1. (UNICAMP)
Texto I
Texto II
Os dois textos lidos são bastante separados no tempo. O primeiro foi escrito por um nobre, D.
João Soares Coelho, trovador de grande produção que viveu no século XIII, em Portugal. O
segundo é uma letra de música escrita pelo compositor brasileiro contemporâneo Chico Buarque
de Hollanda. Apesar da distância, ambos os textos abordam uma mesma postura da amada a
que se referem.
a) Que postura é essa? Aponte os versos em que ela se evidencia, em cada um dos textos.
b) Qual o efeito dessa postura, para o trovador, no texto I?
Auto de Lusitânia
Entra Todo o Mundo, homem como rico mercador, e faz que anda buscando algũa cousa que se
lhe perdeu; e logo após ele um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém, e diz:
[Gil Vicente. Auto de Lusitânia. Obras de Gil Vicente. Porto: Lello & Irmão, 1965, p. 452 e 453.]
O cortiço
Daí a alguns meses, João Romão, depois de tentar um derradeiro esforço para conseguir
algumas braças do quintal do vizinho, resolveu principiar as obras da estalagem.
— Deixa estar, conversava ele na cama com a Bertoleza; deixa estar que ainda lhe hei
de entrar pelos fundos da casa, se é que não lhe entre pela frente! Mais cedo ou mais tarde
como-lhe, não duas braças, mas seis, oito, todo o quintal e até o próprio sobrado talvez!
E dizia isto com uma convicção de quem tudo pode e tudo espera da sua perseverança,
do seu esforço inquebrantável e da fecundidade prodigiosa do seu dinheiro, dinheiro que só lhe
saia das unhas para voltar multiplicado.
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos,
fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar
os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que,
por maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do
que no entanto gostava imenso; vendia-os todos e contentava-se com os restos da comida dos
trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero
de acumular; de reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a
barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal,
sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o
seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia
apoderar-se logo com as unhas.
[Aluísio Azevedo. O cortiço. 25ª ed. São Paulo: Ática, 1992, pp. 23-24]
Confrontando os fragmentos de o Auto de Lusitânia (1532) e O cortiço (1890), percebe-se que o
comportamento de João Romão corresponde, até com sarcasmo, a uma das atitudes que o auto
de Gil Vicente atribui a Todo o Mundo. Compare ambos os textos e responda:
3. (FGV – DIREITO) Os poemas que se seguem pertencem a dois grandes momentos da história
da cultura e a dois paradigmas da poesia ocidental: a lírica de Luís de Camões e a de Carlos
Drummond de Andrade. Leia-os, atentamente, e responda os itens da questão proposta:
Luís Vaz de Camões. Obras Completas. R.J.: Nova Aguilar, 1988, p.284.
Ontem
a) Identifique dois aspectos formais em cada um dos poemas, de modo a relacionar tais aspectos
à visão de mundo manifestada pelos textos. Justifique sua resposta, considerando os dois
períodos da literatura a que pertencem respectivamente os poemas.
b) Discuta a natureza atemporal dos dois universos poéticos, principalmente em torno da
temática da mudança, relacionando os aspectos semânticos e os elementos comuns presentes
em cada um dos textos.
Texto 1 – Solitário em seu mesmo quarto a vista da luz no candieyro porfia o poeta
pensamentear exemplos de seu amor na borboleta.
Texto 2 – As mariposa
Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa
Que fica dando vorta em vorta de mim
Todas as noites, só pra mi beijá.
[Adorinan Barbosa]
5. (Unicamp) Nos dois poemas a seguir, Tomás Antônio Gonzaga e Ricardo Reis refletem, de
maneira diferente, sobre a passagem do tempo, dela extraindo uma "filosofia de vida". Leia-os
com atenção:
LIRA 14 (Parte I)
a) Em que consiste a "filosofia de vida" que a passagem do tempo sugere ao eu lírico do poema
de Tomás Antônio Gonzaga?
b) Ricardo Reis associa a passagem do tempo às estações do ano. Que sentido é dado, em seu
poema, ao outono?
c) Os dois poetas valorizam o momento presente, embora o façam de maneira diferente. Em
que consiste essa diferença?
