Juventude
e
educação
Dialética das
juventudes modernas
e contemporâneas
Dialectics of modern and
contemporary youths
Luís Antonio Groppo
Professor do Programa de Mestrado em Educação Sócio-comunitária do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Unidade Americana. Doutor em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
É autor do livro Juventude. Ensaios sobre Sociologia e História das juventudes modernas
(Rio de Janeiro: Difel, 2000).
E-mail: luis.groppo@am.unisal.br
R e s u m o
O texto procura esboçar uma concepção sociológica dialética das juventudes, a partir de uma análise crítica de outras
concepções e visões sobre a juventude: a “adolescência” segundo a Psicologia, a “puberdade” segundo a medicina e,
enfim, a concepção funcionalista da juventude, presente na maior parte das pesquisas e reflexões sociológicas sobre
as juventudes. A concepção dialética recupera o caráter social e histórico das juventudes modernas e contemporâneas,
enquanto grupos etários homogêneos, institucionalizados ou informais.
Unitermos: juventude, sociologia da juventude, grupos juvenis, história da juventude, autonomia.
S y n o p s i s
The paper tries to delineate a sociological and dialectic conception of youths, from a critical analysis of other
conceptions and views about youth: “adolescence” according to Psychology, “puberty” according to Medicine and,
finally, the functional conception of youth, occurring in the most part of researches and sociological reflexions about
youths. The dialectic conception recuperates the social and historical character of modern and contemporary youths,
as homogenous, institutionalized or informal age groups.
Terms: youth, sociology of youth, youthful groups, history of youth, autonomy.
Resumen
El texto procura esbozar una concepción sociológica dialéctica de las juventudes, a partir de un análisis crítico de
otras concepciones y visiones sobre la juventud: la “adolescencia” según la Psicología, la “pubertad” según la
medicina y, finalmente, la concepción funcionalista de la juventud, presente en la mayor parte de las investigaciones
y reflexiones sociológicas sobre las juventudes. La concepción dialéctica recupera el carácter social e histórico de las
juventudes modernas y contemporáneas, en cuanto grupos por edad homogéneos, institucionalizados o informales.
Términos: juventud, sociología de la juventud, grupos juveniles, historia de la juventud, autonomía.
(que não deve ser confundida com es- Maçonaria, ou sob sua inspiração, in-
querdismo, nem com revolta prio- clusive vários deles com apelo místico
ritariamente política) pode ser re- e esotérico, como os Rosacruzianistas;
primida pela sociedade, contida ou ter grupos evangélicos anti-institucionais
seus valores e elementos sociais absor- (pietistas, quakers e metodistas); so-
vidos pela estrutura social. Entre os ciedades secretas insurrecionais con-
caso de reabsorção da revolta da ju- tra a Restauração (como os carbo-
ventude, posso citar os grupos juvenis nários); juventudes nacionalistas de
orientados por adultos republicanos Mazzini; grupos juvenis formados por
ou socialistas no século XIX, a apro- seguidores dos socialistas “utópicos”
priação do modelo do Movimento Ju- (como as “Crianças de Saint-Simon”);
venil Alemão por partidos de direita e sociedades ginastas e fraternidades
esquerda na Alemanha dos anos 1920, universitárias na Alemanha; a Boêmia
os grupos juvenis usados para a parisiense etc. Atente-se ao fato de que
tomada do poder pelos fascistas, a não são apenas movimentos políticos,
acomodação dos jovens rebelados em A dialética da
muito menos apenas “progressistas”,
movimentos antioligárquicos da juventude opera mas também religiosos, místicos e
América Latina na estrutura de poder entre períodos de culturais, com tendências ideológicas
e, mais recentemente, inclusive no integração e de diversas como republicanismo, nacio-
mobilização
caso da contracultura, o uso das nalismo, socialismo “utópico” e até con-
contestada
criações culturais juvenis pela servadorismo – mas, invariavelmente,
indústria cultural. em tom inconformista, muitas vezes
A importante obra de John R. Gillis com caráter insurrecional e inter-
(1981) parece indicar que o período pretando as ideologias naquilo que
que observou os principais processos eram favoráveis ao voluntarismo,
de institucionalização das juventudes – valorizando menos a experiência e
que chama de “Era da Adolescência”, mais a “experimentação”.
