DE SÃO PAULO
Marília
2017
ALEXANDRE SILVESTRE DO NASCIMENTO
DE SÃO PAULO
Marília
2017
Nascimento, Alexandre Silvestre do.
N244d A ditadura civil-militar e grupos empresariais paulistas:
o caso Boilesen e o financiamento do Grupo Ultra à OBAN e ao DOI-
CODI de São Paulo / Alexandre Silvestre do Nascimento – Marília,
2017.
108 f. ; 30 cm.
CDD 005.73
ALEXANDRE SILVESTRE DO NASCIMENTO
BANCA EXAMINADORA
UNESP
UNESP
UNESP
Marília
2017
AGRADECIMENTOS
Barbosa, pela confiança, pelo incentivo, desde nossas primeiras conversas sobre o tema para
elaboração deste trabalho, fazendo críticas qualitativas, sugestões, e pela paciência em meus
momentos de excitações, mesmo com várias atividades que assumiu para além da sala de aula.
À minha mãe Antônia, pela força e paciência em me ajudar a permanecer firme nos
estudos mesmo nos momentos de maior dificuldade, quando não tinha trabalho, nem bolsa, suas
consciência de classe.
E finalmente, agradeço a todos e todas os (as) companheiros (as) do curso pelo estímulo,
ABSTRACT
The financing and collaboration of entrepreneurs, especially from São Paulo, in the
assembly and structuring of repressive organs such as the OBAN and later the DOI-CODI,
is a little known phenomenon of the Brazilian society that has been operated almost
completely in a clandestine manner. The State of National Security, which due to the lack
of resources to set up a repression apparatus, summons the São Paulo business community
to collaborate to disrupt the clandestine organizations that developed urban guerrilla
actions. This work examines as object of investigation the process of financing and
collaboration perpetrated by the Ultra Group from the trajectory and performance of its
executive Henning Albert Boilesen, who also presided over the largest company of the
group, Ultragás, in the period between 1969 and 1971, when his murder occurs. We used
bibliographic research to construct the theoretical reference for object analysis, and
documentary research to demonstrate the involvement of the Ultra Group, through
Boilesen's role in OBAN / DOI funding.
.
Keywords: Civil-military dictatorship. Oban. Businessmen from São Paulo. Repression.
Financing.
LISTA DE SIGLAS
AP Ação Popular
CD Comitê Diretor
CE Comitê Executivo
CO Conselho Orientador
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 GÊNESE: A CONJUNTURA PRÉ-64 E O GOLPE DE ESTADO ................................. 16
1.1 A FACE CIVIL DO GOLPE: OS GRUPOS EMPRESARIAIS, ASSOCIAÇÕES DE
CLASSE, O COMPLEXO IPES/IBAD E AUTORIDADES LAICAS E ECLESIÁSTICAS
.............................................................................................................................................. 28
1.2. OS MILITARES E A ESG: O “PARTIDO” DA ORDEM BURGUESA .................... 40
2 O ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL ................................................................... 50
2.1 AS BASES LEGAIS DO NOVO ESTADO (1964-1967) ............................................. 50
2.2 OPOSIÇÃO E CRISE DE ESTADO: O ATO INSTITUCIONAL N. 5, A DITADURA
SEM DISFARCES (1968) .................................................................................................... 57
2.3 O FINANCIAMENTO EMPRESARIAL À MONTAGEM DOS ÓRGÃOS DE
REPRESSÃO: OBAN, EXPERIÊNCIA-PILOTO .............................................................. 61
2.4 A REPRESSÃO INSTITUCIONALIZADA: O DOI-CODI ........................................ 67
3 O GRUPO ULTRA E A REPRESSÃO: O CASO BOILESEN ....................................... 69
3.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO GRUPO ULTRA.......................................................... 71
3.2 O PERSONAGEM-SÍMBOLO DA COLABORAÇÃO: O COMPLEXO BOILESEN 76
3.3 O ENVOLVIMENTO DIRETO COM A REPRESSÃO POLÍTICA ............................ 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 89
FONTES DOCUMENTAIS................................................................................................... 95
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 95
ANEXOS ................................................................................................................................. 97
I – Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Geraldo Resende de Matos, da FIESP ......... 98
II- Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Claris Halliwell, do consulado geral dos EUA
acompanhado do cap. Ênio Pimentel da Silveira, membro do DOI-CODI/SP .................... 99
III- Documento do Departamento de Estado (EUA) atesta envolvimento de Boilesen com
Oban .................................................................................................................................... 100
IV- Documento elaborado pelo Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI)
apresentado durante palestra realizada por Theobaldo de Nigris, presidente da FIESP, a
oficiais militares na Escola Superior de Guerra em 21/07/1972 ........................................ 102
V- Manual Básico da ESG de 1961 .................................................................................. 105
APÊNDICE A – Sobre os documentos dos Anexos 1 e 2 .................................................. 106
APÊNDICE B- Sobre os documentos dos Anexos 3, 4 e 5 ............................................... 106
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar como se operou o processo do financiamento
de Defesa Interna (DOI-CODI) em São Paulo, tendo como objeto de investigação a atuação da
Ultragás nesse processo, que se destacou por ser a maior empresa do Grupo Ultra, a partir da
brasileiro Henning Albert Boilesen, entre 1969 e 1971 (ano em que é assassinado) como recorte
histórico. Processo entendido aqui como continuidade da ação política de classe das elites civis
específico.