"Não é possível idear nada mais puro e harmonioso do que o perfil dessa estátua de
moça.
Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis e lançados, que são hastes de lírio
para o rosto gentil; porém na mesma delicadeza do porte esculpiam-se os contornos mais
graciosos com firme nitidez das linhas e uma deliciosa suavidade nos relevos.
Não era alva, também não era morena. Tinha sua tez a cor das pétalas da magnólia,
quando vão desfalecendo ao beijo do sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a pubescência
juvenil, e a luz coa pelo fino tecido, e um sangue puro a escumilha de róseo matiz. A dela era
assim.
Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como diadema cintilando na cabeça de um
anjo. Havia em toda a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso que a abstraía da
terra. Contemplando-a naquele instante de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para sua
celeste ascensão."
Era muito bem feita de quadris e de ombros. Espartilhada, como estava naquele
momento, a volta enérgica da cintura e a suave protuberância dos seios, produziam nos sentidos
de quem a contemplava de perto uma deliciosa impressão artística.
Sentia-se-lhe dentro das mangas do vestido a trêmula carnadura dos braços; e os pulsos
apareciam nus, muito brancos, chamalotados de veiazinhas sutis, que se prolongavam
serpeando. Tinha as mãos finas e bem tratadas, os dedos longos e roliços, a palma cor-de-rosa
e as unhas curvas como o bico de um papagaio.
Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito simpática e graciosa. Tez macia, de
uma palidez fresca de camélia; olhos escuros, um pouco preguiçosos, bem guarnecidos e
penetrantes; nariz curto, um nadinha arrebitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma
fruta que provoca o apetite e dá vontade de morder. Usava o cabelo cofiado em franjas sobre a
testa, e, quando queria ver ao longe, tinha de costume apertar as pálpebras e abrir ligeiramente
a boca."
(Aluísio Azevedo, Casa de Pensão. 20ª ed. São Paulo: Martins, s.d. p.87)
Os dois trechos citados, que pertencem a romances de José de Alencar (1829-1877) e Aluísio
Azevedo (1857-1913), respectivamente, têm em comum o fato de descreverem personagens
femininas. Um confronto entre as duas descrições permite detectar não somente diferenças nos
planos físico e psicológico das duas mulheres, mas também no modo como cada uma é
concebida pelo respectivo narrador. O resultado final, em termos de leitura, é o surgimento de
duas personagens completamente distintas, duas mulheres que causam impressões
inconfundíveis no leitor. Levando em conta essas informações, relacione a diferença essencial
entre as duas personagens.
7. (FUVEST-SP)
Gente que mamou leite romântico pode meter o dente no rosbife* naturalista; mas em lhe
cheirando a teta gótica e oriental, deixa logo o melhor pedaço de carne para correr à bebida da
infância. Oh! meu doce leite romântico!
*Rosbife: tipo de assado ou fritura de alcatra ou filé bovinos, bem tostado externamente e
sangrante na parte central, servido em fatias.
a) A imagem do “rosbife naturalista” – empregada, com humor, por Machado de Assis, para
evocar determinadas características do Naturalismo – poderia ser utilizada também para se
referir a certos aspectos do romance O cortiço? Justifique sua resposta.
b) A imagem do “doce leite romântico”, que se refere a certos traços do Romantismo, pode
remeter também a alguns aspectos do romance Iracema? Justifique sua resposta.
8. (UFBA)
I. Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até outra ponta
que contra o norte vem, de que nós deste ponto temos vista, será tamanha que haverá nela bem
vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes
barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a terra por cima é toda chã e muito cheia de
grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque a estender d´olhos não
podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
[...]
As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-
la, tudo dará nela, por causa das águas que tem.
Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E
esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.
[CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 1996. p.97-98.]
[BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Ática, 1996. p. 74-76.]
