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A A P R O P R I A Ç Ã O LIBERAL D O DISCURSO

D O S DIREITOS H U M A N O S E U M A NOVA
HERMEN Ê U T I C A DE S U P E R A Ç Ã O

GIOVANNI O L S S O N (1)

Sumário: Introdução; 1. Paradoxo dos direitos humanos; 2. Dis­


curso h egemônico dos direitos h u m a n o s e m desconstrução; 2.1.
Fundamento jurídico-politico estatoeêntrico; 2.2. Apropriação
neoliberal do discurso dos direitos humanos; 2.2.1. Mecanismos
institucionalizados; 2.2.2. Limites da apropriação; 2.3. A necessi­
dade de uma nova hermenêutica dos direitoshumanos; 3. Contra-
discurso dos direitos humanos em construção; 3.1. As primeiras
críticas ou os ceticismos ao discurso hegemônico; 3.1.1. Crítica
da legitimidade; 3.1.2. Crítica da coerência; 3.1.3. Crítica cultural;
3.2. Uma abordagem pela dicotomia entre atores e estrutura; 3.3. A
redescoberta do diálogo entre direitos e necessidades; 3.3.1. Ca­
racterização das necessidades, relaçõese estruturanormativa;3.3.2.
Relação entre ne-cessidades e direitos; 3.3.3. Operatividade entre
as necessidades e as perspectivas; Considerações finais; Refe­
rências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O debate contemporâneo em torno dos direitos humanos une o


objetivismo dos cientistas jurídicos das mais diversas áreas com base em
pressupostos teóricos variados e também o subjetivismo do cidadão globa­
lizado das mais diversas culturas com base em fundamentos igualmente
múltiplos. Diz-se até, em certa medida, que o debate científico é uma res­
posta da academia a um clamor universal em torno do tema.
Entretanto, deve-se analisar até q u e ponto es se discurso h e g e m ô n i c o
converte-se e m u m a prática qualitativa e quantitativamente difundida e,
assim, verificar se n ã o existe u m certo paradoxo n e s s a afirmação.

(1) Juiz d o Trabalho n a 12° Região (SC). Professor Universitário (UnC). Mestre e Doutorando e m
Direito (UFSC).
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Mais além, t a m b é m se d e v e fazer u m a tentativa d e expor as fragili­


d a d e s d e s s e discurso h e g e m ô n i c o d o s direitos h u m a n o s , a g o r a e m
desconstrução, e revelar s u a limitação estatocêntrica, s u a apropriação pela
ideologia liberal e as incapacidades d a perspectiva tradicional para s u a
veiculação eficaz.
Por fim, e c o m b a s e n a proposta d e Galtuntf®, deve-se p r o m o v e r u m a
tentativa d e construção d e u m discurso alternativo o u contra-discurso de
direitos h u m a n o s , mediante o resgate d a relação entre direitos e necessi­
dades, c o m o f u nd a m e n to a m p l o d a problemática, c o m o u m a no va h e r m e ­
nêutica, a p ontando para u m a alternativa d e e m a n c i p a ç ã o e m torno d o seu
núcleo duro.

1. P A R A D O X O D O S D I R E I T O S H U M A N O S

O e x a m e atento d o discurso e d a prática tradicionais d o s direitos h u ­


m a n o s permite revelar u m paradoxo desafiador.
C a b e reconhecer que, d e u m a forma o u d e outra, todos são “a favor”
dos direitos h u m a n o s , e, até o n d e se sabe, n i n g u é m é “contra". E m verdade,
n ã o se c o n h e c e a l g u m dissenso sério e m torno d essa idéia d e direitos h u ­
m a no s , q u e já formou u m lugar c o m u m no discurso jurídico contemporâneo.
H á u m considerável a u m e n t o qualitativo e quantitativo d o s instrumen­
tos d e previsão e garantia d o s direitos h u m a n o s . Trindade aponta q u e “o
processo d e generalização d a proteção d o s direitos h u m a n o s desencadeou-
se n o piano ínternacionai a partir d a a d o ç ã o e m 1948 das Declarações
Universal e A m e r i c a n a d o s Direitos H u m a n o s 1'131. N o s e u elenco, h á d e z e ­
n a s d e instrumentos d o s mais variados alcances e conteúdos, envolvendo
proteção particularizada, proteção geral, direito d e refugiados e direito h u ­
manitário'41. Proner, n a m e s m a linha, analisa os sistemas universal e regio­
nais d e proteção d o s direitos h u m a n o s , c o m enfoque nos se us órgãos e
procedimentos instituídos, e c o m ênfase n o âmbito americano, e m b o r a res­
salve su as limitações'51.
O problema, contudo, é c o m o explicar q u e esses tais “direitos h u m a ­
n o s ” — d o s quais todos falam, e q u e todos supo s t a m en t e d e f e n d e m —
n u n c a se realizam integralmente e m extensão e e m profundidade.
N ã o se realizam e m extensão, porque áreas significativas d a superfí­
cie terrestre s ã o p o v o a d a s por seres h u m a n o s cujas condições materiais
objetivas d e existência — alimentação, habitação, educ a ç ã o e saúde, por 2345

(2) I m C a l l u n g J o h a n . “Direitos hu man os : u m a aova perspectiva".Trad. Margarida Fernandes. Lis­


boa: Piaget, 1994. 252p.
(3) In: Trindade, An t ô n i o A u g u s t o C a n g a d o . “A proteção internacional dos direitos h u m a n o s e o
Brasil", p. 2 3
(4) I d e m , p. 63-81.
(5) In: Proner, Caro!. "Os direitos h u m a n o s e seus paradoxos: análise d o sistema americano de
proteção”, especialmente pp. 67-113 e 232.
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e x e m p l o — n ã o perm i t e m reconhecer parâmetros m í n i m o s para a l g u m


referencial ético e m termos d e dignidade; a distinção entre seres h u m a n o s e
animais, e m alguns casos, p o d e ser puramente antropomórfica e genética.
N ã o s e realizam e m profundidade, d a m e s m a forma, porque h á níveis
muito discrepantes d e efetivação desses direitos, individual ou comparati­
v a m e n t e considerados; a satisfação d e necessidades d e alimentação, por
exemplo, ocorre e m graus muito diferentes entre países desenvolvidos e
países subdesenvolvidos; a l é m disso, é possível reconhecer q u e a satisfa­
ç ã o d e necessidades d e alimentação, por exemplo, q u a n d o suprida por
entidades governamentais o u não-governamentais, p o s s a ser regular, m a s
n ã o s e satisfaz a necessidade de habitação ou d e saúde, d o outro lado.
Ainda ma is grave é o fato de q u e os indicadores d a qualidade d e vida
d o ser h u m a n o n a face d a Terra t ê m apontado para u m a crescente exclu­
s ã o e marginalização d e porções c a d a vez maiores d e pessoas, especial­
m e n t e no d e n o m i n a d o Terceiro M u n d o . N ã o cabe, aqui, discutir as causas
d e s s e f e n ô m e n o propriamente, m a s sim tentar entender porque, apesar do
coro uníssono e m torno dos direitos h u m a n o s , a H u m a n i d a d e c a d a vez é
m e n o s h u m a n a nos se us pressupostos ma is elementares.
E s s e paradoxo aponta para algo mais sério, q u e é u m a apropriação
d o discurso h e g e m ô n i c o d o s direitos h u m a n o s e u m a insuficiência teórica
para responder a essas expectativas, o q u e deve ser revelado e descons-
truído.

02. D I S C U R S O H E G E M Ó N I C O D O S D I R E I T O S
HUMANOS EM DESCONSTRUÇÃO

A questão d o s direitos h u m a n o s t e m sido tratada, na é p o c a c o n t e m ­


porânea, c o m o u m problema d o Estado-nação e, assim, velcula-se c o m o
u m discurso estatocéntrico. E s s a idéia precisa ser resgatada para q u e se
p o s s a perceber c o m o a essência d o problema foi ofuscada pela forma de
velculação e, a seguir, substituída por outro conteúdo.
U m a d a s primeiras tentativas m o d e r n a s d e veicular as questões rela­
cionadas aos direitos h u m a n o s foi realizada n o bojo d o c h a m a d o jusnatu-
ralismo.
E s s a corrente d e p e n s a m e n t o pretendia, dentre outras coisas, assi­
milar o conceito d e direito a u m valor moral, ou, e m outras palavras, reco­
nhecer u m m í n i m o moral n o direito. Assim, e este é o ponto central d o inte­
resse, poder-se-ia reconhecer a existência d e u m conjunto m í n i m o d e valo­
res morais q u e deveriam ser incorporados e refletidos pelo direito. Eviden­
temente, muitas críticas foram dirigidas a es sa concepção, especialmente
n o tocante ao s e u fundamento. Atribuir os valores m í n i m o s universais a
u m a entidade divina o u m e s m o a u m a natureza h u m a n a n ã o se sustenta
fora d e u m a c o n c e p ç ã o p u r a m e n t e idealista.
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O valor d a proposta jusnaturalista, contudo, n ã o p o d e ser d e s m e r e ­


cido. E m b o a medida, foi urna importante tentativa de vincular a regulação
d e condutas sociais a a l g u m tipo d e parâmetro c o m u m a todas as socieda­
d e s e a todos os h o m e n s e, portanto, seria u m vetor para a idéia de u m
m í n i m o ético h u m a n o . E s s e a r g u m e n t o vaf ser reto m a d o mais adiante.
A corrente d e p e n s a m e n t o racional-positivista, por outro lado, atri­
buiu à razão h u m a n a a capacidade d e n ã o a p e n a s descrever e entender o
m u n d o , m a s t a m b é m d e dominá-lo e transformá-lo e m favor dos interesses
d o próprio h o m e m .
O m o v i m e n t o racional-iluminista, n e s s a esteira, formulou o grande
projeto d o h o m e m então n a Terra: a modernidade. U m grande discurso ou
metanarrativa q u e concebia a articulação d o s h o m e n s e m torno dos ideais
d e liberdade, igualdade e fraternidade, n a construção d e novas instituições
políticas, e c o n ô m i c a s e sociais, s e m p r e gu ia d o s pela razão sábia e
esclarecida.
N o plano político e jurídico, o Estado-nação é o grande paradigma
q u e emerge. A o m e s m o t e m p o e m q u e "salva" o h o m e m d o estado d e natu­
reza, o Leviafã aíirma critériospoUticos d e democracia (representativa) para
garantir q u e a liberdade q u e o h o m e m perdeu n o contrato social e m n o m e
d a sobrevivência n ã o seja utilizada contra ele m e s m o ; d e outro lado, o
Leviatã a s s u m e a regulação social d e forma exclusiva e retira, junto c o m a
liberdade, a possibilidade d e justiça privada, fundindo o ente político c o m o
ente jurídico. D a forma c o m o articulada, a engenharia d o Estado-nação
seria a ba se para garantir a sobrevivência d o h o m e m (direito e paz), sua
vida e m coletividade integrada (sociedade e cultura) e a satisfação d e suas
necessidades (economia e subsistência). D e u m a forma b e m esquemática,
essas s ã o as b a s e s para os m o d e r n o s afirmarem, naquele m o m e n t o , s e m
qualquer indício d e dúvida, q u e todos p o d e m ser iguais, livres e fraternos.
Weber, c o m perspicácia, logo a seguir mostrará q u e os m o d e r n o s
foram ingênuos. Vai expor o lado perverso d a razão, n a s u a maxi m i z a çã o
instrumental, e vai denunciar as "jaulas d e ferro”, m a s ele p o u c o foi ouvido.
Entretanto, o desenvolvimento d o Leviatã t a m b é m c o m o ente jurídi­
co, que, c o m o diz Weber, arvora-se no monopólio d a violência legítima (6),
vai deslocar para o Estado-nação todo o debate pertinente à regulação
social. A regulação, aqui, é q u a s e exclusivamente jurídica e, por certo, toda
estatal. Paralelamente, c a b e mencionar q u e o h o m e m m o d e r n o liberal, te­
m e r o s o d o absolutismo, vai se cercar d a s maiores garantias institucionais
possíveis para q u e o Leviatã n ã o saia d o controle d a sociedade e t a m b é m
n ã o ultrapasse os limites estreitos d a liberdade renunciada pelos indivídu­
os n o contrato o u pacto social originário.
O Estado, aqui, p a s s a a ser n ã o a p e n a s u m Estado d e Direito, no
sentido d e q u e incorpora a instância jurídica e garante s u a i m p l e m e n t a ­
ção, m a s t a m b é m Liberal, n o sentido d e q u e está limitado pelo indivíduo

(6) In: Weber, Max. "Economia y sociedad", p. 1.057.


