de Dario José Kist (2000, p. 95-96), para Feitas essas considerações, e não deixan-
quem, embora seja a Constituição Mexica- do de colocar em destaque a importância
na “um dos primeiros marcos da legislação histórica e política dessas duas notáveis
social”, a “principal das legislações consti- Constituições, não se pode deixar de atri-
tucionais de cunho social que apareceram buir à Weimar a qualidade de texto consti-
foi a Constituição Alemã de 1919”, eis que o tucional preponderante em tema de inaugu-
advento do diploma constitucional mexica- ração da fase do constitucionalismo social.
no se deu “sem maiores expressões e influ- Na realidade, coube a Weimar ser o
ências fora do México”. “equipamento-padrão” (LOEWENSTEIN,
1970, p. 401) que motivou, influenciou e
4. Conclusão conformou a elaboração de Constituições,
que, por todo o mundo, passaram agora a
De todo o exposto, conclui-se que a Cons- sistematizar, em seus textos, disposições
tituição Mexicana de 1917 e a Constituição pertinentes aos direitos econômicos e soci-

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ais dos indivíduos, bem assim relativas à vez, entende que a expressão ideal seria “direitos
maneira como deve atuar o Estado na im- fundamentais do homem”.
4
Após uma análise sobre as diversas posições
plementação de tais garantias. no tema, Bruno Galindo (2003, p. 47-49) culmina
Essa preponderância de Weimar sobre a apenas por distinguir direitos humanos (ou direi-
Constituição Mexicana, cronologicamente tos do homem) e direitos fundamentais, estes últi-
anterior, deve-se não apenas à circunstân- mos representando todos os direitos e garantias
cia de se tratar de uma constituição promul- positivados, seja em sede constitucional domésti-
ca, seja no âmbito internacional.
gada em solo europeu (e não em longínquas 5
Cf. também, sobre o assunto, Jorge Miranda
terras americanas), mas, também, à nature- (2000, p. 51-52): “... a locução ‘direitos fundamen-
za mais abstrata e menos “local” de suas tais’ remonta principalmente à Constituição de
prescrições e à força, autoridade e vivacida- Weimar e tende agora a generalizar-se. Usam-na
de da doutrina constitucional alemã da épo- entre tantas, Constituições como a alemã (...), a
moçambicana (...), a angolana (...), a espanhola (...)
ca, que fez correr pelo mundo as vitórias e ou a búlgara (...) – assim como a portuguesa (...).
as vicissitudes do novo texto republicano Explicam esse fenômeno o ultrapassar da concep-
de 1919. ção oitocentista dos direitos e liberdades individu-
ais e, sobretudo, o enlace entre direitos e Constitui-
ção. Porque constantes da Lei Fundamental, são os
direitos fundamentais aqueles direitos que assu-
Notas mem também a específica função que a Constitui-
ção vem adquirindo na Europa e no resto do mun-
1
Na realidade, tal como enfatizaremos no cor-
do, ao longo dos últimos cinqüenta anos – em re-
po do presente trabalho, e até mesmo em função da
sultado de preceitos expressos, do papel proveni-
complementaridade inerente às diversas categorias
ente da justiça constitucional e de uma crescente
de direitos fundamentais, tais direitos – para que
consciência difundida na comunidade jurídica”.
sejam reais e efetivos, e não apenas abstratos –
sempre devem vir acompanhados da noção de Es-
6
Em sentido contrário ao do texto, o Professor
tado Democrático. É por tal razão que não se con- Sérgio Resende de Barros (2003, p. 37-38) expres-
siderarão, no presente estudo, e em tema de consti- samente rejeita a distinção terminológica ora pro-
tucionalismo social, as diversas Constituições ou- posta.
