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BIBLIOGRAFIA INDICADA EM EDITAL - MALERBA, Jurandir & ROJAS,

Carlos Aguirre. Historiografia Contemporânea em perspectiva crítica. Bauru: EDUSC,


2007.

TEMA 1: Historiografia Brasileira pós 1970.

Introdução
A concepção história da historiografia vale-se de uma longa tradição que
poderíamos remontar ao filósofo e historiador italiano Benedetto Croce, que a define
simplesmente como “análise crítica da evolução do pensamento histórico”, ou seja, o
estudo do compreensivo- e comparativo- das transformações que experimentam
conceitos, teorias, métodos, perspectivas e os produtos resultantes do ofício dos
historiadores. Embora, parcial, tal definição é correta e nela agora podemos acrescentar
que a investigação das mudanças e permanências que se verificam no pensamento e na
obra dos historiadores deve ser apoiada em estudo do que insira tais obras e autores nos
sucessivos contextos historiográficos, intelectuais, sociais, políticos, enfim nos diversos
contextos históricos a que pertencem.
Nesse sentido, uma história crítica da historiografia deverá ainda buscar resgatar
as filiações intelectuais dos diversos autores dentro de uma determinada tendência ou
corrente, as matrizes intelectuais das diferentes obras, bem como os processos de
intercâmbio, “aclimatação” e transferência cultural de perspectivas e horizontes que
impactam nas diversas práticas historiográficas ao longo do tempo.
De acordo com Carlos Antonio Aguirre Rojas, a historiografia atual começou a
definir seus perfis na conjuntura crítica privilegiada da história europeia, que é de 1848
a 1870. E não se trata, como evidente, de datas inócuas: 1848 é época das grandes
revoluções europeias, enquanto 1870 é a data fundamental da experiência da Comuna
de Paris. Nesse sentido, nas concepções do historiador Antonio Carlos Rojas, a
historiografia contemporânea se constituiu a partir de 1848. Ao verificar nos últimos
150 anos, de 1848 até o momento, pode-se identificar quatro grandes momentos, quatro
grades etapas que parecem definir esses elementos dominantes nos estudos históricos
contemporâneos. Dessa forma, as quatro etapas permitem perceber o conjunto de
“heranças” ou tradições historiográficas hoje presente nos diferentes âmbitos nacionais
e internacionais de produção histórica.
A primeira etapa que corresponde de 1848 a 1870: essa conjuntura deu origem
ao primeiro projeto ou tentativa sistemática de se fundar uma verdadeira ciência
histórica, materializando projeto crítico do marxismo original. A segunda etapa que vai
de 1870 a 1929, assiste-se à efetivação de uma primeira hegemonia historiográfica. Essa
primeira hegemonia no campo dos estudos históricos tem seu centro de irradiação
fundamental no espaço de fala alemã da Europa ocidental e servirá de “modelo” geral
para o conjunto das demais historiografias da Europa e do mundo daquele tempo. Esse
segundo período se encerra com a crise terrível desencadeada na cultura alemã pela
trágica ascensão do nazismo. A terceira etapa se concretizará pela emergência de uma
segunda hegemonia historiográfica, situada agora, em termos gerais, na França. Essa
terceira hegemonia ou modelo geral foi referência obrigatória para todos os circuitos
historiográficos do século XX. A vigência culminou da hegemonia historiográfica
francesa, por sua vez, põe termo a profunda revolução cultural, de alcance planetário e
de consequências civilizatórias globais, que foi a Revolução de 1968. No período de
1929 a 1968 os Annales franceses que dominaram a paisagem historiográfica e isso a
partir de um projeto que se constituiu como contraponto perfeito da historiografia
positivista. E não só porque os Annales vão criticar essa história rankiana direta e
explicitamente, mas também porque, ante essa história concentrada somente no militar,
no biográfico, no político e no diplomático, a nova perspectiva dos Annales propõe uma
história do tecido social no seu conjunto. E, então, em vez de estudar apenas os grandes
homens e as grandes batalhas e tratados que constituem os fatos “ressonantes” da
História, os historiadores da corrente dos Annales vão começar a estudar as civilizações,
as estruturas e as classes sociais, as crenças coletivas populares ou o moderno
capitalismo numa nova perspectiva analítica e epistemológica.
Já a quarta etapa, sendo esta filha direta das grandes transformações que 1968
trouxe em todos os mecanismos da reprodução cultural da vida social moderna e na qual
já não existe nenhuma hegemonia historiográfica, mas, sim, pelo contrário, uma nova e
inédita situação de policentrismo na inovação e no descobrimento das novas linhas de
progresso da historiografia e que se prolonga até os nossos dias. O ano de 1968 é
efetivamente uma fratura definitiva em todas as formas de reprodução cultural da vida
moderna. Não é então um simples movimento estudantil, nem um movimento de
diferença geracional. É, antes, uma revolução cultural e civilizatória das principais
formas de reprodução de toda a modernidade atual. Depois de 1968, passando a outra
situação historiográfica, pergunta-se: Qual então a historiografia dominante em 1990? A
resposta é: nenhuma. Pois em 1990 já não há uma historiografia hegemônica, e aí é tão
importante a “Escola da micro-história italiana - com suas diferentes variantes de
história cultural, de um lado, e história econômica e social, do outro – como a quarta
geração dos Annales, e o mesmo sucedendo com a historiografia socialista britânica, a
antropologia histórica russa, a história regional latino-americana, a psico-história anglo-
saxônica.
