Anda di halaman 1dari 41

R IHGB

a. 176
n. 468
jul./set.
2015
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO
DIRETORIA – (2015-2016)
Presidente: Arno Wehling
1º Vice-Presidente: Victorino Chermont de Miranda
2º Vice-Presidente: Affonso Arinos de Melo Franco
3º Vice-Presidente: José Arthur Rios
1º Secretário: Cybelle Moreira de Ipanema
2º Secretário: Maria de Lourdes Viana Lyra
Tesoureiro: Fernando Tasso Fragoso Pires
Orador: Alberto da Costa e Silva
CONSELHO FISCAL
Membros Efetivos: Antonio Gomes da Costa, Jonas de Morais Cor-
reia Neto, Marilda Correia Ciribelli.
Membros Suplentes: Marcos Guimarães Sanches, Pedro Carlos da Silva Telles,
Roberto Cavalcanti de Albuquerque
CONSELHO CONSULTIVO
Membros nomeados: Antonio Gomes da Costa, Carlos Wehrs, Célio Borja,
Evaristo de Moraes Filho, Helio Leoncio Martins, João
Hermes Pereira de Araújo, José Pedro Pinto Esposel, Luiz
de Castro Souza, Miridan Britto Falci e Vasco Mariz
DIRETORIAS ADJUNTAS
Arquivo: Jaime Antunes da Silva
Biblioteca: Claudio Aguiar
Cursos: Antonio Celso Alves Pereira
Iconografia: D. João de Orleans e Bragança e Pedro K. Vasquez (subdiretor)
Informática e Dissem. da Informação: Esther Caldas Bertoletti
Museu: Carlos Eduardo de Almeida Barata (pro tempore)
Patrimônio: Guilherme de Andrea Frota
Projetos Especiais: Mary del Priore
Relações Externas: Maria da Conceição Beltrão
Relações Institucionais: João Mauricio de A. Pinho
Coordenador da CEPHAS: Maria de Lourdes Viana Lyra e Lucia Maria Paschoal
Guimarães (subcoord.)
Editor do Noticiário: Victorino Chermont de Miranda
COMISSÕES PERMANENTES
ADMISSÃO DE SÓCIOS: CIÊNCIAS SOCIAIS: ESTATUTO:
Alberto da Costa e Silva Antônio Celso Alves Pereira Affonso Arinos de Mello Franco
Alberto Venancio Filho Cândido Mendes de Almeida Alberto Venancio Filho
Carlos Wehrs Helio Jaguaribe de Matos Célio Borja
Fernando Tasso Fragoso Pires José Murilo de Carvalho João Maurício A. Pinho
José Arthur Rios Maria da Conceição de M. Cou- Victorino Chermont de Miranda
tinho Beltrão
GEOGRAFIA: HISTÓRIA: PATRIMÔNIO:
Armando Senna Bittencourt Eduardo Silva Afonso Celso Villela de Carvalho
Jonas de Morais Correia Neto Guilherme de Andrea Frota Antonio Izaías da Costa Abreu
Miridan Britto Falci Lucia Maria Paschoal Guimarães Claudio Moreira Bento
Vera Lúcia Cabana de Andrade Marcos Guimarães Sanches Fernando Tasso Fragoso Pires
Maria de Lourdes Vianna Lyra Roberto Cavalcanti de Albu-
querque
REVISTA
DO
INSTITUTO HISTÓRICO
E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO
Hoc facit, ut longos durent bene gesta per annos.
Et possint sera posteritate frui.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176, n. 468, pp. 11-294, jul./set. 2015.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 176, n. 468, 2015

Indexada por/Indexed by
Ulrich’s International Periodicals Directory – Handbook of Latin American Studies (HLAS) –
Sumários Correntes Brasileiros

Correspondência:
Rev. IHGB – Av. Augusto Severo, 8-10º andar – Glória – CEP: 20021-040 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Fone/fax. (21) 2509-5107 / 2252-4430 / 2224-7338
e-mail: presidencia@ihgb.org.br home page: www.ihgb.org.br
© Copright by IHGB
Tiragem: 700 exemplares
Impresso no Brasil – Printed in Brazil
Revisora: Denise Scorfano Moura
Secretária da Revista: Tupiara Machareth

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. - Tomo 1, n. 1 (1839) - . Rio de Janeiro: o


Instituto, 1839-
v. : il. ; 23 cm

Trimestral
ISSN 0101-4366
Ind.: T. 1 (1839) – n. 399 (1998) em ano 159, n. 400. – Ind.: n. 401 (1998) – 449 (2010) em n. 450
(2011)
N. 408: Anais do Simpósio Momentos Fundadores da Formação Nacional. – N. 427: Inventá-
rio analítico da documentação colonial portuguesa na África, Ásia e Oceania integrante do acervo
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro / coord. Regina Maria Martins Pereira Wanderley
– N. 432: Colóquio Luso-Brasileiro de História. O Rio de Janeiro Colonial. 22 a 26 de maio de 2006.
– N. 436: Curso - 1808 - Transformação do Brasil: de Colônia a Reino e Império.

1. Brasil – História. 2. História. 3. Geografia. I. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Ficha catalográfica preparada pela bibliotecária Celia da Costa


CONSELHO EDITORIAL
Antonio Manuel Dias Farinha – U L – Lisboa – Portugal
Carlos Wehrs – IHGB – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Eduardo Silva – FCRB – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
João Hermes Pereira de Araújo – Ministério das Relações Exteriores e IHGB – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
José Murilo de Carvalho – UFRJ – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Vasco Mariz – Ministério das Relações Exteriores, CNC e IHGB – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

COMISSÃO DA REVISTA: EDITORES


Eduardo Silva – FCRB – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Esther Bertoletti – MinC – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Lucia Maria Paschoal Guimarães – UERJ – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Maria de Lourdes Viana Lyra – UFRJ – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Mary Del Priore – UNIVERSO – Niterói – RJ– Brasil

CONSELHO CONSULTIVO
Amado Cervo – UnB – Brasília – DF – Brasil
Aniello Angelo Avella – Universidade de Roma Tor Vergata – Roma – Itália
Antonio Manuel Botelho Hespanha – UNL – Lisboa – Portugal
Edivaldo Machado Boaventura – UFBA e UNIFACS – Salvador – BA
Fernando Camargo – UFPEL – Pelotas – RS – Brasil
Geraldo Mártires Coelho – UFPA – Belém – PA
José Octavio Arruda Mello – UFPB – João Pessoa – PB
José Marques – UP – Porto – Portugal
Junia Ferreira Furtado – UFMG – Belo Horizonte – MG – Brasil
Leslie Bethell – Universidade Oxford – Oxford – Inglaterra
Márcia Elisa de Campos Graf – UFPR– Curitiba – PR
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho – UFPE – Recife – PE
Maria Beatriz Nizza da Silva – USP – São Paulo – SP
Maria Luiza Marcilio – USP – São Paulo – SP
Nestor Goulart Reis Filho – USP – São Paulo – SP – Brasil
Renato Pinto Venâncio – UFOP – Ouro Preto – MG – Brasil
Stuart Schwartz – Universidade de Yale – Connecticut / EUA
Victor Tau Anzoategui – UBA e CONICET – Buenos Aires – Argentina
SUMÁRIO
SUMMARY
Carta ao Leitor 11
Lucia Maria Paschoal Guimarães
I – ARTIGOS E ENSAIOS
ARTICLES AND ESSAYS
“Homens que concorrem ao seu negócio”: 13
a comunidade mercantil da Colônia do Sacramento (1737-1777)
“Men who concur to their business”: the mercantile community of
Colônia do Sacramento (1737-1777)
Fábio Kühn
Aproximações com os vassalos da América: 39
a concessão de sesmarias no governo de d. João
Liaise with the vassals of america: land distribuition during the
government of prince regent dom joão
Marieta Pinheiro de Carvalho
Os primeiros japoneses que desembarcaram no Brasil 61
The first japanese nationals to arrive in Brazilian territory
Norio Kinshichi
As letras da civilização: língua, literatura, 77
cor local e periodização no Romantismo Nacionalista
Words of civilization: language, literature and characterization of
time and space in Nationalistic Romanticism
Rodrigo Machado da Silva
Rafael Bordalo Pinheiro e a Monarquia Bragantina 111
Rafael Bordalo Pinheiro and the Bragantina Monarchy
Ana Nemi
O retrato de um diplomata enquanto jovem: pensamento 133
e ação de Jorge Latour, o criador do Instituto Rio Branco
Portrait of a diplomat as a young man: thought and action of Jorge
Latour, the creator of the Instituto Rio Branco
Rogério de Souza Farias
As galas do poder e a prática da justiça entre 169
o antigo regime e o constitucionalismo
The galas of power and the practice of justice between
the old regime and constitutional era
Arno Wehling

II – COMUNICAÇÕES
NOTIFICATIONS
Tributo ao vice-almirante Augusto Roque Dias Fernandes 193
(1905-1974)
Tribute to vice admiral Augusto Roque Dias Fernandes (1905-1974)
Melquíades Pinto Paiva
“Tão sublime como encantadora arte” 201
– As lições e os Mestres de música do Imperial
Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos
“So sublime as enchanting art”: considerations on music lessons
and masters in the imperial Collegio de Pedro II (1838-1858)
Gilberto Vieira Garcia

III – DOCUMENTOS
DOCUMENTS
Relatório sobre os “Estabelecimentos Montanísticos 233
do Reino de Portugal” (1819)
An Unpublished Manuscript of the Naturalist José Bonifácio de
Andrada e Silva: Report on Montanística (extraction and fusion of
metal) in the Kingdom of Portugal” (1819)
Alex Gonçalves Varela

IV – ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS
BIBLIOGRAPHICAL STUDIES
Livros e artigos sobre História, Arte, Cultura 261
e Ciência em Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Amazônia nos sécu-
los XVIII e XIX
Books and articles about History, Art, Culture and Science in Mato
Grosso, Goiás, Tocantins and Amazon in the eighteenth and ninete-
enth centuries
Carlos Francisco Moura