entre 1900 e 1950 –, está intercalado Os anos 1950 e 60 refletem, nos seus
entre os dois momentos históricos de movimentos juvenis, tanto os pro-
maior agitação das juventudes: o cessos de institucionalização da “Era da
período de 1770 a 1870 e os anos 1950 e Adolescência”, quanto os novos pro-
60. Na sua obra, a dialética da cessos, como a massificação das uni-
juventude opera principalmente em versidades e o crescimento da in-
ciclos históricos, na alternância entre dústria cultural. São movimentos e
períodos de maior integração das manifestações mais conhecidos, como
juventudes e períodos em que pre- os “rebeldes sem-causa”, a mobilização
valece a mobilização contestadora. Às em torno do rock and roll, os hippies e
transformações revolucionárias das as contraculturas, os movimentos
sociedades ocidentais, a partir da estudantis, maio de 68 etc. Avançando
segunda metade do século XVIII, em relação ao período em que Gillis
seguem-se manifestações – em forma de pára, poderia se aventar a hipótese de
revolta ou esboços de organização Os anos 1970 que, a partir dos anos 1970, inicia-se um
autônoma –– de grupos compostos por marcam o novo novo ciclo de integração das juven-
ciclo de integração
jovens, ainda que, em geral, tais grupos tudes, através principalmente da ação
das juventudes
fossem organizados por adultos: das indústrias culturais, do marketing
grupos juvenis formados pela Franco- e mercados de consumo juvenil.
Mas, isto ainda não é tudo, pois, conteporâneas sob a égide do capi-
como procurei demonstrar, se a juven- talismo, como os crescentes níveis de
tude – enquanto coletividade reunida violência que vitimam os mais jovens.
em grupos etários homogêneos – é uma Seja para procurar compreender
categoria social com sua própria dia- a violência muitas vezes ensandecida
lética, permeada de contradições, de gangues juvenis, seja para
então ainda devem estar emergindo encontrar esperança nos novos
daí o que a visão funcionalista chama movimentos de crítica aos efeitos
de “disfunções”, e que uma visão dia- negativos da globalização, parece-me
lética da juventude tenta considerar o que a dialética da juventude – presente
seu significado mais profundo – evitan- desde o início da modernização – é
do, porém, idealizar este significado. ainda um importante instrumento de
Trata-se da possibilidade dos indiví- análise sociológica. Este artigo não
duos e grupos jovens desenvolverem, inventou nem a concepção socio-
de modo autônomo, identidades e lógica de juventude, nem mesmo foi o
valores próprios, relativamente ou primeiro a reconhecer seu caráter
muito destoantes dos padrões sociais dialético. Diversos são os autores,
de seu tempo. Trata-se da possibilidade análises e pesquisas que realizaram
de surgirem revoltas, rebeldias, insa- tais intentos, mesmo quando não ver-
tisfações e negações, a partir do que só balizaram com estas mesmas pala-
deveria ser, a princípio, acomodação, vras sua concepção de juventude. O
socialização tranqüila, integração que busquei, aqui, foi explicitar tal
social. As recentes e poderosas mani- dialética das juventudes modernas e
festações políticas das juventudes, em contemporâneas, em prol de estudos
todo mundo, estão aí para provar que sociológicos que investiguem melhor
este caráter das juventudes modernas as juventudes do mundo atual. Afinal,
ainda continua presente, e muito pre- a sociologia sempre teve nas juven-
sente. Talvez, não menos que outras tudes um importante portal para com-
manifestações que indicam também preender a própria sociedade em seu
outras contradições das sociedades todo.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Referências bibliográficas
ARIÉS, Phillipe. (1981), História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman, Rio de
Janeiro, Guanabara.