por amplos setores da sociedade brasileira, até mesmo pelo fato de que este fenômeno se deu
Verdade1, arquivos na página eletrônica dos Documentos Revelados e do jornal Folha de São
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),assim como a descoberta do apoio e
colaboração de grandes órgãos de imprensa, dentre eles a Folha, com as atividades do aparelho
repressivo, que tinha pleno conhecimento, por exemplo, da famigerada ‘caixinha da OBAN’,
sendo ela própria colaborando com o órgão fornecendo caminhões da empresa para operações
1
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instaurada pelo governo de Dilma Rousseff em maio de
2012, por intermédio da Lei 12.528/11 como órgão temporário e teve por finalidade apurar as graves
violações de direitos humanos ocorridas no Brasil no período cmpreendido entre 18 de setembro de
1946 e 05 de outubro de 1988. Encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, quando da
entrega de seu Relatório Final.
10
A escolha do tema justifica-se pela relevância dos 50 anos do Golpe dada pela intensa
divulgação dos meios de comunicação, em meio aos trabalhos da CNV e que foi objeto de
discussões e debates através de eventos que ocorreram em várias universidades ao longo do ano
de 2014, dentre eles podemos destacar o evento organizado pela Faculdade de Filosofia e
denominado “Golpe Militar: 50 anos: Memória, História e Direitos Humanos, assim como
constitucional como o Impeachment de forma ilegal, que foi perpetrado pelas mesmas elites
civis contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, que outrora foram atuantes em 1964 contra
João Goulart, em uma aliança agora não com militares e sim com o Judiciário, embora os
contextos sejam distintos. E por fim, refutar a visão revisionista de órgãos de imprensa como o
jornal Folha de São Paulo, que em um de seus editoriais referia-se a violenta repressão política
ditatorial brasileira fora supostamente menos violenta que as experiências vivenciadas no Chile,
que ambos os processos são fenômenos não devem ser tratados isoladamente, como se fossem
pertencentes a períodos históricos diferentes e que não existe alguma conexão entre eles. Ao
contrário, a burguesia continua a intervir na política brasileira para preservar seus interesses.
estudo do período anterior ao golpe para a análise do regime instaurado a partir de abril de 1964,
pois o objeto insere-se neste contexto revelando que tal processo golpista teve como atores as
historiografia passou a ser revista e a ideia de ‘ditadura militar’ já está sendo superada e
redefinida como uma ditadura civil-militar (DREIFUSS,1980), embora não contasse com o
11
apoio de todos os setores da sociedade. Outra denominação mais específica é a de ditadura
Este trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que no primeiro, trataremos de
demonstrar que esse fenômeno ocorreu de forma isolada ou espontaneamente pela ação de um
grupo de oportunistas, e sim uma ação política de uma classe dominante que já obtendo a
hegemonia econômica, necessitava do controle político do Estado para implementar seu projeto
seus atores civis e militares e demonstrando quais interesses permeavam a articulação entre
Nessa perspectiva, a articulação que se estabelece em período anterior a 1964, fase que
lado civil do golpe não era homogêneo, pois se compunha de empresários de diversas atividades
complexo, consideramos sensato apontar acerca da atuação de cada setor a fim de demonstrar
FIESP e o dispositivo empresarial-militar apontado por Dreifuss (2008) formado pelo Instituto
de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
que desempenhou papel fundamental na formulação das diretrizes políticas por parte dos
estratégia psicossocial de propaganda junto à população através de rádio, TV, livros, periódicos,
12
Assim como discorremos acerca do campo militar, pois o golpe não teve participação
derrubada do governo de João Goulart, a saber, a alta oficialidade vinculada à Escola Superior
medidas para efetivar políticas de controle social e segurança “interna” com objetivo de
assegurar a realização das políticas que atendam os interesses da classe dominante no poder.