Falarmos de historiografia Brasileira ganha contorno específicos. Pensar a
história de nosso país é parte integrante da elaboração de um pensamento social
brasileiro próprio. Bernardo Ricupero ao retomar a indagação de Raymundo Faoro
acerca das linhagens do pensamento político brasileiro questionou que “não era evidente
que um país como o Brasil seja capaz de criar um pensamento político e social que dê
conta de suas condições particulares”, sendo assim podemos ampliar esse
questionamento com a seguinte questão: será evidente um país como o Brasil possua
uma tradição historiográfica que dê conta de suas particularidades? A resposta é: não,
não é evidente. Por isso, faz-se necessário um trabalho de crítica que busque, no
conjunto de textos sobre o Brasil, aqueles que incluam a preocupação com o passado
como instrumental indispensável do ato de conhecer-nos. Só faz sentido questionarmos
a nossa produção historiográfica se admitirmos que pensar a história do Brasil significa
refletir sobre nossa própria formação como país, como provo, como nação.

-Historiografia Brasileira pós 1970


A historiografia Brasileira pós 1970, pode ser considerada um período de
consolidação da moderna produção historiográfica no Brasil, marcada pela Ditadura-
civil militar e por debates centrados nas chamadas questões nacionais, como por
exemplo: capitalismo, escravismo, industrialização, burguesia, desenvolvimento,
subdesenvolvimento, modos de produção, dentre outros temas. É nesse período também
que cresce a influência dos historiadores franceses da segunda geração dos Annales.
Momento também de expansão universitária, especialmente com a perda de hegemonia
da produção da Universidade de São Paulo, e ascensão das pesquisas históricas
regionais. Também identificam autores desse período com o deslocamento de temáticas
econômico, político-sociais para o campo da cultura. É, por fim, um momento de
expansão dos programas de pós-graduação e das agencias de financiamento, auxiliando
no desenvolvimento de teses de doutorado e dissertações de mestrado sobre a História
do Brasil. Nesse sentido, traçarei pontos sobre a produção historiográfica no Brasil no
que tange as abordagens relacionadas as discussões sobre o Brasil Colônia, Império,
República e a Escravidão. A opção por esses pontos justifica-se pelo recorte
cronológico, caso dos três primeiros, e pela importância crucial que a escravidão teve na
nossa formação histórica, sendo um dos temas não cronológicos mais visitados por
nossa produção historiográfica.
As questões interpretativas centrais mais longevas a respeito do período colonial
brasileiro dizem respeito à sua economia e à sua política. Dois temas que se entrelaçam
e que constituem a maior polêmica acerca dos estudos dessa época. Em primeiro lugar,
a mais consistente e duradoura interpretação de nossa historiografia teve origem com
Caio Prado Junior em Formação do Brasil Contemporâneo. Caio Prado inaugura uma
vertente de estudos, fortemente influenciados pelo marxismo, que enxergavam na
economia colonial brasileira, certas características que, até hoje, possui apelo na
consciência histórica nacional. Nas abordagens de Caio Prado, o Brasil se formou como
parte da era da expansão marítimo-comercial europeia em um momento por ele
identificado como de formação do capitalismo mercantil. Nesse sentido, suas
interpretações tiveram consequências. A principal, presente ainda em sua obra, dizia
respeito à ausência na colônia de qualquer estímulo à constituição de um mercado
interno, ou seja, todos os circuitos estariam voltados ao comércio exterior. Outra obra
que adota o mesmo viés interpretativo de Caio Prado é a de Celso Furtado, em
Formação Econômica do Brasil, que considera que a economia do Brasil colônia
orienta-se segundo o comércio exterior. Os fundamentos da estrutura colonial, portanto,
estariam condicionados pela transferência de riqueza para a Metrópole. Celso Furado
admite que parcela da produção da riqueza colonial ficava não nas mãos dos senhores
de engenho, mas ligavam-se ao capital mercantil metropolitano.
Após três décadas de publicação da obra Formação do Brasil Contemporâneo,
ela adquiriu sua forma mais acabada com o historiador Fernando Novais. Seu livro
intitulado “Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial”, foi além das
considerações de Caio Prado para inserir o caráter extrovertido da economia colonial
brasileira nos mecanismos no chamado de Antigo Sistema Colonial. Tratava-se
essencialmente, de um conjunto de relações entre a metrópole e suas colônias, que
tomando a forma mercantilista de exploração, são um desdobramento da expansão
comercial europeia e servem a um objetivo bem definido: ser instrumento e acumulação
primitiva da época do capitalismo mercantil. Podemos compreender a direção dessa
abordagem da economia colonial relacionado Caio Prado Junior com Fernando Novais,
a partir da seguinte consideração: a economia colonial, no primeiro autor, surge como
peça da expansão europeia e direciona-se à metrópole; forma-se a partir dos interesses
portugueses. No segundo autor, complementando o primeiro, tal direção externa serve à
própria consolidação do capitalismo na Europa, já que os ganhos oriundos da colônia
serviriam como ferramenta de acumulação primitiva de capital que permitiria
principalmente à Inglaterra, a partir da absorção dos lucros via um subordinado
Portugal, fazer sua Revolução Industrial.