TEXTO 1
Saudações
Ó ilustríssimos senhores
de modos finos, que saco!
Pelo amor da santa, fora
com vossos salamaleques!
Descaradamente confesso
a quem interessar possa:
Quero é ser a vergonha
da província e da república.
(Transpaixão)
TEXTO 2
Lisbon revisited (1923)
(Ficções do interlúdio)
10. (UFBA)
I.
Tia Ciata sentou na tripeça num canto e toda aquela gente suando, médicos padeiros
engenheiros rábulas polícias criadas focas assassinos, Macunaíma, todos vieram botar as velas
no chão rodeando a tripeça. As velas jogaram no teto a sombra da mãe de santo imóvel. Já
quase todos tinham tirado algumas roupas e o respiro ficara chiado por causa do cheiro de
mistura budum coty pitium e o suor de todos. Então veio a vez de beber. E foi lá que Macunaíma
provou pela primeira vez o cachiri temível cujo nome é cachaça. Provou estalando com a língua
feliz e deu uma grande gargalhada.
[ANDRADE, M. de. Macunaíma. São Paulo: ALLCA XX, 1996. p. 59. Edição crítica.]
II.
Depois das calçadas espandongadas, quem chega ao primeiro bairro da cidade, o Pelourinho,
via estacionamento M-14, descortina escombros de um sobrado incendiado em 2006, de uma
instituição católica que, pela idade do incêndio, parece desinteressada em recuperá-lo. Mas o
Pelourinho é um dos poucos cartões-postais da cidade e não pode ficar desentregue desse jeito.
Por isso, é preciso que o desarmengue se aproprie do assunto, desaproprie os escombros, e lhe
dê estado menos decadente. Dinheiro há. Armengues sobram. Faltam projetos e despreguiças.
[FRANCO, A. A Baía e o PAC do desarmengue. Revista MUITO, Salvador, p. 41, 19 jul. 2009.
Suplemento do Jornal A Tarde.]
11. (PUC-RJ)
HERANÇA
a) Determine o gênero literário predominante no texto, justificando a sua resposta com aspectos
que o caracterizam.
b) A história oficial do modernismo brasileiro tende a dividi-lo em três momentos distintos, cada
qual com suas características, posturas políticas e tendências estéticas. Cecília Meireles, ao lado
de Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes, por exemplo, é considerada uma autora
pertencente à segunda fase do movimento modernista. A partir da leitura do poema “Herança”,
indique as possíveis relações de aproximação e distanciamento entre o poema de Cecília e os
textos mais iconoclastas de Oswald de Andrade e Mário de Andrade, autores que representam
a fase heróica do nosso modernismo.
12. (UNICAMP-SP)
“Amor é fogo que arde sem se ver, / É ferida que dói e não se sente; / É um contentamento
descontente; / É dor que desatina sem doer”.
Dos dois textos transcritos, o primeiro é de Luís Vaz de Camões (século XVI) e o segundo, de
Sophia de Mello Breyner Andersen (século XX). Compare os textos acima, discutindo, através
de critérios formais e temáticos, aspectos em que ambos se aproximam e aspectos em que
ambos se distanciam um do outro.
a) Uma oposição espacial configura o tema e o significado desse poema de Camões. Identifique
essa oposição, indicando o seu significado para o conjunto dos versos.
b) Identifique nos tercetos duas expressões que contemplam a noção de desconcerto,
fundamental para a compreensão do tema do soneto e da lírica camoniana.
14. (Unicamp 2010) No excerto a seguir, o romance Iracema é aproximado da narrativa bíblica:
Em Iracema, (...) a paisagem do Ceará fornece o cenário edênico para uma adaptação do mito
da Gênese. Alencar aproveitou até o máximo as similaridades entre as tradições indígenas e a
mitologia bíblica (...). Seu romance indianista (...) resumia a narrativa do casamento inter-racial,
porém (...) dentro de um quadro estrutural pseudo-histórico mais sofisticado, derivado de todo
um complexo de mitos bíblicos, desde a Queda Edênica ao nascimento de um novo redentor.