com a setores que se opõe ao modelo a ser implantado, que aumenta na medida que o Estado
cidade de São Paulo por setores radicais de esquerda, leva o Estado organizar aparatos
essa nova forma de oposição para salvaguardar os interesses dominantes. Esse processo de
social do estado de São Paulo, lócus de onde emerge as principais oposições ao Estado de
Contrainsurgencia.
Grupo Ultra presidido por Pery Igel, com destaque a maior empresa que o compõe, a Ultragaz,
tomando por base a trajetória de seu presidente, o dinamarquês naturalizado brasileiro Henning
13
Albert Boilesen no período entre 1969 e 1971. A escolha desse grupo fundamenta-se no
destaque atribuído a Boilesen como um dos articuladores entre o empresariado paulista, aliada
à sua controversa personalidade que mesclava afabilidade com seus ‘companheiros de classe’ e
rejeição àqueles considerados inimigos, cuja presença e atuação era uma ameaça ao
desenvolvimento e segurança do País e a ‘paz nos negócios. Tal personalidade estimulou suas
claras posições políticas, embora pudemos demonstrar que aquele elemento subjetivo não foi
Boilesen não fora o mais importante financiador entre o empresariado paulista, mas o
fato de ter se exposto por comprazer-se de frequentar os espaços destinados a elite paulistana e
menções em colunas sociais e de ter se destacado como liderança no meio empresarial, conferiu-
lhe exagerada confiança em seu poder de influência e relações próximas aos oficiais militares,
que até lhe ofereceram proteção ante a uma possível retaliação por sua colaboração, preferiu
A aliança formada nos dois campos consolida-se pelo consenso entre uma ‘lógica
empresarial’ no que diz respeito à administração do Estado e que influenciou os militares, por
estes não deterem conhecimento nesta área, e a ideologia da Segurança Nacional que formulada
cujo caráter dependente e associado, atendia aos interesses de uma classe burguesa alinhada
14
Executivo. Importante mencionar que vários empresários assumiram postos-chave no novo
Estado.
Tal projeto não seria passível de oposições, esta operou-se no âmbito do Legislativo,
como também nas organizações de trabalhadores e partidos políticos e inclinamos atenção sobre
o conflito entre o Estado de Segurança Nacional e a oposição, que foi marcado também por
perante a sociedade brasileira. Em suas relações com as oposições, a saída para resolver os
vários impasses, o Estado de Segurança Nacional promove dura repressão por ceder a pressões
torna mais aguda mesmo com a escalada repressiva, e contraditoriamente com o aumento da
Institucional nº 5. Para uma parte da oposição, só restava uma estratégia de atuação: a luta
armada.
Dentro deste contexto, o Estado de Segurança Nacional ao não possuir recursos para
Estado, destacavam-se o Grupo Ultra, que se compunha de várias empresas, a maior delas a
Ultragáz, presidida por Henning Albert Boilesen, anticomunista ferrenho e muito influente entre
o empresariado e boas relações com os militares. Boilesen por sua destacada atuação no período
sobretudo na montagem da OBAN, órgão experimental que atuaria na cidade de São Paulo,
considerada como foco central da ‘subversão armada’ no País. Depois com o êxito da OBAN
nas suas ações repressivas, seu formato foi estendido para outras capitais do Brasil e
15
incorporada ao organograma oficial das Forças Armadas sob a temível denominação DOI-
CODI.