V – RESENHAS
REVIEW ESSAYS
Uns e outros 277
Luciene Pereira Carris Cardoso
A guerra do açúcar: as invasões holandesas no Brasil 283
Armando Alexandre dos Santos
• Normas de publicação 289
Guide for the authors 291
201

“TÃO SUBLIME COMO ENCANTADORA ARTE” – AS


LIÇÕES E OS MESTRES DE MÚSICA DO IMPERIAL
COLLEGIO DE PEDRO II (1838-1858): ALGUNS
APROFUNDAMENTOS
“SO SUBLIME AS ENCHANTING ART”: CONSIDERATIONS
ON MUSIC LESSONS AND MASTERS IN THE IMPERIAL
COLLEGIO DE PEDRO II (1838-1858)
Gilberto Vieira Garcia1

Resumo Abstract
O objetivo deste artigo é apresentar e discutir This article discusses the results of research
alguns resultados da pesquisa realizada sobre a conducted on the history of musical education
história da “educação musical” no Brasil, no sé- in Brazil in the nineteenth Century. It focuses
culo XIX, tendo como foco a experiência ocor- on its praxis in the Imperial Collegio de Pedro
rida no Imperial Collegio de Pedro II (CPII), en- II (CPII), between 1838 and 1858 –from its in-
tre 1838 e 1858, isto é, entre a sua inauguração, auguration, through its rise and decline as part
a ascensão e o declínio da posição da música no of the curriculum, until its main Master left the
currículo e a saída do seu principal Mestre, den- institution. The article comprises an introduc-
tro desse recorte temporal. O texto está estrutu- tion, three parts and a conclusion: The first
rado em três sessões centrais, para além da in- part discusses the socio-cultural and political
trodução e das considerações finais. A primeira importance of music in Rio de Janeiro, in the
sessão, dedicada à importância sociocultural e first half of the nineteenth century. The second
política da música no Rio de Janeiro, na primei- addresses the characteristics and relevance of
ra metade do século XIX. A segunda, que trata musical education in the CPII, period in which
das características e do seu lugar no CPII, quan- it was one of the subjects with the highest num-
do chegou a estar entre os estudos com o maior ber of lessons and students in the institution.
número de lições e de discípulos na instituição. The third analyzes the main contexts of teaching
E, por fim, a terceira, onde se procura analisar and learning of music in this period, especially
os principais contextos de ensino e aprendiza- the role of the instructors and their interests in
gem de música nesse período e, sobretudo, o music education. A special attention is given to
papel e os interesses de seus “professores” na the participation of Master Francisco Manuel
sua constituição enquanto um estudo escolar – da Silva.
tendo como dado mais recente a participação de
Francisco Manuel da Silva.
Palavras-chave: História da Educação Musi- Keywords: History of Musical Education; His-
cal; História da Música; História da Educação; tory of Music; History of Education; Brazil Em-
Brasil Império; Colégio Pedro II. pire; Colégio Pedro II.

1 – Professor de Didática e Prática de ensino de Música (UFRJ), Doutorando em Edu-


cação (História, Sujeitos e Processos Educacionais – UFRJ/Capes), Mestre em Educação
(História das Ideias e Instituições Escolares – PUC-Rio/Faperj), Licenciatura em Música
(Unirio), Licenciatura e Bacharelado em História (UFRJ), Músico profissional. Email:
gilbertovieiramusica@gmail.com

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 201


Gilberto Vieira Garcia

1. INTRODUÇÃO
Atualmente, pode ser difícil se conceber a música como um saber
escolar de destaque, com mais espaço do que a língua portuguesa, a ma-
temática, a história ou as ciências. Entretanto, essa foi justamente a sua
posição no Colégio Pedro II entre as décadas de 1840 e 1850. Criado
ao fim do período Regencial, em 1837, o Imperial Collegio de Pedro II
(CPII) fez parte das iniciativas políticas de fortalecimento da figura sim-
bólica do imperador e da Monarquia e de reafirmação da centralidade do
Estado imperial, quando ganham vulto as discussões sobre o valor que as
escolas, os professores capacitados e os alunos bem instruídos deveriam
ter, diante das crises separatistas que estariam comprometendo a ordem e
a integridade do país, a orquestração de suas elites e os destinos da nação.

Idealizado para ser o padrão oficial do ensino Secundário brasileiro


e, assim, constituir-se como um meio de controle governamental sobre
a “educação da mocidade”, seu projeto pedagógico tinha uma preocu-
pação central para com as necessidades de se formar uma elite dirigente
política e culturalmente coesa, capaz de reconhecer sua identidade e seu
papel social frente às demandas do país e o seu lugar junto às nações
civilizadas. (VECHIA & LORENZ, 2011) Uma formação pautada pre-
dominantemente pelo estudo das humanidades clássicas, sobretudo, as
Belas-Letras, composta por um conjunto de saberes “desinteressados”,
não voltados para a “vida utilitária”, próprio de uma minoria social que
pudesse dispor do tempo e do “talento” necessários ao cultivo de um “es-
pírito refinado”. Cultura condizente com o valor que a admiração pela
cultura antiga, a paixão pela eloquência e a preocupação com o requinte
dos costumes tinham enquanto símbolos e atributos distintivos da elite
brasileira imperial. (CUNHA, 2008)

Em síntese, estudos legitimados como uma educação do espírito, da


inteligência e da alma, uma educação estética, retórica, mas também mo-
ral e cívica, que, no conjunto de suas lições, para além de definir línguas,
cálculos ou nomes a serem aprendidos, tinha como finalidade ensinar for-
mas distintas de percepção e de comportamento no mundo civilizado.

202 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

Uma educação específica, que levaria “o aluno a entrar em contato com


as formas de viver típicas de uma sociedade de Corte, reforçando a ima-
gem daqueles alunos enquanto membros da ‘boa sociedade’ imperial”.
(SOUZA, 2010, p.16) Sociedade para a qual a música pareceu ter funções
importantes, haja vista o seu espaço privilegiado junto aos hábitos dos
membros da elite cortesã e, especialmente, a sua constante presença entre
as “lições” e as atividades do CPII, durante todo o século XIX.

2. MÚSICA E POLÍTICA NA SOCIEDADE DE CORTE DO


RIO DE JANEIRO
Ao se analisarem alguns periódicos e documentos oficiais da primei-
ra metade do século XIX que fazem menção à música no Rio de Janeiro,
nota-se uma recorrente valorização de sua suposta natureza ética e peda-
gógica e seu papel na formação moral do ser humano e na civilização das
sociedades. Assim, amparados em concepções filosóficas da antiguidade
clássica – “berço da civilização musical” –, tais valores aparecem fre-
quentemente traduzidos em afirmações que evidenciam o seu poder para
o estabelecimento de uma “alma afinada”, dos “ternos afectos do coração
humano”, da “harmonia das ideias” e “do systema nervoso”, as suas fun-
ções enquanto meio de ascensão ao “Universal” e ao “Sagrado” e a sua
“influência civilizatória”.

Uma “arte divina e encantadora” que, quando bem cultivada, teria


então um papel “natural” no temperamento dos impulsos, na “afinação”
dos costumes e, mesmo, na “cura” dos males e desgraças do homem.2 Pa-
pel que, numa perspectiva política, representava-a como uma espécie de
sujeito na história das “célebres Nações”: uma “musa” que, ordenando,
equilibrando e pondo em consonância contrastes e adversidades, teria o
potencial de atuar em prol da organização do Estado, da “orquestração”
da sociedade e do desenvolvimento das grandes civilizações.
2 – Fubini (2008) analisa a sua compreensão “alopática” ou “homeopática”, como um
“remédio para alma”, na história da música Europeia. Discussão também presente no Bra-
sil do século XIX, quando, por exemplo, nas teses produzidas na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, entre 1845 e 1892, analisadas por José Gondra (2004), encontra-se a
defesa da importância das Belas Artes e da música para a Educação.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 203


Gilberto Vieira Garcia

Essas ideias tiveram grande apelo público na Corte do Rio de Janei-


ro, no circuito sociocultural que se formou junto ao grande desenvolvi-
mento da música Sacra e da “ópera” ocorrido durante as primeiras déca-
das do século XIX na capital. (ANDRADE, 1967; CARDOSO, 2005;
CARDOSO, 2006; MONTEIRO, 2008) Circuito que ganha vulto a par-
tir de 1808, se intensifica sobremodo durante o Primeiro Reinado, mas
que entrara em declínio durante o Período Regencial, quando ocorre uma
redução brusca nos principais espaços de música na Corte, especialmente
na Capela Imperial3 e no Teatro São Pedro de Alcântara – rebatizado,
em 1831, como Teatro Constitucional Fluminense. (CARDOSO, 2006)
Um período de legitimação de determinados conceitos, gêneros e práti-
cas musicais que, simbólica e ideologicamente, perpassavam os próprios
referenciais da tradição monárquica, por conta de seu papel na constru-
ção da imagem de um Império “harmônico” e “civilizado”. Papel, aliás,
ainda muito afinado com a definição de “Música Política” do Vocabulario
Portuguez & Latino, do Padre D. Raphael Bluteau, publicado em 1720,
como a Música “do governo dos Estados”, onde os Príncipes deveriam
ser as notas maiores, os Ministros as mínimas, os Plebeus as semínimas,
as Claves as Leis; cabendo aos Magistrados “castigar” os que alterarem e
perturbarem a civil harmonia. (BLUTEAU, 1720, p.457)

