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Da criança objeto aos objetos da criança1

Marie-Hélène Brousse

Ao ler os textos de Lacan às vezes é problemático saber se


falamos da criança como objeto, se falamos dos objetos da criança, se a
mãe é sujeito ou objeto. Esta confusão na leitura provoca
freqüentemente um basculamento do sujeito ao objeto. A mãe é sujeito,
a criança também o é, nós também o somos; ao mesmo tempo, segundo
o eixo escolhido, podemos nos encontrar na posição de objeto.

Lacan utiliza constantemente o genitivo que, na língua francesa,


se presta a tal confusão. No desejo da mãe não sabemos jamais se é a
mãe quem deseja ou é desejada, a mesma coisa em relação ao amor da
mãe. Podemos supor, visto que essa confusão se repete em diferentes
contextos, que ela contém um elemento do real, não é unicamente a
língua que engana ou nos coloca no mal-entendido. Há alguma coisa
que indica a singularidade da relação sujeito-objeto em psicanálise. O
fato de não haver uma definição do objeto em termos da objetividade
científica, da exterioridade, nos obriga a uma definição topológica
muito mais complexa do que o dentro e o fora.

1
BROUSSE, Marie-Hélène. “De l’enfant objet aux objets de l’enfant”. Em: La Petite Girafe, Donner sa
langue au ça. Paris: Agalma, n.25, junho 2007. Texto estabelecido a partir de uma conferência pronunciada
em 2 de dezembro de 2006 em Aix-en-Provence no grupo Boutchou du Nouveau Réseau CEREDA.
Transcrição de Dominique Pasco.
O objeto a

Os textos fundamentais de Lacan sobre os objetos mostram que,


no desenvolvimento de seu ensino concomitante à sua prática analítica,
o objeto se transforma até à obtenção de uma nova categoria - o objeto
a - que assume um lugar central. Por um lado, tanto em O Seminário, o
sinthoma2, quanto na conferência “A terceira”3, o objeto a se encontra no
centro dos três círculos do simbólico, do real e do imaginário. Por
outro, a ascensão da potência do conceito de objeto no ensino de Lacan
é acompanhada de uma aproximação política: a política lacaniana que
coloca o objeto em lugar central. Jacques-Alain Miller resumiu com a
fórmula: “Nossa época é uma época de ascensão ao zênite do objeto”4.
Ele designou, ao mesmo tempo, as transformações que o discurso
científico operou nas diferentes modalidades do discurso do mestre
colocando o objeto no centro, e a subida ao zênite do objeto na
psicanálise com a função dada ao objeto a que vem equilibrar a função
paterna e a função simbólica que, até aquele momento, eram
dominantes. Essa ascensão ao zênite do objeto implica, portanto, que
todos, crianças, adultos, sejamos objetos de um outro gerenciamento.
Esse período começou claramente no momento da Shoah.

“Todos os objetos de um outro gerenciamento” implica


primeiramente uma feminização dos seres falantes que tem
conseqüências sobre a criança. Conforme Lacan demonstrou em seu
primeiro ensino, apoiando-se em Lévi-Strauss, o que caracterizava os
seres falantes do lado feminino é que as mulheres eram, paralelamente,
sujeitos do inconsciente e objeto de troca. O fato de todos se
encontrarem na posição de ser um objeto e, ao mesmo tempo, um
sujeito, tem por conseqüência uma feminização dos homens e das
crianças.