torgadas no âmbito da União Soviética, nas quais,
7
Frise-se, por relevante, que essa distinção não
a pretexto de se proteger direitos de índole social, faz com que os três referidos conceitos sejam estan-
aniquilaram-se todas as liberdades públicas dos ques. Há interação. Os direitos humanos internaci-
cidadãos. onais muitas vezes encontram matizes nos direitos
2
Cf. Miranda, 2000, p. 22. Nesse mesmo senti- consagrados pelos Estados e estes, por sua vez,
do: Moraes (2003). Segundo Afonso Arinos de Mello muitas vezes positivam em suas constituições nor-
Franco, 1958, p. 188, “não se pode separar o reco- mas de direitos relativos à pessoa humana cons-
nhecimento dos direitos individuais da verdadeira tantes de diplomas internacionais. Daí a importân-
democracia...”. cia, por exemplo, da Declaração Universal de 1948,
3
Deve-se destacar que nem todos os autores que inspirou muitas constituições do pós-guerra.
distinguem o conceito desses três termos. Paulo 8
Constituição Norte-Americana de 1787 e Cons-
Gustavo Gonet Branco (2002, p. 125), p. ex., distin- tituição Francesa de 1791. Não se ignora a impor-
gue apenas os direitos humanos dos direitos fun- tância de documentos como Magna Carta (1215), a
damentais, aqueles primeiros sendo sinônimos dos Petition Right (1628), a Habeas Corpus Act (1679) e a
direitos do homem. Alexandre de Moraes (2003) e Bill of Rights (1689). Repita-se, no entanto, que os
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1996), por sua vez, objetivos – limitados, é certo – do presente traba-
preferem, como bem o dizem os títulos de suas lho centram-se na análise de textos constitucionais,
respectivas obras, a expressão direitos humanos para, a partir deles, estudar-se a passagem do cons-
fundamentais. Canotilho (1996, p. 528) fala em titucionalismo liberal para o constitucionalismo
“direitos fundamentais formalmente constitucio- social.
nais” e “direitos materialmente fundamentais”, re- 9
Basta apenas lembrar, para tanto, por exem-
presentando, aqueles, os direitos reconhecidos e plo, que a Constituição Imperial do Brasil, de 1824,
consagrados por normas de estatura constitucio- já previa o direito à educação, típico direito de
nal e, estes últimos, os outros direitos fundamen- natureza social.
tais, constantes de outras leis ou de atos internaci- 10
Alguns exemplos de Constituições Liberais
onais. José Afonso da Silva (1996, p. 176), por sua que continham dipositivos sociais: Constituição da

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Venezuela de 1812 (Constituição da Província de ser dissociada da “filosofia da Revolução que
Barcelona), art. 23 (proteção ao trabalho e “seguro- lhe deu vida”.
desemprego”), Constituição Francesa de 1848, art. 19
Para breve relato histórico da Revolução Me-
13 (assegurou o direito ao trabalho e a garantia ao xicana, Cf. COMPARATO, 2001, p. 183-184. Para
trabalho), Constituição Suíça de 1874, art. 34 (pre- aprofundado relato sobre os antecedentes históri-
via o direito da Confederação, e não dos Cantões, cos de todas as Constituições Mexicanas: HELÚ,
de editar normas uniformes sobre o trabalho das Jorge Sayeg. El constitucionalismo social mexicano: La
crianças nas fábricas, jornada de trabalho dos adul- integración constitucional de México (1808-1988).
tos e proteção ao trabalhador nas hipóteses de exer- México: Fondo de Cultura Económica, 1991.
cício de atividade perigosa ou insalubre). Cf., sobre 20
Propriedades coletivas de origem indígena.