A partir da década de 1970, diversos estudos começaram a questionar, tanto pelo
viés empírico quanto pela reflexão teórica, o modelo do “sentido da colonização”. As
primeiras críticas foram parciais, isto é, atacaram aspetos essenciais do modelo clássico,
mas não romperam completamente com todas as decorrências daquele modelo. Dois
autores, em especial, contribuíram para essa primeira onda crítica: Ciro Flamarion
Cardoso e Jacob Gorender. Ciro Cardoso, em seu texto intitulado “as concepções acerca
do sistema econômico mundial: a preocupação obsessiva com a extração do excedente”
recusou a ideia de que as estruturas das colônias no Novo Mundo em meros anexos das
sociedades europeias. Pensava as características da economia colonial inseridas em um
modo de produção próprio, com suas particularidades e lógicas próprias de
funcionamento. Assim surgiu o conceito de modo de produção escravista colonial para
designar as realidades surgidas da colonização. Apesar de ainda ligadas a trajetórias
europeias, as sociedades coloniais eram agora identificadas como capazes de ter fluxos
próprios de desenvolvimento.
Jacob Gorender, em seu livro “escravismo colonial”, escrevendo no final da
década de 70, iria avançar nas proposições de Ciro Flamarion Cardoso acerca de um
modo de produção específico para a América Portuguesa. Esse avanço levou-o a
extremos, em busca inclusive das “leis” de funcionamento desse modo de produção.
Ambos os autores apesar da diferença, propuseram um novo modelo de compreensão do
passado colonial como alternativa ao de Caio Prado. Ao invés de enfocar na circulação,
isto é, no comércio como eixo definidor da colônia, ambos focaram na produção, na
forma como a riqueza e a renda eram produzidas. Assim chegaram a esse conceito de
modo e produção escravista colonial: baseado no trabalho escravo, no latifúndio
monocultor e na produção voltada para a exportação, o sistema passa a ser visto em sua
lógica interna de funcionamento, e não como simples reflexo da metrópole. Porém essas
críticas não uma essencialidade, embora o modelo do “modo de produção” teoricamente
apontasse para a possibilidade dessas acumulações internas, faltava pesquisa empírica
que comprovasse essa acumulação.
Caberia a dois autores influenciados por essas discussões, ir mais a fundo ainda
no rompimento do modelo marxista-pradiano clássico. Apesar de não terem sido os
primeiros a propor essa mudança, visto que alguns estudos já vinham salientando a
importância da dimensão interna da economia e da sociedade coloniais, como por
exemplo, “As tropas da moderação” de Alcir Lenharo, publicado em 1979, foram os
autores do livro intitulado “arcaísmo como projeto” dos historiadores João Fragoso e
Manolo Florentino que levou novas interpretações sobre a história colonial. Embasada
em pesquisa em arquivos e inspirada por renovações historiográficas feitas em Portugal
acerca da época colonial chega a seguinte conclusão: os modelos interpretativos acerca
da economia colonial equivocaram-se ao apontar para a incapacidade de a colônia gerar
ritmos próprios de produção e comércio à revelia da Europa e por subestimar a
capacidade do mercado interno colonial de ganhar força mesmo em momentos de
retração no comércio internacional.
Dessa forma, o modelo proposto por Fragoso e Florentino teve como
desdobramento o lançamento em 2001 da obra coletiva “Antigo Regime nos Trópicos”.
Essa coletânea de artigos, congregando pesquisadores de diversas universidades, é
representativa da mudança de direção que os estudos sobre o período colonial tomaram
nas últimas décadas. Essa direção iniciada nesse livro e desenvolvida em inúmeros
trabalhos nos anos seguintes, baseia-se em três pilares essenciais: pesquisa aprofundada
em arquivos locais e em documentação muitas vezes pouco utilizada. Aqui podemos
perceber tanto influência da micro-história (especialmente do historiador Giovanni
Levi) e da antropologia (especialmente Marcel Mauss e Fredrik Barth) quanto a crítica
que as grandes narrativas receberam no último meio século. Influência de uma nova
historiografia portuguesa, cujo maior representante é o historiador Antonio Manuel
Hespanha, que passou a relativizar a aplicação do conceito de absolutismo para o caso
português, bem como o conceito de pacto colonial.
Feito algumas abordagens sucintas do debate da historiografia brasileira pós
1970, passamos a discussão historiográfica referente ao período imperial, sendo este de
grande importância para a compreensão de nossa formação nacional. Ali começou a
pensar o país em termos de nação, iniciando uma preocupação em relação à escrita de
uma história nacional. Por isso, se faz necessário compreender algumas das principais
discussões atualmente em curso sobre esse período. Passamos a destacar algumas obras
em um contexto em que as interpretações passam do ensaísmo à universidade. A
geração clássica universitária, cujos trabalhos resultaram de teses de doutorado e que
passaram a influenciar direta ou indiretamente, praticamente todos os estudos atuais
sobre o período. Parte desse debate foi sintetizado na obra de Emília Viotti da Costa, em
“Da monarquia à República. Momentos decisivos”, de 1977. Neste livro, que reúne
diferentes ensaios, Viotti coteja as interpretações monarquistas e republicanas e propõe
uma nova visão de conjunto que leve em consideração fatores de ordem econômica e
social. Ainda na década de 1970 e início de 1980 surgiram outros autores que
estabeleceram as linhas mestras de interpretação da História do Império que, de um
modo geral, ainda dominam nossa historiografia.