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mediante inúmeros m e c a n i s m o s d e controle d e s u a atuação. A s idéias de


s e paração d e poderes, d e controle externo d e órgãos, d e tipicidade e ante­
rioridade penal, d e direito adquirido, d e ato jurídico perfeito, d e Inércia ju-
risdicronal, d e m a n d a t o s temporários a legisladores e, e m especial, d e di­
reitos fundamentais s ã o expressões ma is o u m e n o s claras d e ss e s propósi­
tos. É certo q u e es sa análise p o d e me re c e r a crítica d e n ã o ser historica­
m e n t e linear o u geograficamente contextualizada ou m e s m o d e q u e esses
institutos n ã o se destinam a a p e n a s es sa finalidade, m a s isso é s e c u n d á ­
rio, n a m e d i d a e m que, d e u m a forma o u d e outra, e m u m m o m e n t o históri­
co anterior o u posterior, vieram a formar o arsenal institucional c o n t e m p o ­
râneo q u e c o n h e c e m o s e vlvenciamos c o m o Estado-nação.
É nuclear, n a c o m p r e e n s ã o c o n t e m p o r â n e a d o Estado-nação, a fixa­
ç ã o d e ss e s parâmetros e m d o c u m e n t o s d e elevada Importância hierárqui­
ca, n o rm a l m e n t e escritos, e d e alteração muito limitada, q u e s e c o n h e c e m
por Constituição o u Lei Fundamentai, c o m o instituidores, fundantes, regu­
ladores e legitimadores d a a ç ã o d o Leviatã. O s direitos fundamentais são
elementos d e destaque n e ss e s documentos. Pode-se discutir a s u a ori­
g e m , s u a importância, s u a extensão e s u a conformação, m a s n ã o se p o d e
n egar a s u a presença cativa n a engenharia constitucional mode r n a . D e
u m a f o r m a mais o u m e n o s direta e mais o u m e n o s extensa, as Leis F u n d a ­
mentais positivas v ã o mencionar algo c o m o o direito à vida, liberdade, igual­
dade, dignidade e o dever d e respeito a eles e, usualmente, garantias para
s u a proteção n o ca so d e violação. N ã o interessa, aqui, o debate dessas
estruturas, m a s sim a constatação d e q u e os direitos fundamentais foram
constitucionalizados, pelo m e n o s contra ou perante o Estado. O s direitos
h u m a n o s , então, q u e antes receberam a crítica d e metafísicos, por oriundos
d e D e u s o u d e a l g u m outro f u nd a m e n to irracional, p a s s a r a m a ser raciona­
lizados dentro da estrutura jurídica, agora puramente nacional e constitucio­
nalizada.
E s s a transição d o s direitos h u m a n o s , e n t ã o naturais, pa ra a
positivação c o m o direitos fundamentais, é importante para se entender c o m o
todo o s e u discurso m o d e r n o é estatocêntrico.
Deve-se fazer a observação d e que, n e s s e ponto, o debate e m torno
d a definição d o s direitos h u m a n o s , c o m o maior ou m e n o r extensão dos
direitos fundamentais — q u e s e m p r e recebe multa atenção d o s juristas —
, é secundário por dois motivos. D e u m lado, porque se trata aqui d e u m a
idéia d e direitos h u m a n o s , e n ã o d e u m conceito jurídico-dogmático {o que,
c o m o se verá adiante, torna-se u m a desvantagem). D e outro lado, porque,
i n de p e n dentemente d a maior o u m e n o r superposição entre as idéias d e
direitos h u m a n o s e direitos fundamentais (que varia c o n f o r m e a exten­
s ã o d o conceito jurídico-dogmático adotado), é Inegável haver, no míni­
m o , u m a parcial identidade d e conteúdo, e eia justifica a sinonimia relativa
para es se efeito, consíderando-se especialmente s u a positivação constitu­
cional habitual.
C o m b a s e n a maior o u m e n o r positivação d o s direitos h u m a n o s e m
ordens nacionais, c o m e ç a r a m a surgir-se n ã o historicamente, pelo m e n o s
logicamente — os problemas d e s u a implementação. A l g u m a s idéias d e ­
m o n s t r a m isso.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 85

É evidente que, s e u m a determinada o r d e m nacional reconhece u m


n ú m e r o maior o u u m a extensão maior d e direitos fundamentais e m e s m o
d e su as garantias, comparativamente c o m outra o r d e m nacional, h á u m
suposição razoável n o senso c o m u m d e q u e seja melhor q u e a outra e,
pois, q u e p o s s a ser motivo de imigração. T a m b é m é lógico que, n a política
internacional, a existência a u m a o r d e m nacional n a qual os direitos h u m a ­
nos estejam e m p a t a m a r mais elevado passa a ser u m no vo referencial
para o debate político e, pois, estimula a tendência d e alterar outros siste­
m a s jurídicos, especialmente se aqueia o r d e m exercer u m papel de poder
sobre as demais, c o m o representar u m a grande potência, por exemplo.
N e s s a esteira, t a m b é m se admite a idéia d e q u e u m a o r d e m política q u e
valorize os direitos h u m a n o s p o s s a ser tida c o m o superior e, nesse senti­
do, c o m o depositária d e valores h u m a n o s mais significativos e, ainda, c o m o
legitimada para a extensão d e s s e padrão a outros povos, e m n o m e dos
m e s m o s valores h u m a n o s q u e institui. Isso n ã o é a p e n a s político o u jurídi­
co, m a s t a m b é m especialmente cultural, sociológico e, hoje, econômico.
N ã o é por outra razão q u e u m a releitura d o s principais d o c u m e n t o s
históricos e m torno d o s direitos h u m a n o s evidencia s e r e m u m a projeção
d e valores nacionais q u e g a n h a m precedência e m a l g u m e m b a t e histórico.
A Declaração Universal d o s Direitos H u m a n o s {1948} é ex em p l o claro.
Por outro lado, todo o debate m o d e r n o e c o n t e m p o r â n e o e m torno
d e s s e t e m a é levado a c a b o por Estados e Organizações Internacionais
Intergovernamentais. H á inúmeros d o c u m e n t o s c o nt e m p o râ n e o s q u e afir­
m a m e reafirmam a importância d o s direitos h u m a n o s e b u s c a m c a d a vez
mais instituir m e c a n i s m o s d e prevenção e repressão a su as violações171.
T a m b é m h á Organizações Internacionais N ã o- G overnamentais q u e a t u a m
d e f orma importante n esse cenário181; e m b o r a raramente s e j a m reconheci­
d a s c o m o sujeitos d e direito internacional público, seu maior papel é a in­
vestigação e denúncia d o s fatos à opinião pública mundial, d e m a n d a n d o
mobilização política.
A p e s a r d o aparente c o n s e n s o e m torno d o tema, d e todos os d o c u ­
m e n t o s jurídicos e políticos firmados e d o elevado n ú m e r o d e entidades
envolvidas, continua presente a pergunta inicial sobre o motivo pelo qual
os direitos h u m a n o s ainda n ã o p o d e m respeitados e garantidos. A ideolo­
gia, c o m o se verá, exerce u m papel importante na resposta.

02.01. F u n d a m e n t o jurídico-político estatocêntrico

O discurso h e g e m ô n i c o dos direitos h u m a n o s está diretamente vin­


culado c o m o Estado-nação, c o m o ator central d a s práticas internacionais
d a modernidade, e, assim, apresenta u m f undamento jurídico-político niti­
d a m e n t e d e b a s e estatal n a visão neoliberal d e seu exercício. E s s a con- 78

(7) N e s s e sentido, por exemplo, a importância d o Estatuto de Floma d a Corte Penal internacional,
d e 1998.
(8) C o m o Cr uz Vermelha o u Anistia Internacional, por exemplo.
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c e pç ã o Implica o reconhecimento d e du as características importantes desse


discurso q u e subsistem e são incorporadas às práticas c o nt e m p o râ n e a s
d e forma p o u c o crítica c o m o dois m o m e n t o s distintos d e apropriação.
O primeiro é a referida construção político-jurídica m o d e r n a q u e es­
tabeleceu as garantias d o indivíduo frente a o Estado, convertendo valores
h u m a n o s e m estruturas jurídicas p u ramente formais, n a equivocada pres­
suposição d e q u e todos f o ss e m materialmente iguais, livres e solidários,
o u d e q u e o mercado, c o m u m a “m ã o invisível”, regulasse tudo; c o m isso,
os direitos fundamentais s ã o direitos a p e n a s formais e perante o Estado,
c o m o único devedor.
O segundo, é a retirada d o Estado d e s e u s m e i o s d e intervenção no
m e r c a d o e n a sociedade para orientar os benefícios d a atividade e c o n ô ­
mi ca e m favor d a maioria d a população; c o m isso, o debate e m torno de
n e c e s s i d a d e s h u m a n a s n ã o é ma is u m d e ba t e e c o n ô m i c o (porque a
disfunção n ã o é culpa d o mercado, q u e de ve ser livre e s e “auto-regula”),
o u social (porque a referência é p u r a m e n t e nacional, e n ã o s e p o d e m
c o m p a r a r sistemas nacionais d e valores diferentes) o u político (porque
as instâncias internas d e d e mo c r a c ia representativa já e s g o t a r a m s u a
atividade, instituindo as n o r m a s jurídicas d e regulação social), m a s pura­
m e n t e jurídico-formal.

2.2. Apropriação neoliberal d o discurso d o s direitos h u m a n o s


A ideologia exerce u m papel significativo n a c o n d u ç ã o d e s s e debate.
É inequívoco q u e a satisfação d a s necessidades elementares h u m a n a s —
c o m o alimentação, saúde, abrigo, etc. — pressupõe u m debate q u e envol­
va n ã o a p e n a s a d i m e n s ã o jurídica, m a s t a m b é m a social, e c o n ô m i c a e
política. Entretanto, a conversão d e s s a questão d e satisfação d e necessi­
d a d e s h u m a n a s básicas e m u m problema p u ramente jurídico (sob o rótulo
d e "direitos h u m a n o s ”) parece ser fruto d e u m a apropriação neoliberal do
discurso e m vários aspectos.
E s s a apropriação pela ideologia neoliberal poderia ser entendida c o m o
algo positivo, n o sentido d e q u e seria mais u m elemento para a p r o m o ç ã o
d o debate e defesa d o s direitos h u m a n o s , independentemente d o funda­
m e n t o ser liberal ou não. A questão, contudo, é q u e a ideologia neoliberal
provoca distorção no discurso dos direitos h u m a n o s e d e s c o m p a s s o c o m a
s u a prática.
Identificam-se três d i m e n s õ e s d e s s a apropriação d o discurso, por
m e c a n i s m o s institucionalizados, nas quais s e opera u m a grande deformi­
d a d e entre s u a essência e o debate neoliberal contemporâneo.