Um papel “oficial” e político que, entretanto, teria sido seriamente


comprometido com a abdicação de D. Pedro I e as crises que acometeram
a Monarquia e o Império durante o Período Regencial (1831-1840), quan-
do a “verdadeira” tradição musical legada ao Império, confundida com o
próprio regime político, pareceu ter o equilíbrio de sua “orquestração” e
a “harmonia” de suas “vozes” ameaçada pela “anarchia geral” que se es-
tabeleceu a partir de então. Um período no qual, segundo Manuel Araújo
Porto Alegre (1806-1879),4 se “todo o império do Brasil era uma orches-
3 – Instituída como Capela Real, em 1808, foi considerada uma das principais insti-
tuições de música Sacra das Américas, entre os anos de 1810 e 1820. (ANDRADE, V.I,
1967; CARDOSO, 2005; CARDOSO, 2006).
4 – Importante pintor, arquiteto e caricaturista; escritor e periodista; professor, crítico e
“historiador” da arte. Foi um dos fundadores da revista Nitheroy (considerada o marco
inicial do romantismo no Brasil), professor e diretor da Academia Imperial de Belas Ar-
tes, professor do CPII e orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (SQUEFF,

204 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

tra”, era “uma orchestra onde a voz política mesquinha, limitada e fria,
como o esgoismo que a-dictava, espancava todas as ideias archetypas,
todas as tendencias ao bello, e todos os voos para as regiões sublimes.”
Em suma, um período que fora marcado, nessa perspectiva, por uma polí-
tica “egoica”, fragmentária e descentralizadora que pôs em descompasso
e desarmonia o desenvolvimento do país em direção a uma cultura “uni-
versal”, modelar e arquetípica, em um contexto em que o Império e a
tradição civilizatória de suas “artes entravam na menoridade”. (Íris, 1848,
p.49, grifo do autor)

3.1 MÚSICA NO CPII: NÚMEROS DE LIÇÕES


Dois documentos merecem destaque para se analisar o lugar inicial
das lições de música no plano de estudos do CPII, com o objetivo de
identificar as matérias e o número de lições previstos, de acordo com cada
ano de estudo. O Mappa de lições das diversas aulas do Collegio, de 31
de janeiro de 1838, é o primeiro desses documentos. Em seu conjunto,
aproximadamente 62% do total de carga horária era destinado aos estudos
clássico-humanísticos (latim, grego, filosofia, retórica e poética), enquan-
to às ciências (química, física, história natural, botânica e astronomia), à
história, à geografia e às matemáticas (aritmética, geometria, álgebra, tri-
gonometria) eram destinadas, respectivamente, 9%, 11% e 12%. As artes,
previstas apenas para os três primeiros anos de estudos, somavam 6%,
divididos entre o desenho, com oito lições, e a música vocal, com seis,
ficando com 2,9% do total. Organizando o número de lições oferecido por
cada matéria nesse plano de oito anos de estudos, observa-se, então, que
a música vocal e as “sciencias” ocupavam a 9ª posição na classificação
geral das 15 matérias, ficando atrás do desenho e à frente do “inglez”, do
“francez”, da história natural e da astronomia, como pode se observar no
gráfico a seguir.

2004).

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 205


Gilberto Vieira Garcia

Gráfico 1: Número de lições semanais do CPII – 1838

Fonte: Regulamento N.8 – de 31 de janeiro de 1838, p.78-80.

O segundo documento a ser destacado é a Tabella dos Estudos de


cada anno para o Collegio de Pedro Segundo, e do numero de lições, que
se devem dar por semana, de 1º de fevereiro de 1841. Como observam
Vechia & Lorenz (2011), assim como no plano de 1838, a orientação
clássico-humanística continua sendo a principal tônica dos estudos do
CPII, ocupando 60% de sua carga horária. É interessante notar, porém,
que diferentemente do plano anterior, aqui as artes já não mais ocupa-
vam a última posição, mas a segunda, ficando com 16% da carga horária,
diante dos 14% das ciências sociais, dos 5% das matemáticas e dos 5%
das ciências naturais – cabendo à música 7,1% do total. Posição que se
deve ao aumento do número e da oferta das lições de música vocal e de
desenho,5 agora previstas para todos os anos de estudos.

Para realizar um gráfico que representasse o número médio de li-


ções previsto para cada matéria e a posição da música vocal nesse plano,
optou-se por agrupar sob a denominação da “geografia” as aulas das geo-
grafias descritiva e matemática, de “chronologia”, de mineralogia e de
geologia, reunir as aulas das zoologias e a botânica, além de agrupar as
matemáticas conforme o plano de 1838. Assim, observando-se o gráfico

5 – Lições divididas em desenho caligráfico, linear e figurado.

206 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

a seguir, percebe-se que a música vocal, o alemão e o “inglez” passaram


a ter 13 lições semanais, ocupando o 5ª lugar na classificação, ficando à
frente da história, da “philosophia”, da “rethorica”, das matemáticas, da
“grammatica nacional” e do grupo das ciências.
Gráfico 2: Número de lições semanais do CPII – 1841

Fonte: Decreto nº 62, de 1º de fevereiro de 1841.

Tomando como referência os decretos que regulamentavam as refor-


mas no currículo do CPII, Vechia & Lorenz (2011) afirmam que “o plano
de estudos de 1841 permaneceu praticamente inalterado até a primeira
metade da década de 1850”. (p.125) Entretanto, ao se analisarem alguns
documentos administrativos localizados no Arquivo Nacional (AN), foi
possível perceber como esse plano foi tomando outras formas na esfera
interna do CPII, junto ao “contexto da prática”. Para tanto, os “Mapas de
faltas”, isto é, os documentos onde eram registrados o número de aulas
previstas e a frequência dos professores, foram determinantes para se es-
tabelecer algum contraponto aos dados apresentados no plano de estudos
de 1841.

Considerando que foram localizados os mapas de faltas relativos


aos anos de 1844, 1847, 1848 e, sucessivamente, de 1850 até 1855, em
primeiro lugar, é importante frisar que, diferentemente dos planos de es-

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 207


Gilberto Vieira Garcia

tudos citados, esses documentos não informam o número exato de lições


semanais por matérias, oferecido de acordo com cada ano de estudo. Em
segundo, não foi possível identificar nesses documentos informações so-
bre o número total de lições mensais devidas pelos professores para cada
um dos anos analisados, com exceção dos anos de 1850, que contava com
a série completa entre fevereiro e novembro, e de 1848, que contava com
um documento informando o número total de lições que deveria ter sido
oferecido por cada professor durante todo esse ano letivo. Diante disso,
os resultados de análise baseados nesses documentos são, portanto, dados
parciais que, dentro dos interesses da pesquisa, permitiram de alguma
forma vislumbrar tendências gerais de ascensão e declínio das aulas de
música dentro dos variados quadros de estudos que se configuraram no
âmbito interno do CPII, entre 1844 e 1855. Vale destacar, ainda, que,
dessa série de quadros, foi feita a opção de analisar nesse texto apenas
os anos de 1847, 1852 e 1855, quando se percebem as mudanças mais
significativas na posição das aulas de música quanto ao número médio de
lições oferecidas anualmente por cada matéria.

No ano de 1847, as lições de música apresentaram uma estabilidade


dentro da classificação geral, permanecendo na mesma posição deduzida
do plano de estudos de 1841, ficando em 5º lugar, com 7,4% do total, à
frente de história, “philosophia”, “rethorica”, matemáticas, “grammatica
nacional”, ciências, geografia e desenho.6 O ano de 1852 traz os resulta-
dos mais surpreendentes quando a música chegou ao ápice da classifica-
ção geral, ficando entre as três primeiras matérias com o maior número
médio de lições mensais, atrás apenas do latim e do “francez” que, res-
pectivamente, ocuparam a 1ª e a 2ª posições, conquistando então 7,5% do
total.7 Por sua vez, 1855 foi o ano que registrou o maior declínio em seu
número de lições, quando, juntamente com desenho e ginástica, passou a
ocupar a 8ª posição, isto é, o último lugar na classificação geral, ficando
com apenas 2,6% do total. Uma mudança de posição significativa na qual
as lições de música, após ocuparem o 3º lugar em 1852, retrocederam
6 – Média calculada a partir das lições dadas entre fevereiro e julho de 1847.
7 – Média calculada a partir das lições dadas nos meses de fevereiro, março, abril, junho,
julho, agosto e outubro de 1852.

208 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

quase ao mesmo lugar deduzido do plano de estudos de 1838, quando


estiveram entre as últimas posições. Assim, a partir dos planos de estudos
de 1838 e 1841 e dos “Mapas de Faltas” de 1847, 1852 e 1855, foi feito o
gráfico a seguir para representar de maneira aproximada esse movimento
de ascensão e declínio da oferta das lições de música.
Gráfico 3: Posição estimada do nº médio das lições de Música – 1838-1855

Compreendendo o currículo escolar como um campo de constantes


disputas em torno da seleção e da hierarquização dos saberes (SILVA,
2004), percebe-se que, para além da música, outros movimentos em prol
da ascensão de algumas das demais matérias e áreas de conhecimento
estiveram em jogo nos processos de definição curricular do CPII. O prin-
cipal ponto de tensão reconhecido nesse campo centra-se na definição
das finalidades da formação Secundária propiciada pelo colégio e o des-
locamento de seu eixo das “Bellas letras” para as “Sciencias”, partir da
década de 1870 – uma tensão estabelecida entre as distintas expectativas
de progresso do país, tendo, de um lado, a ênfase à tradição dos estudos
literários, das letras e das humanidades clássicas, e, de outro, as preocu-
pações com um desenvolvimento econômico assentado numa formação

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 209


Gilberto Vieira Garcia

mais técnica e cientificista. (VECHIA & LORENZ, 2011; CUNHA,


2012)

A partir da organização e controle da “Instrução Primária e Secundá-


ria” estabelecida com Reforma Couto Ferraz, em 1854, segundo Cunha
(2012), é possível identificar um primeiro movimento de ênfase das ciên-
cias ainda em 1855, quando a formação do colégio foi divida entre os
estudos de 1ª e os de 2ª classe, deslocando “os conhecimentos de natureza
científica para os primeiros anos do curso de estudos do CPII, deixando
os três últimos anos reservados ao conhecimento das letras.” (p.61) Foi
no conjunto dessas mudanças que as lições de música foram normati-
vamente caracterizadas como “não essenciais” e postas à margem dos
dias e horários regulares de estudo, como prega o próprio Regulamento
de 1855, no qual, respectivamente, lê-se no Art.3º que: “Os estudos de
desenho, musica e dansa, e o de italiano, não são essenciaes para se obter
qualquer dos títulos” (seja o dos estudos de 1ª ou de 2ª classe , isto é, o de
Bacharel em Letras); e, ainda, no Art.7º que:

O ensino da dansa, e os exercicios gymnasticos terão lugar durante


as horas de recreação. O da musica e o do desenho serão dados nas
quintas-feiras, quando forem feriados. Os respectivos Professores di-
vidirão seus discipulos em turmas, que possão dar alternadamente as
lições das referidas artes.