Da matriz interpretativa atual, em que a leitura dos questionamentos presentes
nas obras de Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, surgiram dois trabalhos
que se tornaram clássicos da nossa historiografia, ainda influenciando obras atuais em
nosso país. Faço referencia à obra de Fernando Uricoechea “O Minotauro Imperial” tese
defendida nos Estados Unidos em 1976 e publicada no Brasil em 1978 e de José Murilo
de Carvalho “A construção da ordem” de 1980 e “Teatro de sombra” de 1988, ambas
fruto do doutorado defendido no exterior em 1974. Os dois autores partem de uma
problemática estabelecida pela sociologia weberiana, embora José Murilo de Carvalho
tenha se inspirado mais na Teoria das Elites: a preocupação em desvendar as relações
entre Estado, sociedade e nação. Fernando Uricoechea, sociólogo colombiano, insere-se
na vertente weberiana de interpretação do Estado Imperial, nesse sentido o Império do
Brasil para o sociólogo, assume uma feição mista: entre a ordem patrimonial
característica de muitas formações políticas pré-modernas, e a ordem burocrática, típica
do Estado moderno: entre o Estado central e a ordem local, entre o público e o privado.
Para analisar essa feição mista Fernando Uricoechea parte da interpretação weberiana
presente em seu livro: “a burocratização do Estado patrimonial brasileiro no século
XIX”, ou seja, é a partir, principalmente do conflito entre as permanências de práticas
patrimonialistas e o desenvolvimento da burocracia estatal que o autor vai a organização
da sociedade imperial. O foco de sua análise foi a Guarda Nacional, instituição imperial,
onde o movimento de conflito entre a lógica patrimonialista e a burocrática mostra-se
mais evidente.
O historiador José Murilo de carvalho teve como principal objetivo, exposto em
seus livros, identificar as razões para a peculiaridade da formação brasileira na América.
A América Portuguesa mantivera-se integrada, enquanto as ex-colônias espanholas
haviam se fragmentado. O novo Estado nacional permanecera monárquico, enquanto o
restante do continente caminhara para o republicanismo. Para explicar essa
peculiaridade, José Murilo recorreu à teoria das elites. A unidade territorial e a forma
monárquica de governo refletiam o sucesso de um projeto político próprio de uma elite
política autônoma em relação à sociedade. Tratava-se de uma elite política que se
formou no Brasil, inicialmente a serviço da monarquia portuguesa e que, na conjuntura
da Independência, vira a separação da antiga metrópole como a melhor forma de
viabilizar o projeto de construção de um império unitário e centralizado sob seu
controle. A “construção da ordem” no império, assim, teria sido obra dessa elite
política, ainda que, muitas vezes, essa ordem a ser construída, contrariasse os interesses
da sociedade- e aqui “sociedade” refere-se fundamentalmente, à produção escravista de
exportação. A formulação do historiador para explicar essa relação entre política e
economia foi a expressão “dialética da ambiguidade”, que usa para explicar a ação do
governo perante os grandes plantadores: por um lado, o Estado não podia prescindir das
rendas geradas pela agricultura escravista de exportação; por outro lado, o Estado
imperial mantinha uma relativa autonomia, devido especialmente ao tipo de elite por ele
formada, que lhe permitia introduzir reformas, mudanças, transformações à revelia,
muitas vezes, desses grupos econômicos. Dessa forma, podemos perceber que tanto
José Murilo e Fernando Uricoechea, apesar de valorizarem uma interpretação que
confere autonomia à política imperial sobre a sociedade, acabam não enxergando no
Estado uma “carapaça” que engole a sociedade e a conduz ao seu bel prazer. Pelo
contrário: Para José Murilo, apesar de autônomo, esse Estado imperial, não deixa de
manter relações com a sociedade, ainda que muitas vezes conflituosa. Para Uricoechea,
o patrimonialismo brasileiro nunca permitiu a existência de um “estamento burocrático”
que, rigidamente, mantivesse o poder sobre a sociedade.