o direito ao trabalho na Constituição Francesa de 21
Não obstante a luta revolucionária tenha se
1848: Lavigne (1939); Moraes (2003, p. 29). insurgido contra a ditadura presidencial de Díaz, a
11
Alexandre de Moraes (2003, p. 31), ao anali- Constituição Mexicana de 1917 culminou por con-
sar a Lei Fundamental Soviética, afirma que, “ape- ferir amplíssimos poderes à figura do Presidente
sar desses direitos, a citada Lei Fundamental da República. Miguel Carbonell (2003, p. 88) afir-
Soviética, em determinadas normas, avança em ma que o Presidente Mexicano dispõe de poderes
sentido oposto à evolução dos direitos e garantias que “en otro país serían propias de un cuasi-dictador”, e
fundamentais da pessoa humana...”. cita o seguinte trecho de discurso, proferido na tri-
12
Declaração dos Direitos do Povo Trabalha- buna da Assembléia Constituinte: “en España, seño-
dor e Explorado, art. 5o. res, a pesar de que hay un rey, yo creo sinceramente que
13
Cf., sobre o atributo da complementaridade aquel rey había de querer ser presidente de la República
dos direitos fundamentais: Moraes (2003, p. 41); Mexicana, porque aquí tiene más poder el presidente que
Ferreira Filho (1978, p. 80). un rey, que un emperador”.
14
No sentido do texto: Sarlet (1998, p. 47); 22
Tornou-se célebre o lance ousado de Zapata,
Galindo (2003, p. 58); Guerra Filho (1998, p. 14). que vai disfarçado à Cidade do México para uma
15
Outro bom exemplo da recíproca interação audiência com o Presidente, na busca de obter a lega-
verificada entre as sucessivas gerações de direito é lização de seu Exército de Libertação do Sul. O Presi-
dada por Willis Santiago Guerra Filho (1999, p. dente Madero, no entanto, recusou-se a negociar.
40). Segundo ele, o direito de propriedade, hoje (di- 23
Cf. FIX-ZAMUDIO; VALENCIA CARMO-
reito de primeira dimensão), deve exercer sua fun- NA, 2001, p. 91.
ção social (interpretação segundo os direitos de se- 24
Sobre a influência anarcossindicalista da Cons-
gunda dimensão), cuidando-se, ainda, de atender tituição Mexicana de 1917 (Cf. COMPARATO,
à preservação do meio ambiente (interpretação con- 2001, p. 183; KIST, 2000, p. 95).
forme os direitos de terceira dimensão). 25
“A transformação desse ideário em normas
16
Nesse sentido, irretocáveis as palavras de constitucionais, no entanto, produziu um efeito po-
Vieira de Andrade (1987, p. 54): “(...) as idéias de lítico exatamente contrário ao objetivo visado, pela
igualdade e de fraternidade, em parte significativa primeira vez, na movimentada história do caudi-
introduzidas na luta histórica pela crítica marxista lhismo mexicano, criou-se uma sólida estrutura es-
e socialista do regime económico e social do capita- tatal, independente da figura do chefe de Estado,
lismo e pelo pensamento social cristão, desenvolve- ainda que a Constituição o tenha dotado de pode-
ram-se, impuseram-se e, harmonizadas com a liber- res incomensuravelmente maiores do que o texto
dade fundamental, deram origem a uma ‘concepção constitucional norte-americano atribuiu ao presi-
liberal moderna’ ou concepção social dos direitos dente da república. O ideário anarquista de des-
fundamentais, que corresponde à realidade vigente truição de todos os centros de poder engendrou
na generalidade dos países da Europa Ocidental, a contraditoriamente, a partir da fundação do Parti-
que se convencionou chamar ‘Estado-de-Direito do Revolucionário Institucional em 1929, uma
Social’”. (grifo nosso). estrutura monocrática nacional em substituição à
17
Interessante observar que o Professor Jorge multiplicidade de caudilhos locais” (COMPARA-
Miranda (1990, p. 247-293, 295-317), em obra por TO, 2001, p. 183-184)”.
ele organizada, incluiu, no capítulo destinado à 26
A questão relativa não apenas à proibição de
“Transição para o Estado Social de Direito” (Capí- reeleição (que pressupõe a recondução no cargo sem
tulo VI), unicamente, as Constituições Mexicana e solução de continuidade), mas referente, também,
de Weimar, tendo sido dedicado à Declaração dos à impossibilidade de que aquele que foi Presidente
Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e à pri- volte a desempenhar este mesmo cargo reflete, como
meira Constituição Soviética um capítulo à parte já analisado, as angústias revolucionárias contra o
(Capítulo VII), intitulado “A Revolução Soviética”. “porfiriato”.
