painel
Em aberto, Brasília, ano 3, n. 21 ,(abr./jun)1984
ENFOQUE
Quando se toma a educação indígena como um tema de reflexão, é 0 poder da violência simbólica, da qual o sistema de ensino é uma
necessário considerar que tratamos o assunto com definições for- modalidade específica, impõe, segundo Bourdieu, a legitimação de
muladas dentro do sistema conceitual da tradição letrada, branca, significações que dissimulam as relações de força material e as
civilizada, sistema este distinto das formas de ser e pensar próprias a reforçam no plano simbólico 2 .
cada sociedade indígena.
0 sistema de ensino atuaria, desta maneira, no sentido de inculcar
Entende-se aqui educação em seu sentido mais geral, isto é, abran-
hábitos que internalizam valores simbólicos dominantes e interiori-
gendo os diversos processos de socialização que permeiam qualquer
zam" princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a
sociedade humana, e não se restringindo à escolarização e alfabe-
interrupção da ação pedagógica" 2 .
tização.
Segundo Bourdieu, a educação não se reduz, conforme definição de A educação, assim encarada, serve na transmissão de bens culturais,
Durkheim, à transmissão de formação acumulada que garante a reprodução como prática reprodutora das desigualdades sociais.
social, pois a ação pedagógica é responsável também pela "transmissão de
um patrimônio cultural concebido como uma propriedade indivisa do No caso da educação para o índio, configura-se como um problema a
conjunto da sociedade" 1 . difusão de bens simbólicos próprios à etnia dominante na sociedade
nacional entre os povos indígenas, situados, enquanto minorias
Este autor estuda o papel do sistema de ensino na reprodução e
étnicas, em posição estrategicamente débil na sociedade de classes.
distribuição do capital cultural, assim como na difusão dos bens
A educação para o índio, teria, assim, como objetivo a preparação dos O Decreto n 0 9.214, de 15 de dezembro de 1 9 1 1 , fixou as linhas
diversos atores da situação de contato interétnico para o exercício da mestras da política "protecionista" em relação ao índio brasileiro. Esta
cidadania, fornecendo-lhes acesso ao conhecimento de direitos e incluía, entre seus princípios, a proteção ao índio em seu próprio
deveres prescritos pela legislação indigenista. território, a proibição do desmembramento da família indígena e a
instituição do direito à cidadania. Tal legislação foi formulada com
I N D I G E N I S M O E POLÍTICA I N D Í G E N A inspiração no positivismo humanista e evolucionista, fundamentado na
crença do desenvolvimento progressivo e natural do índio. Considerava
O Serviço de Proteção aos índios (SPI), foi fundado em 1910. Naquela também que cada povo encontrava-se em estágio distinto de desenvol-
época, as áreas de fronteira eram palco de lutas sangrentas que, via de vimento evolutivo, levando isto em conta na atribuição de direitos e
regra, exterminavam os povos indígenas. Nas cidades, a opinião deveres civis a cada cidadão indígena tomado em particular.
pública se polarizava no debate em relação ao índio. Diversos setores
da sociedade brasileira, como associações científicas, instituições Segundo Luiz Bueno Horta Barbosa, o programa do SPI consistia em
filantrópicas, delegações dos países de procedência de colonos, "melhorar o índio", "proporcionando-lhe os meios, o exemplo e o
reivindicavam que o governo brasileiro tomasse providências para incentivo direto para isto"... tornando-o um melhor índio "e não um
garantir a colonização e a vida dos migrantes estrangeiros em conflito ente sem classificação social possível, por ter perdido a civilização a
aberto com os índios. Estes setores sustentavam idéias evolucionistas que pertencia sem ter conseguido entrar naquela para onde o queriam
segundo as quais os seres fracos e inferiores deveriam ceder lugar aos levar" 1 5 .
fortes e bem-dotados. Levantavam-se contra estas idéias os positi-
vistas, alimentados por uma imagem também distorcida a respeito do Durante curtos períodos de sua história, o SPI teve condições reais de
bom selvagem, à moda de Rousseau. colocar em prática estes princípios e fazer cumprir a lei com base neles
instituída.
A mentalidade positivista, baseada no evolucionismo humanista e
Em 1940, o etnólogo e indigenista Kurt Nimuendaju apontou, como
normativo de Augusto Comte, postulava que os povos indígenas, uma
causas para o fracasso do SPI, a insuficiência e irregularidade das
vez libertados de pressões externas, poderiam progredir espon-
verbas, o exagero burocrático, a falta de pessoal técnico qualificado e a
taneamente e integrar-se à civilização, se lhes fossem fornecidos os
falta de poder a nível regional 1 6 .
meios de industrializar-se.
14
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização; a integração das populações indígenas no
Com esta inspiração, marcada pelo etnocentrismo, foi fundado o SPI,
por iniciativa de militares liderados pelo General Rondon. Segundo Brasil moderno. Petrópolis, Vozes, 1979. p. 135.
15
eles, era necessária a intervenção do governo para "defender", RIBEIRO, Darcy. op. cit., p. 14.