Em segundo lugar, Lacan articula o termo objeto com dois


outros operadores: o ser e o ter. Ser um objeto e ter objetos participa da

2
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 23: o sinthoma (1975-1976). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
3
Idem, “La tercera” (1974) Em: Intervenciones y Textos n. 2. Buenos Aires: Manantial, 1988, ps. 73-113.
4
MILLER, J.-A. “Uma fantasia” (2004). Em: Opção Lacaniana n. 42. São Paulo: Eolia, fevereiro 2005, p.8.
“colocação do campo da realidade”. Supõe a perspectiva de uma
simbolização e a tese lacaniana é que não há objeto sem significante, o
que distingue o ensino de Lacan daquele dos pós-freudianos. A tese
dos teóricos geneticistas sobre a questão de saber de onde saem os
objetos e em que momento o bebê os encontra, é uma espécie de
autismo radical; e a tese dos teóricos da relação de objeto é que, de
início, existe o objeto. Isso fornece um modelo no qual o Um é
fundamental e um modelo no qual o dois também é.

A tese de Lacan não é há o objeto, mas há a linguagem. O sujeito e


o objeto são coordenados pela estrutura, isto é, pelo fato de que o
inconsciente é estruturado como uma linguagem, isso no primeiro
ensino de Lacan. Na psicanálise não existe outro objeto, senão aqueles
que podem ser obtidos no e pelo mundo da linguagem. Essa oposição –
ser e ter – representa o binário sobre o qual Lacan se apóia para propor
uma primeira teoria da sexuação. O objeto está ligado à diferença
sexual e, para permanecermos freudianos, diremos que ele está
fundamentalmente ligado à satisfação pulsional cujo campo é a
sexualidade. Não há possibilidade de pensar o objeto fora do registro
da satisfação. Trata-se de ser ou ter o falo, objeto fundamental. Este é
um dos fundamentos da teoria do objeto em Lacan que cobre o período
dos Seminários 3, 4, 5, e até mesmo o Seminário 75.

Pensar o objeto em termos do ser ou do ter - tanto ser um objeto


para um outro quanto ter objetos – implica uma metáfora fundamental,
a simbolização, isto é, o acontecimento do campo da realidade humana
pelo viés da linguagem. Não existem objetos humanos sem símbolo, o
que não quer dizer que os objetos se reduzam ao símbolo, porém é
uma condição necessária. Se vocês passeiam em uma floresta e não
conhecem os nomes das árvores, vocês não sabem indicá-las; inclusive
não podem se referir aos seus nomes, falar de outras, indicar os tipos
de folhas, etc. Não há acesso ao real do objeto sem essa primeira

5
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 3: as psicoses. (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985;
O seminário, livro 4: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995; O seminário,
livro 5: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999; e “O seminário,
livro 6: o desejo e sua interpretação”, inédito.
metáfora operada pela simbolização da qual o inconsciente é uma
conseqüência desastrosa.

A queda do objeto e a falta do objeto

Winnicott abordou a questão do objeto mais próximo da


experiência clínica. Ele observa uma mãe com sua criança sobre o
joelho; ela tem entre seis meses e um ano; a criança pega a colher que
se encontra sobre a mesa. Winnicott descreve passo a passo todos os
momentos do jogo até o ponto em que a criança se desinteressa pela
colher. Então ele faz uma teorização da completude, considera
perigoso interromper a criança nesse jogo, ela deve ir até o fim, ou seja,
deixar cair o objeto. Portanto, encontramos em Winnicott uma teoria
da queda do objeto e não da falta de objeto. Essa teoria teve
conseqüências na educação das crianças no sentido de deixá-las ir até o
final sem interrompê-las. Há um deixar-fazer que reivindica um ciclo
completo na relação com os objetos e que será formador. Winnicott faz
disso um arquétipo de um espaço particular e de um tipo de objeto
particular que ele chama objeto transicional.

A posição de Lacan em relação aos objetos é a de uma falta


indomesticável. Não podemos esquecer que brincar com um objeto até
ficar de saco cheio equivale ao objeto que não falta. Entretanto
Winnicott, em sua análise bem precisa do objeto transicional, evidencia
dois traços fundamentais: um objeto transicional tem um nome – dudu,
zuzu – e é material, porque é preciso poder perdê-lo, portanto não pode
ser um objeto interno. Winnicott indica, por exemplo, que o polegar
não é um objeto transicional, ele faz parte do corpo e não pode ser
perdido. Esses dois traços que Winnicott separa em sua observação
aguda sobre o jogo da criança com os objetos são muito importantes. Se
ele não coloca a anterioridade do poder de simbolização como
fundamento da realidade, ele é obrigado, todavia, a considerar que não
há objeto sem nome. Um objeto é objeto se podemos perdê-lo.