Passamos a análise agora de outra linhagem de interpretação, distinta da de José
Murilo Carvalho e Fernando Uricoechea. Trata-se do historiador Ilmar Rohloff de
Mattos, cujo livro, “O Tempo Saquarema”, de 1986 é resultado de tese defendida na
universidade de São Paulo em 1985. A obra de Ilmar Mattos, do ponto e vista teórico,
baseia-se principalmente em dois autores marxistas: Antonio Gramsci e Edward Palmer
Thompson. Nesses dois autores, Ilmar busca uma concepção de Estado como um
produto das relações sociais, particularmente das relações e das lutas entre as classes
sociais. Nessa concepção, o Estado tem uma marca de classe, constrói-se a partir das
práticas de classe e se organiza, no fundamental, a partir e para assegurar a dominação
de uma classe. Isso, contudo, não se deve a uma determinação lógica, mas é antes o
resultado de um complexo histórico concreto. Na análise de Ilmar Mattos, o Estado
imperial é visto como resultado do fortalecimento e da ascensão de uma classe social –
a classe senhorial – ligada diretamente à produção cafeeira escravista do Vale do
Paraíba, que, em determinado momento da trajetória histórica brasileira, começa a
interligar seus destinos (isto é, suas práticas, sua concepção de mundo, seus valores,
seus horizontes de perspectiva) aos destinos do próprio Estado. Os processos de
formação histórica da classe senhorial e de construção do Estado imperial são
indissoluvelmente ligados. Não há classe senhorial sem Estado imperial; não há Estado
imperial sem classe senhorial. Para Ilmar, há, assim, uma a associação profunda, no
século XIX, entre escravidão, café e o Império: os interesses imediatos da classe
senhorial (café e escravidão) e seus interesses de longo prazo (sua preeminência social e
política) tornam-se interesses do próprio Império. O elo entre essa classe senhorial e o
Estado é constituído por “intelectuais” (categoria central no pensamento de Antonio
Gramsci), que atuam como agentes de elaboração da visão de mundo e de exercício da
dominação da classe senhorial. O núcleo desses intelectuais foram os dirigentes do
Partido Conservador do Rio de Janeiro, tradicionalmente chamados de “Saquaremas”.
Por isso o título do livro: “O Tempo Saquarema” significa, na verdade, a construção da
direção dos caminhos do Império a partir dos interesses desse núcleo, que acabam
incorporando todas as demais classes e frações de classe do Império aos seus objetivos
mais gerais.
Passando a renovação de abordagens interpretativas atuais alguns historiadores,
no entanto, têm conscientemente entrado no debate sobre a natureza do Estado imperial
de forma mais sistemática. Richard Graham, por exemplo, em seu livro “Clientelismo e
política no Brasil do século XIX”, de 1997 (primeira edição em inglês de 1990), afirma
que o clientelismo e a centralização política não se contradiziam, mas se
complementavam. Os mandantes locais dependiam dos favorecimentos do governo
central para montarem suas clientelas e o governo, por sua vez, dependia do apoio
dessas redes clientelares locais para vencer as eleições. Ricardo Salles, em ensaio
interpretativo intitulado “Nostalgia imperial” (1996), propôs a continuidade da análise
de Ilmar Rohloff de Mattos, ainda em termos gramscianos, para entender o Império,
mais especificamente a partir do final da década de 1860 até a Abolição e a
Proclamação da República. Esse período, a partir da Guerra do Paraguai, do novo
quadro internacional gerado pela derrota da Confederação na Guerra da Secessão e das
novas condições das relações entre senhores e escravos depois da abolição do tráfico
internacional, em 1850, deve ser entendido como de crise da hegemonia da classe dos
grandes proprietários escravistas, especialmente de sua fração fluminense. O mesmo
autor retomou essa perspectiva com foco na região de Vassouras e do Vale do Paraíba
em suas relações com o Estado imperial em “E o Vale era o escravo” (2008).
Nos últimos anos, surgiram, ainda, correntes que propõem uma revisão mais
radical da matriz interpretativa da história do Estado imperial. Uma delas, é
representada pelo trabalho de Maria Fernanda Vieira Martins, “A velha arte de
governar”, tese de doutorado de 2005, publicada em 2007. Para essa autora, as teses de
um Estado central controlado por uma elite política com seu próprio projeto de
modernização ou, de forma mais indireta, de um Estado representativo dos interesses da
classe senhorial devem ser contestadas. Maria Fernanda segue a ideia de que a
colonização portuguesa havia gestado um “Antigo Regime nos Trópicos”. De acordo
com esta visão, o Estado português, até o século XIX, não deve ser entendido como um
Estado moderno, burocrático e centralizado administrativamente, mas sim como um
Estado corporativo, atravessado por órgãos, instâncias e grupos com práticas e
interesses próprios. O Império do Brasil, teria dado continuidade a essas práticas, apesar
da autora reconhecer uma tensão entre sua manutenção e a presença de um certo projeto
modernizador. Estudando o segundo Conselho de Estado (1840-1889), Maria Fernanda
procurou analisar as teias de relações pessoais dos membros do Conselho, concluindo
que a atuação desta “elite” era pautada, em grande parte, pela busca por estratégias de
sobrevivência pessoal. Ou seja, a compreensão do Estado imperial se dá pela análise das
formas pelas quais essas elites buscam a melhor forma de manter sua posição, seu
prestígio e o encaminhamento de sua dominação. A ação estatal soa como um
desdobramento, no plano institucional, das ações locais e cotidianas dessas elites.
O próximo ponto tratarei de discussões da historiografia brasileira no pós 1970
referente ao período republicano. Por ser praticamente impossível abordar as diversas
discussões desse período histórico, minha análise será especificamente na Primeira
República.