"amparar" e"integrar" os "selvagens" à "civilização", numa ação social 16
MALCHER, J. Porque fracassa a proteção aos índios. Brasília, SPI, 1963. p. 6. mimeo.
Malcher, que, na tentativa de imprimir uma orientação teórica à política Os princípios humanitários da legislação indigenista não chegaram a
indigenista, colocou etnólogos em cargos técnicos e políticos do SPI, impor limites ao conjunto de influências político-partidárias e inte-
denunciou que o órgão, vinculado na época (década de sessenta) ao resses econômicos envolvidos na luta pela conquista de territórios
Ministério da Agricultura, era apenas uma peça de uma maquinaria indígenas e sua exploração econômica.
minada pela corrupção e por interesses políticos e econômicos
orientados para o esbulho 1 7 . Segundo ele " t r i b o s foram dizimadas não Em 1967, foi instituída a Fundação Nacional do índio (FUNAI),
só pelas balas assassinas, mas com a conivência, embora indireta, do acompanhada da regulamentação de uma legislação indigenista de
SPI, que as chamava à c i v i l i z a ç ã o , as atraía, " s e m ter meios para inspiração liberal, sendo mantidas as influências positivistas que
atender os primeiros embates sempre danosos para a comunidade objetivavam a assimilação gradativa do índio. Diversos autores 2 1
indígena" 1 8 . associaram a atuação da FUNAI, vinculada ao Ministério do Interior, aos
projetos e à ideologia desenvolvimentistas do governo militar brasi-
Na atividade efetivamente protecionista, os funcionários do SPI leiro nas décadas de sessenta e setenta.
devotados ao indigenismo opunham-se aos senhores locais, que-
bravam relações de clientela, construíam escolas, alfabetizando e A partir de 1980, a vinculação da FUNAI aos órgãos de Segurança
levando às regiões de fronteira o conhecimento e a lei, úteis também ao Nacional resultou em transformações na política indigenista, que
sertanejo não índio. agravaram os conflitos nas áreas de fronteira. Tais transformações se
consubstanciaram em 1 9 8 3 , quando a política fundiária da FUNAI foi
A existência da agência indigenista oficial não netraulizava efeti- vinculada ao recém-criado Ministério Extraordinário para Assuntos
vamente os jogos de interesses de nível regional e central. Os Fundiários (MEAF), e foram colocados à luz os planos de modificar
mandantes locais, além de desconhecerem e desprezarem a justiça, qualitativamente a legislação indigenista.
manipulavam as relações de poder a nível regional e interferiam
inclusive sobre os interesses políticos federais. Não cabe nos limites deste trabalho avaliar a procedência jurídica dos
projetos de alteração da legislação indigenista. Também não será
Fazia-se, assim, o esbulho das terras indígenas, com a conivência de abordada a política de "ocupação dos espaços vazios", que toca
autoridades, fossem municipais, estaduais ou federais. Unindo-se diretamente à segurança dos povos indígenas, pois seus territórios são
latifundiários, grupos econômicos e autoridades "aliados a funcio- considerados improdutivos pelos idealizadores de projetos econômi-
nários faltosos" formavam "quadrilhas" que iam assim "trinchando o cos.
patrimônio dos í n d i o s " 1 9 . Verificava-se ainda, a interferência da
política partidária e da corrupção, tornando-se comuns comissões de A partir de 1980, a agência tutelar mostrou uma face antiindigenista,
compras e negociatas " c o m os bens do patrimônio indígena" 2 0 . que se refletiu nos mecanismos capilares de exercício do poder. Não foi
levada a cabo a demarcação de terras, os territórios indígenas foram
17
MALCHER, J. op. cit., p. 1.
cada vez mais freqüentemente invadidos e as delegacias regionais —
criadas com o objetivo de defender os direitos indígenas a nível local -
18
Idem, ibidem, p. 13. atuaram sobretudo como organismos de polícia contra os interesses
19
Idem, ibidem, p. 2.
21
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. A sociologia do Brasil indígena Rio de Janeiro,
20
Idem, ibidem, p. 6. Tempo Brasileiro. 1978.
Entendo que o movimento indígena não constitui uma simples resposta Os diversos povos indígenas reagiram diferentemente aos desafios a que
à prática colonialista da etnia nacional. Observa-se, nos dias de hoje, foram submetidos. As distintas situações impostas pela etnia nacional
que as lideranças indígenas no Brasil transitam no cenário da política uniformizadora tiveram como resultado situações diversas de "trans-
nacional, ocupando espaços da sociedade "civilizada" - como o figuração é t n i c a " 2 2 . Alguns destes povos foram sumariamente ex-
Parlamento, a imprensa, a Confederação dos Trabalhadores na Agricul- terminados, outros mantiveram-se em relativo isolamento. Outros
tura - ou cargos técnicos e políticos na própria agência tutelar. integraram-se à sociedade nacional, dela participando econômica e
Exercitam, deste modo, seu direito à cidadania previsto na legislação politicamente enquanto grupos etnicamente diferenciados. A assimi-
indigenista. lação foi atingida apenas em casos isolados, mediante a incorporação
individual de membros destes povos que negaram sua identidade
O embrião de uma organização indígena foi gerado no terreno de étnica.