15. (Fuvest 2016) No capítulo CXIX das Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador declara:
“Quero deixar aqui, entre parêntesis, meia dúzia de máximas* das muitas que escrevi por esse
tempo.” Nos itens a) e b) encontram-se reproduzidas duas dessas máximas. Considerando-as
no contexto da obra a que pertencem, responda ao que se pede.
* “Máxima”: fórmula breve que enuncia uma observação de valor geral; provérbio.
a) “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.” Pode-se relacionar essa máxima à maneira de viver
do próprio Brás Cubas? Justifique sucintamente.
b) “Suporta-se com paciência a cólica do próximo.” A atitude diante do sofrimento alheio,
expressa nessa máxima, pode ser associada a algum aspecto da filosofia do “Humanitismo”,
formulada pela personagem Quincas Borba? Justifique sua resposta.
Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão para chamar
os servos, na Roma simples. E gritava:
– Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha!
Pulei, imensamente divertido:
– Oh Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as sódicas?... O
meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de um grande
copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela moça trazia num
prato. Eu admirei sobretudo a moça... Que olhos, de um negro tão líquido e sério! No andar, no
quebrar da cinta, que harmonia e que graça de ninfa latina! E apenas pela porta desaparecera a
esplêndida aparição:
– Oh Jacinto, eu daqui a um instante também quero água! E se compete a esta rapariga trazer
as coisas, eu, de cinco em cinco minutos, quero uma coisa!... Que olhos, que corpo...
Caramba, menino! Eis a poesia, toda viva, da serra...
O meu Príncipe sorria, com sinceridade:
– Não! Não nos iludamos, Zé Fernandes, nem façamos Arcádia. É uma bela moça, mas uma
bruta... Não há ali mais poesia, nem mais sensibilidade, nem mesmo mais beleza do que numa
linda vaca turina. Merece o seu nome de Ana Vaqueira. Trabalha bem, digere bem, concebe
bem. Para isso a fez a Natureza, assim sã e rija
(...).
Eça de Queirós, A cidade e as serras.
Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra-li-vre sus-pi-rar”,
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana,
[com rádio e telefone automático.
18. O chamado “ciclo nordestino” da moderna ficção brasileira compreende obras inspiradas em
motivos sociais, entre as quais o flagelo das secas. São escritores representativos Rachel de
Queiroz (Ceará, 1910-2003), Graciliano Ramos (Alagoas, 1892-1953), José Lins do Rego
(Paraíba, 1901-1957) e Jorge Amado (Bahia, 1912-). Vidas secas focaliza uma família de
retirantes que vive uma espécie de mudez introspectiva, em precárias condições físicas e num
estado degradante de condição humana. Mediante essas observações:
a) demonstre como se revela no texto essa espécie de “silêncio introspectivo” dos personagens.
b) explique, com base em elementos do texto, por que Vidas secas é considerado um romance
regionalista.
19. (FUVEST/2005) Considere os seguintes versos, que fazem parte de um poema em que
Carlos Drummond de Andrade fala de Guimarães Rosa e de sua obra:
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?
a) A luta entre Augusto Matraga e Joãozinho BemBem (do conto “A hora e vez de Augusto
Matraga”) apresenta, conjugados, os aspectos de guerra e de festa referidos nos versos de
Drummond. Você concorda com esta afirmação? Justifique sucintamente.
b) O conflito entre Turíbio Todo e Cassiano Gomes (do conto “Duelo”) apresenta essa mesma
junção de aspectos de guerra e de festa? Justifique sucintamente.
GABARITO
1.
a) A postura é de desprezo pelo homem que a admira. Isso se evidencia em “e me non falou foi
que non morri,”, no primeiro texto. E em “E não escuta quem apela.”, no segundo texto.
b) A coita, ou seja, o sofrimento amoroso.