Uma mudança que, quanto ao lugar ocupado pelas matérias no qua-


dro de horários das aulas regulares, pode ser observada na documentação
dos anos 1840, 1841 e 1856. Assim, se, em 1840 e 1841 as lições de
música foram oferecidas durante todos os dias regulares, isto é, segun-
das, terças, quartas, sextas e sábados, já em 1856, em concordância com
o novo Regulamento, elas esse espaço entre aulas regulares, passando
a compor oficialmente uma sessão comum com a religião, a dança e a
“gymnastica”, compartilhando com essas matérias os “recreios” e os dias
“feriados”, ou seja, as quintas e os domingos. (CUNHA, 2008)

Deslocamento que já tinha sido anunciado no mesmo ano em que


suas lições registram a melhor colocação, em 1852, quando estava em

210 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

trâmite o “Projeto da reforma dos estatutos da parte Scientifia do Collegio


D. Pedro 2º”, prevendo que: “O ensino de desenho, musica, esgrima e
gymnastica, serão voluntários, e só nas horas vagas; porquanto a expe-
riencia em tem demonstrado que estas artes distrahem minimamente a
attenção dos alumnos.” Ou seja, um movimento de mudanças em que seu
estudo perde espaço dentre as aulas “essenciaes”, tornando-se um estudo
voluntário, ensinado em alternância com a dança, a ginástica e o desenho,
nos dias feriados e de folga escolar, com uma finalidade declarada de ser-
vir à distração dos alunos, aos seus momentos de recreação e passatempo.

3.2 MÚSICA NO CPII: NÚMEROS DE ALUNOS


É importante ter-se em vista que o estabelecimento do CPII como
modelo ideal do Ensino Secundário, com uma formação estruturada, or-
ganizada por séries e conhecimentos ordenados, não suprimiu, imediata-
mente, a prática comum no século XIX de os alunos se dedicarem apenas
às matérias necessárias para o acesso às Academias do Império. Dessa
forma, dentre as matérias previstas para cada um de seus anos de estu-
do, o aluno dedicado a ingressar no Ensino Superior poderia prescindir
daquelas que não fossem exigidas nos exames preparatórios, mesmo que
isso o impedisse de concluir sua formação no CPII e obter o título de
“Bacharel em Letras”.

Algumas medidas foram tomadas para estimular os alunos a cur-


sarem todas as matérias do currículo, como a possibilidade de o título
de “Bacharel em Letras” implicar a admissão direta nas Academias do
Império, sem haver a necessidade da prestação dos exames de ingresso,
validada a partir de 1843. (PENNA, 2008) Medida que, de qualquer for-
ma, não extinguiu a prática de os alunos priorizarem apenas os estudos
que lhes fossem, por qualquer motivo, mais importantes – o que perdurou
ao longo de todo o século XIX. Uma das implicações dessa lógica é que
nem todas as matérias oferecidas para cada ano de estudos do CPII tinha,
portanto, o mesmo número de alunos. Diferença que pode possibilitar
perceber-se, de alguma forma, a importância dada a cada um dos estudos

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 211


Gilberto Vieira Garcia

na perspectiva discente, tendo em vista o seu contingente de inscritos,


como se pode observar, por exemplo, no gráfico a seguir.
Gráfico 4: Número de alunos por Professor do CPII – 1848

Fonte: 1848 – Collegio de Pedro 2º - Mappa dos Professores (AN, IE4 32)

Ao se observar esse gráfico, percebe-se que, apesar de os alunos cur-


sarem predominantemente as matérias exigidas nos exames de acesso às
Academias do Império, a música, mesmo não fazendo parte desse grupo,
tinha as suas lições entre as principais matérias quanto ao contingente de
alunos. Assim, salta aos olhos a importância que ela parecia ter para aque-
la parcela da “boa sociedade” cujos filhos eram estudantes do CPII, ao se
considerar que, como o latim, o francês e desenho, suas lições estavam
entre as que contavam com o maior número de matriculados, totalizan-
do, por exemplo, no ano de 1848, 194 alunos em contraste com os 24 de
Gramática Nacional.

3.3 MÚSICA NO CPII: “RELAÇÕES DE VIZINHANÇA”


Para Chervel (1990), o problema da distribuição, isto é, o lugar rela-
tivo que as matérias ocupam entre os saberes e suas relações de vizinhan-
ça, é um interessante modo de análise sobre os seus valores históricos

212 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

dentro de cada contexto educacional; o que também se mostrou relevante


para a compreensão dos significados do estudo de música no CPII.

Não é uma tarefa simples identificar os graus de vizinhança da mú-


sica tomando como parâmetro o seu percurso curricular a partir dos qua-
dros analisados, haja vista as variadas posições ocupadas não apenas na
classificação geral, mas, também, na sua relação com as demais matérias.
Contudo, mesmo diante dessas variações, foi possível estabelecer quatro
elos. Um deles estaria nas suas relações de vizinhança com o estudo de
desenho, o que faz sentido ao se considerar que, durante o século XIX,
também lhe eram atribuídas funções de desenvolvimento das capacidades
intelectuais e do pensamento, a partir de um foco comum sobre a harmo-
nia, o cuidado com a medida e o equilíbrio das proporções. Relação que
pode ter sido ainda mais evidenciada, tendo em vista que um dos princi-
pais defensores da importância da música nesse contexto foi Araújo Porto
Alegre, professor de Desenho do CPII (1838) e professor (1837-1848) e
diretor (1854-1857) da Academia Imperial de Belas-Artes – instituição
que abrigou o Imperial Conservatório de Música entre 1855 e 1872.

Uma relação de vizinhança que parecia ter limites bastante tênues e


permeáveis se dava entre os estudos das Letras e as aulas de música vocal.
Relação que pode ser encontrada, por exemplo, no dicionário de Bluteau
na definição de música “rythimica” e poética, respectivamente, como
“aquela que dava cadência às palavras nos discursos que se recitavam”
e como “aquela que media os versos”. (BLUTEAU, 1720, p.457) Uma
analogia tradicionalmente estabelecida entre os “princípios” da Poesia e
da Música, especialmente da declamação e do canto, onde se procurava
acentuar o que lhes era comum quanto ao cuidado com a emissão vocal
dos sons, à aprendizagem dos “verdadeiros acentos da língua”, à nature-
za de expressar sentimentos e ideias dignos de apreciação, ao poder de
“afetar” a alma humana e, pedagogicamente, desenvolver na mocidade a
moral e a ilustração.

Outros dois elos que se mostraram bastante claros foram os estabe-


lecidos com a religião e a ginástica. Quanto ao primeiro, tendo em vista o

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 213


Gilberto Vieira Garcia

lugar tradicional da música Sacra para a Monarquia e a “boa sociedade”


imperial, a relação pode ser percebida em dois sentidos. Por uma perspec-
tiva moral, de onde o seu estudo deveria ter como fim maior a “harmonia
da alma” e a edificação do espírito. E, por um viés institucional, onde se
associa diretamente a “boa Música” à Igreja e ao repertório sagrado, es-
pecialmente, ao se considerar que um dos mestres do período em análise
foi, concomitantemente, responsável por seu ensino no CPII e destacado
músico da Capela Imperial – exercendo as funções de corista, de compo-
sitor e, mesmo, de Mestre de capela.

Quanto à relação com a ginástica e também com a dança, vale lem-


brar que a própria concepção clássica de música abrangia um conjunto de
atividades, dentre as quais essas também se incluíam, junto à poesia e ao
teatro. (FUBINI, 2008) Uma concepção recorrente no contexto da Corte,
como, por exemplo, na afirmação de que, entre os antigos, “imenso era o
império da música, estendendo-se não só à ciência dos sons, mas, ainda,
à poesia, à eloquência, à declamação e à própria ginástica”. (ANDRADE,
1967, p.254) Assim, diante da presença da ginástica e, especialmente, da
dança, no quadro de estudos do colégio, sem dúvida o corpo é um ele-
mento central nessa relação de vizinhança com a música e o seu potencial
disciplinar, como “harmonia dos gestos” e “educação do movimento”.
Relação clássica, aliás, já apontada no verbete de Bluteau, na definição da
música “hipocrática” como aquela que dá “regras para os meneos do cor-
po, gestos & acções dos pantominios”. (BLUTEAU, 1720, p.457) Ideia
que ganha força ao se considerar a importância da etiqueta e do compor-
tamento público para a sociedade de Corte, identificada, por exemplo,
quando Araújo Porto Alegre classifica a diferença do grau de civilidade
entre as “Villas” e as “Capitaes” do Império, pautando-se justamente na
dança. Segundo ele, nas “Villas”

é necessário que o compasso seja bem marcado para que excite a dan-
çar, e mover bem o corpo, e ahi complicam-se as figuras, em quanto
que nas Capitaes, no centro da chamada bella-sociedade, a dança é um
passo amaneirado, e consiste mais em conversar com o par, que na
multiplicação das figuras. (Nitheroy, 1836, p.175)

214 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

Ou seja, a ideia de uma Educação “musical-corporal” pela qual seria


possível identificar os membros da “bella-sociedade”, a partir de distin-
ções socioculturais, e mesmo, regionais, que se tornariam evidentes, por
exemplo, pela dança, a forma de seus movimentos, o equilíbrio de suas
figuras e a modo de se comportar diante de seus pares, sobretudo, tendo
como referência os “meneios” da sociedade de Corte do Rio de Janeiro.