2.2.1. M e c a n i s m o s Institucionalizados
(a) Pela forma (jurídictzada)
E m primeiro lugar, pode-se falar d e u m a apropriação pela forma. Es sa
idéia, aqui, é t o m a d a c o m o o m e c a n i s m o d e veiculação d a problemática
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d o s direitos h u m a n o s . P o d e parecer u m truísmo dizer os direitos h u m a n o s


s ã o veiculados pelos m eios jurídicos, m a s n ã o precisa ser n e ce s sariamen­
te assim.
E m realidade, operou-se u m a apropriação d a forma política e social
d e veicuiação dessas questões relativas às necessidades h u m a n a s por u m a
forma jurídica, isto é: n ã o há qualquer imperativo lógico d e se discutir a
vida, a liberdade, a s a ú d e e outras necessidades h u m a n a s a p e n a s m e d i ­
ante o direito. É certo q u e o direito é u m me io d e regulação d a s condutas
sociais, m a s n ã o é o único e, mais além, n ã o p o d e pretender incorporar
todos os valores sociais e políticos do debate dessas necessidades s i m ­
plesmente porque s u a estrutura n ã o t e m capacidade d e acomodá-los. Isso,
porém, n ã o parece algo casual.
A estrutura normativa dessa apropriação jurídica é explicitada por
Galtung c o m ba se e m u m a tríade de posições permanentes, envolvendo
u m "transmissor”, u m "receptor” e u m “objeto". O transmissor é a p e s s o a ou
ente q u e constitui s e u f u nd a m e n to d e legitimidade, p o d e n d o ser, conforme
c a d a m o m e n t o histórico, Deus, o u u m a instituição (mundial, regional ou
nacional) o u m e s m o indivíduos; o receptor é o responsável pela i m p l e m e n ­
tação e garantia desses direitos, p o d e n d o ser entes t a m b é m variados; e o
objeto, porém, c o m o destinatário e beneficiário d e s s a proteção, é sempre
o indivíduo (9>.
A conversão d o debate e m torno de satisfação d e necessidades h u ­
m a n a s elementares e m u m problema jurídico é u m a idéia q u e se operou
c o m a modernidade. N ã o se quer dizer, c o m isso, q u e o direito é a pior
forma d e veicuiação, o u q u e as pessoas d e v a m saíisfazersuas necessida­
des básicas por m e c a n i s m o s medievais. Pretende-se a p e n a s alertar q u e a
racionalização instrumental jurídica excessiva e exclusiva d o debate das
necessidades básicas h u m a n a s pelo direito provoca alienação e desfoca o
problema.
A o arvorar-se e m único senhor d a regulação social e ao fazê-io atra­
vés d o direito, o Estado-nação separou a idéia d e valor d o h o m e m d a idéia
d e satisfação d e su as necessidades e, assim, conferiu u m poder-faculdade
limitado e m e s pa ç o (nacional apenas) e e m conteúdo (jurídico apenas) para
s u a discussão. Por isso, as necessidades h u m a n a s , n esse discurso, não
s ã o aquelas que o homem naturalmenfe precisa para viver e sobreviver
c o m dignidade, m a s a p e n a s e tão-somente aquelas q u e s u a o r d e m jurídi­
co-positiva nacional assim o define (se é q u e ela define algo), s e m referên­
cia a outros valores o u m e s m o a outros indivíduos d e outros espaços. E,
mais d o q u e isso, t ê m usualmente o Estado c o m o destinatário d e u m dever
correlato, que, e m regra, é u m a limitação d e s e u agir.
Logo, e por exemplo, n a c o m p a r a ç ã o entre o leque d e direitos h u m a ­
nos reconhecidos n o o r de n a m e nt o a l e m ã o c o nt e m p o r â n e o e o leque de
direitos h u m a n o s reconhecidos n o o r d e n a m e n t o timorense, n ã o pairam
dúvidas d e q u e h á maior n ú m e r o d e direitos e d e garantias no primeiro9

(9) O p . cit; ver pp. 93-7, especialmente quadro d a p. 95.


88 REVISTA D O T R T D A 15* R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

caso. !sso s e m considerar o fato d e q u e o n o v o Estado (a partir d e sua


independência) n ã o teve o r d e m constitucional formal por u m b o m t e m p o e,
assim, n ã o teria direitos fundamentais. Daí, e e m b o r a o ser h u m a n o do
T i m o r Leste seja tão h u m a n o — igual, livre e fraterno, d izem os m o d e r n o s
— quanto o ser h u m a n o d a A l e m a n h a , este vale mais q u e aquele. A s n e ­
cessidades elementares d e a m b o s s ã o as m e s m a s , m a s os direitos nacio­
nais tratam c o m o se n ã o fossem. Por isso, a justificada aporia d e dizer q u e
o s “direitos h u m a n o s d e u n s s ã o melhores q u e o s direitos h u m a n o s d e
outros". Isso, evidentemente, viola os princípios éticos mais elementares
d a própria condição h u m a n a , supranacional e m e s m o a-histórica.
N o fundo, esse reducionismo neoliberal d e limitar a extensão d o d e ­
bate sobre as necessidades elementares h u m a n a s a p e n a s à d i m e n s ã o d o
direito t e m implicações catastróficas para s u a tutela. E s s e a r g u m e n t o reve­
la-se c o m força n a alienação q u e o debate desfocado a c a b a tomando, na
m e d i d a e m q u e n ã o se discutem os fatores sociais, políticos e e c o n ô m i c o s
q u e c a u s a m e ssas disfunções d e distribuição d o s b e n s para a satisfação
d a s necessidades h u m a n a s , m a s a p e n a s os jurídicos, e isso n ã o basta.

(b) Pelo conteúdo (limitado)


E m s e g u n d o lugar, pode-se falar e m u m a apropriação pelo conteúdo.
C o m es sa idéia, pretende-se a rgumentar q u e é valorizado n o discurso
neoliberal a p e n a s a l g u m aspecto d a problemática c o m o u m todo, omitindo-
se os d e ma i s aspectos, por vezes d e importância muito superior. Isso p o d e
ser d e m o n s t r a d o frente a o s princípios d a igualdade, d a liberdade e da
fraternidade, legados pelos modernos.
A o se falar e m direito de igualdade, por exemplo, t o m a n d o c o m o p o n ­
to d e partida a questão racial, invoca-se a d i m e n s ã o p u ra m e n t e forma! da
igualdade, c o m o se, por si só, a afirmação d e q u e brancos e negros são
iguais t a m b é m significasse a igualdade material o u d e m e i o s d e acesso
para a m b o s ou q u e a discriminação simplesmente desapareceu. O m e s m o
ocorre c o m a suposta igualdade entre os povos: se todos, d e fato, fossem
efetivamente iguais, n a d a poderia moral o u eticamente impedir a l g u é m do
Terceiro M u n d o a muda r - s e para o Primeiro M u nd o , s e m precisar d e m o n s ­
trar n o ó rgão d e imigração q u e p o s s u a renda o u trabalho o u q u e satisfaça
a l g u m outro requisito d e capacidade e c o n ô m i c a n a proporção d e se us n a ­
cionais. A igualdade, aqui, n ã o p o d e ser t o m a d a a p e n a s c o m o sinônimo de
isonomia política o u social ideal, m a s sim d e oportunidades materialmente
consideradas.
A liberdade, n esse sentido, t a m b é m é vista a p e n a s n a d i m e n s ã o p u ­
ramente liberal o u negativa, d e ausência d e impedimento o u obstáculo por
parte d o Estado'101. N ã o custa dizer q u e a p e n a s a liberdade negativa é in­
suficiente para realizar a liberdade c o m o valor, porque todos s ã o "livres”
teoricamente para co mp r a r o aiimento (no sentido d e q u e o Estado n ã o o 10

(10) S o b r e essa idéia, ver: Alexy, Robert. “Teoria d e los derechos fundamentales", pp. 340-1, por
exemplo.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 69

impede), e m b o r a n e m todos p o s s u a m m eios materiais {dinheiro) para isso;


é indispensável t a m b é m , pois, a liberdade positiva, c o m o conjunto d e ações
para assegurar a concretização d a liberdade, c o m o atuação d o Estado, e m
especial. Mais d o q u e isso: se todos s ã o livres, n ã o h á f u nd a m e n to ético ou
moral para q u e u m determinado Estado limite a imigração d e determinadas
pe ss o a s por razões de insuficiência e c o n ô m i c a ou d e profissão religiosa, e
é e x aiamente isso q u e mais se percebe, especialmente n o Primeiro M u n ­
do. N e s s e contexto, a liberdade a c a b a se resumindo a u m a espécie de
liberdade negativa universal d e n ã o ser impedido d e beber Coca-Cola, ain­
d a q u e n ã o se tenha a liberdade positiva para ter m eios d e adquiri-la ou
m e s m o d e ter moradia e s a ú d e <1’>. E s s a questão é particularmente impor­
tante, porque o direito d e liberdade é u m dos mais propalados, m a s é e x a ­
tamente u m d o s q u e m e n o s se realiza materialmente.
A solidariedade, n o discurso neoliberal, é ainda mais esvaziada. O
mais próximo q u e se c h e g a d e u m a idéia d e fraternidade é a d o a ç ã o t e m ­
porária d e víveres o u m e d i c a m e n t o s durante a l g u m extraordinário evento
d e c o m o ç ã o pública. É u m a forma duplamente hipócrita d e discurso: d e u m
lado, é a p e n a s u m paliativo transitório para se us efeitos, durando, normal­
mente, tanto t e m p o quanto a mídia internacional der atenção a o tema; de
outro lado, n ã o ataca as causas reais d o problema (desemprego, desigual­
d a d e social, etc.), porque acabaria tendo d e assumir a responsabilidade
necessária pelo profundo descompasso entre o discurso de crescimento
e c o n ô m i c o mundial e a prática d o s medievalismos sociais e econômicos.
S e todos s ã o irmãos e compartilham a m e s m a existência, n ã o se c o m p r e ­
e n d e c o m o o discurso d e direitos h u m a n o s n ã o aponte para tutela e inclu­
são, no Primeiro M u n d o , d o s im en s o s bolsões d e pobreza e indignidade do
resto d o m u n d o . A l é m disso, e a o m e s m o t e m p o e m q u e es se discurso se
veicula, d e u m lado, c o m o u m a “responsabilidade social" o u “solidariedade
social” d e e m p r e s a s n a d o a ç ã o d e víveres para realizar esses direitos h u ­
m a n o s de solidariedade, d e outro lado essas m e s m a s e m p r e s a s desres­
peitam direitos h u m a n o s ecológicos e d a dignidade d o trabalho, e m escala
por v ezes global.

(c) Pelo procedimento (seletivo)


E m terceiro lugar, pode-se falar e m u m a apropriação pelo procedi­
mento. N este tópico, tem-se e m vista a sistemática seleção d a s oportuni­
d a d e s d e aplicação d o discurso. O m é t o d o n ã o é a universalização d o dis­
curso d o s direitos h u m a n o s { m e s m o limitado, c o m o referido), m a s sim s u a
aplicação a c asos pontuais, por interesses b e m visíveis.
Utilizar o discurso dos direitos h u m a n o s c o m o ferramenta política no
cenário internacional para mobilizar a r m a s e recursos contra u m determi­
n a d o Estado-nação (sob u m pretexto d e intolerância religiosa, por e x e m ­
plo) q u e monopoliza reservas petrolíferas q u e se avizinham c o m o potencial­
m e n t e fechadas {por deliberada não-exploração para forçar a alta d o preço
d o petróleo, por exemplo, muito sensível a o d ependente Primeiro M u n d o ) é 1

(11) Para crítica similar, ver: T ugendhat, Ernst. "Lições sobre ética", pp. 387-8.
90 REVISTA D O T R T D A 15» REG I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

muito ma is usual d o q u e utilizar o m a s m o discurso para proporcionar ali­


mentos, moradia e s a ú d e dignas para Estados d a Africa central q u e n ã o
p o s s u e m reservas petrolíferas o u qualquer outro b e m e c o n ô m i c o apreciá­
vel. D a m e s m a forma, é raro usar esse discurso contra países d o Primeiro
M u n d o que, e m b o r a s e vangloriem d e garantir a liberdade e a igualdade,
a d m i t e m e toleram situações d e indignidade h u m a n a nas su as maiores ci­
dades, ou m e s m o contra países q u e s ã o grandes e promissores m e r c a d o s
econômicos*121. C o m o regra, o discurso neoliberal d e direitos h u m a n o s t e m
s u a eficácia e m relação diretamente proporcional c o m a força e c o n ô m i c a
(e militar) d e q u e m o sustenta e, n ã o raro, é u m instrumento eficaz d e polí­
tica e c o n ô m i c a internacional.