Isso conduz Lacan a introduzir o objeto a, objeto metonímico,


universal, ilusório, ou ainda primitivo, tantos são os termos que
caracterizam o objeto em O Seminário 5. Desde as últimas lições de O
Seminário 4, Lacan trabalha o caso do pequeno Hans. De fato, a fobia é
uma reação de angústia que surge quando aparece certo tipo de objeto
no mundo. Não importa qual seja o objeto – um lobo, uma aranha, o
escuro – a fobia é o lugar onde ele aparece constituído clinicamente na
própria fala do sujeito: “Tenho medo de...”. Evidentemente não se trata
de medo, mas de angústia de alguma coisa. Em sua pesquisa sobre o
objeto, Lacan a dirige em relação à fobia e à perversão, pois nesta
também há um objeto.

Identificação e escolha de objeto

A simbolização permite à criança encontrar sua posição em


relação aos objetos e em relação aos outros dos quais ela é objeto. Nesta
dialética, a mãe é o Outro primordial da simbolização e objeto de amor
da criança, a qual também está situada como objeto em relação ao
Outro materno6. Entretanto, não há reciprocidade porque a criança é
objeto para a mãe do lado do desejo, enquanto a mãe é objeto para a
criança do lado do amor, isto é, da demanda.

Em O Seminário 5, Lacan retoma o Édipo freudiano que nada


mais é do que o estudo das correlações entre as identificações e as
escolhas de objeto. Ele se volta sobre as perturbações da relação entre
identificação e amor de objeto. Para obter o amor do pai, é necessário
se identificar ao primeiro objeto que foi a mãe. As crianças não se
identificam, pouco importa como, mas identificam-se aos objetos
escolhidos como objetos de investimento. Isso não representa uma
impregnação no sentido etológico do termo. Para que haja
identificação é necessário que haja, inicialmente, uma escolha de
objeto. Portanto, identificar-se com a mãe não é possível se ela é um
objeto. A primeira identificação está ligada ao narcisismo, à imagem no
espelho, e, em conseqüência, ligada ao investimento libidinal da
imagem. A identificação é correlativa à escolha de objeto. É
extremamente difícil na clínica discernir entre a escolha de objeto e a
identificação que freqüentemente se recobrem e colocam certo número
de dificuldades.

6
Idem, O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente, op. cit, ps. 231-233.
Os três tempos do objeto

Em O Seminário 5, Lacan sempre articula três tempos7 - o tempo


da castração, da frustração e da privação – que trazem modificações
em relação aos objetos. O tempo um é o período da relação com a mãe,
o Outro primordial, o período do fort-da. O tempo dois refere-se à
intervenção do pai da privação que diz “não”. E o tempo três, o do pai
que diz “sim”, o pai lacaniano, aquele que dá a autorização
administrativa: “um dia você terá objetos, meu filho”, isto é,
autorização do ter e do ser.

No caso Hans retomado por Lacan há três tempos: o tempo


anterior à eclosão da fobia, o tempo da transferência no tratamento e o
tempo da resolução da fobia, isto é, da solução. Antes da fobia, talvez
Hans pudesse ser caracterizado da seguinte forma: ele é o falo da mãe,
o objeto do desejo materno; ele o sabe e tudo vai bem. Ele tem objetos e
a prova clínica é que ele verifica isso com as crianças. Do lado do ser,
ele é o objeto da mãe, ao mesmo tempo, existem objetos imaginários
sobre os quais ele tem poder, como imagina que sua mãe é uma
potência completa sobre ele. Portanto, este Outro primordial já implica
a linguagem e uma satisfação que Lacan evoca, em O Seminário 5, como
uma posição de equilíbrio, irradiante. Nada resiste ao pequeno Hans,
não existe sintoma, ele não tem medo de nada.