fronteira entre tradições contraditórias: de um lado, a tradição branca,
civilizada, letrada e, de outro, a tradição indígena, conquistada, A política indigenista não resultou, portanto, na uniformização, pela
fragmentada pelo contato. Ele recria, desde que nasce, o choque entre etnia nacional, dos distintos povos indígenas. A própria crença
estas mesmas tradições. E inegável, entretanto, que a organização positivista de que as comunidades indígenas deveriam ser assimiladas
indígena nascente implicou um processo de interpretação, por parte por etapas progressivas, associada à reação díspar dos distintos
dos povos indígenas, de sua identidade étnica, que vinha sendo, até povos, foi um dos fatores que conduziu à diferenciação.
então, sistematicamente negada e discriminada pelos representantes
da etnia nacional em contato direto com estes povos. A existência de uma elite indígena que tem voz no debate político
nacional e o agravamento das situações de tensão nos cenários de
No ano de 1 9 8 2 , foi eleito para deputado federal pelo PDT fluminense o fronteira desmistificam a imagem idealizada de um índio genérico.
líder xavante Mário Juruna. Ele apresentou projeto de lei propondo a Mantiveram-se, recriando-se e redefinindo-se multiplicadamente, a s '
reestruturação da FUNAI, no sentido de que a ação tutelar seja diversidades étnicas enquanto formas organizacionais de grupos
fiscalizada por um conselho constituído por líderes indígenas re- diferenciados. A etnia, como categoria relacional, é constantemente
presentativos dos diversos povos. Este projeto de lei já foi aprovado realimentada pela ideologia indigenista.
pela Câmara dos Deputados e aguarda sua votação no Senado Federal.
A atuação do parlamentar indígena está articulada com a emergência
de movimentos indígenas nas áreas de fronteira e com a realização de 22
RIBEIRO, Darcy. op. cit., p. 220.
Convém observar, contudo, que a luta étnica se move em um terreno Em 31 de janeiro de 1 9 8 4 , foi assinado um acordo de cooperação entre
perigoso. A emergência do movimento indígena se dá dentro de um o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério do Interior " o b j e -
jogo complexo de influências, que engendra um campo ideológico comum tivando o estabelecimento de ação conjunta e integrada de seus
tanto à política indigenista quanto à propriamente indígena. Sem um arse- órgãos, para implementação de programas e projetos especiais de
nal teórico suficientemente rigoroso, corre-se o risco de reificar as assistência material, técnica e financeira às comunidades indígenas do
ideologias que brotam em um terreno regado por contradições. país".
Afloram, deste modo, as múltiplas identidades correspondentes às Reza a cláusula terceira deste acordo que "0 MINTER e o MEC
distintas condições que caracterizam a diferenciação histórica entre os desenvolverão todo o seu trabalho auscultando os anseios das
diversos grupos, na sua situação específica e em cada região brasileira. comunidades indígenas, motivando-as a uma participação efetiva nos
Deve ser examinado, neste processo, o papel desempenhado pelos programas e projetos estabelecidos, ministrando-lhes cursos e ensi-
diversos atores do indigenismo, em relação aos quais a identidade namentos sobre as atividades que forem definidas, a par da assistência
indígena se define. técnica permanente aos silvícolas".
É inegável a positividade da existência da agência tutelar para o E importante observar que tal assistência educacional deve visar ao
exercício da identidade indígena. A política indigenista oficial, no reforço de identidade de povos que vêem seus valores fragmentados e
entanto, não tem respeitado as sociedades indígenas como unidades minimizados num jogo de forças que impõe as formas de pensar dos
políticas autônomas. Ao contrário, a prática assistencialista do SPI e grupos étnicos majoritários do ponto de vista do controle dos recursos.
mais recentemente da FUNAI tem negado sistematicamente a auto- Uma prática educativa que incentive a identidade étnica dos povos
determinação dos povos indígenas, assim como a possibilidade de indígenas deve, portanto, respeitar seu direito à autodeterminação.
optarem pela autonomia política e territorial 2 3 .