4.1 O ENSINO DE MÚSICA: ARTE MECÂNICA E


GINÁSTICA INTELECTUAL
Apesar de a chegada da Corte portuguesa, em 1808, ser considerada
como um marco para o desenvolvimento da música e a transformação do
gosto musical no Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX
(MONTEIRO, 2008), tal processo não ocorreu na mesma intensidade
no que se refere ao seu ensino em termos institucionais. Permanecen-
do fiel aos moldes do século XVIII, ele continuou sendo feito predomi-
nantemente em regimentos militares ou nas catedrais, sés e em algumas
matrizes que mantinham grupos musicais. Nesse âmbito, compreendida
taxativamente como uma atividade laboral mecânica que prescindia de
quaisquer esforços intelectuais, a música tinha um caráter utilitário vol-
tado, sobretudo, para servir a funções específicas dentro dos ritos litúrgi-
cos, militares e das solenidades oficiais. Uma atividade desprestigiada,
exercida pelas camadas inferiores da sociedade, em sua maioria escravos,
forros, mulatos ou brancos pobres, para a qual o ensino e a aprendizagem
visavam, objetivamente, desenvolver as habilidades práticas suficientes
para atender às demandas profissionais de seus ofícios.

Como alternativa ao vínculo direto com os coros eclesiásticos e


as bandas militares havia a possibilidade de ser aprendiz de um Mestre
particular, tornando-se, então, seu discípulo, iniciando a vida profissio-
nal tocando em seus conjuntos musicais (CARDOSO, 2008, p.126) No
Rio de Janeiro, no início do século XIX, o “curso” de música mais fa-
moso e regular era ministrado pelo padre José Maurício Nunes Garcia
(1767-1830). Importante músico, compositor e mestre, denominado por
Araújo Porto Alegre como o “Mozart Fluminense”: “astro radiante, que

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 215


Gilberto Vieira Garcia

na Colônia, no Reino e no Império espalhou seus raios preciosos sobre os


Brasileiros”, atuando na consolidação da tradição da “Música Fluminen-
se”, que, como “escola”, tinha um papel histórico de projetar da Capital
suas luzes sobre as demais regiões do Império. (Nitheroy, 1836)

Uma “escola” vinculada diretamente a sua trajetória como um dos


mais representativos mestres de capela8 do país e como mestre de música,
dando também aulas particulares em sua própria residência.9 Assim, foi
por meio do “curso” de José Maurício Nunes (JMN) que, durante mais de
30 anos de atividades, várias gerações puderam ter acesso a uma forma-
ção regular, tendo entre seus alunos alguns dos mais destacados músicos
profissionais da Corte – incluindo dois de seus discípulos que tiveram
participação ativa no estabelecimento do ensino de música no CPII, no
período em foco.

Quanto à formação, o “curso” procurava agregar o estudo teórico às


atividades práticas realizadas com a inserção de seus alunos nos conjun-
tos musicais da Sé (CARDOSO, 2008, p.127). Entretanto, segundo Ayres
de Andrade (1967):
O padre não era nenhum fanático das regras no ensino da música. Edu-
cava os alunos tendo em vista fazer deles verdadeiros profissionais.
Era por isso que os introduzia no conjunto da Capela Real [posterior
Imperial], fossem eles cantores ou instrumentistas, quando revelavam
aptidão para carreira musical. Desse modo, desenvolvia-lhes o talento
em contato com os profissionais. (p.53, V.I)

Uma forma de ensino pautada nos moldes das “corporações de ofí-


cio” que, fosse centrada em torno de um mestre de capela, um mestre de
Banda ou um mestre particular, tinha como finalidade maior dar conta dos
principais serviços da música, objetivando, sobretudo, a aprendizagem

8 – Mestre de capela da Catedral do Rio de Janeiro desde 1778, transferido com o mes-
mo cargo para a Capela Real, em 1808 (posterior Capela Imperial, em 1822), ficando em
exercício até 1830, ano de seu falecimento. (CARDOSO, 2005)
9 – Segundo Ayres de Andrade (1967): “O curso de música do padre Mestre data, se-
guramente, de antes de 1800. Teve vida longa. Só fechou as portas com a morte de José
Maurício em 1830.” (p.55, V.I)

216 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

e o desenvolvimento das habilidades práticas úteis para o seu exercício


profissional.

De maneira paralela, também ganhava importância no Rio de Janei-


ro, no início do século XIX, outros “cursos” de menor destaque, sobre-
tudo de piano e canto, que, por uma via não institucional, participaram
do processo de desenvolvimento da música e do gosto musical na Corte,
graças à “participação isolada dos professores com seus cursos particula-
res e aulas a domicílio”. (ANDRADE, 1967, p.272, V.I) Essas aulas não
visavam promover uma formação prático-profissional, mas, sim, cultivar
o caráter ilustrado e diletante que o seu estudo representava para as eli-
tes, como uma “arte de puro recreio”, pedagógica e moralmente eficaz
“para adoçar os costumes de qualquer povo”. Um saber “desinteressado”,
central na distinção das “famílias que recebem decente educação”, nota-
damente, os membros da “boa sociedade”. (A Aurora Fluminense, 1831,
p.1245-1246)

Duas perspectivas de ensino e aprendizagem de música que vão


atravessar de maneira paralela todo o século XIX, posicionado em lados
distintos artesão e obra de arte, músico profissional e fenômeno musical,
enfatizando, por um lado, o caráter mecânico, os aspectos técnicos e as
funções utilitárias da música enquanto ofício e, por outro, seu caráter in-
telectual, suas implicações éticas e o valor social e político de seu cultivo
e exercício diletante para a sociedade de Corte e o Estado Imperial.

4.2 O ENSINO SOB A TÔNICA DOS MÚSICOS


Os três principais sujeitos envolvidos na instauração do ensino de
música no CPII – Francisco Manuel da Silva (1795-1865), Januário da
Silva Arvellos (1790-1844) e Francisco da Luz Pinto (1798-1865) – ti-
nham notoriedade para serem reconhecidos pela ampla denominação
de “professores de música”. Expressão que nesse contexto compreen-
dia um conjunto de significados bastante abrangente que, além da fun-
ção propriamente de ensino, referia-se também à excelência técnica, ao
conhecimento teórico e “científico”, ao domínio dos gêneros, estilos e

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 217


Gilberto Vieira Garcia

compositores então considerados representantes da “boa Música”, bem


como à importância da posição profissional e artística ocupada dentro do
cenário musical da Corte. Uma expressão que permite compreendê-los
como “homens de cultura”, categoria que, de acordo com Sirinelli (1998),
agregariam tanto os “criadores”, “os que participam da criação artística
e literária ou no progresso do saber”, como os “mediadores” culturais,
aqueles que têm “poder de influência” e “ressonância” suficientes para
contribuírem com a difusão e vulgarização dos conhecimentos dessa cria-
ção e desse saber. (p.261)

Tendo em vista o estado de “menoridade” em que as artes entraram


durante o período Regencial, no que se refere à música, Francisco Manuel
da Silva (FMS) exerceu um papel influente junto às iniciativas para a
transformação do seu estatuto profissional e artístico e a institucionaliza-
ção de seu ensino no Brasil Império. Discípulo e representante da tradição
fundada em torno de JMN, FMS teve uma reconhecida trajetória como
músico e regente; como compositor (especialmente, de uma das músicas
políticas mais importantes do Estado Imperial, o Hino Nacional); e como
um mediador central na organização da Sociedade de Beneficência Mu-
sical10 (1833) e na criação (1841), direção e fundação (1848) do Imperial
Conservatório de Música. Espaços muito importantes dentro do conjunto
dessas iniciativas, que foram criados de maneira articulada para defender
os interesses profissionais e artísticos da classe de músicos e para tentar
estabelecer um caráter acadêmico ao ensino e à aprendizagem de sua arte.

Diante desses objetivos, entre a conjugada criação desses espaços,


FMS também procurou se valer da música do CPII como parte de um
projeto para consolidar, junto à formação das elites imperiais, a institu-
cionalização de seu ensino e a difusão e vulgarização de seu valor artísti-
co. Para tanto, publicou em 1838 o “Compêndio de musica para uso dos
alunos do Imperial collegio D. Pedro II”, que foi utilizado na instituição

10 – Associação que substitui a antiga Irmandade de Santa Cecília, assumindo o objetivo


de amparar os músicos, de profissionalizar essa classe de artistas (estabelecendo rígidas
regras para a realização de seus ofícios) e de fomentar a cultura musical por meio da rea-
lização de concertos, denominados “academias”.