2.
a) A ambição da personagem, o que aproxima João Romão do homem que é rico mercador em
Gil Vicente.
b) Em Gil Vicente: “E meu tempo todo inteiro/sempre é buscar dinheiro/e sempre nisto me fundo”.
E em Aluísio Azevedo: “Desde que a febre de possuir se apossou dele totalmente...”.
3.
a) Os dois poemas tratam da passagem do tempo e de seus efeitos sobre o mundo, os homens
e o eu lírico. O tom melancólico do soneto camoniano se explicita na escolha vocabular
(“mágoas”, “saudades”, “choro”), que culmina com a expressão “mor espanto”, tradução do
estado de espírito do poeta, perturbado pela constatação de que, na natureza, tudo se perde
(tanto o “mal”, do qual ficam apenas as “mágoas na lembrança”, quanto o bem, de que restam
apenas “as saudades”). O único dado permanente parece ser a tristeza — para ela, não há saída,
nem alternativa. Nesse sentido, o poeta se mostra conformado e submisso às circunstâncias da
sua própria existência. Se a perplexidade é o ponto de chegada do texto camoniano — que
registra no penúltimo verso o “mor espanto” que nele predomina —, é o ponto de partida do
poema de Drummond, cujo primeiro verso afirma: “Até hoje perplexo”. E é ainda a tradução do
mesmo estado de espírito presente no soneto de Camões: espanto diante da certeza de que
nada permanecerá, de que tudo se transformará ou desaparecerá. No entanto, a melancolia
conformista que prevalece no poeta português é substituída aqui pela afirmação da resistência
que é possível opor à passagem do tempo. Isto porque, embora reconheça que a perspectiva de
desaparecimento atinge também a ele (“dissipo”), o poeta acredita na escrita (“escrevo”) como
depositária da memória — portanto, como instrumento de permanência. A visão de mundo
conformista e submissa demonstrada no texto camoniano, é revelada tanto em relação à
natureza quanto aos aspectos formais, que seguem os rigores do Classicismo: a exploração da
forma do soneto; o rigor métrico (versos decassílabos); a presença de rimas (abba abba cdc
dcd); a tradução da experiência pessoal em termos universais. Já na perspectiva adotada por
Drummond, há resistência às mudanças e insubmissão à natureza, visão de mundo que se
apresenta sob uma forma estética relativamente mais livre, historicamente associada ao
Modernismo: a sonoridade provocada pelas rimas é menos evidente, já que o poeta opta pelas
toantes (perplexo/pétalas, banco/lembrança, árvore/balançava); a métrica obedece a um
esquema menos claro, já que os quinze versos de que se compõe o poema (distribuídos em
cinco tercetos) mostram três seqüências métricas (os cinco primeiros e os cinco últimos são
pentassílabos, enquanto os cinco versos do meio são tetrassílabos); uso do enjambement
(continuação sintática de um verso em outro); metalinguagem; realce da postura subjetiva frente
ao mundo. Desse modo, a modernidade de Drummond não rejeita a tradição, mas busca
estabelecer um convívio com ela — postura que constituía uma das marcas formais da poesia
brasileira conforme esta se apresentava nos anos 1940, época de composição do poema de
Drummond, publicado em A rosa do povo (1945).
4.
5.
a) O Cortiço, como é de esperar de uma obra naturalista, apresenta preocupação de exibir sem
eufemismo, rodeio ou censura os aspectos mais degradantes do ser humano, o que é compatível
com a imagem do rosbife, que é sangrento.
b) A expressão “doce leite romântico” se refere à idealização da realidade característica do
Romantismo e presente em diversos aspectos de Iracema: a fidelidade extrema a um ideal de
amor, a nobreza e a bravura dos guerreiros indígenas (que mais parecem cavaleiros medievais),
o enaltecimento da natureza brasileira, o engrandecimento da amizade entre Martim e Poti, o
convívio harmonioso entre portugueses e pitiguaras.