PROCESSOS E D U C A T I V O S NAS C O M U N I D A D E S I N D Í G E N A S NO
A tutela exercida pelo Estado, através da FUNAI, constitui, sem dúvida, MÉDIO SOLIMÕES
um meio de garantir o patrimônio e os direitos indígenas, o que é
previsto pela legislação. Se, em teoria, tutela e autodeterminação não Para uma reflexão menos abstrata dos problemas educacionais,
são necessariamente contraditórias, na prática, representantes da tomemos como exemplo a situação particular das comunidades
agência tutelar atualizam relações de patronagem comuns ao sistema indígenas existentes no Médio Solimões, Estado do Amazonas.
de clientelismo de nível regional 2 4 . Observe-se também que a exis-
tência da lei, por si só, não impede a invasão dos territórios indígenas e A região polarizada pela cidade de Tefé caracteriza-se pela existência
a ameaça deliberada aos direitos indígenas, atuando a ideologia de comunidades ribeirinhas, constituídas pela aglutinação de grupos
indigenista para mascarar e justificar interesses contrários, servindo, residenciais de pequenos produtores, submetidos secularmente, por
inclusive, à concretização destes mesmos interesses antiindigenistas. relações de clientela aos comerciantes locais. A partir da década de
setenta, foram introduzidas, por agências estatais, modificações nesta
23
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. A sociologia do Brasil indígena. Rio de Janeiro. situação, criando-se, assim, condições para a emergência, na região,
Tempo Brasileiro, 1978, p. 6 1 .
de aspiração, por parte do pequeno produtor, de tornar-se comerciante
24
Teses sobre o indigenismo brasileiro. Anuário Antropológico. Rio de e "libertar-se dos patrões". Através da constituição de Comunidades
Janeiro, 79: 171-81, 1981. Eclesiais de Base e do Movimento de Educação de Base (MEB), a
26
MARTIUS, K. F. O direito entre os indígenas no Brasil. São Paulo, Edições e Na escola indígena recriam-se os mesmos aspectos ambivalentes da
Publicações Brasil, 1938, p. 45. identidade de " í n d i o civilizado". Estes mesmos aspectos contradi-
É preciso agora completar o quadro com outro elemento. Descreve-se A EDUCAÇÃO I N D Í G E N A NO PARQUE DO X I N G U
com freqüência o sistema inter e supratribal da região do ulurí como
sendo social e culturalmente homogêneo e, ao mesmo tempo, mul- Falamos, antes, do Posto. É lá que o contato constante com os karaíba
tilíngüe. Cada grupo local, praticamente, se distingue dos demais, em (funcionários da FUNAI, visitas, médicos, enfermeiros, pesquisadores),
primeiro lugar, eu diria, por uma identidade lingüística. Falar uma língua com a escrita, com a máquina administrativa do Parque, com o correio,
Karib, por exemplo, me distingue de quem fala Tupi ou Aruak. Falar com os jornais e t c , juntamente com a vivência de submissão aos
Kuikúro me distingue dos demais Karib, por ser uma variante dialetal desígnios e decisões de diretores e chefes de posto, fizeram com que
bem marcada. Relações de troca já estruturadas em periodicidade, começasse a ser formulada a reivindicação da "esc ola", sobretudo de
formas rituais e alianças se realizam entre parceiros definidos pelo uns anos para cá.
binômio pertencimento a um grupo local/falante de língua determi-
nada. Parece que tal sistema faz da língua um dos principais emblemas As experiências com a alfabetização e a escola foram até hoje
da identidade e da pessoa. Isso não significa, contudo, que haja um esporádicas e interrompidas antes que se chegasse a concluir uma
poliglotismo difuso na região (característica acentuada nos Yawalapiti, primeira fase de trabalho. Alguns índios, especialmente nos postos,
por uma história peculiar). Aliás, se compararmos o caso do Alto Xingu tinham sido introduzidos à técnica da escrita de modo fragmentário,
com outras situações de multilingüismo no Brasil (assunto pouco inclusive por autodidatismo, desde a época dos Vilas Boas, que,
pesquisado), veremos que há nele mais uma tendência para a contudo, diziam não ver com bons olhos "interferências" aculturativas
endogamia lingüística. 0 signo "língua" não determina o afim na troca como a da escola. Na administração de Olympio Serra tentou-se um
matrimonial. primeiro projeto "educacional". A professora Susana Grillo fez um
balanço da escola do Posto Leonardo 1 . Nele encontramos o relato de
Pensar na possibilidade de uma língua-franca( indígena e português) no uma tentativa didática experimental, pois a professora Grillo tinha
Xingu significa ignorar esse sistema de distinções que fundamenta um chegado ao Parque sem nenhum conhecimento prévio. Observa-se, em
determinado nível da via social. Ora, a história do português no Xingu seu depoimento, uma sensibilidade notável, tanto na observação e
pode nos levar a admitir não que ele esteja se tornando, já, uma língua- preparação para o trabalho de alfabetização, quanto na percepção das
franca, mas que algum processo de modificação desse sistema expectativas dos índios do Posto Leonardo. Esse trabalho durou quase
etnolingüístico está ocorrendo. É difícil prever exatamente que direção dois anos (1977-78) e foi suspenso bruscamente com a demissão do
tomará, mas é um fenômeno a ser acompanhado. O português (local ou diretor, que levou consigo sua equipe de funcionários. Começou,
regional, que sem dúvida não é o padrão) já está, inclusive, sendo assim, um período de administrações convulsas, no qual ocorreram
utilizado em todos os encontros entre índios do A l t o e do Baixo Xingu, conflitos entre grupos indígenas e destes com a FUNAI, descon-
cada vez mais próximos pela circunscrição de fronteiras comuns. tentamentos e transformações profundas no sistema de alianças
* Transcrito de ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento; as formas Tratando, então, do que poderia chamar o discurso sobre (da?)