Por um lado, isso repousa sobre o fato de que é ele quem satura
a falta materna, o objeto que a preenche; por outro, o desconhecimento
da diferença entre os sexos: “todos são iguais, todo mundo tem a
mesma coisa”, “mamãe tem filhos, eu também”, “eu tenho um pênis,
mamãe também”. Trata-se do tempo de alienação do sujeito, Lacan fala
de o assujeito (l’assujet), assujeitado ao desejo do Outro. Em seguida
Hans cai da posição de ser o objeto do desejo da mãe. Com efeito, ele
lhe mostra seu pênis e a mãe o recusa delicadamente. A posição de
objeto ideal que ele tinha até aí se fende. A descoberta da castração

7
Idem, ibidem, ps. 185-203.
materna faz irrupção na fantasia de ser o falo materno. É o fundamento
de todos os sintomas neuróticos.

A fobia se desencadeia devido ao mau funcionamento da


metáfora paterna, a mãe não foi introduzida na privação pelo pai. No
lugar do significante Nome-do-Pai que metaforiza, temos o cavalo que
ocupa esse lugar. A partir do momento em que a castração
generalizada é reconhecida, surge o terceiro tempo, o tempo do dom.
O pai estando inicialmente privado, pode em seguida dar: ele dá o que
ele tem. O que diferencia o amor do dom é que no amor damos o que
não temos e no dom damos o que temos.

Para concluir essa lógica fálica, temos diferentes objetos: o


objeto ilusório, metonímico, fundamental e primitivo, o objeto
metonímico é um hapax em Lacan, é a significação. Trata-se da solução
encontrada nesse momento por Lacan para diferenciar o objeto do
significante. O objeto fóbico é um significante8.

Objeto e linguagem

Isso permite que Lacan aponte a articulação do objeto à


linguagem. Certos objetos se detêm sobre a vertente do significante.
Assim, as crianças querem ter a espada-laser vermelha de Dark Vador,
algo telescópico cuja estrutura fálica não deixa nenhuma dúvida. No
entanto, podemos considerá-la a partir de diferentes dimensões: a
vertente significante é a espada-laser de Dark Vador que tem a
identificação com um ícone, o significante Dark Vador que
frequentemente as crianças desfiguram.

Um garotinho, que eu encontro bricolando as espadas de Dark


Vador, demandou uma delas, fabricou-a e deu à irmãzinha. Ele
começou a desenhar Dark Vador e escreveu: “Dak Vator”, isto é, o
próprio som. Então o objeto espada-laser é um significante, um ícone,
um objeto de identificação, mas também uma significação que Lacan
chama de objeto metonímico, ou seja, um magma de significações que

8
Idem, ibidem, ps. 280-283.
reenvia ao valor fálico, absoluto. Todas as demais espadas-sabres são
mensuráveis a partir desse objeto.

Após ter dito que o objeto é um significante, Lacan disse que o


objeto é também um significado, uma significação, e diferencia o objeto
da significação daquilo que ele encarna: o valor fálico. Em O Seminário
5, os objetos da criança encarnam os objetos metonímicos e
materializam a significação fálica que corre sob os significantes. Por
isso existem condições que colocam em jogo o grande Outro, isto é, a
metáfora paterna. Aquele garotinho sabe que Dark Vador é um pai,
como também sabe que eu sou uma mulher. Em determinado
momento cometo um lapso do nome, não conseguia mais me lembrar
do nome de Dark Vador falado pela criança e ela também não.