218 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

até 1878. (JARDIM, 2012) No fragmento localizado no Núcleo de docu-


mentação e memória do CPII (NUDOM), o autor expõe claramente seus
interesses no texto introdutório. Logo de início, ao dedicá-lo à “V.M.I
para, se o julgar digno, servir de instrução aos alumnos” que foram honra-
dos “com sua proteção com a creação da cadeira de Musica”, FMS deixa
evidente o quanto essa iniciativa poderia representar uma oportunidade
de tirar “esta bella Arte do abandono, em que jazia desde 7 de Abril de
1831”. Uma oportunidade percebida não só em seu potencial de “restau-
ração”, mas, sobretudo, como uma possibilidade de transformar os seus
significados e seu espaço social, deduzida a partir da conclusão de que:

A Musica, Senhor entre nós, foi até riscada da categoria das Bellas Ar-
tes e praza ao ceo que a Proteção de V.M.I. a faça ressurgir mais bella
do que nunca, do estado de aniquilação em que existe, colocando-a
no lugar, que lhe ha sido destinado pelo mundo inteiro. Digne-se por
tanto V.M.I. aceitar esse pequeno tributo do mais desinteressado Pa-
triotismo, e do mais decidido amor pelas Bellas Artes. (SILVA, sem
data, grifos do autor)

Ou seja, a criação da cadeira de música no CPII como um meio de


retirá-la do abandono a que fora lançada durante o período Regencial,
quando a “beleza” da tradição que vinha se consolidando com JMN e as
“luzes” de sua “escola” entram em estado de aniquilação. Uma oportuni-
dade para tentar se conquistar, como um gesto de patriotismo, o mesmo
lugar central que lhe era destinado pelas grandes civilizações, podendo, a
partir daí, transformar o seu caráter subalterno, tendo como fim estabele-
cer o seu “legítimo” lugar junto às consagradas “Bellas Artes” – ao lado
da arquitetura, da escultura e da pintura. Uma transformação não apenas
artística, mas, sobretudo, política, haja vista o seu espaço privilegiado em
certas ações públicas do Estado e, especialmente, o peso institucional e
intelectual conquistado no Brasil a partir da criação da Academia Impe-
rial de Belas Artes, em 1822. (SQUEFF, 2004)

Quanto ao conteúdo do compêndio, há uma organização em três blo-


cos compostos pelos elementos considerados básicos para a execução e a
apreciação da música de tradição escrita: os rudimentos, os preparatórios

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 219


Gilberto Vieira Garcia

e os solfejos (aspectos técnicos relativos à leitura e escrita do código mu-


sical); a harmonia e a composição (regras estruturais e encadeamentos
musicais relativos ao sistema tonal); e, por fim, as regras de transposição
(conhecimentos técnicos para o acompanhamento musical). (JARDIM,
2012) Uma seleção de conteúdos que, segundo Binder e Castagna (1998),
começa a aparecer nesse período também em outras publicações, inau-
gurando uma nova fase da “teoria musical” no Brasil. A partir de quan-
do, em sintonia com o mercado editorial emergente, as obras didáticas
apresentam-se impressas, com conteúdos que aliavam aspectos teóricos e
práticos voltados para todas as áreas de atuação dos músicos e, sobretudo,
para um público amador, mais numeroso e menos especializado.

Em suma, uma conjunção de fatores que permitem pensar que, dian-


te desse público crescente e da criação da cadeira de música numa insti-
tuição de ensino secundário de importância central, ter a chance de de-
terminar o conteúdo das lições de música do CPII, certamente, mostrou-
-se como uma possibilidade oportuna para difundir e vulgarizar, junto
à formação das elites imperiais, não apenas o conhecimento teórico da
leitura e da escuta musical, mas, sobretudo, os critérios “legítimos” para a
fruição de sua “verdadeira” beleza e o reconhecimento de seu valor moral
e artístico.

A criação do CPII e a formação de seu corpo docente envolveram


uma série de estratégias para constituir uma imagem de prestígio pela
qual o colégio, desde sua inauguração, pudesse ser apresentado como “um
exemplar ou norma” padrão para o ensino Secundário na Corte. Segundo
Penna (2008), um fator importante na construção e manutenção dessa
imagem se encontra na função que o próprio nome “Imperial Collegio
de Pedro II” exerceu politicamente como elemento simbólico, ao fim das
Regências. Como afirma o secretário e ministro do Império, Bernardo Pe-
reira de Vasconcelos, no discurso de inauguração do CPII, em 1838: “O
saber é força, e é v. exc. que vai ser o moderador desta força irresistível,
desta condição vital da sociedade moderna.” (Apud CARVALHO, 1999,
p.245) Uma ênfase ao seu vínculo com o Imperador e com o Estado,
como um meio de evidenciar o grau de confiabilidade do colégio, diante

220 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

da missão do monarca de garantir as condições vitais para a manutenção


e o desenvolvimento da sociedade, por meio de uma Educação oficial.

Outro fator importante foi o papel que a formação acadêmica, a eru-


dição e a notoriedade de seus “distintos professores”, exerceu na cons-
trução da confiabilidade e do prestígio do CPII como o “santuário do
verdadeiro saber”, como se afirma no discurso supracitado. Tomando
como referência alguns argumentos de Dubet (2011) sobre o “Progra-
ma institucional” e o seu papel na constituição da “forma escolar” e da
“identidade da profissão docente”, se percebe o quanto a imagem do CPII
como “Santuário do Saber” fundamentou-se também na “Vocação” de
seu corpo docente, “consagrada” pelo destacado domínio sobre suas ma-
térias e áreas de conhecimento. Uma notoriedade de seus professores na
vida pública brasileira, na política, nas letras, nas ciências e nas artes que,
na perspectiva institucional, se constituiu como um dos elementos capi-
tais para a nomeação daqueles que formaram o quadro docente original
do CPII, incluindo, entre eles, os Mestres de musica.

Januário da Silva Arvellos (JSA), primeiro mestre de música do


CPII, foi um personagem de destaque na Corte durante a primeira metade
do século XIX, como um representante da “escola fluminense”. A seu res-
peito, Escrangnolle Doria11 (1997) expressa em sua Memória Histórica
do Colégio Pedro Segundo que:
Ao grupo dos primeiros nomeados para lecionar no estabelecimento
pertenceu por último Januário da Silva Arvellos, professor de Música
e como tal conhecido na época. Ainda hoje, vez e outra, surge compo-
sição sua em festividades religiosas. Que Arvellos, no seu tempo, teve
notoriedade não padece dúvida, à vista dos versos de Porto Alegre
exaltando o Brasil e colocando Arvellos na linha de compositores de
arte, a principiar por José Maurício. Augurando ao Brasil só brilhante
futuro, Porto Alegre apostrofava:
Em teus templos se animam, se engrandecem

11 – Lente de História Universal, da América e do Brasil do CPII, a partir de 1906. Regeu


também as cadeiras de Francês, de Inglês, de Lógica e de Geografia. Em comemoração ao
1º centenário da instituição, publica em 2/12/1937 a obra “Memória Histórica do Colégio
Pedro II”.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 221


Gilberto Vieira Garcia

Os cânticos sublimes que um Garcia,


Um Rosa, um Portugal,12 e um Arvellos
Anotaram co’a dextra sapiente. (p.33, Grifo do autor)

No que se refere ao ensino de música, há uma menção, sem refe-


rência documental, de que tenha sido o “1º compositor brazileiro que foi
Mestre do Sr. D. Pedro I”.13 Além disso, segundo artigo publicado na re-
vista O Guanabara, em 1850, há a notícia de que foi instituída uma aula
de música no quartel da Guarda dos “Municipaes Permanentes (...) à testa
da qual estava o famoso Januário da Silva Arvellos, a cujo ensino deve-
mos uma grande parte dos melhores músicos e solistas que existem na ca-
pital e nas províncias”. (p.272) Apesar de não haver, até então, uma base
documental que permita se ter noção das características e da importância
desse curso, há uma evidência no Livro de assentamento dos funcionários
do Collegio Imperial de Pedro II (1838-1856) de que Arvellos era, de
fato, “Mestre de Musica do Corpo Permanente da Corte”. Uma informa-
ção relevante, sobretudo, ao se pensar sobre a importância para o CPII ter
um Mestre que, dentre seus diversos atributos, era também representante
da música militar. O que ganha sentido ao se considerar o tradicional
papel das corporações militares no ensino de música até o século XIX
(CARDOSO, 2008, p.128-138) e, especialmente, a sua função cívica de
representar simbolicamente a presença do poder do Estado,14 sobretudo,
tendo em vista o papel que a Guarda Nacional exerceu diante dos diversos
distúrbios que ocorreram durante o período Regencial. (BASILE, 2007)

Em suma, uma condição de suposto mestre de música da Família


Real e de mestre de banda da Guarda Municipal que, juntamente com o

12 – Respectivamente: Padre José Maurício Nunes Garcia, Padre Manuel da Silva Rosa e
o consagrado compositor português e também Mestre de Capela, Marcos Antônio Por-
tugal.
13 – Música no Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1962, p.13.
14 – Importância simbólica que se pode deduzir, por exemplo, do conteúdo de um docu-
mento de 1840 que expressa: “Tornando-se necessária a Música dos Permanentes para a
solenidade da distribuição dos premios deste Collegio (...) tenho a honra de rogar a V. Exa.
se digne de fazer com que não falte ao Collegio a dicta Musica (...).” – compreendendo-se
que os “músicos permanentes” eram aqueles que faziam parte da Guarda Municipal. AN,
SE: IE4 28.

222 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

lugar de destaque ocupado como compositor e instrumentista represen-


tante da tradição atrelada à JMN, pareceram reunir as condições simbóli-
cas e técnicas que garantiram ao “professor” Arvellos ser nomeado como
primeiro mestre de música do CPII.

Sua trajetória no colégio compreendeu uma passagem muito curta,


entre 4 de maio e 31 de agosto de 1838, quando interrompeu suas lições
por motivo de doença, mantendo seu vínculo até 19 de janeiro de 1839.
Nesse curto período, foi encontrada uma nota fiscal de julho de 1838
referente à compra de “36 exemplares de uma obra que tem por título
Compêndio de muzica” de FMS e ainda um aviso de 20 de outubro pelo
qual “o professor de musica exige para sua aula um piano”, cuja compra
se realizou logo no dia 31 do mesmo mês do ano 1838.