do discurso. São Paulo, Brasiliense, 1983. p. 72-87. educação indígena, considero relevante a colocação de algumas
A autora agradece a contribuição valiosa da leitura da versão original deste trabalho
observações que partem desses pontos críticos que acabo de enunciar.
feita por Yonne Leite, Bruna Franchetto e Ruth Montserrat, bem como a Mércio
Pereira Gomes. Texto apresentado no Congresso da ABA, São Paulo, 1982. Para tanto, retomarei algumas afirmações que faço em outros trabalhos
e que esclarecem minha concepção de linguagem e de discurso
"* Professora das disciplinas Tipologia do Discurso e Seminário de Análise do Discurso pedagógico.
do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP.
*** Basicamente: A Questão da Educação Indígena (CPI), Educação Indígena e Pode-se considerar a linguagem de várias m a n e i r a s - linguagem como
Alfabetização (B. Melià) e xerox esparsos de uma ou outra iniciativa isolada. Devo
acrescentar que considero admirável a publicação da CPI, pois me permitiu uma visão
instrumento de comunicação, linguagem como produto da história,
ampla e sistemática do problema da Educação Indígena. A postura crítica que assumo etc. — e cada uma dessas concepções de linguagem terá suas
neste trabalho nasce antes das qualidades e não dos defeitos daquela publicação. conseqüências teóricas e metodológicas próprias.
Essas afirmações acerca do funcionamento do discurso levaram à Tenho apoiado essas considerações de tipos na colocação de que há
formulação de uma noção de sujeito menos formal, ou melhor, menos dois processos fundamentais na linguagem: o da polissemia e o da
paráfrase. A polissemia se define como multiplicidade de sentidos e a processo histórico de legitimação das formas de dizer em que a
paráfrase como sendo formulações diferentes para o mesmo sentido. À linguagem é instituída. Disso resulta que as diferentes situações de
articulação entre polissemia e paráfrase é que atribuo o jogo entre o linguagem são reguladas: não se diz o que se quer, em qualquer
mesmo e o diferente na linguagem, e é este jogo que está na base da situação, de qualquer maneira.
tipologia que estabeleci. Então, no discurso autoritário, temos a
polarização da paráfrase, no lúdico a da polissemia e o polêmico é aquele O discurso pedagógico não foge a essa dinâmica de tipos: tal como
em que melhor se observa o jogo entre a paráfrase e a polissemia, entre existe na nossa sociedade, hoje, o discurso pedagógico é um discurso
o mesmo e o diferente. autoritário: sua reversibilidade tende a zero (não se dá a palavra), há um
agente único (aquele que tem o poder de dizer), a polissemia é contida
Em uma sociedade como a nossa, tenho observado que o lúdico é o (se coloca o sentido único), o dizer recobre o ser (o referente está
desejável, é o que vaza, pois o uso da linguagem por si mesma, ou seja, obscurecido).
pelo p r a z e r - atestado pela linguagem e não pelo p s i c o l ó g i c o - , entra
em contraste com o uso para finalidades mais imediatas, compro- Esse discurso aparece como transmissor de informações que têm o
metidas com a idéia de eficiência e resultados práticos. No lúdico, a estatuto da cientificidade.
informação e a comunicação dão lugar à função poética e à fática.
Assim, em nossa sociedade, segundo o que temos considerado, o O estatuto científico do discurso pedagógico se constrói pela meta-
lúdico é ruptura, ocupa um lugar marginal, ao contrário do polêmico e linguagem e pela apropriação do cientista feita pelo professor. Pela
do autoritário. metalinguagem: o conhecimento do fato é substituído pelo conheci-
mento de uma metalinguagem, que é considerada legítima. É assim que
Podemos mesmo afirmar que, pelas análises que fizemos, o tipo de se constrói o saber legítimo, que nasce da apropriação do cientista feita
discurso dominante na nossa sociedade atual é o autoritário. Isso pelo professor: o professor torna-se representante do conhecimento
significa dizer que o uso da linguagem está polarizado para o lado da sem que se mostre como ele incorpora a voz que fala nele (o professor
paráfrase, do " m e s m o " . Vale dizer: o discurso autoritário é o discurso está no lugar do). A voz do professor é, por extensão da do cientista, a
do mesmo e isto está refletido, de alguma forma, na concepção de voz do saber. O aluno realiza sua escolaridade no espaço da escola, no
linguagem que temos, na forma dos estudos de linguagem, nos moldes contato com o professor e, a partir desse contato, está autorizado a
de análise propostos, etc. Este é um deslize ideológico que faz com que dizer que aprendeu.
se atribua à natureza da linguagem em geral algo que é histórico e se dá
em relação à dominância de um tipo de discurso, numa certa formação Como o discurso pedagógico é um discurso autoritário, não são
social. revelantes para as suas condições de significação a utilidade, a
informatividade e o interesse do destinatário. Dado que sua função é a
Gostaríamos de lembrar, aqui, que a distinção entre os tipos não é inculcação, a não relevância desses aspectos se resolve pela motivação
rígida, havendo uma gradação entre um tipo e outro. A relação entre pedagógica e pela legitimidade do saber escolar. A escola cumpre,
eles não é de exclusão mas de dominância. dessa forma, sua função social, a da reprodução.