Na semana seguinte ele chegou dizendo: “Sabe, eu achei:


Anakin Skywalker”. Estávamos, portanto, prestes a realizar um trabalho
de mito conforme fazemos freqüentemente nas análises de crianças
neuróticas. Ele tinha obsessões. Em seu trabalho escolar desejava
sempre ter 20, então era obrigado a trabalhar sem cessar; não
suportava os erros, precisava sempre recomeçar, enfim, não podia
escrever fora das linhas, o que lhe colocava certo número de
problemas. Ele não conseguia ser o primeiro; é o primogênito, isso lhe
fazia mal a ponto de não conseguir dormir. Quando chegou, em lugar
de me dizer isso, que segundo seus pais estragava sua vida, disse: “Eu
me aborreço quando meu pai me proíbe de assistir os filmes de A
guerra das estrelas”. De fato seu pai o proíbe, por isso ele vai assisti-los
na casa do tio.

O maior problema desse menino é a diferença dos sexos e


menos a aprendizagem escolar; o poder paterno em oposição ao poder
materno. Em seguida, desenhou um quadro da família no qual
podemos ver as capacidades de cada um. Por exemplo, quem pode
entortar a língua assim? Quem pode mexer nas orelhas assim? Nesse
momento, ele tem dificuldade de se descolar da mãe e aceitar a
autoridade paterna. Um dia voltou à composição sem ficar morto de
angústia e pôde dizer aos pais: “Acho que consegui muito bem”. O
sintoma caiu, mas permanece a coordenada - A guerra das estrelas -, os
estatutos da identificação e da escolha de objeto, isto é, a privação da
mãe e o dom paterno: ele se pergunta se o pai vai lhe dar essa espada
no Natal.

Na psicanálise devemos nos perguntar se o objeto é um


significante, um significado ou uma coisa, sem dúvida não se trata de
coisa, mas a Coisa de O Seminário 7, A ética da psicanálise, de Lacan. Os
objetos metonímicos têm significação, estão investidos de um valor
fálico e sobre eles se concentram as formações do inconsciente. Aqueles
que esquecemos, que perdemos, que doamos, que trocamos.

Ser ou ter

Retornemos ao momento no qual Lacan fornece a chave que lhe


permite responder à questão maior da diferença entre o objeto da mãe
e os objetos da criança. Em O Seminário, A angústia, se encontra uma
passagem magnífica que começa assim: “Ele não é sem tê-lo”9 no sentido
de ser o falo ou tê-lo. Aquele garotinho com a espada está no ponto de
passar do ser ao ter, porém, para fazer isso é preciso que ele o perca,
operação um pouco problemática, daí a bricolagem. Ele faz espadas-
laser com os pequenos pedaços de madeira que coloca uns ao lado dos
outros e tem uma necessidade enorme de papel cola.

Nesse capítulo - Ele não é sem tê-lo - Lacan retoma o sonho de


Hans do instalador de torneiras e fala de uma virada fenomenológica
que nos permite designar dois tipos de objeto:

Quando comecei a enunciar a função fundamental do estádio do


espelho na instituição geral do campo do objeto, passei por diversos tempos.
De início, existe o plano da primeira identificação com a imagem especular,
desconhecimento original do sujeito em sua totalidade. Depois, vem a
referência transicional que se estabelece em sua relação com o outro
imaginário, seu semelhante. 10

Trata-se do tempo dois. Portanto, existe a identificação à


imagem, esse objeto que tem uma totalidade, enquanto o sujeito não a
9
Idem, O Seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 101.
10
Idem, ibidem, p. 103.
tem, ele é em pedaços. O tempo um é do objeto que eu vejo e do qual
me aproprio; eu sou essa imagem, logo, sou o objeto. O tempo dois é a
referência transicional, o semelhante, o outro garoto, é a
impossibilidade de diferenciar entre esse semelhante e si mesmo.
Lacan acrescenta: “É isso que faz com que sua identidade seja sempre difícil
de discernir da identidade do outro”11.