A República é, sem dúvida, o momento mais rico em abordagens. Não apenas
por tratar-se de uma espécie de “fronteira aberta” de nossa cronologia, já que estamos
inseridos no período republicano até hoje, mas, principalmente, por ser a época sobre a
qual os cientistas sociais em geral mais têm se debruçado. A República abrange não
apenas estudiosos da área de História, mas, também, autores das mais diversas áreas das
ciências humanas, num ritmo bem maior do que os períodos colonial e imperial
recebem. Além disso, parte significativa do período republicano insere-se naquilo que
ficou conhecido como “História do Tempo Presente”.
A Primeira República, antigamente chamada de “República Velha”, tem sido
tema de diversos debates historiográficos. Muitos foram os autores que, ao longo dos
anos, buscaram compreender a dinâmica da organização político-econômica do país
naquele período. Nesse sentido, duas questões têm predominado nos debates
historiográficos. A primeira é o papel e as formas de atuação das oligarquias cafeeiras e
de base agrária de um modo geral no cenário político. A segunda é a participação de
outros grupos sociais no processo de formação da política republicana.
Os trabalhos sobre o papel das oligarquias no período remetem a uma
abordagem que as via como dominantes, havendo pouca ou nenhuma oposição aos seus
interesses. Tal cenário teria começado a mudar somente a partir do crescimento de uma
burguesia industrial, cujas demandas começaram a contrastar com os interesses
oligárquicos. Esse profundo contraste de interesses estaria, segundo algumas correntes
mais tradicionais, no cerne da crise dos anos de 1920, que culminou com o golpe de
1930. Dentre os autores que compartilham desta concepção está Nelson Werneck Sodré
(SODRE; 1943). Nessa perspectiva caberia ao setor latifundiário a implantação e
dominação da política brasileira, submetendo o sistema econômico aos seus interesses
particulares. A tese defendida por Werneck Sodré foi bastante influente até a década de
1960. A partir de 1964, porém, novos trabalhos historiográficos surgiram, lançando
novos olhares para a Primeira República e, assim, desenvolveram novas teses que
buscaram dar conta da complexidade do período estudado. Exemplo dessas perspectivas
sobre o período foi a desenvolvida por Caio Prado Junior (PRADO Jr.; 1966) e por
Paula Benguelman (BENGUELMAN; 1969). Esses autores, ao analisarem o período,
ponderaram que tal dicotomia de interesses entre setores agrários e urbanos não era tão
profunda quanto Sodré argumentava.
Seguindo linha de pensamento semelhante à de Paula Benguelman e às reflexões
de Caio Prado Junior, Maria do Carmo Campello de Souza (SOUZA; 1972) fez uma
análise da Primeira República, estudando o desenvolvimento industrial e urbano durante
todo o período. Segundo ela, ao contrário das teorias que apontavam uma crescente
contradição entre os setores agrários e industriais, o desenvolvimento urbano também
foi almejado pelas oligarquias e beneficiou também o crescimento do setor
agroexportador. Outro historiador que também contribuiu para o debate acerca das
relações de classe dentro da Primeira República foi Boris Fausto (FAUSTO; 1975 -
1981). A partir de suas pesquisas, Fausto defendeu que as contradições de interesses que
levaram à crise da Primeira República estavam dentro das próprias oligarquias
(rivalidades estas ligadas ao desenvolvimento regional, bem como a influência política
que essas oligarquias possuíam em sua própria região e no Brasil como um todo).
Apesar das diferenças de abordagem, principalmente no que se refere ao peso
das oligarquias na política republicana do período, as teses até aqui apresentadas
possuem em comum a ideia de que o governo federal estava sempre favorecendo os
cafeicultores (numa relação de quase submissão do primeiro aos segundos). Contudo,
entre as décadas de 1970 e 1980 surgiram alguns trabalhos que puseram em questão a
intensidade das relações entre Estado e cafeicultores. Como exemplo, o trabalho de
Barroso Franco (FRANCO; 1983), que segundo ele a maior preocupação do Governo
Federal, na Primeira República, era manter uma política econômica ortodoxa, visando
evitar a desvalorização da moeda. Com isso, por diversos momentos a atuação do
governo federal destoou dos interesses dos cafeicultores.
Por fim, outra referência que não pode deixar de ser citada é a obra de Victor
Nunes Leal (LEAL; 1949). Em seu livro, Leal fez uma análise importante das relações
estabelecidas entre os membros das classes populares e as elites locais, representadas na
figura do coronel, apresentando uma abordagem que fugia do modelo dualista
apresentado até então. Também apresentou uma reflexão importante sobre as relações
entre o “mundo público e o mundo privado”, mostrando o quão difícil era esta relação
no Brasil. Em seu estudo, Nunes afirma que era o coronel aquele que, em busca de voto,
utilizava-se do dinheiro público em benefício “privado”, uma vez que costumava mediar
as relações entre o governo regional e a população. Outro ponto importante do trabalho
de Victor Nunes é a relação feita por ele entre o Coronelismo e outras formas de
dominação locais já existentes no Brasil Colonial. Desta forma, o Coronelismo é
entendido, pelo autor, como um fenômeno próprio da Primeira República, mas que
guarda fortes características do mandonismo, por exemplo, que era o domínio local das
elites agrárias locais durante os séculos de Colônia e Império. O Brasil tinha, nesse
sentido, uma forte marca de continuidade.