Quanto ao piano, é importante considerar seu crescente prestígio


entre “as famílias de boa educação” durante o século XIX, quando nota-
-se um aumento significativo de sua comercialização, da publicação de
repertório para o instrumento e do número de professores particulares
(ANDRADE, 1967, V.I), atestando a valorização do estudo e da práti-
ca pianística como um dos símbolos de distinção dos membros da “boa
sociedade”. Um instrumento representativo dos próprios ideais de mo-
dernização e de “bom gosto” valorizados nesse contexto, seja por sua so-
fisticação, seja por sua inovação tecnológica, seja por suas possibilidades
de reproduzir as obras mais importantes então publicadas, composta ou
adaptada para o piano. Como afirma Pereira (1995), ao analisar edições
impressas do Hino Nacional Brasileiro durante o Segundo Reinado: “O
piano, no século XIX era, mutatis mutandis, o equivalente do rádio, do
disco e da televisão nos dias atuais [incluindo-se agora as mídias digi-
tais]”. (p.27)

Um símbolo de prestígio social, de cosmopolitismo e de culto e aces-


so à “boa música”, cuja importância pedagógica é institucionalmente afir-
mada pela própria exigência de Arvellos de tê-lo como um instrumento
para as suas lições no CPII. Ato que, juntamente com o uso do Compên-
dio, evidencia os fundamentos que deveriam orientar a escolarização da

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 223


Gilberto Vieira Garcia

música, a partir dos cânones da leitura, da escrita, da afinação e da har-


monia, transcritos e legitimados pela literatura musical privilegiada nesse
contexto.

Francisco da Luz Pinto (FLP), mestre de música do CPII que suce-


deu de JSA ainda em 1838, inicia sua trajetória tornando-se um dos alu-
nos mais destacados do padre JMN, anteriormente à própria formação do
primeiro grupo da Capela Real, em 1808. Foi nomeado músico efetivo da
Capela Real, em 1813, instituição na qual foi um destacado funcionário,
haja vista o seu reconhecido empenho em diversas funções e cargos exer-
cidos durante os anos de serviços prestados à capela até seu falecimento,
em 1865. (ANDRADE, 1967, V.II) O que é delineado pelo movimento
de ascendente de sua trajetória na Sé, onde, partindo da condição de can-
tor aluno, anteriormente a 1808, chega a ser um dos fortes candidatos
ao mais alto cargo musical da instituição, o posto efetivo de mestre de
capela, em 1860 – após tê-lo exercido na condição interina, desde 1855.

Uma proeminente trajetória profissional na área da música sacra e


em sua principal instituição na Corte, interessante para pensar sobre os
significados de tê-lo como mestre de música do CPII, ao se considerar o
papel da tradição católica na constituição da imagem sagrada do Império
e, especificamente, do valor da instrução religiosa na educação moral dos
alunos (CUNHA, 2008). Como aclamava Porto Alegre, referindo-se ao
período crítico de crise e desprestígio que a Capela Imperial passou até
1842: “No meio de todos esses disparatados delírios multiformes, ver-
dadeiros monstros creados por uma alienação artística, um só homem
conservou intacto e fiel as Tradições do Mestre [José Maurício]; e este
homem é o Sr. Luz, professor do collegio de Pedro 2º.” (Íris, 1848, p.47-
50) Ou seja, novamente a ideia de que, na música, a superação desse
estado de “menoridade” das artes e de seu futuro no Império dependia,
essencialmente, da conservação das tradições de JMN, que, na década de
1840, tinha como único responsável o lente do CPII, Sr. Luz.

Em que medida o vínculo oficial de ambos com o Estado, como mes-


tres do CPII, convergia com seus interesses pela valorização profissional

224 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

e artística da música? Para Nóvoa (1991), “uma etapa decisiva do proces-


so de profissionalização da atividade docente”, foi quando tornar-se fun-
cionário da administração pública pôde representar “um ‘aval’ do Estado
ao grupo docente, que adquire assim um título que legitima sua ativida-
de social de promover valores educativos e escolares e que valorizam,
ao mesmo tempo, seu papel e suas funções”. (p.122) Etapa que agregou
prestígio a sua carreira, ao seu ramo de conhecimento e ao seu ensino,
ampliando a margem para a manifestação de seus anseios e a afirmação
da música junto aos valores educativos e escolares, seja exigindo um pia-
no, implementando uma obra didática ou, como fez o próprio FLP, em
1841, reclamando por um aumento de carga horária, ao defender o valor
dessa “tão Sublime e encantadora Arte”15 – reivindicação que, de fato, foi
sucedida pela ampliação da oferta de suas aulas dos três primeiros anos
previstos no plano de 1838, para cada um dos sete anos de estudos defi-
nidos no plano de 1841.

Processo que se traduz na afirmação da música de tradição escrita,


de cunho “gramatical” e normativo como a base oficial para o seu estudo
escolar enquanto uma linguagem específica e “universal”. O que pode
ser percebido não apenas pela continuidade do emprego do Compêndio
de FMS, desde a inauguração do CPII, mas, também, pela própria ini-
ciativa de FLP de confeccionar com certa frequência materiais didáticos
compostos por solfejos16 e escalas para serem utilizados em suas lições,
desde 1839.

Em sua trajetória, os anos de 1850 parecem ser determinantes. Em


1852, a matéria do CPII à qual ele era responsável, a música vocal, passa
a ocupar uma posição de destaque entre os seus estudos com o maior nú-
mero de lições. Em 1853, “exonera-se da cadeira que vinha ocupando no
Conservatório” – talvez por conta das dificuldades financeiras e do futuro
incerto da instituição (ANDRADE, 1967, p.261, V.II) – ficando apenas
no CPII e na Capela Imperial. Em 1855, junto à redução da importância

15 – AN, SE: IE4 29.


16 – A arte de cantar os intervalos das notas musicais, de acordo com os parâmetros de
afinação estabelecidos, seguindo as alturas e os ritmos registrados na partitura.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 225


Gilberto Vieira Garcia

de sua matéria no colégio, diminuída em número de lições e colocada


na condição de estudo optativo, ascende na Capela Imperial ao cargo de
mestre de capela substituto; sendo, por fim, “jubilado” do CPII, em 1858.

Uma trajetória de 19 anos junto ao CPII, cujo afastamento talvez


possa ser compreendido ao se pensar sobre o próprio declínio de seu pro-
jeto no colégio, ao mesmo tempo em que suas possibilidades de ocupar o
mais alto cargo da música na Capela Imperial mostraram-se factíveis – ao
ser nomeado mestre de capela na condição de substituto. Uma perspecti-
va de ascensão profissional na Sé, instituição à qual se dedicou por mais
de 52 anos, que, entretanto, foi também frustrada, quando posteriormente
foi preterido na escolha para cargo mestre de capela efetivo, em 1860.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 MÚSICA: ORQUESTRAÇÃO DO IMPÉRIO, “VIDA


E ALMA” DA “BOA SOCIEDADE”
Como afirmava Araújo Porto Alegre: “A musica não desceo do céo
somente para dar-nos sons melodiosos, ou ferir-nos os sentidos com a
riqueza da harmonia, não” (Nitheroy, 1836, p.164), ela exerce “um grande
papel na scena social: na infância e na prosperidade das naçoens” (Idem,
p.168) Compreendida de acordo com as concepções da cultura clássica,
das “humanidades”, para além do caráter mecânico e utilitário de seus
ofícios, a música deveria exercer também um papel pedagógico enquan-
to um “meio” para promover virtudes, formar valores, organizar ideias,
“harmonizar” a sociedade, “afinar” suas tradições e fazer “progredir” sua
cultura. Uma concepção que ganhou força no Brasil a partir da instalação
da Corte Portuguesa (1808) e durante o I Reinado (1822-1831), quando
o “caráter edificante” da música Sacra e o ideal de ilustração da ópera e
de certos espetáculos cênicos, coreográficos e musicais do Teatro foram
afirmados enquanto referências “oficiais” da “boa Música”. Referências
que conquistaram um apoio institucional e financeiro, junto ao Estado,
entre 1808 e 1831, com a respectiva criação da Capela Real (1808), pos-
terior Capela Imperial (1822), e a inauguração do teatro São João (1813)

226 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

e sua reabertura como teatro São Pedro de Alcântara (1826). Período e


instituições percebidos como marcos da “verdadeira” tradição musical
legada ao Império, tradição a qual, como o próprio regime político, teve,
entretanto, o equilíbrio de sua “orquestração” e a “harmonia” de suas
“vozes” ameaçada pela “anarchia geral” que se estabeleceu a partir das
Regências (1831-1840).

Um conjunto de significados e funções da música que, numa pers-


pectiva estatal, talvez não devesse continuar se desenvolvendo nesse con-
texto de maneira totalmente descentralizada, sobretudo, pela importância
de sua tradição para a Monarquia e pelo seu potencial junto à “educação
da mocidade”, no que se refere à religião, à civilização, ao caráter nacio-
nal e à pátria, pois, como defendia o próprio Porto Alegre: “a música é
alguma cousa mais do que uma arte de deleite e passatempo” (Íris,1848,
p.47) – “A Música é para a sociedade o que a boa distribuição da luz é
para um quadro, ambas dão vida e alma às coisas que se aplicam.” (Ni-
theroy, 1836, p.164)

5.2 MÚSICA NO CPII: SUAS LIÇÕES E SUA DOCÊNCIA


Com base na pesquisa, ficou evidente que as suas lições ocuparam
um volume considerável em relação às demais matérias do CPII, com-
partilhando com elas os horários e dias regulares de aula, chegando a
estar entre os estudos que tiveram a maior carga horária na instituição.
Importância reforçada ao se constatar que, mesmo não fazendo parte dos
estudos exigidos nos Exames Superiores, a música esteve também en-
tre as suas lições com o maior número de alunos. Condição que ganha
um conteúdo especial ao se pensar sobre suas relações com as matérias
vizinhas, isto é, com o desenho, a poesia, a religião e a ginástica, e os
seus respectivos significados na organização do pensamento, no acesso à
“cultura geral”, no aprimoramento da comunicação e na sofisticação dos
discursos, bem como na ascese espiritual ou na educação do corpo.

Na perspectiva institucional, a condição de notoriedade dos membros


do corpo docente original do CPII mostra-se um fator importante dentre

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 227


Gilberto Vieira Garcia

as estratégias de construção de sua credibilidade e imagem de prestígio.


Condição e imagem às quais, na perspectiva docente, também pareceram
significativas não só para agregar valor às suas carreiras individuais, mas,
sobretudo, para a própria valorização artística da música por meio da pro-
fissionalização de seu ensino e de sua definição oficial enquanto estudo
escolar; associada, especialmente, ao processo de “funcionarização” da
prática docente, ao vínculo oficial com o colégio e a sua validação pelo
Estado.