8. O Sítio Sossego não será esse paraíso retratado por Caminha, pois nele Policarpo vai
enfrentar obstáculos, como as pragas naturais, as dificuldades para comercializar os produtos, a
relação com o trabalhador. O discurso histórico é diferente da realidade. Lima Barreto ironiza a
visão da Carta.
9. Em ambos os poemas, o eu-lírico evidencia a sua revolta aos bons-modos, às regras impostas
pela sociedade, aos critérios de comportamento e conduta que lhe são impostos: “Ó ilustríssimos
senhores / de modos finos, que saco!”, “Não quero ser poeta / de que todos se orgulham.” e “Não
me venham com conclusões!”, “Se têm a verdade, guardem-a!”. Assim, temos dois poetas de
épocas distintas, cada qual com as suas peculiaridades, abordando um mesmo assunto e de
forma parecida: Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, do Modernismo português,
um eterno descontente em conflito com o mundo; e Waldo Motta, poeta brasileiro
contemporâneo. Resumindo, podemos dizer que a revolta perante uma sociedade de
aparências, com valores éticos e morais questionáveis para o eu-lírico de cada um dos poemas,
e a linguagem exclamativa, irônica e, até mesmo, agressiva são os elementos que promovem o
diálogo entre os textos, a intertextualidade.
10. Em ambos os trechos, as inovações na linguagem aproximam o texto escrito da fala do povo
brasileiro e marcam uma ruptura com a norma culta da língua portuguesa. A supressão das
vírgulas, a substituição de “respiração” por “respiro” e a utilização de palavra como “botar” (texto
I) são procedimentos que ilustram a proposta dos primeiros modernistas de levar para a
linguagem escrita da literatura a linguagem falada pelo povo brasileiro. Assim, o aspecto formal
do texto passa a ser definidor no desenho da cultura brasileira feito pelo livro de Mário de
Andrade. Do mesmo modo, o léxico do segundo trecho recupera o falar baiano através das
palavras “espandongadas”, “armengue”, “desarmengue”. Observa-se também a riqueza
vocabular no texto I e na obra Macunaíma, mostrada no uso de diferentes palavras para nomear
uma mesma coisa (“cachiri” — “cachaça”), além do uso criativo dos neologismos (desarmengue;
despreguiças) por A. Franco para referir-se criticamente ao órgão do governo responsável por
questões urbanas.
11.
a) Gênero lírico, pois há expressão de sentimentos e estados de espírito do eu lírico.
b) O texto distancia dos poemas de primeira geração modernista, na medida em que não preza
por um experimentalismo e uma iconoclastia em relação ao passado literário. Aproxima-se,
contudo, da primeira geração por trabalhar com versos livres, em formas menos fixas.
12. Aproximam-se pelo tema do amor e pela utilização de anáforas. Distanciam-se pela métrica
(versos decassílabos em Camões e livres de Andresen) e pela forma de tratar o amor (em
Camões, o amor é impessoal, e em Andersen é pessoal).
13.
a) O eu lírico manifesta a sensação de exílio das terras do Sião, local sagrado e associado ao
Bem que já habitou e a Babilônia, local em que se encontra no momento e onde impera o caos,
a cobiça e a tirania.
b) O tema do soneto remete à filosofia platônica, pois o eu lírico, circunscrito ao mundo sensível
(concebido por Platão como o local onde o homem habita), expressa desconforto ao perceber
que está à mercê do materialismo e do mundo em desconcerto. Nos dois quartetos, expressões
como “o puro Amor não tem valia”, “pode mais que a honra a tirania”, “onde a errada e cega
Monarquia/ cuida que um nome vão a desengana” refletem a sensação de desconcerto, muito
presente na lírica camoniana de vertente clássica. A anáfora, constituída pela repetição do
advérbio “cá”, enfatiza os aspectos negativos do plano material (Babilônia) em oposição às
lembranças do mundo racional, o plano inteligível (Sião) tão desejado pelo eu lírico e, por
extensão, pelos artistas do Renascimento: “cá neste escuro caos de confusão,/ cumprindo o
curso estou da natureza./Vê se me esquecerei de ti, Sião!”