Além dos debates sobre as formas de participação das oligarquias na política nas
primeiras décadas de República, outro debate se forma também em torno da
participação de outros grupos sociais na construção republicana. Consideraremos, aqui,
essencialmente os militares e os grupos populares. Compreender o papel dos militares
neste período da História do Brasil envolve também pensar a própria formação da
República e o grupo que, nos primeiros anos, assumiu o poder político do país. Segundo
Angela de Castro Gomes e Marieta de Moraes Ferreira, em análise dos debates
historiográficos sobre a Primeira República, até a década de 1960 a tese predominante
para entender a participação desse grupo era a de Virgilio de Santa Rosa (SANTA-
ROSA; 1933). Seu trabalho, publicado em 1933, trazia a ideia de que os tenentes (atores
importantes na conjuntura politica brasileira naquele momento) representavam os
interesses de uma classe média. Isso porque a maioria dos tenentes era oriunda das
classes médias urbanas. Na teoria de Santa Rosa, os tenentes buscavam implementar um
projeto político nacional que visava romper com o modelo de “política oligárquica”.
Desta forma, o autor considerava os tenentes como representantes das insatisfações das
classes médias urbanas com um sistema político que só beneficiava às elites
oligárquicas.
A tese de Santa Rosa sofreu contestações. Segundo o historiador José Murilo de
Carvalho (CARVALHO; 1987), a partir de suas pesquisas, a origem social dos tenentes
foi importante para uni-los em torno de ideias e reivindicações comuns. Contudo, as
reivindicações apresentadas por eles diziam respeito a questões da própria instituição
militar, sobretudo dentro do grupo dos tenentes, e não representavam necessariamente
interesses de classes médias mais amplas. Os militares enxergavam-se como o grupo
que proclamou a República e, naquele momento (década de 1920), não viam seus
interesses representados pelo governo brasileiro. Para este grupo de oficiais, era
importante voltar a se fazer a política do Exército, como nos “velhos tempos” do início
da República.
Outra questão bastante discutida durante o período republicano é a participação
popular no cenário político da Primeira República. Até meados dos anos de 1980,
predominava uma visão na qual a maioria da população e dos trabalhadores, depois de
grandes mobilizações sindicais no final da década de 1910, teria pouca influência nos
processos políticos. De um lado, estavam os acordos oligárquicos e, de outro, uma
população inerte, que não tinha qualquer reação frente ao governo. Essa perspectiva
passou a ser contestada. Em sua obra “Os bestializados e a República que não foi”
(CARVALHO; 1987), o historiador trabalhou com a criação da República, bem como
os momentos em que os populares (sempre heterogêneos e sem um projeto político
claro) participam eventualmente do cenário político. Ao buscar compreender as revoltas
populares urbanas, sobretudo a da Vacina, Carvalho observa que não havia,
efetivamente, uma unidade de interesses, existindo, inclusive, a participação de vários
grupos. No momento da Revolta da Vacina, às insatisfações populares (vacinação
obrigatória, ferindo a “moral e os bons costumes”, ao obrigar as mulheres a despirem os
braços), juntaram-se as insatisfações dos cadetes da Escola Militar, discordando da
atuação do Governo Federal. Para José Murilo, as manifestações populares não eram,
conscientemente, uma forma de atuação política. Em momentos de tensão e desagrado
popular, como, por exemplo, quando o governo aumentava alguma tarifa de serviço ou
imposto, os populares uniam-se para protestar. Vale ressaltar que, segundo o
historiador, não havia uma organização efetiva desses grupos anteriores às revoltas ou
que permanecesse após esses momentos de crise.
A escolha de uma aula específica para a historiografia de escravidão justifica-se pelo
seu impacto na nossa história. Esta aula apresenta as mesmas limitações das anteriores. É
simplesmente impossível em espaço tão curto apreender, ainda que minimamente, todas as
obras significativas produzidas a respeito da escravidão (ou sobre aspectos a ela relacionados,
como o tráfico negreiro ou o pós-abolição). Essa nova historiografia da escravidão foi
profundamente influenciada por três linhas interpretativas. Em primeiro lugar, a história
social de E. P. Thompson, historiador marxista inglês que foi lido, no Brasil, muito em
função de seu diálogo com a antropologia. Em segundo lugar, a própria antropologia,
especialmente a antropologia interpretativa de Clifford Geertz. Por último, a micro-
historia, em associação à crise das grandes narrativas, num momento de
encaminhamento final da Guerra Fria e do declínio do marxismo na universidade
brasileira. Tudo isso acabou contribuindo para que as grandes questões da geração do
“segundo momento” fossem deixadas de lado, especialmente as relações entre
capitalismo e escravidão e a abordagem totalizante da sociedade. Podemos perceber,
também, uma grande influência da historiografia norte-americana sobre a escravidão,
que, nesse momento, ou mesmo um pouco antes fazia o mesmo movimento de
afastamento do marxismo – que lá, de resto, havia sido muito menor que no Brasil – e
das explicações abrangentes.