2.2.2. Limites d a apropriação


N ã o p o d e haver dúvidas de que, c o m a c o m b i n a ç ã o d a s três d i m e n ­
s õ e s d e apropriação d o discurso d e direitos h u m a n o s pela ideologia
neoliberal, há u m a substancial distorção d o seu enfoque e, por si só, u m
reducionismo expressivo.
Isso traz a o debate três questões q u e e m e r g e m pela apropriação: a
questão d o reducionismo estrutural, a questão dogmático-formal e a q u e s ­
tão filosófico-sociológica. C a b e s u a análise tie forma individualizada.

(a) Questão do reducionismo estrutural


C a d a vez ma is o problema d a satisfação d a s necessidades h u m a n a s
elementares e d e se us valores mí ni m o s perde identidade c o m o discurso
h e g e m ô n i c o d o s direitos h u m a n o s . O s direitos h u m a n o s , pela s u a estrutu­
ra jurídica redutora d e formulação e velculação, a p re s e n t am a tendência
d e se distanciar d o s e u objetivo central e f u nd a m e n to último: realizar as
necessidades d o ser h u ma n o .
A l é m d e s s a limitação, q u e é estrutural e resulta d a apropriação do
discurso, h á pelo m e n o s outras du as limitações, próprias d e s u a veiculação
a p e n a s n a d i m e n s ã o jurídica.

(b) Questão dogmático-formal


U m a primeira limitação p o d e ser d e n o m i n a d a d e dogmático-formal.
C o m isso, pretende-se levantar o problema d a ausência d e coerção no di­
reito internacional público.
Independentemente d e se definir o contorno mais o u m e n o s preciso
d o problema, há q u e se reconhecer u m m í n i m o d e o r d e m n o cenário inter­
nacional, a o ponto de se poder falar, hoje, n ã o a p e n a s d e u m a sociedade 12

(12) E s s e exemplo lembra a relação entre os E U A e a República Popular d a China, por conta da
massiva e escandalosa violação dos direitos h u m a n o s n o evento d e n o m i n a d o d e "Massacre da
Praça d a Pa z Celestial" e m e s m o d o sistema penal q u e prevê trabalhos forçados, p e n a d e morte
e deficiente sistema d e garantias ao acusado. A p ó s a possibilidade d e instalação d e unidades de
e m p r e s a s americanas e m parte do seu território e da abertura a se us produtos, o discurso de
respeito ao s direitos h u m a n o s cedeu espaço a o discurso d e livre mercado.
E S T U O O MULTÍDISCIPLINAR 9?

internacional, m a s sim d e u m a sociedade global. E s s a ordem, por certo, é


proporcionada por razões econômicas, sociológicas e políticas, m a s t a m ­
b é m graças a o direito internacional.
Entretanto, e se s ã o notáveis a e x p a n s ã o e a importância d o direito
internacional público na regulação d a s condutas d a sociedade internacio­
nal, n ã o é m e n o s perceptível q u e s e u problema mais conhecido p e r m a n e ­
ça s e m solução e, a o q u e parece, tornando-se ainda mais complexo. A o
contrário d o direito interno nacional, n o qual o Estado d e t é m o monopólio
d a violência legítima, o direito internacional público n ã o c o n h e c e instância
o u organismo supranacional q u e o detenha. A l g u m a s experiências têm-se
revelado exitosas, c o m o o ca so d a União Européia, m a s n ã o d e ix a m d e ser
localmente limitadas e muito peculiares e m origem e conformação. Está-se
muito longe, e parece c a d a vez mais longe, d e algo c o m o a "Federação d a
P a z ” q u e Kant sugeria a3).
Pode-se contra-argumentar q u e o direito n ã o d e p e n d e necessaria­
m e n t e d e s a n ç ã o e q u e o cumprimento espontâneo d e n o r m a s d e regulação
jurídica é a regra; contudo, pode-se responder que, d e u m lado, a ausência
d e u m “Leviatã d o s Leviatãs” é u m estímulo para o de sc u m p r im e n t o e que,
de outro lado, n a s u a ocorrência, volta a prevalecer a lei d o ma is forte,
c o m o se n ã o h o u v e s s e direito, o q u e por si só já desacredita qualquer sis­
tema. Isso é d e mo n s t r ad o c o m o d e scumprimento d e resoluções d a O r g a ­
nização d a s N a ç õ e s Unidas por países c o m o os Estados Unidos e Israel,
por exemplo.
C a b e argumentar ainda q u e esse problema tende a se agravar por
c a u s a d a globalização neoliberal e m curso. D e fato, e n a m e d i d a e m q u e se
globalizou a p e n a s a d i m e n s ã o e c o n ô m i c a (e, dentro dela, especialmente a
financeira), m a s n ã o s e globalizaram n a m e s m a proporção as d i m e n s õ e s
sociais, políticas e jurídicas, as forças e c on ô m i c as estão livres d e qualquer
controle efetivo. Pretende-se dizer c o m isso que, n ã o h a v e n d o instâncias
sociais, políticas e jurídicas suficientemente globais para fiscalizar, orien­
tar e controlar as e m pr e s a s transnaclonais — os grandes atores internacio­
nais contemporâneos, c o m faturamento superior a o PfB d e d e z e n a s de
Estados ('4> — , s u a conduta perde qualquer referencialldade c o m valores
locais, regionais o u nacionais. Logo, suas violações a direitos f u n d a m e n ­
tais (especialmente sociais e ambientais) e m âmbito supranacional não
p o d e m ser identificadas e punidas e m termos amplos, m a s a p e n a s eventual
e pontualmente, s e g u n d o os limites d e c a d a o r de n a m e n t o nacional, e, ain­
d a assim, sujeitando-se ao e m b a t e c o m s e u poder e c o n ô m i c o colossal.
Os mais recentes d o c u m e n t o s jurídicos sobre a prevenção e repres­
s ã o d e ss a s violações ainda s ã o limitados e m conteúdo os>, d e instrumenta- 1345

(13) In: K A N T , I w m a n u e l “À paz perpétua e outros opúsculos", p, 119 e ss.


(14) So bre a di men sã o desses dados, ver, por exemplo: C h e s n a i s , François ."A mundiallzaçãodo
capitar, p. 74,
(15) Corte Penal Internacional, por exemplo: p u n e pessoas, e nã o Estados; h á diversas possibili­
d a d e s d e auto-imunidade ou de paralisação pelo Conselho de Segur an ça Pe rma ne nte d a O N U , e
o s tipos sã o limitados; ainda há o debate de qu e alguns países, c o m o o s E U A , nã o se disporiam
a colaborar para nã o sujeitar seus nacionais.
92 REVISTA D O T R T D A 15a REGI Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

ç ã o deficiente e d e aplicação c o m s a n ç õ e s simbólicas, p u ra m e n t e sociais


o u políticas. N e s s e sentido, a veiculação d a problemática d o s direitos h u ­
m a n o s por m e c a n i s m o s a p e n a s jurídicos esbarra, dentre outros proble­
ma s, n a falta d e c o a ç ã o d o direito internacional público para s u a imple­
mentação.

(c) Questão filosófico-sociológica


U m a s e g u n d a limitação p o d e ser d e n o m i n a d a d e fiiosófico-sociológi-
ca. C o m ela, pretendem-se expor a l g u m a s questões vinculadas à amplitu­
d e e à s repercussões d e s s e f e n ô m e n o pela atuação d o direito. O problema
d o universalismo d o discurso jurídico neoliberal de direitos h u m a n o s t a m ­
b é m é bastante c o m p l e x o porque e x p õ e o t e m a a outras d i m e n s õ e s do
conh e c i m en t o e enfrenta debates delicados.
Pode-se argumentar que, pelo fato d e os seres h u m a n o s s e r e m iguais
nos se us valores d e humanidade, n o sentido de q u e p o s s u e m necessida­
d e s iguais d e subsistência, eles deveriam receber tratamento igual pelo
direito. Assim, os direitos h u m a n o s d e uns deveriam ter tanta juridicidade,
e m conteúdo e e m instrumental, quanto o s direitos h u m a n o s d e outros.
Isso p o d e até parecer óbvio e m u m a primeira leitura. Contudo, o direito
isoladamente n ã o t e m capacidade para enfrentar debates q u e ocorrem e m
outras d i m e n s õ e s e q u e s e manifestam nessas questões d o s vaiores o u
d a s necessidades h u m a n a s mínimas.
V e j a m o s dois exemplos, abstraindo sobre a existência o u n ã o d e qual­
quer n o r m a jurídica prévia sobre o fato. E m u m primeiro caso, t e m o s a
mutilação d e m e m b r o s d e civis d e s a r m a d o s por grupos militares pelo s i m ­
ples fato d e s e r e m d e u m a etnia diferente a ser eliminada (alguns aspectos
d o s conflitos entre sérvios, bosnios e croatas ou entre tutsis e hutus p o d e m
ser imaginados nesse âmbito); e m u m s e g u n d o caso, t e m o s a mutilação de
m e m b r o s d e indivíduos d e determinada religião pela inobservância d e pre­
ceitos religiosos (alguns aspectos d a prática d o fundamentalísmo islâmico
p o d e m ser imaginados aqui). N o primeiro, n ã o h á dúvida d e que, d e u m a
forma geral, es sa conduta viola o valor mais elementar d a dignidade d o ser
h u m a n o e, assim, p o u c a divergência haveria sobre u m a ofensa a u m direito
h u m a n o , independentemente d e c o m o estivesse prevista (se, n o ca so da
Sérvia, havia u m a n o r m a internacional anterior, o u não, c o m o n o c a s o d e
Nüremberg). N o segundo, porém, n ã o faltarão vozes para sustentar q u e
aquele indivíduo pertence a u m a cultura n a qual os valores transcendentes
s ã o m a i s importantes e, assim, a punição por flagelação s e justifica, n ã o
h a v e n d o u m a ofensa a qualquer direito h u m a n o .
C o m o s e observa, a problemática d o s valores n o t e m a d o s direitos
h u m a n o s rapidamente e m e r g e e t o ma a forma d e u m debate de
multiculturalismo. Aqui, o discurso dos direitos h u m a n o s enfrenta u m d e b a ­
te cultural d e contornos p o u c o claros, n o qual se invoca, d e u m lado, u m a
tentativa d e ocidentalização d o m u n d o ou de imperialismo cultural e, de
outro lado, u m a universalização d e particularismos jurídicos. Pode-se s u s ­
tentar o a r g u m e n t o q u e o m u n d o ocidental possui tecnologias ma is d e ­
E S T U D O MULTJDISCJPLJNAR 93

senvolvidas e e c o n o m i a s mais complexas; entretanto, n ã o h á c o m o s u s ­