14.
a) Se, na mitologia bíblica, Eva seduz Adão com o fruto proibido, em Iracema, Alencar apresenta
como protagonista uma jovem índia que induz Martim ao pecado oferecendo-lhe a seiva da
jurema. Tanto na tradição judaico-cristã como na narrativa alencariana estão presentes a Queda,
a expulsão do paraíso e subsequente punição: nesta, o nascimento de Moacir (filho do
sofrimento), naquela, o “parto com dor”.
b) Na narrativa bíblica, o novo redentor é associado à figura de Jesus, exemplo do homem novo
que trouxe esperança à Humanidade. Em “Iracema”, será Moacir o primeiro verdadeiro brasileiro,
o homem novo, símbolo da miscigenação das raças branca e indígena ( colonizador e
colonizado), segundo a visão utópica de José de Alencar.
15.
a) Sim, a vida ociosa de Brás Cubas, a displicência com que encarou cada etapa da sua carreira
profissional e a superficialidade das relações afetivas com as pessoas de quem se aproximou
revelam um percurso existencial sem valor ou qualidade. O balanço final da sua vida, exposto
no capítulo “Das negativas”, apresenta um narrador que analisa o gênero humano com ceticismo
e desprezo, confirmando melancolicamente a máxima “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”
b) O "Humanitismo" do filósofo Quincas Borba defende a supremacia "do império da lei do mais
forte, do mais rico e do mais esperto". Surge pela primeira vez, na prosa machadiana, para
desnudar ironicamente as teorias do Positivismo de Auguste Comte, do Cientificismo do século
XIX e do caráter desumano e antiético da teoria de Charles Darwin acerca da seleção natural da
"lei do mais forte” se associada às ciências sociais. A frase “Suporta-se com paciência a cólica
do próximo” é condizente com a filosofia do Humanitismo, já que privilegia tudo o que seja em
beneficio próprio e apregoa a total indiferença ao sofrimento dos outros.
16.
a) O fragmento reproduz uma cena passada na Quinta de Tormes, local em que Jacinto passa a
morar depois de se ter mudado de Paris. O estranhamento de Zé Fernandes face ao pedido de
Jacinto para que lhe tragam água da fonte, ao invés das águas sofisticadas que sempre preferira,
a beleza natural de Ana Vaqueira, assim como a simplicidade do cenário remetem personagens
e leitor às paisagens bucólicas descritas pelos autores clássicos que tematizavam o “locus
amoenus” e o “inutila truncat”, como base essencial para se atingir o equilíbrio e a felicidade.
b) A expressão “nem façamos Arcádia” alude ironicamente à visão idealizada de Zé Fernandes
relativamente aos dotes físicos de Ana Vaqueira, dona de beleza invulgar, mas, como
trabalhadora braçal e rude, seria insensível a apelos sentimentais.
17.
a) Os “conselheiros” retratados no poema de Drummond representam a elite brasileira – uma
elite caracterizada, tanto no Império como antes e depois dele, por hedonismo* provinciano,
apesar de imaginativo, e por completa insensibilidade aos problemas do país que lhe faculta os
prazeres (ainda que aborrecidos: “o enfado bolorento de São Cristóvão”, a corte imperial). Tais
prazeres tinham como contrapartida a escravidão, mencionada no texto de Drummond e
igualmente presente no romance de Machado de Assis, cujo protagonista, como os
“conselheiros” do poema, é um representante exemplar da elite hedonista, alienada e dedicada
ao ócio improdutivo.
b) Ao misturar elementos do Segundo Reinado com os do momento presente, Drummond
demonstra, em “Tristeza do Império”, uma visão histórica pessimista segundo a qual não houve
mudança significativa na estrutura socioeconômica brasileira. Tanto no século XX quanto no
anterior, o País é dominado por uma classe de privilegiados hedonistas alheios aos problemas
sociais que decorrem de seus privilégios e os garantem.
18.
19.
20.