Essa nova historiografia trouxe avanços notáveis, incorporando fontes,
problemáticas, temáticas e objetos antes pouco ou nada explorados. Deu novos ângulos
e cores à história da escravidão, resultando num conjunto de temáticas que ampliou
nossa visão sobre o passado. Os principais aspectos desse momento da historiografia
sobre a escravidão, que é aquele hoje dominante no campo, focam nas microrrelações
entre senhores e escravos, ao invés de buscar grandes interpretações sobre o conjunto da
sociedade escravista, em seus diferentes momentos históricos, e suas relações com a
formação do capitalismo. A principal preocupação desses novos estudos é salientar o
papel do cativo como agente de sua própria história. Conceitos como negociação,
resistência, paternalismo etc., emergiram e tornaram-se protagonistas dos estudos. Cada
vez mais a historiografia buscou, muitas vezes com grandes resultados, entender as
concepções dos próprios escravos a respeito da sua situação. O que pensavam sobre
liberdade, ação, crime, castigo, poder etc. Substituíram-se assim, de acordo com o
entender dos principais autores dessa tendência, as análises mais esquemáticas que viam
essas palavras apenas a partir da ótica senhorial. O mundo da liberdade e da escravidão
ganhou contornos para além dos aspectos institucionais, como a alforria: valorizou-se
mais a situação do escravo em seu cotidiano, as pequenas conquistas, os avanços e
movimentações que fazia e que significavam uma melhoria de sua posição no interior
da escravatura.
Exemplos de trabalhos nessa linha não faltam, mas vamos comentar três obras
marcantes: Silvia Hunold Lara (“Campos da Violência”, 1988), Eduardo Silva e João
José Reis (“Negociação e Conflito”, 1989), Sidney Chalhoub (“Visões da Liberdade”,
1990), apenas para citar três, compartilhavam ideias, direções de pesquisa e
preocupações. Mas foi sobre a vivência do escravo no mundo da escravidão que a
historiografia mais se debruçou. Sílvia Lara, por exemplo, em seu “Campos da
Violência” buscou a forma pela qual era vista a questão dos castigos e punições, tanto
por senhores quanto por cativos, na capitania do Rio de Janeiro, mais especificamente
em Campos dos Goytacazes, na virada dos séculos XVIII e XIX.
Lara aborda a questão a partir das práticas cotidianas. As conclusões são
marcantes: a autora percebeu que, na maior parte das vezes, a legitimidade do castigo
não era, em si, contestada; apenas a extensão da pena. Influenciada também pelo
filósofo francês Michel Foucault, Lara analisa as disputas pelo significado da justiça nas
relações entre senhores e escravos, a partir tanto da relação direta entre ambos quanto da
relação mediada pelo Estado. Percebeu que, muitas vezes, o Estado interferia nas penas
para manter a ordem, minorando aquelas que considerassem “cruéis demais” ou
“exageradas”, ainda que tal ação contrariasse os interesses imediatos dos senhores. Por
outro lado, ao fazer isso o Estado não contestava a escravidão: apenas assumia que ela
se deveria reproduzir sobre bases “cristãs”. A ideia de justiça vai além da simples
dualidade “punição x rebelião” para buscar entender como os escravos lutavam pela
melhoria das suas condições para além da fuga, da revolta, do conflito aberto.
Sidney Chalhoub, em “Visões da Liberdade”, também parte de preocupações
semelhantes e chega a resultados parecidos, porém analisando a Corte nas duas últimas
décadas da escravidão. Busca, em sua obra, compreender os significados da liberdade e
reconstituir o percurso de diversos cativos que transitavam pela maior “cidade africana”
das Américas no século XIX. Tenta entender as estratégias, as escolhas, as intenções
dos cativos como indivíduos em busca da vitória diária.
A síntese interpretativa dessa nova historiografia está em Eduardo Silva e João
José Reis, no livro sugestivamente intitulado “Negociação e Conflito”. O capítulo
inicial do livro resume toda a argumentação: a negociação, e não a luta aberta contra o
sistema, foi a tônica das relações escravistas ao longo do período escravocrata
brasileiro. A análise dessa negociação, que não visava ao fim da escravidão como
sistema, mas a mudanças moleculares no interior do escravismo, recuperava, segundo os
autores, a humanidade do escravo, ao visualizá-lo como ser humano, com seus defeitos
e qualidades, idiossincrasias e limitações, no interior do mundo em que foi atirado, sem
escolha, e lutando com as armas de que dispunha.
Mas foi o livro de Kátia de Queirós Mattoso, “Ser escravo no Brasil” (1982),
que se tornou símbolo da ruptura que a nova historiografia buscou. Nessa obra, a
historiadora tenta abordar a escravidão brasileira a partir da visão do próprio escravo a
respeito de sua situação. Dividido em três partes, o livro analisa o significado desse “ser
escravo” desde a captura na África (parte 1), passando pela vivência no mundo da
escravidão (parte 2) e chegando ao “além do cativeiro”, analisando o significado do “ser
liberto” (parte 3). Percebemos um aspecto dessa nova historiografia, a importância cada
vez maior dada ao estudo do continente africano na compreensão da cultura escrava.
Essa questão das raízes africanas ganharam peso na obra da historiadora, principalmente
na análise que faz da religião católica: devendo os escravos a ela submeter-se,
mantinham eles na aparência os ritos católicos e às escondidas os cultos que de seu
continente original traziam. O papel dos libertos, é outra questão crucial para a
historiografia pós década de 1980.

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