O que pode ser percebido nas relações entre Francisco Manuel da


Silva, Januário da Silva Arvellos, Francisco da Luz Pinto e o CPII; seja
na construção do prestígio da instituição, seja na sua atuação para afirmar
os preceitos que fundamentariam o ensino de música como um dos estu-
dos do Ensino Secundário. Um estudo de caráter intelectual e amador, de
cunho teórico, gramatical e normativo, orientado pelo emprego da voz,
do Piano e dos materiais mais contemporâneos de teoria musical produzi-
dos naquele momento no Brasil. Uma parte de um processo de profissio-
nalização e escolarização do ensino de música que ganha intensidade pela
própria presença constante de suas aulas no colégio desde a inauguração,
em 1838, e, especialmente, pelas ações de seus mestres e a sua perma-
nência contínua no quadro docente – variável que se refere a Francisco da
Luz Pinto: um dos docentes mais assíduos e, sobretudo, aquele que, entre
1838 e 1858, lecionou por mais tempo no CPII, atuando por 19 anos.

Resultados interessantes para se pensar o quanto a pesquisa sobre a


História da Educação Musical no Brasil do século XIX se mostra como
um campo tão aberto quanto, contraditoriamente, de difícil acesso. Aber-
to, sobretudo, devido à necessidade de haver mais estudos que se debru-
cem especificamente sobre esse tema. De difícil acesso, primeiramente,
em termos operacionais, pelo estado ao qual se encontra a documentação,
tanto no que se refere à sua organização temática e cronológica quanto ao
precário estado físico no qual se encontra grande parte dos documentos.
Por fim, de difícil acesso, em termos teórico-metodológicos, pela neces-
sidade de aprofundamento do diálogo entre a História, a Educação e a
Música e, em termos ideológicos, pelo desafio de se superarem as tenta-

228 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

ções da memória sobre a educação musical escolar no Brasil, no século


XIX, no seu poder de induzir-nos a tomá-la ou como um tema equivocado
ou como um conjunto de ideias e práticas “fora do lugar” ou como um
silêncio pressuposto.

Referências Bibliográficas

6.1 ARTIGOS, LIVROS, TESES E DISSERTAÇÕES


CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005.
CARDOSO, Lino de Almeida. O som e o soberano: uma história da depressão
musical carioca pós-abdicação (1831-1843) e de seus antecedentes. Tese de
doutorado – Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade do
Estado de São Paulo, São Paulo, 2006.
CUNHA, Fernando Ferreira. O Imperial Collegio de Pedro II e o ensino
Secundário da boa sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
BASILE, Marcelo. Revolta e cidadania na Corte regencial. Tempo: revista do
departamento de história da UFF, Rio de Janeiro, v.11, n. 22, p. 31-57, janeiro,
2007.
BINDER, Fernando & CASTAGNA, Paulo. Teoria musical no Brasil: 1734-
1854. In: I SIMPÓSIO LATINOAMERICANO DE MUSICOLOGIA, 1998,
Curitiba, Dezembro. Revista eletrônica de musicologia, v.1, Curitiba: Fundação
Cultural de Curitiba, 1998, p.198-217.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexão sobre um campo
de pesquisa. In: Teoria e educação. Porto Alegre: Pannonica, n.2, 1990, p. 177-
229.
CHERVEL, André & COMPÈRE, Marie-Madeleine. As humanidades no ensino.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 2, 1999, p. 149-170
DUBET, Francois. Mutações Cruzadas: a cidadania e a escola. In: Revista
Brasileira de Educação. V.16, n.47, Maio/Agosto, 2011, p.289-305.
FUBINI, Enrico. Estética da música. Lisboa: Edições 70, 2008.
GARCIA, Gilberto Vieira. “Tão sublime quanto encantadora Arte” – o Ensino
de Música no Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858). Dissertação de
Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
JARDIM. Vera L. G.. A música no currículo oficial: um estudo histórico pela

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 229


Gilberto Vieira Garcia

perspectiva do livro didático. Revista Música Hodie, Goiânia, v.12-n.1, 2012,


p-167-174.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema: a formação do Estado
imperial. São Paulo: Hucitec, 2004.
MONTEIRO, Maurício. Construção do Gosto, A – Música e Sociedade na Corte
do Rio de Janeiro – 1808-1821. São Paulo: Ateliê, 2008.
NÓVOA, Antônio. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento
da profissão docente. Teoria e Educação. Porto Alegre, nº 4, 1992, p.109-
139.
PEREIRA, Avelino Romero Simões. Hino Nacional Brasileiro: Que história é
esta? In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 38, 1995, p.
21-42.
PENNA, Fernando de Araújo. Sob o nome e a capa do Imperador: a criação
do Colégio de Pedro Segundo e a construção do seu currículo. Dissertação de
mestrado – Programa de pós-graduação em Educação, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2008.
SIRINELLI, Jean-François. As elites intelectuais. In: RIOUX, Jean-Pierre;
SIRINELLI, Jean-François (dir.). Para uma história cultural. Lisboa: Editorial
Estampa, 1998, p.259-279.
SOUZA, Carlos Eduardo Dias. Ensinando a ser brasileiro: o Colégio Pedro
II e a formação dos cidadãos na Corte Imperial (1837-1861). Dissertação de
mestrado Programa de Pós-graduação em História social da Cultura, Rio de
Janeiro, PUC-Rio, 2010.
SQUEFF, Leticia. O Brasil nas letras de um pintor. São Paulo: Editora da Unesp,
2004.
VECHIA, A. & Lorenz, K. M. O debate ciências versus humanidades no século
XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II. In: Gonçalves
Neto, W. et al. [Orgs.] In: Práticas escolares e processos educativos: currículo,
disciplinas e instituições escolares (séculos XIX e XX). Vitória, Brasil: EDUFES,
2011, p. 115-152.

6.2 FONTES

ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO (AN)


AN, Série Educação (SE), notação: IE4 26 [documento de exigência e nota de
compra do piano], 1838.
AN, SE: IE4 26 [documento de exigência e nota de compra do piano], 1838.

230 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015


“Tão sublime como encantadora arte” – As lições e os Mestres de música do
Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858): alguns aprofundamentos

Mapa das faltas dos professores – AN, SE: IE4 32, 1847; IE4 34, 1852; IE4 35,
1855.
Tabela de horários dos alunos. AN, SE: IE4 28, 1840; IE4 29, 1841; IE4 4,
1856.
Projeto da reforma dos estatutos da parte Scientifia do Collegio D. Pedro 2º,
AN, SE: IE4 34.
Exposição dos inconveniente e defeitos encontrados pelos respectivos Professores
nos diferentes ramos de ensino, acompanhados das observações do reitor. AN,
SE: IE4 29, 1841.
AN, SE: IE4 27, 1839; IE4 29, 1843; IE4 33, 1849 [recibos de cópia do solfejo
para os alunos].

HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA


AURORA FLUMINENSE. Rio de Janeiro: Typographia de Guiffier e C.a, 11
de Março de 1831, p.1245-1246. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/
Acesso em: 15/2/2013
Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/ Acesso em: 4/11/2012
Os Nossos Artistas. In: O GUANABARA – REVISTA ARTISTICA,
SCIENTIFICA E LITTERARIA. Rio de Janeiro: Typographia Guanabarense,
1854, Tomo I, p.272.
Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/ Acesso em: 13/3/2012
PORTO-ALEGRE, Manuel Araújo. A música sagrada no Brasil. In: ÍRIS. Rio
de Janeiro: Typographia do Íris, tomo 1, 15 de fevereiro 1848, p.47-50.
Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/ Acesso em: 13/3/2012
PORTO-ALEGRE, Manuel Araújo. Sobre a Música. In: NITHEROY, REVISTA
BRASILIENSE – SCIENCIAS, LETTRAS, E ARTE. Paris: Dauvin et
Fontaine, Libraires, Tomo Primeiro, Nº 1º, p.160-183.
Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/ Acesso em: 15/3/2012

Núcleo de documentação e memória do Colégio Pedro II (NUDOM)


Livro de assentamento dos funcionários do Collegio Imperial de Pedro II
(1838-1856).
SILVA, Francisco Manuel da. Compêndio de musica para uso dos alunos do
Imperial collegio D. Pedro II. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, sem data.
Real Gabinete Português de Literatura
BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino (Oferecido a El

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015 231


Gilberto Vieira Garcia

Rey de Portugal D. Joam V). Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, Impreffor de


Sua Majestade, 1720, [Tomo VI].
Coleção de Leis do Império
BRASIL, Regulamento n.8 de 31 de janeiro de 1838. Estatutos para o Colégio
Pedro Segundo. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1839,
Tomo I, Parte II, p.61-96.
____. Decreto nº 62, de 1 de fevereiro de 1841. Altera algumas disposições do
regulamento n. 8, de 31 de janeiro de 1838, que contém os Estatutos do Colégio
Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1841, Vol.I, parte
II, p.13.
____. Decreto nº 1556 de 17 de fevereiro de 1855. Coleção de Leis do Império do
Brasil, Rio de Janeiro, 1856, Tomo VIII, Parte II, p.80-92.
Livros
ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo, 1808-1865: uma
fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, V.I e V.II, 1967.
DORIA, L. G. Escragnolle. Memória Histórica do Colégio Pedro Segundo
(1837-1937). 2ª ed. Brasília: INEP, 1997.
Música no Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1962.
VASCONCELOS, B. P. de. Discurso proferido por ocasião da abertura das aulas
do Colégio de D. Pedro II aos 25 de Março de 1838. In: CARVALHO, José
Murillo de (Org.). (1999) Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: Editora
34, p.244-246.

Texto apresentado em junho/2015. Aprovado para publicação em ju-


lho/2015.

232 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 176 (468):201-232, jul./set. 2015

Anda mungkin juga menyukai