18
Cf., também, Néstor de Buen (1977, p. 232), 27
Garantia institucional, na linha de Schmitt
que afirma não poder a Constituição Mexicana (1982), eis que não protege o indivíduo enquanto

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tal, mas, unicamente, enquanto membro de deter- ção de Ebert quanto a proclamação da República
minada instituição, esta, sim, protegida imediata- foram inconstitucionais.
mente. Sobre o pensamento de Schmitt sobre as 37
Marco Aurélio Peri Guedes (1998, p. 43) es-
garantias institucionais: Teoria de la Constitutión. clarece que o USPD (Partido Social Democrata In-
Madrid: Alianza Editorial, 1982. O tema também é dependente da Alemanha) foi uma dissidência do
analisado, entre outros, por Gilberto Bercovici (2003, SPD (Partido Social Democrata da Alemanha),
p. 18-19) e Paulo Bonavides (2002, p. 494-496). ocorrida em 1917. O USPD representava a ala mar-
28
O dispositivo mencionado possui a seguinte xista mais sectária do partido social democrata,
redação (traduzi): “O Estado não pode permitir este último também conhecido como socialista
que se leve a efeito nenhum contrato, pacto ou con- majoritário ou moderado.
vênio que tenha por objeto o menoscabo, a perda 38
Nesse sentido: Comparato (2001, p. 197);
ou o irrevogável sacrifício da liberdade da pessoa Thalmann (1988, p. 11).
(...)”. Esse artigo, e também as hipóteses de nulida- 39
Sobre a escolha de Weimar para sediar a Cons-
des contratuais absolutas, previstas no inciso tituinte: Guedes (1998, p. 52-53); Cury (1998, p.
XXVII, do art. 123, s.m.j., possuem caráter pioneiro 86); Kist (2000, p. 96).
em tema de positivação, em sede constitucional, 40
Nesse sentido, Gilberto Bercovici (2003, p. 11),
do princípio da aplicação horizontal dos direitos segundo o qual “a Constituição de Weimar foi ela-
fundamentais, até hoje ainda muito discutido na borada em um contexto político cujo equilíbrio era
doutrina e muito questionado em alguns países, precário e instável”.
como aqueles que possuem larga tradição em tema 41
Sobre o mau desempenho da esquerda nas
de liberdade de contratar (os Estados Unidos, p. eleições para a Constituinte: Mises, ([200-?])“ At
ex.). Cf., sobre aplicação horizontal dos direitos the begining of 1919 the communists were already much
fundamentais: Gonet (2002, p. 169-180); Abrantes less numerous than their leaders believed…”.
(1990); Bilbao Ubillos (1997); Andrade (1987, p. 42
Sobre a liga spartakista, Holborn (1981, p.
278); Hesse (1995); Sarlet, (2002). 523 apud GUEDES, 1998, p. 51). Marco Aurelio
29
Cf. Comparato, 2001, p. 186 (“nem todos os Peri Guedes (1998, p. 51) afirma que a liga Spar-
direitos trabalhistas lá consagrados podem ser con- takus ou Spartakista foi uma dissidência do Parti-
siderados, objetivamente, como direitos humanos”). do Comunista Alemão (KPD). Tal dissidência foi
30
Mario de la Cueva (1960) põe em destaque a promovida sob a liderança de Karl Liebknecht e
falta de originalidade do art. 123 da Constituição Rosa Luxemburgo e buscava uma maior fidelida-
Mexicana, afirmando que a maioria das disposi- de ao marxismo. O movimento spartakus sempre
ções ali contidas já eram conhecidas de outros po- foi um grupo político marginal, que só se tornou
vos. Enfatiza, no entanto, referido doutrinador, que conhecido com o levante spartakista em Berlim, do
o caráter inovador da Constituição Mexicana con- qual resultou a morte de ambos os líderes, ordena-
siste em que pela primeira vez os direitos do traba- da por Gustav Noske.