tentar c o m es sa m e s m a convicção q u e seus valores s ã o melhores e, por­
tanto, d e v e m prevalecer. Ma is além, existe a crescente perspectiva d e que
a imposição d e valores ocidentais a outras regiões seja motivada por q u e s ­
tões econômicas, n a idéia d e "criar” novos m e r c a d o s pela introdução de
sistemas d e valores q u e r e o r d e n e m as necessidades h u m a n a s e, assim,
criem novos consumidores potenciais.
A integridade filosófica e sociológica d o ser h u m a n o é abolida pela
fragmentação d a racionalidade e m múltiplas instâncias (às vezes até c o n ­
traditórias), d a s quais a d o c onsumidor é u m a d a s mais valorizadas. Impera
o politeísmo d e valores irredutíveis.
E m situações nas quais os padrões civilizatórios ocidentais se i m p u ­
seram, n ã o raro surgiram outros problemas. E x e m p l o d e s s e fato é b e m d e ­
monstrado n o ca so d a ablação feminina que, depois d e pressão política e
e c o n ô m i c a d a c o m u n i d a d e internacional, foi v e d a d a e m alguns sistemas
nacionais, m a s s u a v e d a ç ã o impedia as mulheres d e ingressar n a idade
adulta, d e se integrarem socialmente e, assim, levou a altos índices de
suicídio feminino. E difícil sustentar, d o ponto d e vista p u r a m e n t e racional,
qual f u nd a m e n to filosófico-sociológico é melhor ou hierarquicamente s u ­
perior em um politeísmo d e valores.
Observa-se q u e aqui n ã o s e pretende discutir o mérito ou n ã o d e u m
sistema cultural ocidental perante o oriental ou m e s m o a validade ou não
d e ss e s juízos. Alerta-se a p e n a s q u e o direito n ã o t e m condições de, c o m
seu instrumental, isoladamente discutir os valores dos sistemas sociais,
políticos e e c o n ô m i c o s distintos. Por isso, o risco d e universalização de
particularismos jurídicos, m e s m o d o discurso d e direitos h u m a n o s , é a c e n ­
tuado.
Até este m o m e n t o , pretendeu-se mostrar o p a n o r a m a atual d o discur­
so d o s direitos h u m a n o s , c o m s u a apropriação pela ideologia neoliberal e
se us problemas e, no conjunto, s e u papei alienante frente a o núcleo de
vaiores das necessidades h u m a n a s fundamentais.

2.3. A necessi dade d e u m a n o v a hermenêutica d o s direitos


humanos
O reconhecimento das inúmeras limitações d o discurso c o n t e m p o r â ­
n e o d o s direitos h u m a n o s c o n d u z à busca d e u m a no va hermenêutica fun­
d a d a e m u m m í n i m o ético. Para isso, deve-se voltar os olhos para a estru­
tura e a funcionalidade das sociedades contemporâneas.
A vivência e m sociedade d e p e n d e d o desenvolvimento e d a integra­
ç ã o d a s capacidades convivíais d o indivíduo, nelas c o m p r e e n d i d a s não
a p e n a s a capacidade gerai para socialização, m a s t a m b é m as capacida­
d e s para d e s e m p e n h o d e habilidades (corporais, instrumentais o u d e pro­
dução, técnicas e papéis sociais). O a s se g uramento d o desenvolvimento
d e ss a s capacidades pelo direito é o objetivo do m í n i m o ético.
94 REVÍSTA D O T R T D A 15» R E G I Ã O — N. 2A — JUNHO, 2004

D i z e m Arruda Jr. e Gonçalves q u e “...só p o d e h aver circulação


¡ntersubjetiva e, portanto, o desenvolvimento d o c o mp r o m i s s o recíproco en­
treos indivíduos com a cooperação, se, e s o m e n t e se, as condições materi­
ais e espirituais d e integração à mutualidade d e u m a c o m u n i d a d e oferece­
r e m chances reaise a c e n a r e m c o m vantagens efetivas para u m sujeito deci­
dirpor auto-representar-se e socialmente apresentar-se c o m o alguém q u e
aceita ser exigido c o m o m e m b r o daquela sociedade” (,6>.A l é m disso, a possi­
bilidade d e q u e os m e m b r o s d a c o m u n i d a d e identifiquem-se e sintam-se vin­
culados às estruturas sociais d e p e n d e d a garantia d e padrões materiais m í ­
n imos d e s u a subjetivação. E prosseguem: “esse m í ni m o material é m e s m o
u m mínimo ético, elaborado c o m o u m mínimo d e sociedade n a qual é possí­
vel haver coisas c o m o o próprio direito"í,7). Es se m í ni m o ético corresponde
às estruturas fundamentais d e relacionamento e interação d a sociedade e,
assim, está sob o politeísmo d e valores contemporâneo.
Busca-se, c o m isso, introduzir u m referencial d e caráter d e eficácia no
discurso jurídico, o qual demonstra a insuficiência d e u m m o de l o d e igualda­
des puramente formal e d e espaços d e representação artificiais, n o s quais
n ã o h á qualquer v a n t a g e m e m ser integrado; o próprio sistema, e m verdade,
admite operar c o m exclusão d a imensa maioria e pretende subsistir a d e s ­
peito d a subsistência dela. A s limitações d a defesa dos direitos h u m a n o s
s ã o perceptíveis, porque “....nem a universalidade d e s u a d i m e n s ã o moral,
n e m a pura positividade d e sua qualificação jurídica são suficientes para
tornar os direitos h u m a n o s efetivamente garantidos e implementados” (,8).
A s u a concretização, n a sociedade, pressupõe “...práticas efetivantes
desenvolvidas n o s âmbitos dos cidadãos-juristas e dos juristas-cidadãos,
a m b o s responsáveis pela afirmação e ampliação d e novos c o n s e n s o s c o m
vistas à i m pl e mentação d e u m no vo projeto h e g e m ô n i c o " 091. Isso é o reco­
nhecimento d e q u e as desigualdades e m categorias elementares d a s n e ­
cessidades h u m a n a s n ã o deco r r e m a p e n a s d a aç ão o u o m i s s ã o d o Estado
o u d a sociedade, m a s d e u m conjunto d e estruturas q u e n ã o perm i t e m a
e m an c i p a ç ã o d a s potencialidades h u m a n a s mais importantes, especialmen­
te n o s países d e m o de r n i d a d e periférica. E m síntese, c a b e aos juristas-
cidadãos e a o s cidadãos-juristas i m pl e mentarem a teoria d o m í n i m o ético
c o m o b a s e para u m a nova hermenêutica d o s direitos h u ma n o s .

3. C O N T R A - D I S C U R S O D O S D I R E I T O S H U M A N O S
EM CONSTRUÇÃO

Agora, e e m primeiro m o m e n t o , deve-se reunir o conjunto d e críticas


a o discurso dos direitos h u m a n o s para identificar as fragilidades d e sua 61789

(16) In: A r r u d a Jr., E d m u n d o U m a de : G o n ç a l v e s , M a r c u s Fabiano. “F u n d a m e n t a ç ã o ética e her­


menêutica: alternativas para o direito', p. 91, grilos d o original,
(17) I d e m , p. 96.
(18) I d e m , p. 167.
(19) I d e m , ibidem.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 95

a b o r d a g e m . E m s e g u n d o m o m e n t o , p o d e m - s e elencar alternativas a esse


sistema d e definição e proteção d o s direitos h u m a n o s e estabelecer u m
debate entre s e u s limites e possibilidades.

3.1. As primeiras críticas ou os ceticismos ao discurso


hegemônico
E m b o r a reconheça o crescimento d a retórica d o s direitos h u m a n o s ,
S E N aponta para três grupos d e criticas em torno do tema: a crítica da
legitimidade, a crítica d a coerência e a crítica cultural (2#l. S e g u n d o esse
autor, trata-se d e u m "certo ceticismo real", apontando para u m a suspeita
sobre algo ingênuo no tratamento d o s direitos h u m a n o s .

3.1.1. Crítica da legitimidade


Esta crítica deita raízes e m pensadores tão distintos c o m o Marx e
8eniham, e envolve “a insistência e m q u e os direitos s ejam vistos e m ter­
m o s pós-institucionais c o m o instrumentos e m vez de c o m o u m a pretensão
ética prévia"(2|), o q u e implica a rejeição d e u m a idéia universal d e direitos
humanos.
Certamente, h á u m a certa necessidade d e q u e os direitos h u m a n o s
s ejam refletidos e m construções positivadas que, assim, s ã o institucionali­
z a d a s e historicamente contextualizadas, o q u e é evidentemente confere
u m caráter relativo a esses direitos. Entretanto, e c o m o observa o autor,
isso n ã o p o d e invalidar o valor da c o n c e p ç ã o d e direitos h u m a n o s c o m o
pretensões éticas, e, mais além, isso traz à tona o debate entre direito e
ética ou, e m outros termos, entre direito e política. Diz S E N q u e “t e m o s de
julgar a plausibilidade d o s direitos h u m a n o s c o m o u m sistema d e raciocí­
nio ético e c o m o a b a s e d e reivindicações políticas” <22).

3.1.2. Crítica da coerência


A s e g u n d a crítica dirige-se a u m problema d a estrutura normativa da
formulação d o s direitos h u m a n o s . E m verdade, e se existe u m “direito”,
de ve haver u m dever correspectivo e u m titular d esse dever, c o m o respon­
sável pelo g o z o d esse direito e e m desfavor do qual se p o d e exigir a reali­
z a ç ã o d o q u e está assegurado.
A resposta do autor é n o sentido d e q u e as construções d o s direitos
h u m a n o s p o d e m ser imperfeitas d o ponto d e vista jurídico (e n ã o c o m o
"obrigações perfeitas”), m a s seriam vantagens q u e todos o s seres h u m a ­
nos deveriam possuir, atribuindo u m caráter normativo ou ideal, e, por isso,
q u e “os direitos a c a b e m às vezes por n ã o se cumprir” (23>. Entretanto, diz ele2013

(20) In: S e n , A m a r t y a . "Desenvolvimento c o m o liberdade", p. 261 e ss.


(21) /dem, p.263.
(22) /dem, p. 264.
(23) /dem, p. 265.
96 REVISTA D O T R T D A 15* R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

q u e “ainda q u e p o s s a m o s nos arranjar suficientemente b e m c o m a lingua­


g e m d a liberdade e m vez d e usar a linguagem dos direitos..., às vezes
p o d e haver b o a s razões para sugerir — o u exigir — q u e outros a j u d e m a
p e s s o a a alcançar a liberdade e m questão"*24'.

3.1.3. Crítica cultural


A crítica aponta para o problema d o relativismo cultural d a idéia de
direitos h u m a n o s , u m a vez q u e h á civilizações — especialmente as asiáti­
cas — nas quais esses valores n ã o s ã o correspondentes e, assim, pode-se
pretender universalizar valores q u e n ã o encontram respaldo e m outros c o n ­
textos.
A resposta a es se ceticismo, s e g u n d o o autor, está no fato d e q u e o
valor d e c a d a cultura n ã o p o d e ser negado, m a s q u e d e v e m o s “defender a
necessidade d e u m certo refinamento n a c o m p r e e n s ã o das influências e n ­
tre a s culturas e d a n o s s a capacidade básica para desfrutar os produtos de
outras culturas e outras terras"*251 e, mais além, q u e essas pe ss o a s d e cul­
turas distintas t ê m capacidade d e c o m u n g a r d e ideais c o m u n s . O autor
radica s u a proposta, a c i m a d e tudo, n a liberdade c o m o u m valor universal.
E s s e primeiro conjunto d e críticas n ã o t e m a capacidade d e d e s c o n s ­
tituir o p a ra d i g m a tradicional d o discurso d o s direitos h u m a n o s , e m b o r a ele
revele u m a série d e ressalvas e limitações n a s u a operatividade. A maior
delas parece ser, c o m o se desenvolverá mais adiante, u m a conjugação da
sobrevalorização d a liberdade c o m o direito h u m a n o e m detrimento d e o u ­
tras necessidades h u m a n a s c o m a perspectiva d a problemática p u ramente
n a visão d o s atores e n ã o n a estrutura internacional,
O próximo p a s s o é desenvolver u m a a b o r d a g e m q u e amplie os hori­
zontes d e f u n d a m e n t a ç ã o d o s direitos h u m a n o s e resgate s e u potencial
emancipatório integral.