Por outro lado, pode-se distinguir tipo e funcionamento discursivo Vale ressaltar, a essa altura, que esse mecanismo de reprodução pode
(cf. p. 141). Os tipos seriam, de acordo c o m essa distinção, funciona- ser visto de uma forma menos técnica na relação entre conhecimento e
mentos discursivos diferentes que se sedimentam. Isso se dá pelo reconhecimento. Eu diria, então, que o conhecimento pode se fazer de
Desde então, várias destas comunidades indígenas começaram a se Na primeira fase do programa de educação indígena, a finalidade era
organizar em cooperativas de produção e consumo visando a ocupação transmitir-lhes o código verbal escrito através do português. Para isso,
de suas terras e passaram a produzir, por conta própria e independente o melhor e mais adequado material didático à disposição era a Cartilha
de seus antigos patrões, borracha, castanha, madeira, produtos Poronga por tratar-se de um mundo bastante próximo ao dos índios-
agrícolas etc. seringueiros: o seringal acreano. Cartilha feita para os seringueiros-
posseiros ("seringueiro liberto") do Vale do Acre, população étnica e mesmos que, no decorrer do curso, quando já familiarizados com a
culturalmente distinta do índio, mas com inúmeros pontos de contato língua portuguesa, escolheram as 19 palavras geradoras a partir das
do ponto de vista s ó c i o - e c o n ô m i c o - ambos lutam pela posse da terra e quais seria feita a alfabetização nas aldeias. Tais palavras foram sendo
das estradas de seringa e, ainda, pela diminuição da exploração selecionadas dentre todas as que eram levantadas e registradas e que
comercial dos seus produtos extrativos e mercadorias, eliminando os demonstravam representar conteúdos fundamentais para o grupo.
intermediários-marreteiros, gerentes e arrendatários, que tornam a vida
extremamente difícil nos seringais.
Além deste critério de relevância semântico-cultural das palavras
geradoras, levou-se também em conta sua relevância lingüística, ou
Torna-se importante ressaltar que a Poronga foi elaborada levando-se seja, a capacidade de apresentarem no seu conjunto todos os
em conta a existência de um movimento de cooperativismo entre os problemas fonêmicos essenciais para o aprendizado da língua. Assim,
seringueiros acreanos, o que também ocorre com os índios-se- após a recuperação e listagem das mais representativas famílias
ringueiros. Ambos têm vivência de cooperativas de borracha, como silábicas do português, num total de 3 2 , cada um dos alunos se pôs a
uma alternativa concreta ao domínio comercial e político de seus pesquisar as palavras geradoras da cartilha, tentando englobá-las num
antigos patrões seringalistas. conjunto que variava de 1 5 a 23. Depois de cada um encontrá-las e
ilustrarem-se essas palavras, foi feita a seleção das que mais motivaram
Dessa forma, através do trabalho de um mês intensivo (1 80 horas de o grupo na sua totalidade.
aula, carga horária pedida pelos monitores) com este material didático,
os alunos foram progressivamente aprendendo a falar, ler, escrever e
contar em português. Foram estas as 19 palavras geradoras escolhidas: nomes de bichos que
lhes servem como alimento pela pesca e caça - PIABA, JABUTI,
QUEIXADA; nomes dos alimentos produzidos na r o ç a - MILHO, CANA,
A segunda fase do curso, uma vez garantida a alfabetização do grupo de
FARINHA - e uma das maneiras de comê-los - ASSADOS; seus
monitores, consistiu em prepará-los para retransmitirem a nova técnica
instrumentos e meios de trabalho - FLECHA, TERÇADO, BALSA; sua
a d q u i r i d a - o domínio do português e do primeiro código verbal escrito,
principal m o b í l i a - R E D E ; seu trabalho-SERINGUEIRO, ESTRADA (de
para que numa terceira fase, quando de volta às aldeias, passassem
seringa); seus espaços e bens naturais de onde provém sua riqueza —
eles a serem os professores.