BERGER , Peter L. & Thomas LUCKMANN. (1974), A construção social da realidade. 2a ed., Tradução de
Floriano de Souza Fernandes, Petrópolis, Vozes, 1974.
D EBERT , Guita Grim. (1999), “As classificações etárias e a juventude como estilo de vida”. In : A
reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento, São Paulo,
Edusp, Fapesp: 39-69.
DENNING, Michael. (2002), “Esquerda global? Os movimentos sociais na era dos três mundos”. In: Isabel
LOUREIRO et. al. (orgs.). O espírito de Porto Alegre. Tradução de Juliana Almeida, Rio de Janeiro,
Paz e Terra: 61-78
EISENSTADT , S. N. (1976), De geração a geração, São Paulo, Perspectiva.
FLINTER, Andréas. (1968), “Os problemas sociológicos nas primeiras pesquisas sobre a juventude”. In :
S. Britto (org.) Sociologia da Juventude, vol. I. Tradução de Narciso Melo Teixeira et. al. , Rio de
Janeiro, Zahar.
FORACCHI , Marialice M. (1972), A juventude na sociedade moderna. São Paulo, Pioneira.
FORRESTER , Viviane. (1997), O horror econômico. Tradução de Álvaro Lorencini, São Paulo, Editora
Unesp.
FORTES, Meyer. (1992), “Age, generation and social structure”. In: KERTZER, D. & J. KEITH (orgs.). Age
and Antropological Theory, Cambridge, Cornell University Press: 99-121.
GILLIS, John. (1981), Youth and History. Tradition and change in European age relations. 1770-present,
Nova York/ London, Academic Press, Expanded Student Edition.
GROPPO, Luís Antonio. (2000), Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis nos anos 1960.
Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, mimeo.
H UMPHRIES, Stephen. (1984), Hooligans or rebels? An oral history of working-class childhood and
youth. 1889-1939, Oxford/ Nova York, Basil Blackwell.
KOHLI, M. & MEYER, J. W. (1986). “Social Structure and Social Construction of Life Stages”. Human
Development, 29: 145-80.
MANDEL, Ernest. (1978), Introdução ao marxismo. 2a ed., Tradução de A. Castro, Lisboa, Antídoto.
M ANNHEIM , Karl. (1982), “O problema sociológico das gerações”. In : Marialice F ORACCHI (org.).
Mannheim. Sociologia. Tradução de Cláudio Marcondes, São Paulo, Ática: 67-95.
MANNHEIM, Karl. (1986), “A mentalidade utópica”. In: Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Santeiro,
Rio de Janeiro, Guanabara: 216-285.
MURDOCK, Graham & Robin MCCRON. (1982), “Consciousness of class and consciousness of generation”:
In. Stuart HALL & Tony JEFFERSON (eds.). Resistance through rituals. Youth subcultures in post-
war Britain. London: Center for Contemporary Cultural Studies: 192-207.
ORTEGA Y GASSET, José. (1987), “Juventude” . In: A rebelião das massas. Tradução de Marylene Michael,
São Paulo, Martins Fontes: 239-248.
P INCHBECK , Ivy & Margareth H EWITT . (s.d.), “Vagrancy and Delinquency in an Urban Setting”. In :
Children in English Society. Vol. II. From the Eighteenth Century to the Children Act-1948,
Londres, Routledge and Kegan Paul, Toronto, University of Toronto Press.
REZENDE, Cláudia B. (1989),“Identidade: o que é ser jovem?”. Tempo e Presença, 240:4-5.
S ANTOS , Rafael. (1992), A publicidade e a representação da juventude. Dissertação de mestrado.
Universidade Estadual de Campinas, mimeo.