3.2. Uma abordagem pela dicotomia entre atores e estrutura


A construção de u m a a b o r d a g e m mais a m p i a e m torno d o s direitos
h u m a n o s pressupõe o reconhecimento d o paradoxo e m torno d e s u a afir­
m a ç ã o e o interesse n o resgate d e se us fund a m e n to s e se us valores e m si.
U m a alternativa importante p o d e ser encontrada e m Galtung, a o par­
tir d a distinção inicial entre a afirmação d o s direitos h u m a n o s n a perspec­
tiva d o s atores e n a perspectiva d a s estruturas e, depois, asseverar s u a
intercomplementaridade c o m o garantia d e u m a visão pluridimensional da
problemática.
S e g u n d o es se autor, h á basicamente d u a s formas d e visualizar e
c o m p r e e n d e r os f e n ô m e n o s h u m a n o s , sociais e internacionais c o m o u m
todo: "as perspectivas orientadas para o actor ou para a estrutura" *261. Ele *256

(2d) I d e m , ibidem.
(25) I d e m . p. 279.
(26) Op. cí!.,p.47.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 97

associa a perspectiva para o ator c o m o "conservadora" e a perspectiva


para a estrutura c o m o “progressista", a p ontando q u e o p a radigma tradici­
onal (que ele d e n o m i n a d e “p a radigma legal”) produz “conclusões politi­
c a m e n t e conservadoras”07'.
P o d e m - s e resumir sinteticamente alguns elementos e m torno d essa
distinção. A perspectiva orientada para o ator apresenta características
peculiares: a unidade analítica é o ator; a d i m e n s ã o discursiva envolve a
intenção ( b e m contra o mal) e a capacidade (forte contra o fraco); os pro­
b l em a s s ã o atribuídos a atores d e intenção m á ; a s soíuções envo l v e m trans­
formar os atores m a u s e m bo ns ou enfraquecer o u anular os atores m aus;
a a b o r d a g e m fundamental é identificar os atores tidos por m a u s e criar
Instituições para essas respostas; e o parámetro temporal é o transitorio ou
n o ato. A perspectiva orientada para a estrutura t e m características dife­
rentes: a unidade analítica é a estrutura; a d i m e n s ã o discursiva envolve as
dicotomías entre repressão-liberdade, exploração-igualdade, penetração-
a u t o n o m i a , s e gm e n t a çã o - i nt e g r aç ã o , f ragmentação-solidariedade e
marginalização-participação; os problemas s ã o atribuídos a "estruturas q u e
s ã o repressivas, exploradoras, penetradoras, segmentadoras, fragmenta-
doras e marginalizadoras”; as soluções envolvem modificar as estruturas
para s e r e m justas, integradas, participativas e solidárias; a a b o r d a g e m fun­
damental é identificar a s “estruturas erradas” e revolucioná-las; e o parâ­
metro temporal é o p e r m a n e n t e ou estrutural'281.
O autor, d e s d e o início, faz a advertência d e q u e essas perspectivas
n ã o s ã o excludentes, m a s sim complementares, e necessárias para enten­
der o f e n ô m e n o n a s u a integralidade. C o m isso, Galtung aponta q u e se
p o d e “criar o terreno para u m novo paradigma q u e c o m b i n e os paradigmas
orientados para o actor e para a estrutura, p r o m o v e n d o u m Direito interna­
cional q u e seria u m Direito h u m a n o , q u e n ã o pare à porta d o Estado, m a s
q u e faça u m a melhor ponte d e ligação entre os actores colectivos e indivi­
duais d o q u e a q u e é feita hoje”'291.
Antes d e s e desenvolver es sa visão d e Galtung, deve-se demonstrar
q u e a c o n c e p ç ã o d o s direitos h u m a n o s a p e n a s na perspectiva d o s atores é
u m a constante n o discurso intemacionalista. U m a prova clara d essa afir­
m a ç ã o revela-se n a análise d o conjunto d e alternativas q u e s ã o u s u a l m e n ­
te apresentadas para superar o paradoxo d o s direitos h u m a n o s .
N e s s e sentido, mostra-se didática e a m p l a a a b o r d a g e m d e Proner
sobre a matéria, a o reunir quatro grupos d e alternativas teóricas conforme
s e u objeto: c o s m o p o l i t i s m o normativo, c o s m o p o l i t i s m o d e valores,
cosmopolitismo Institucional e anti-cosmopolltismo institucional'301.
O cosmopolitismo normativo sustenta a "importância d a d a à regula­
m e n t a ç ã o d o s direitos h u m a n o s n o plano internacional mediante declara­
ç õ e s e, principalmente, mediante pactos q u e estabeleçam e gara n t a m di-278930

(27) lüem,ibidem.
(28) Idem,elaborado c o m ba se n o quadro d a p. 49.
(29) Idem,p. 65.
(30) Op.cit,p. 191 ess.
96 REVISTA D O T R T D A 15» R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

reitos h u m a n o s " 131’. E m síntese, prega a ampliação d o s instrumentos jurídi­


cos internacionais d e afirmação e d e garantia dos direitos h u m a n o s c o m o
resposta a d e q u a d a para s u a não-realização n a prática internacional.
O cosmopolitismo d e valores a p on t a q u e d e v e haver "a d i ssemina­
ç ã o d e valores q u e d i g a m respeito a o s seres h u m a n o s c o m o objetivo
d e conscientizar a h u m a n i d a d e a respeito d a importância d a preserva­
ç ã o d a vida n o planeta”*3132’. A s u a tese central é o re co n h e c im e n t o d a
existência d e u m cont e ú d o axioiógico m í n i m o universal a fundamentar a
necessidade d e respeito dos direitos h u m a n o s , especialmente os pertinen­
tes à relação d o h o m e m c o m a natureza.
O cosmopolitismo institucional afirma a necessidade d e u m a d e m o ­
cratização d a Organização das Nações Unidas ( O N U ) , "de forma a
considerá-ia centro d e u m a justiça mundial e d e u m a força policial interna­
cional”*33’. E s s a idéia p a s s a pela reforma administrativa e política desse
organismo internacional, revendo diversos aspectos tradicionais, c o m o o
papel e o p oder d o s m e m b r o s p e rm a n e n t e s d o Conselho d e Segurança.
O anti-cosmopoiitismo institucional corresponde a u m ceticismo à tese
anterior, afirmando q u e a p e n a s instituições internacionais mais fortes ou
mais democráticas o u “globalizadas" n ã o seriam suficientes, especialmen­
te diante d a diversidade d o poder d o s Estados, d a limitação d o direito inter­
nacional e da viabilidade d e tal intento.
Pode-se perceber q u e todas essas c o n c e p ç õ e s p r e s s u p õ e m direta
o u indiretamente u m a modificação dos atores o u d o pape! d o s atores na
p r o m o ç ã o d o s direitos h u m a n o s . Isto é: defender mais n o r m a s internacio­
nais é exigir atores q u e as p r o m u l g u e m e, especialmente, q u e as c u m p r a m
e as garantam; sustentar valores universalizados é considerar atores q u e
os incorporem e os difundam o u os representem; afirmar instituições glo­
balizadas é reconhecer organismos (atores) q u e a p e n a s a u m e n t a m d e e s ­
co po ou tamanho; negar essas instituições globalizadas é reconhecer q u e
outros organismos (atores), especialmente os Estados, s ã o c a p a z e s (ou
ainda s ã o capazes) d e dar vazão a esses interesses humanitários.

3.3. A redescoberta do diálogo entre direitos e necessidades


A c o m p r e e n s ã o d a diversidade d a a b o r d a g e m entre os atores e a
estrutura, e m e s m o a necessidade d e q u e s e j a m c o m p l e m e n t a d a s n a teo­
ria e n a prática d o s direitos h u m a n o s , exige o resgate d o diálogo entre
necessidades e direitos. C o m a apropriação d o discurso d e direitos h u m a ­
nos d e forma limitada e essencialmente juridicizante na tradição moderna,
perdeu-se o elo c o m a satisfação d a s necessidades h u m a n a s , f u nd a m e n to
último e b a s e d e qualquer idéia d e direito q u e se possa adjetivar d e h u m a ­
no, a despeito d e qualquer revestimento positivo.

(31) Idem. p. 192.


(32) Idem, p. 195.
(33) Idem. p. 203.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 99

3.3.1. Caracterização das necessidades, relações e estrutura


normativa
A associação d a s necessidades h u m a n a s e s u a integração c o m as
perspectivas d e a b o r d a g e m dos direitos h u m a n o s de ve ser efetivada para
permitir, d e u m lado, demonstrar a insuficiência d a a b o r d a g e m tradicional
peios atores e s u a apropriação, e, d e outro lado, justificar s u a c o m p l e m e n ­
taridade c o m a a b o r d a g e m pela estrutura.
U m primeiro aspecto a ser analisado é a identificação propriamente
d a s espécies d e necessidades h u m a n a s q u e interessam para es sa abor­
d a g e m . S e g u n d o Galtung, d e v e m ser estudadas as necessidades materi­
ais e imateriais.
A s materiais s ã o a sobrevivência e a prosperidade (bem-estar), e as
imateriais s ã o a liberdade e a identidade. Para ele, “a distinção ‘material/
n ã o material’ p o d e ser interpretada d e du as maneiras: c o m o s e n d o relacio­
n a d a c o m a velha distinção d a s n e c e s s i d ad e s entre c o rp o / m e nt e ou
somático versus mental (material versus espiritual); o u c o m o u m a questão
d e saber s e a satisfação d a s necessidades requer c o m p o n e n t e s materiais
o u n ã o ’’1'” 1.
C a d a u m a dessas necessidades, por outro lado, possui u m a contra­
dição o u dicotomia, q u e corresponde à s u a insatisfação: violência (para a
sobrevivência), repressão (para a liberdade), miséria (para o bem-estar ou
prosperidade) e alienação (para a identidade).
U m s e g u n d o aspecto a ser analisado é a relação entre elas e as abor­
d a g e n s peia estrutura. N e s s a perspectiva, a l g u m a s necessidades d e p e n ­
d e m d o ator, e outras d e p e n d e m d a estrutura, e, s e g u n d o Galtung, “n o pri­
meiro caso, qualquer coisa t e m d e ser feita quanto aos actores cujos actos
deliberados i m p e d e m a satisfação das necessidades d e outros”1351, e, “no
s e g u n d o caso, qualquer coisa t e m d e ser feita acerca d a s estruturas feitas
d e tal m o d o q u e as necessidades n ã o s ã o satisfeitas”1361. Isto é: há necessi­
d a d e s q u e d e v e m ser veiculadas tendo e m vista atores, e outras tendo e m
vista a estrutura.
C o m es sa idéia, o autor arrola dois grandes grupos d e necessidades
e dicotomias: as depe n d e n te s d o ator, q u e s ã o sobrevivência/violência ( m a ­
teriais) e liberdade/repressão (imateriais); as necessidades dependentes
d a estrutura, q u e s ã o prosperidade/ miséria (materiais) e identidade/ alie­
n a ç ã o (imateriais).
E s s a sistemática permite ver c o m clareza o reducionismo analítico
d o discurso tradicional dos direitos h u m a n o s e m peio m e n o s dois pontos. O
primeiro é a sobreafirmação d a sobrevivência e d a liberdade c o m o direitos
h u m a n o s , especialmente e m sentido negativo e liberal ( c o m o já analisado 3456

(34) O p . cit, p. 92.


(35) I d e m , p. 93.
(36) I d e m , ibidem.
100 REVISTA D O T R T D A 15« R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

acima), c o m subafirmação d o bem-estar/prosperidade e d a identidade; o


segundo, expressão d o primeiro, é a decorrente sobreafirmação d a análise
d o s atores e a subafirmação d a análise das estruturas.