TERRA, LAGO, e a palavra RIQUEZA; suas festas e elementos rituais -
MARIRI (festa do milho e da banana), CHAPÉU (de pena), GAVIÃO (ave
Pretendendo que a continuação do programa de educação indígena
de especial valor ritual de cujas penas é feita a roupa para a festa do
levado a efeito pelos próprios monitores realmente expressasse,
gavião-tirim).
informasse e dinamizasse sua realidade étnico-cultural e sócio-
econômica, inventamos juntos o material didático c o m o qual iriam
trabalharem seus grupos. A Poronga, embora útil à sua aprendizagem e Nosso método não utilizou pranchas motivadoras e representativas das
ao entendimento do mundo dos brancos, demonstrou, no entanto, ser palavras, mas desenhos feitos pelos monitores. Estes desenhos,
inadequada ao específico cultural indígena. explosão criativa de formas e cores, são a expressão direta de sua visão
do mundo e de sua experiência social, facilitando assim a apreensão
O método de trabalho nesta segunda fase do curso privilegiou os imediata das palavras representadas, além de contribuírem para sua
exercícios que deixavam nas mãos dos alunos-monitores a tarefa reflexão, já que a própria experiência da confecção dos desenhos atua
responsável de pensar e confeccionar sua cartilha indígena. Foram eles nesta motivação.
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, São Paulo. A questão da educação indígena O ponto de partida dos debates foi a distinção entre educação
São Paulo, Brasiliense, 1981. indígena, concebida como prática educativa peculiar a cada povo indí-
gena e desenvolvida como "meio de controle social interno de cada
A constatação das condições de isolamento em que ocorriam "as grupo" e a educação para o índio, que "envolve agentes estranhos à
experiências com educação formal em áreas indígenas no Brasil", as cultura" e obedece à orientação básica da crença na sobrevivência ou
"poucas oportunidades de trabalho conjunto entre as universidades, no desaparecimento do índio na sociedade nacional.
de um lado, e os indigenistas e missionários, de outro", e a inexistência
de uma orientação e filosofia definidas com relação à educação Reconheceu-se a necessidade do desenvolvimento de propostas edu-
indígena por parte do órgão oficial - a Fundação Nacional do índio cacionais alternativas, que propiciassem novas perspectivas para a
(FUNAI), tornaram oportuna a realização de um debate mais amplo educação, ou seja, de um chamado indigenismo alternativo, desvincula-
para exame da questão da educação e, principalmente, dos direitos do do paternalismo autoritário da orientação oficial (estatal e missionária)
dos povos indígenas. caracterizada pelo desrespeito, pela dominação e conseqüente des-
truição dos povos indígenas.
Nesse sentido, promovido pela Subcomissão de Educação da Comis-
são Pró-Indio/SP, foi realizado, em dezembro de 1979, em São Paulo,
Outro ponto discutido foi a relação educação/ alfabetização-escola em
o I Encontro Nacional de Trabalho sobre Educação Indígena que
grupos indígenas. A alfabetização, enquanto "necessidade gerada
objetivava, fundamentalmente, "a identificação de problemas comuns
pela situação de contato"e "não necessariamente vinculada à escola",
às várias experiências", então existentes, e "a busca de caminhos para
pode desempenhar papéis distintos de acordo com a forma com que é
a construção de uma educação formal adequada às necessidades reais
operacionalizada. Assim, quando empregada como forma de subs-
dos povos indígenas do Brasil".
tituição da educação tradicional, age como fator de divisão social e de
desestabilização da identidade do grupo. Ao objetivar a minimização
A presente coletânea reúne artigos e relatos de experiências concretas
das interferências na educação tradicional, atua como fator de auxílio
apresentadas no Encontro por profissionais de diversas áreas, com-
ao índio no "seu relacionamento com a sociedade envolvente".
prometidos com a concepção de uma educação "para os índios", que
atentasse para a preservação de sua identidade étnica e envolvesse a
participação direta dos grupos indígenas. Tratava-se, portanto, subs- Já a escola, considerada como uma "instituição estranha às socieda-
tancialmente, da questão dos direitos dos povos indígenas, ou seja, o des baseadas na oralidade" funciona, basicamente, como veículo da
"direito à condução de seu próprio destino, ao acesso às informações dominação das populações indígenas. Assim, considerou-se a neces-
cruciais à sua sobrevivência, à decisão sobre medidas que os afetam sidade de um questionamento por parte de professores que atuam em
diretamente e à obtenção, garantia e respeito a um território adequado escolas criadas segundo a orientação oficial, no sentido do desenvol-
I às suas necessidades", traduzida na conquista de sua liberdade, vimento de uma "ação educativa mais ampla" que não reduza
sempre considerando sua especificidade e seu direito, como minoria "educação a escola e escola a alfabetização" e que possibilite um
étnica, de "serem diferentes". '"enfrentamento global' dos problemas com que cada povo indígena se
Segue-se o relato de experiências concretas de alfabetização e Fazem parte, ainda, desta coletânea, quatro artigos que abordam
educação de grupos indígenas levadas a efeito nas Regiões Norte, questões relacionadas com a educação indígena.
Centro-Oeste e Sul do País.