Assim, uma entre duas menininhas da mesma idade, como


observa Lacan em outro lugar, diz: “Eu sou a primeira”, e a outra
responde “eu também sou a primeira”. A mais velha, replica: “eu em
primeiro!”; e a outra: “eu em primeiro também!”. Ela havia encontrado
o operador “também” anulando toda saída possível do transicional.

É isso que faz com que sua identidade seja sempre difícil de discernir da
identidade do outro. Daí a introdução da mediação de um objeto comum,
objeto de concorrência cujo status decorre da idéia de posse – ele é seu ou é
meu 12.

A concorrência pertence à estrutura imaginária. Aborrecemos


muito as crianças lhes dando lições de moral, demandando que elas
emprestem seus brinquedos. Nós nos enganamos, a posse dos objetos é
um elemento fundamental da constituição da identidade, que de forma
alguma prejulga a futura generosidade ou sovinice da criança.

Os objetos fálicos e os objetos a

No campo da posse existem duas espécies de objeto: aqueles


que podem compartilhar e aqueles que não podem. É a definição do
objeto fálico que Lacan chamava de objeto metonímico que tem uma
origem imaginária - a rivalidade – articulada à lógica simbólica. Um
exemplo é a espada do pequeno paciente que transmite um acordo
com sua irmãzinha: “Eu lhe dou minha espada e você não me aborrece
mais”. Temos então a rivalidade, o acordo e a cotação, isto é, o valor,
daí a possibilidade de troca: o falo fixa o valor de troca. A clínica
irmão-irmã é cheia de exemplos.

11
Idem, ibidem.
12
Idem, ibidem.
O falo é a unidade de medida e os objetos que aí funcionam são
os igualmente fálicos, são todos os nossos objetos. Em O Seminário, A
angústia, Lacan ainda acrescenta:

Se destaquei o falo, foi por ele ser o mais ilustre, em decorrência da


castração, mas há também os equivalentes desse falo, entre os quais vocês
conhecem os que o precedem – o cíbalo e o mamilo. Talvez haja alguns que
vocês conhecem menos (...). Esses objetos, quando entram livremente no
campo em que não têm nada a fazer, o da partilha, quando nele aparece e se
tornam reconhecíveis, têm a particularidade de seu status assinalada a nós
pela angústia. Com efeito, são objetos anteriores à constituição do status do
objeto comum, comunicável, socializado. Eis do que se trata no a. 13

No mundo dos objetos existem aqueles que produzem angústia


quando nos aproximamos um pouco demais deles, são os objetos a que
têm o ar de objeto fálico e são falicizados. Porém, em certas
circunstâncias que estão por ser determinadas, deixam aparecer a
angústia ou outros afetos que a manifestam. Em O Seminário 10, Lacan
constrói uma lista que não é exaustiva, ele poderá acrescentar ali
outros objetos, e se deslocará bem rapidamente de uma lista em
direção a um lugar vazio, uma função.

Os objetos a e o Outro

Lacan faz uma referência constante aos objetos a no Outro. A


importância de designar que os objetos a estão no Outro consiste
precisamente no fato de que, no início, eles não estão aí. O objeto a é
uma parte do corpo. Lacan fornece o exemplo do seio dizendo que este
não faz parte do corpo da mãe, mas do conjunto criança. Ele vai buscar
Santa Ágata com seu pequeno prato e sobre este, seu seio. O momento
da constituição do objeto a é o momento no qual ele está perdido, no
qual ele cai do corpo. Uma vez que caiu, está perdido.

Toda a utilização da linguagem, isto é, a dialética da demanda


de amor e de desejo, consiste em depositar no Outro o que foi perdido
pelo sujeito, de colocar o seio sobre a mãe, o pênis, as fezes, o olhar,
13
Idem, ibidem.
etc., tudo está posicionado no Outro. Trata-se do tempo dois, o tempo
um é a separação do sujeito. Se ele não está inscrito no Outro, pedaço
perdido, ele é um horrível dejeto. Porém, enxertado sobre o Outro, ao
contrário, ele toma a forma de um brilhante fálico e é novamente
inscrito, na troca e na rivalidade. O objeto a é, ao mesmo tempo, o
agalma, o maravilhoso truque que nos conduz pela ponta do nariz, que
causa o desejo, e também o dejeto. No entanto, isso não acontece ao
mesmo tempo. Quando ele é agalma torna-se o fundador do ciclo do
dom e das trocas.