3.3.2. Relação entre necessidades e direitos


N a s u a a b o r d a g e m , Galtung recupera o diálogo entre necessidades
e direitos para apontar c o m o se mostra limitada a análise a p e n a s c o m b a s e
nos atores n a proteção e implementação d o s direitos h u m a n o s . Ele d e s e n ­
volve u m a hipótese d e trabalho pela e n u m e r a ç ã o de necessidades e de
direitos, procurando as correlações possíveis entre a m b a s as categorias.
D e início, o autor esclarece q u e n ã o s e p o d e buscar u m a relação
direta e proporcional entre u m direito para c a d a necessidade, porque d e ­
terminada necessidade p o d e ser realizada c o m mais d e u m direito c u m u l a ­
tivamente. A l é m disso, e nessa perspectiva, ele aponta que, “e m geral, os
direitos s ã o os meios e a satisfação d e necessidades s ã o o
O s direitos s ã o analisados c o m ba se e m 41 instrumentos distintos,
d o s quais o mais importante é a "Carta Internacional d o s Direitos H u m a ­
nos", envolvendo a “Declaração Universal d o s Direitos d o H o m e m ”, o " C o n ­
vênio Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais" e o
“Conv ê n i o Internacional sobre Direitos Civis e Políticos"1301.
A s necessidades s ã o desenvolvidas pelo autor s e g u n d o as quatro
categorias já expostas, agora discriminadas. O autor aponta u m conjunto
m í n i m o d e necessidades para a sobrevivência, bem-estar, identidade e li­
be rd a d e d o ser h u m a n o . C o m o necessidades d e sobrevivência, o autor
aponta; necessidades contra a violência individual e contra a violência c o ­
letiva. C o m o necessidades d e bem-estar, o autor aponta, dentre outras,
necessidades d e nutrição, á g u a e ar, d e proteção contra o clima, d e prote­
ç ã o contra doenças, d e auto-expressão, diálogo e educação. C o m o n e c e s ­
sidades d e identidade, o autor arrola, dentre outras: necessidades d e auto-
expressão, criatividade, práxis e trabalho, d e bem-estar, felicidade e ale­
gria, d e afeto, d e raízes, pertença, d e transparência social, d e associação
c o m a natureza. C o m o necessidades d e liberdade, ele lista, dentre várias:
necessidades d e escolha d e recepção e expressão d e informação e opi­
nião, d e escolha n a formação d a consciência, d e escolha d e mobilização,
de escolha d e emprego, d e escolha d e be ns e serviços e d e escolha de
estilo d e vida1391.
C a b e advertir, c o m o o faz o próprio autor, q u e essas e n u m e r a ç õ e s
n ã o p r etendem ser exaustivas, e constituem a p en a s u m a hipótese c o m certa
universalidade. Portanto, n ã o estão isentas d e críticas, mas, m e s m o assim,
perm i t e m ver e m linhas gerais o contorno d o sistema d e necessidades e
s u a relação c o m o sistema dos direitos h u m a n o s . 3789

(37) I d e m . p. 109.
(38 ) t d e m , pp. 110-1.
(39) I d e m , pp. 111-2.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 101

O autor identifica pelo m e n o s quatro c a m p o s possíveis d e análise: as


n e c e s s i d a d e s c o m direitos correlatos, as n e c e s s i d a d e s s e m direitos
correlatos, os direitos s e m necessidades correlatas e os c asos nos quais
n ã o h á n e m necessidades n e m direitos.
A s d u a s categorias q u e mais p r e n d e m a atenção d e Galtung s ã o as
nece s s i d ad e s s e m direitos correlatos e os direitos s e m necessidades
correlatas, e a essas limita-se a presente análise.
A s necessidades s e m direitos correlatos s ã o inúmeras e d e várias
ordens. A p e n a s c o m o exemplificação, e c o m b a s e n a análise d o autor, p o ­
d e m ser analisados os graus d e satisfação das necessidades pelos instru­
m e nt o s jurídicos. N o ca so d e necessidades d e sobrevivência, o autor aponta
q u e “a c o n v e n ç ã o d o genocídio oferece u m a proteção insuficiente contra a
violência colectiva”l40'. No caso d e necessidades d e bem-estar, ele adverte
a disparidade d o s regimes d e proteção: “enquanto a alimentação está c o ­
berta, o ar e a á g u a (limpos) n ã o estão a d e q u a d a m e n t e cobertos pelos
direitos”141'. N o caso d e necessidades d e liberdade, h á iguais descompassos:
“enqu a n t o a liberdade d e expressão está e x t r e m a m en t e b e m coberta... nos
direitos h u m a n o s clássicos, à liberdade d e impressão n ã o é dispensada
u m a atenção igualmente explícita”1421, por exemplo. N o ca so d e necessida­
d e s d e identidade, o autor é ressalta q u e “é talvez a área d e necessidades
gerais e m q u e existe u m a maior discrepância entre a formulação d e n e c e s ­
sidades e a formulação d e direitos; a identidade c o m o produto d o trabalho,
por exemplo, só é prevista para os "trabalhadores culturais"143' (direito “à
proteção d o s interesses morais e materiais sobre qualquer prod u ç ã o cien­
tífica, literária o u artística d a q u e sejam autores”, n a Declaração Universal,
artigo 27), e n ã o para os d e m a i s trabalhadores, o q u e t e m u m a c a u s a evi­
d e nt e m e n te econômica; t a m b é m n ã o há descrição d e direitos à auto-apre­
sentação o u m e s m o d e identificação e m c o m u n i d a d e s q u e n ã o s e j a m n a ­
ções, ou t a m p o u c o c o m identidade c o m a natureza. O autor conclui: "é b a s ­
tante claro q u e existem fossos importantes entre a s necessidades e os
direitos, tanto e m termos gerais c o m o e m termos d o s maiores grupos d a
população”144'.
O s direitos s e m necessidades correlatas c o r r e s p o n d e m a descrições
e m declarações universais q u e n ã o a t e n d e m a necessidades h u m a n a s es­
pecíficas. A o analisar diversos dispositivos d a Declaração Universal e o u ­
tros diplomas, o autor conclui q u e e m muitas p a s s a g e n s n ã o se formulam
necessidades, m a s a p e n a s s e d e s c r e v e m ou prescrevem comportamentos
o u m e s m o se declaram ideais e valores (45‘. O autor adverte q u e es sa for­
m u l a ç ã o d e direitos s e m atender a necessidades n ã o é por si só negativa,401235

(40) I d e m , p.115.
(41) I d e m , iòldem.
(42) I d e m , p. 117.
(43) I d e m , p. 119.
(44) I d e m , p. 125.
(45) I d e m , pp. 125-38.
102 REVÍSTA D O T R T D A 153 R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

urna vez q u e "o desenvolvimento está associado à satisfação progressiva


d a s necessidades h u m a n a s , e os direitos h u m a n o s s ã o vistos c o m o u m
instrumento d e desenvolvimento"'461, 0 q u e a p o n t a pa ra s e u caráter
programático o u prospectivo.

3.3.3. OperatMdade entre as necessidades e as perspectivas


Neste ponto, deve-se analisar d e q u e forma se instrumentaliza a rela­
ç ã o entre as inúmeras necessidades do ser h u m a n o , s e g u n d o os critérios
a p ontados pelo autor, e as perspectivas d o discurso s e g u n d o o s atores ou
s e g u n d o as estruturas. Retoma-se, aqui, a relação triádica q u e 0 autor já
explicitou sobre a estrutura normativa d o s direitos h u m a n o s e m geral, e n ­
volvendo “transmissores”, “receptores" e "objetos".
Para distinguir os critérios d e operatividade, e permitir intercompie-
mentar as d u a s perspectivas d o s direitos h u m a n o s , Galtungfaz u m a distin­
ç ã o entre as situações nas quais os receptores s ã o claros e definidos e as
situações nas quais os receptores n ã o 0 são.
N o primeiro caso, ele aponta para necessidades d e pe n d e n t e s dos
atores e, assim, para u m a solução institucional ou “formal". E s s a perspec­
tiva t e m por núcleo destacar 0 papel dos atores e, dentre eles, 0 d o Estado-
n a ç ã o principalmente, c o m o receptor por excelência d a s proteções d o s di­
reitos h u m a n o s . N e s s e sentido, retrata 0 núcleo duro d o discurso tradicio­
nal d e satisfazer basicamente dois conjuntos de necessidades: a sobrevi­
vência ( c o m o proteção contra violência; de tipo material) e a liberdade ( c o m o
proteção contra a repressão, a s s u m i n d o 0 sentido d e liberdade negativa;
d e tipo imaterial), s e m p r e atentando para princípios liberais ocidentais e os
difundindo nas suas instituições. A s elites q u e d o m i n a m 0 aparelho d o E s ­
tado, por outro lado, s e m p r e p o d e m ser beneficiadas c o m 0 poder dele e
desvirtuar esses meca n i s m os . A l é m disso, essa perspectiva é ainda muito
limitada diante d o universo das necessidades.
Adverte Galtung q u e “o Estado p o d e proteger, m e s m o garantir, a s a ­
tisfação d e necessidades e p o d e impedir, obstruir e m e s m o destruir quais­
quer hipóteses d e satisfação d e necessidades” <4647). Diz ele q u e “o problema
n ã o se resolve fazendo d o Estado 0 recipiente d e u m n ú m e r o c a d a vez
maior d e n o r m a s cuja implementação levaria a u m nível crescente d e satis­
fação d e a l g u m a s necessidades de base, adicionando a isto a instituciona­
lização através d o s vários m e c a n i s m o s discutidos acima” (4S\ porque existe
u m a “dialética cruel” operativa. A “m á q u i n a ” estatal ( c o m o melo) p o d e s u b ­
verter as neces s i d ad e s ( c o m o fins) n ã o a p e n a s pela s u a apropriação
abusiva, m a s t a m b é m pelo seu próprio u s o correto e m si m e s m o .
E s s e f e n ô m e n o ocorre porque “é possível, c o m o no Estado previdên­
cia moderno, g a nh a r e m sobrevivência, bem-estar e liberdade, enquanto

(46) ídem. p. 1 2 5 .
(47) Idem. p. 103.
(4S) Idem, p. 106.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 103

ao m e s m o t e m p o se perde e m identidade, adquirindo os três à custa d a


alienação”” 91. Por isso, é u m a perspectiva insuficiente para a satisfação
d a s necessidades h u m a n a s , especialmente no tocante à necessidade de
identidade.
N o s e g u n d o caso, ele indica para necessidades depe n d e n te s d a es­
trutura e, pois, para u m a solução estrutural ou "informal". E s s a alternativa
privilegia a proximidade d o s objetos (destinatários) c o m os receptores dos
direitos, e m níveis q u e ele refere c o m o “locais". Diz ele: “unidades mais
p e q u e n a s p o d e m ser muito melhores n a provisão d e identidade ou, pelo
m e no s , formas mais relevantes d e identidade e, se tiverem controlo a d e ­
q u a d o sobre os factores de produção, t a m b é m d e providenciar para a sa­
tisfação d a s necessidades materiais básicas”1501.
N e s s e sentido, a a b o r d a g e m c o m b a s e n o s atores é muito limitada e
provoca distorções n a percepção da problemática d o s direitos h u m a n o s
vistos c o m o meios para realizar necessidades. Ele confirma es sa conclu­
são, dizendo q u e “a a b o r d a g e m dos direitos h u m a n o s , c o m o concebida
tradicionalmente, está, n a melhor d a s hipóteses, e m ligação c o m as n e c e s ­
sidades h u m a n a s referidas c o m o a sobrevivência e a liberdade", porque
"estas s ã o as necessidades (mais dependentes do actor) q u e s ã o mais
claramente a m e a ç a d a s por actos deliberados d e ' maus’ actores, enquanto
outras necessidades (mais depe n d e n te s d a estrutura) s ã o mais frequente­
m e n t e impedidas por estruturas ‘erradas’"'511.
Rezek, e m b o r a s e m adentrar n a associação entre direitos e necessi­
d a d e s e s e m indicar u m a solução para o problema, aponta para a m e s m a
dificuldade d e identificação d e u m receptor ou garantidor d e alguns direitos
h u m a n o s q u e ele n o m i n a d e terceira geração: “...quase todos os direitos
individuais d e o r d e m civil, política, e c o n ô m i c a , social e cultural s ã o
operacionalmente reclamáveis, por parte d o indivíduo, à administração e
a o s d e m a i s poderes constituídos e m seu Estado patrial, o u e m s e u Estado
d e residência o u trânsito. A s coisas se tornam m e n o s simples quando se
cuida d e saber d e q u e m exigiremos q u e garanta n osso direito ao desenvol­
vimento, à p a z o u a o me io ambiente"1521.
N a s situações, c o m o Galtung descreve, nas quais "a estrutura produz
fome, c o m o a estrutura internacional d o m e r c a d o agrícola p o d e ser a c u s a ­
da d e fazer, o q u e p o d e ser m e n o s claro é q u e m deveriam ser o s recipien­
tes” <531.Q u e m seria o "réu” n a relação triádica da normatização d o s direitos
h u m a n o s ? O s Estados-nação e m cujas terras h á produção agrícola? A s
e m p r e s a s transnacionais d e biotecnologia (administradoras d o m e r c a d o de
insumos, por exemplo) o u d e distribuição e comercialização d o s produtos?
O s o rganismos internacionais d e fomento agrícola e planejamento? O s pro-495012