Em Educação popular: contribuição ao debate da educação do índio,
Observa-se como preocupação básica comum a todos os depoimentos Carlos Rodrigues Brandão faz um relato de suas experiências com
a preservação e revitalização dos valores e da cultura indígenas, Educação Popular em meios rurais do país.
através da concepção de uma escola sempre vinculada e adequada ao
Segundo o autor, toda forma de educação levada a "outros" (incluídas
contexto de vida do grupo e ao momento histórico vivido por ele, que
aí as minorias étnicas e as maiorias de subalternos como os povos
atue com um mínimo de interferência na vida tribal propriamente dita.
indígenas e os povos colonizados) por agentes com alguma espécie de
vínculo com o poder surge como uma forma de "invasão cultural,
Além disso, a escola deve constituir um espaço auxiliar de conscien-
simbólica, ideológica". Esta forma de invasão torna-se ainda mais
tização, de discussão e "tomada de posições frente a problemas
evidente em projetos de educação de grupos indígenas, quando o
enfrentados" nas situações de contato com o mundo dos brancos,
"outro invadido" é "um próprio outro mundo de vida e de cultura".
servindo basicamente, portanto, como instrumento de libertação dos
povos indígenas.
Embora reafirmando a presença inevitável da educação e da escola em
qualquer tipo de sociedade como meio de preservação de valores
O documento final, síntese das questões discutidas por ocasião do culturais, o autor ressalta o caráter de "quadrificação" do ato de ensinar,
Encontro, evidenciou a necessidade de um debate mais amplo que na medida em que restringe e delimita "modos de pensar, de criar, de
possibilitasse uma revisão e uma reformulação da política indigenista agir e de participar da vida, da cultura e da sociedade ", de maneira que
oficial, reflexo do "modelo político-econômico instituído no país", que atendam interesses de grupos minoritários dominantes.
HERNÁNDEZ, Isabel. Educação e sociedade indígena; uma aplicação Os mapuches vivem até hoje sob um regime espoliativo de comer-
bilíngüe do método Paulo Freire. São Paulo, Cortez, 1981. 111 p. cialização, ocupando territórios exíguos, dos quais têm, em geral, o
título de propriedade coletiva, embora trabalhem cada parcela de terra
Isabel Hernández relata uma experiência educativa desenvolvida no individualmente. A obtenção de crédito lhes é quase impossível,
Chile a partir de 1972: o Programa de Mobilização do Povo Mapuche, sendo também precário o acesso a meios de produção e a técnicas
que nasceu por iniciativa da Faculdade Latino-Americana de Ciências mais aperfeiçoadas.
Sociais (Flacso) e foi concretizado pela participação ativa de or-
ganizações camponesas mapuches e não mapuches, contando, tam- O não índio é visto como "huika" (ladrão) pelos mapuches, o que se
bém com a colaboração e coordenação de instituições estatais de explica pela história da ocupação de seus territórios ("mel fun mapu",
nível regional e nacional. ou as nossas terras) pelos alienígenas. A difusão das normas e valores
que garantem a manutenção da dominação é de tal modo eficaz que os
O Programa de Mobilização estava inserido em um processo político "huika" pobres, identificando-se etnicamente com os grupos domi-
cujos dirigentes, na época, visavam instaurar uma democracia sociali- nantes, também desprezam o índio, vendo-o da mesma maneira que
zante que proporcionasse melhores condições de vida, trabalho e os comerciantes, latifundiários e representantes do estado e desqua-
participação e garantisse os direitos do cidadão chileno, os quais lificando, como estes, suas manifestações culturais e ideológicas
vinham sendo solapados por uma sociedade fundamentada na injus- próprias.
tiça.
As metas gerais de mobilização, segundo Hernández, "consistiram O sistema educacional vinha, segundo Hernández, atuando a serviço
fundamentalmente em definir e aplicar coletivamente uma política de dos propósitos hegemônicos do Estado e dos grupos dominantes, no
integração nacional do povo mapuche, moldada em um período de sentido de imprimir diferenciações e, assim, acentuara discriminação.
Mesmo uma suposta atuação igualitária não atendia às diferenças
transição e de mudanças sociais mediante o estabelecimento de
étnicas com respostas diferenciadas, levando os diversos atores
condições igualitárias de participação social e de dignidade hu-
sociais a incorrer em relações discriminatórias.
mana" (p. 34-5).
Hernández mostra como os camponeses mapuches eram subjugados Os programas de estudo e métodos de ensino, como diagnostica
na sociedade de classes e submetidos a "discriminação específica Hernández, estavam divorciados da realidade sócio-cultural e das
motivada por sua diferenciação étnica" (p. 15), servindo esta dis- reais necessidades do educando mapuche e atuavam no sentido de
criminação como elemento justificador para o exercício das relações reprimir, desclassificar e menosprezar as manifestações culturais
de sujeição/dominação. O Estado, por sua vez, vinha desempenhando indígenas. A postura autoritária dos professores, que se colocavam no
um papel repressivo face às tentativas de afirmação da identidade centro das salas de aula e atuavam como agentes de aculturação, não
mapuche diante da sociedade nacional, negando, assim, constan- permitia ao educando oportunidades reais de se expressar, inculcan-
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Educação Indígena em Debate
Assim sendo, a entidade já promoveu, em 1 982 e 1 984, dois encontros com esta finalidade,
ambos transcorridos em Fátima de São Lourenço, Mato Grosso.