lhador já reconhecidos receberam a estatura de nor- 43
Para participação na Assembléia Constituin-
ma constitucional. te, elegeram-se 421 representantes de 6 partidos:
31
Sobre direitos fundamentais de terceira di- 44 membros da direita conservadora, 19 membros
mensão, inclusive sobre os questionamentos relati- da direita populista, 91 membros do partido cató-
vos à fundamentalidade, ou não, de tais direitos: lico, 75 membros do partido centrista, 165 mem-
Branco (2002, p. 111-112); Luño (1993, p. 215); bros da social-democracia e 22 membros da social-
Moraes (2003, p. 45-46); Ferreira Filho, (1996, p. democracia independente. Constata-se, pois, a ab-
57); Lafer (1988); Sarlet (2002, p 51); Bobbio (1992, soluta fragmentação política da Assembléia, bem
p. 9); Bonavides (2002, p. 522-524). assim a derrota dos partidos de esquerda. Nesse
32
Segundo Comparato (2001, p. 195), 10% da sentido: Silva, F. (1991, p. 43); Thalmann, (1998, p.
população masculina da Alemanha faleceu (ou 15); Brunet (1921, p. 47). Carlos Roberto Jamil Cury
desapareceu) durante a Primeira Guerra. (1998, p. 86) prefere a menção a percentuais, afir-
33
Sobre as condições de vida na Alemanha du- mando que as esquerdas moderadas (o partido
rante a Primeira Guerra, Cf. Bessel, 1995, cap. I. comunista não participou das eleições) obtiveram
34
Cf., também, sobre o contexto social da Ale- 45% das cadeiras, a centro-direita 33,3% e a direita
manha durante a Primeira Guerra: Carr (1991). 14,7%. Trinta e sete mulheres foram eleitas para a
35
Segundo Comparato (2001, p. 196), a abdi- Constituinte.
cação do Kaiser Guilherme II e a nomeação de seu 44
Nesse sentido: Jacobson; Schlink (2002, p. 110-
filho, Max de Baden, foram tentativas de “abrir 111): “During the Empire, Preuss had been an outsider
mão tão-só da coroa imperial, permanecendo como among fellow scholars of the law of the state – unlike, for
rei da Prússia”. example, Gerhard Anschütz, one of his generation’s few
36
Para Dietrich Orlow (1995, p. 121-122 apud other pro-republican scholars of state of law. Preuss was
GUEDES, 1998, p. 42, nota n. 80), tanto a nomea- never offered a professorship at a German university;

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political and scholarly reservations as well as anti-Semi- Referências
tic prejudice kept him from the centers of scholarly life in
the Empire. It was not an accident that he taught at the ABRANTES, José João Nunes. A vinculação das enti-
far less respected Berlin College of Commerce, a private dades privadas aos direitos fundamentais. Lisboa: AA-
school founded by the Berlin business community...”. FDL, 1990.
45
A questão de a escolha de Preuss ter se fun- ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fun-
dado em sua suposta proximidade com a esquer- damentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coim-
da da época foi enfatizada por Walter Jellinek (apud bra: Almedina, 1987.
BERCOVICI, 2003, p. 14).