Dar o que se tem

A questão do dom é fundamental na clínica porque todo


paciente neurótico, em um momento ou outro, se queixa que alguma
coisa não lhe foi dada. Através da dialética do dom tocamos na questão
da devastação que pode ter conseqüências na transferência, sobretudo
com uma analista mulher. O estrago materno – ela não me deu nada,
ela não me deu amor, nem desejo, nem pênis – não é por aí que a
queixa é colocada, mas sobre o dom propriamente dito. Este objeto a,
causa de desejo, deve ser colocado no Outro para que o dom do Outro
valha alguma coisa.

Winnicott conta seu espanto por ocasião do Natal. Seus pais


haviam colocado sob o pinheiro uma pequena carruagem azul que era
exatamente o que ele queria sem jamais ter sabido, ele não havia
demandado. Era um objeto que chegava sem passar por sua demanda.
Na verdade, era preciso que ele já tivesse colocado a carruagem no
Outro para poder recebê-la do Outro. É a diferença entre o objeto
dejeto e o objeto agalmático. De fato, na infância acontece o que Lacan
descreve em O Seminário 10: por um lado, a genealogia do objeto fálico,
do objeto comum do mundo do valor, os objetos do desejo; por outro, e
anteriormente, os objetos que causam o desejo e que são, na neurose,
colocados no Outro14. Não é o caso da psicose visto que, como diz
Lacan, o psicótico tem seu objeto no bolso e não o coloca no Outro. Ele

14
Idem, ibidem.
não o perdeu e opera diferentemente com: não há mistura entre o
campo deste objeto e o campo fálico, o campo da linguagem.

Objeto a da mãe aos objetos a da criança

Um objeto no campo fálico que não pode compartilhar reenvia,


seguramente, a um objeto causa de desejo. As crianças comem BN,
permanece um, mas eles são quatro. O adulto propõe compartilhá-lo,
mas as crianças não querem. Cada um o quer para si sozinho. Dividir o
BN em quatro, já não se trata mais do BN. Ele é desejável completo, isto
é, tomado no campo da rivalidade; é o BN que os outros não teriam e
que ele gozaria sozinho. Ao mesmo tempo, e para além disso, é a si
mesmo que ele visa como objeto do Outro, o dom do adulto que lhe
exigiria em seu valor de objeto precioso, objeto fálico. Cada um deseja
do adulto ser seu objeto a que causa seu desejo. Na patologia, e nos
tratamentos, existem elementos que são cruciais; na prática com
crianças muitas coisas passam pelos objetos. A interpretação passa por
aí porque ela se coloca sobre o objeto-causa de desejo e não nos
aproximamos do objeto-causa de desejo sem os outros objetos.

Assim, a espada daquele menino representa para ele alguma


coisa que coordena a rivalidade com o pai, a integridade corporal, a
causa do desejo e a causa do agir que estrutura a relação com a irmã.
Ele acaba de ganhar um irmãozinho que acolheu muito mal, e suas
primeiras palavras foram que ele fede. Trata-se da identificação da
criança ao objeto a, merda, que ele se refere assim: “É extremamente
fatigante para a mamãe, ele a acorda sem parar”. O menino está
inteiramente atento ao lugar de objeto a da criança para a mãe, e ao
fato de que, ele próprio, tem a maior dificuldade em abandonar esse
lugar de objeto a de sua mãe para fazer funcionar seus próprios objetos
a. Ele já o faz em outro lugar, porém ainda com angústia.

Tradução de Marcia Mello de Lima


Revisão de Maria Angela Maia

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