(49) I d e m , ibidem.
(50) Idem. p. 107.
(51) Idem, p. 108.
(52) In: R e z a k , J o s é Francisco. "Direito internacional público: curso elementar-’, p. 223.
104 REVISTA D O T R T D A 15a R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

dutores individuais? É u m a resposta difícil, se p e n s a r m o s e m termos d e


atores, n a a b o r d a g e m tradicional, m a s p o d e ser equacionada s e atentar­
m o s para a estrutura e m si.
T o d o s e sses atores {Estados, e m p r e s a s transnacionais e indivíduos
produtores) integram u m a cadeia d a relação d e produção agrícola, ca da
qual d e s e m p e n h a n d o u m papel específico. Entretanto, eies s ã o p e ç a s de
u m a e n g r e n a g e m b e m mais complexa, q u e justifica a relação entre eles e
estabelece u m a lógica própria d e produção d e be ns agrícolas. Existe, por­
tanto, u m a estrutura c o m p l e x a d e produção d e alimentos c o m o u m todo,
regida pela racionalidade econômica, q u e de ve ser vista porque s e u objeto
primeiro n ã o é satisfazer a f o m e d a população mundiai (porque, se a ssim o
fosse, já poderia tê-lo feito h á muito tempo, inclusive pelos gigantescos
excedentes agrícolas), m a s sim a p e n a s daqueles q u e p o d e m pagar por
isso, isto é, atender a m a r g e m d e lucro d e u m m e r c a d o promissor q u e se
alimenta d a f o m e alheia, o m e r c a d o agrícola o u agribusiness.
A s estruturas, aqui, s ã o basicamente estruturas sociais, e u m dos
vetores importantes é a idéia d e desenvolvimento. O autor arrola alguns
c a m p o s c o m o exem p l o s d e s s a problemática ( c a m p o s d a alimentação, d a
saúde, d a energia e d a participação) e pergunta, dentre outras formula­
çõ es (M>: (no primeiro c a m p o ) "o enfoque é e m ser alimentado, o u e m viver
n u m a estrutura c a p a z d e produzir alimentos suficientes através d e m e c a ­
nismos estruturais adequados?"; (no s e g u n d o c a m p o ) “o enfoque é n o ac es ­
so a instituições para o serviço d e s a ú d e somática o u mental, o u e m viver
n u m a estrutura q u e produz u m m á x i m o d e s a ú d e mental e somática?”.
Para explicitar o q u e entende por a b o r d a g e m estrutural, Galtung diz
q u e a essência é a idéia d e self-reliance, c o m o "auto-suficiência local",
entendendo-se por "local” n ã o a p e n a s u m grupo pequeno, m a s q u e p o d e
t omar d i m e n s õ e s maiores por razões econômicas*551. O autor aponta q u e
b e n s e serviços s ã o obtidos c o m certo “a u to m a t i s m o ”, quando, por e x e m ­
plo, “a poluição/controlo d a d e g r a d a ç ã o está inserida n a s estruturas q u a n ­
d o u m agricultor, a produzir alimentos para subsistência, é e c o l o g i c am e n ­
te consciente porque ele s a b e q u e ele e se us d e s c e n d e nt e s serão as
vítimas d a s c o ns e quências d o s desequilíbrios ecológicos”*561; isso n ã o é
algo q u e as e m p r e s a s transnacionais f a ç a m simp l e s m en t e p o rq u e elas,
c o m o e s c o p o m a c r o (e n ã o micro), a p e n a s se d e s l o c a m para outros lo­
cais ainda n ã o degradados. Portanto, a perspectiva d o nível micro é es­
sencial, c o m o forma d e assegurar a participação direta dos interessados e
formar solidariedade.
Ele alerta q u e a problemática d o s direitos h u m a n o s t e m sido muito
ma is realizada "ao nível m a c r o e n ã o a o nível micro, e a o nível institucional
e n ã o estrutural”1571, configurando d u a s distinções. P r o s s e g u e o autor: "a53467

(53) Op. Cif., p. 108.


(54) I d e m , p.177.
(55) I d e m , p. 117.
(56) I d e m , p.178.
(57) I d e m , p. 179.
E S T U D O MULTIDISCIPLINAR 10S

primeira distinção reflecte o s interesses pessoais d e muitas p e s s o a s q u e


estão por detrás d a a b o r d a g e m dos direitos h u m a n o s , mais atraídas pela
glória d o nível macro, governamental e/ou Intergovernamental, d o q u e no
anonimato d o nível local. A s e g u n d a distinção reflecte a s u a ideologia pro­
funda, ma is orientada para o actor d o q u e para a estrutura e, assim, mais
virada para a construção d e instituições d o q u e para a transformação es-
trutural"!*®». N o discurso tradicional, porém, a primeira distinção (mlcro/macro)
é ignorada o u tida por insignificante, e a s e g u n d a distinção (ator/estrutura)
é desconsiderada.

É Indispensável conjugar as du as a b ordegens e, reconhecer, acima


d e tudo, q u e n ã o h á a p e n a s atores “bons" ou “maus", m a s essencialmente
“estruturas erradas”, c o m o diz Galtung, q u e d e v e m ser m u d a d a s . N e s s e
sentido, diz ele: “A estrutura, n ã o s e n d o u m a p e ss o a jurídica, n ã o p o d e ser
d a d a c o m o culpada, s ó c o m o errada. M a s aqueles q u e m a n t ê m a estrutura
através d a s su as acções o u q u e n ã o as d e sm a n t e la m através d e s u a Inacção
p o d e m ser d a d o s c o m o culpados''(S9,. R e sumindo, “a dialéctica estrutura/
Instituição c o m e ç a c o m u m a estrutura (ou u m a cultura) q u e e s c a p a à insti­
tuição e c o m culpados e s co n dendo-se atrás dela”(80). E evidente q u e isso
transcende a o direito e ingressa n a política (estrutura envolve u m a relação
d e poder) e n a cultura (estrutura m a n t é m - s e e reproduz-se t a m b é m por
ideologia difundida) e t a m b é m n a e c o n o m i a (estrutura atende a interesses
d o Mercado, pela racionalidade e c o n ô m i c a colonizadora d a s outras instân­
cias). Isso pressupõe a constatação d e q u e a complexidade d a vida c o n ­
temporânea, especialmente c o m veiculada n a temática d o s direitos h u m a ­
nos, n ã o c o m p o r t a análise p u ramente jurídica e descolada d e seus funda­
mentos.
D e qualquer forma, a contribuição d e Galtung é fundamental n ã o a p e ­
n a s para denunciar o discurso tradicional d e direitos h u m a n o s , apropriado
pelo neoliberaüsmo, m a s t a m b é m para apontar u m a alternativa à s u a efeti­
vação.

C O N S I D E R A Ç Õ E S FINAIS

A análise desenvolvida pretendeu trazer aportes teóricos para contri­


buir c o m o debate c o nt e m p o r â n e o e m torno dos direitos h u m a n o s , e po de
ser sintetizada e m torno d e a l g u m a s idéias nucleares.
E m primeiro lugar, deve-se reconhecer o paradoxo d o s direitos h u ­
m a no s , c o m o u m discurso supo s t a m en t e h e g e m ô n i c o m a s q u e n ã o e n c o n ­
tra n a prática internacional c o nt e m p o r â n e a u m a realização e m larga es ca ­
la d e se us postulados, c o m o u m passo Inicial para Investigar o problema. 58960

(58) I d e m , p. 179.
(59) I d e m , p. 219.
(6 0 ) /asm, ibidem.
106 REVISTA D O T R T D A 15= R E G I Ã O — N. 24 — JUNHO, 2004

E m u m s e g u n d o m o m e n t o , p o d e - s e delinear u m a apropriação
neoliberal d o discurso dos direitos h u m a n o s e m processo d e construção.
Ela parece envolver m e c a n i s m o s institucionalizados b e m definidos, nos
quais prepondera u m a a b o r d a g e m pelos atores, d e c u n h o juridicizado, par­
cial e seletivo. Contudo, es sa perspectiva apresenta limitações q u e p o d e m
ser apontadas c o m o a l g u m a s d a s razões d o défice entre discurso e prática
d o s direitos h u m a n o s .
E m u m terceiro m o m e n t o , deve-se fazer o diagnóstico d a crise d esse
m o d e l o discursivo e apresentar alternativas c o m o u m contra-discurso ou
u m discurso alternativo. O diagnóstico envolve n ã o a p e n a s o reconheci­
m e n t o d e alguns ceticismos b e m conhecidos e m torno d o tema, m a s t a m ­
b é m o resgate d a idéia d a relação entre necessidades e direitos, c o m o
f u n d a m e n t o último d e s s a problemática. A l é m disso, pode-se apontar a c o n ­
jugação d e u m a perspectiva o u a b o r d a g e m c o m ba se n a estrutura para
permitir a methor c o m p r e e n s ã o d a s irrealizações n o c a m p o d o s direitos
h u m a n o s e para apontar u m c a m i n h o d e s u a efetivação.
Aqui, é fundamentai a busca de u m a nova hermenêutica d o s direitos
h u m a n o s , assentada e m u m m í n i m o ético, cujo f undamento último é o res­
gate d o elo entre a realização d o s direitos e a satisfação d a s necessidades
h u m a n a s fundamentais. N ã o se trata, porém, d e relegar o u excluir a abor­
d a g e m n a perspectiva d o s atores — a qual, c o m o o próprio Gattung adver­
te, é efetiva n o tocante à satisfação d e necessidades materiais e imateriais
q u e t e n h a m u m receptor claro e identificável ( c o m o os direitos d e primeira
e s e g u n d a geração) e, para as quais, o Estado-nação ainda exerce u m
papel fundamental — , m a s sim d e conjugá-la c o m u m a a b o r d a g e m n a pers­
pectiva d a s estruturas, c o m o garantia d e q u e os d e m a i s direitos h u m a n o s
(especialmente os d e terceira geração), q u e n ã o p o s s u e m u m receptor cla­
ro, p o s s a m ser realizados e, c o m eles, satisfeitas as necessidades d o h o ­
mem.
A c i m a d e tudo, deve-se reconhecer q u e n ã o basta u m elenco extenso
d e direitos e garantias para assegurar a dignidade d o h o m e m , m a s é preci­
so conjugar e sses m e c a n i s m o s c o m a crítica e reconstrução d e diversas
estruturas sociais reprodutoras d e exclusão e desigualdade e m escala
patológica.

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