46
Não se ignora que algumas instituições já BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: pa-
tradicionais possam ter recebido tratamento inova- radoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey,
dor por parte da Constituição de Weimar. Ao Par- 2003.
lamento, por exemplo, foi concedido o direito de
BERCOVICI, Gilberto. Entre o estado total e o esta-
instalação de Comissões de Investigação (como
do social: atualidade do debate sobre direito, Esta-
uma CPI, hoje), tendo sido previsto, ainda, o funci-
do e economia na República de Weimar. Tese (Li-
onamento de Comissões Permanentes destinadas
vre-Docência) – Departamento de Direito Econô-
ao estudo de específicas matérias (arts. 34 e 35). O
mico e Financeiro da Faculdade de Direito da USP,
foco do presente estudo, no entanto, situa-se na
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
identificação das novas instituições que, somente
após a Constituição Alemã de 1919, passaram a BESSEL, Richard. Germany after the first world war.
constar das Cartas Políticas modernas. New York: Oxford University Press, 1995.
47
Interessante observar que esse dispositivo da
Constituição de Weimar já prevê uma situação de BILBAO UBILLOS, Juan Maria. La eficácia de los
colisão entre direitos fundamentais, tal como ocor- drechos fundamentales frente a particulares. Madri:
re nas hipóteses em que se opõem a liberdade de CEPC, 1997.
manifestação do pensamento, de um lado, e a dig- BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
nidade da pessoa humana, de outro (muitas vezes Campus, 1992.
ofendida nas hipóteses de pornografia). Admite-
se, pois, que não há direitos fundamentais absolu- BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional.
tos, devendo-se, na hipótese de confronto entre eles, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
estabelecer restrições que conciliem os dois valores BOURTHOUMIEUX, Ch. Fédéralisme et démocra-
em situação de conflituosidade. Ou seja, fixa-se a tie dans la Constitution de Weimar et la Loi Fonda-
regra no sentido da impossibilidade da censura (o mentale de Bonn. Revue Internationale de Droit Com-
que põe em destaque a liberdade de expressão), paré, Tolouse, jan./mar. 1950.
admitindo-se, excepcionalmente, que, nas hipóte-
ses de combate à pornografia, tal instrumento BRUNET, René. La Constitution Allemande du 11 aout
possa ser utilizado. Cf., sobre o conflito entre 1919. Paris: Payot & Cie, 1921.
liberdade de expressão e o combate à pornogra-
BUEN, Néstor de. Derecho del trabajo. México: Por-
fia e ao “hate speach” (discursos de ódio racial):
rúa, 1977. v. 1.
Fiss (1996).
48
Cf., sobre “garantias institucionais” idealiza- CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito consti-
das por Carl Schmitt, nota de rodapé n. 26. tucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996.
49
Art. 153, § 2o: “A propriedade impõe obriga-
ções. Seu uso deve constituir, ao mesmo tempo, CARBONELL, Miguel. Estado constitucional y fuen-
um serviço para o mais alto interesse comum”. tes del derecho en México: notas para su estudio.
50
Como já referido, Carl Schmitt (1982) chega, Revista Quadrimestrale Sociología del Diritto, Cata-
inclusive, partindo de uma distinção entre Consti- lunya, n. 02, 2003.
tuição e lei constitucional, a afirmar que os direitos CARR, William. A history of Germany 1815-1990.
constantes do Livro II da Constituição de Weimar, London, Edward Arnold, 1991.
por sua abstração e generalidade (e, segundo ele,
pela ausência do elemento “decisão”), não fariam COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica
parte do que ele convencionou definir como Consti- dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
tuição, atribuindo-lhes o caráter de meros compro-
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Constituição de Wei-
missos dilatórios. Foi também Carl Schmitt quem
mar: um capítulo para a educação. Revista Quadri-
afirmou que a Constituição de Weimar possuía
mestral de Ciência da Educação, Campinas, n. 63, 1998.
uma profunda contradição material entre seus dois
livros: o primeiro consagrando instituições liberais DE LA CUEVA, Mario. Derecho mexicano del trabajo.
e o segundo positivando ideais socialistas. México: Porrúa, 1960. v. 1.
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