também com recursos materiais, destacou-se com um dos articuladores dentro da FIESP, que
servia de local para que empresários, reunidos com a alta oficialidade militar, contribuíssem
com fartas quantias em dinheiro e gratificações a agentes de repressão para cada militante preso
e morto.
colaboração empresarial com a repressão, embora não tenha sido o único e talvez não o mais
importante. Tal fenômeno é de suma importância para entendermos como se operou a brutal
como nação e depois como Estado e, portanto, uma formação de tipo clássico. Segundo apontou
Carlos Nelson Coutinho, que baseou-se de categorias gramscianas para analisar o processo de
formação do Estado brasileiro, em nosso país se constituiu até os anos 30 do século XX, uma
formação político-social de tipo ‘oriental’, onde o Estado é soberano e a sociedade civil é débil
e primitiva.2
Brasil ao longo de sua história, que nitidamente a diferencia dos processos que passaram os
países desenvolvidos. Nesse sentido, importante termos claro que a ‘orientalidade’ brasileira
2
COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado brasileiro: gênese, crise e alternativas. In: ContraCorrente:
ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2008, p.173.
16
não é um fenômeno casual, está vinculada com a posição que o Brasil ocupa no cenário mundial
Coutinho (2008) aponta que o Brasil vivenciou experiências nos momentos que teve que
tipo ‘não-clássicos cujo resultado foi a formação de uma sociedade de tipo ‘oriental’. 3 O
período que define a nossa consolidação como nação, evidentemente, é a década de 1930,
cuja Revolução deflagrada é o marco que permite que ingressemos à modernidade e além disso,
sendo um Estado burguês. No entanto, após 1930 que efetivamente se generaliza e consolida-
Uma das principais características desse Estado burguês que se gestou em nosso país e
que se estabelecesse até os dias atuais, é o fato de que este modelo estatal tenha resultado de
revoluções passivas5, sendo que a supremacia de classe no poder de Estado se manifestasse por
fenômeno caracteriza o que Gramsci denominou de ‘ditadura sem hegemonia’, ou seja, que esse
tipo de Estado absorve em seu interior uma classe dominante, que detém seu controle de forma
direta ou indireta, no entanto, o projeto político dessa classe não tem o consenso ou respaldo da
maioria da sociedade. Desse modo, o período compreendido entre 1930 a 1980 é marcado pela
existência de um Estado burguês que teve esta característica, na maior parte do período.
3
Ibidem, p. 174
4
Ibidem, p. 176
5
Revolução passiva é o conceito formulado por Gramsci (2002), pelo qual o autor refere-se aos
processos de transformação em que ocorre uma conciliação entre as frações modernas e atrasadas das
classes dominantes, com a tentativa explícita de excluir as camadas populares de uma participação
mais ampla em tias processos. Gramsci argumenta que as revoluções passivas provocam mudanças na
organização social, mas mudanças que conservam elementos da velha ordem.
17
Neste longo período, conforme aponta Dreifuss (2008) que em meados da década de
do Estado Novo foram integrados e sintetizados para uma nova fórmula de ‘desenvolvimento’,
através do qual buscou-se estabelecer uma hegemonia burguesa. A estratégia para alcançar tal
objetivo foi forjar um esquema visando limitar a mobilização política nacional das massas
populares, por intermédio da criação de uma estrutura sindical controlada pelo Estado e no
(PTB), partidos que encabeçavam o bloco de poder tradicional naquela ocasião que
Estratégia que foi considerada ameaçadora aos interesses dominantes, pois esta
permitiria a Vargas estabelecer uma base de sustentação forte nas classes trabalhadoras que
Estado, e causou a deposição de Getúlio por meio de um golpe de Estado6, cujos artífices foram
Gaspar Dutra, é apoiado pelas máquinas do PSD e do PTB e pelo próprio Vargas, portanto,
que se refere à participação política das classes trabalhadoras e ao nacionalismo, com forte
influência dos empresários em seu governo, inclusive alguns deles ocupando cargos
6
O conceito de golpe de Estado é formulado pelo francês Gabriel Naudé em 1639, presente na obra
Considerátions politiques sur les coup es d’ Etat, na qual o autor define o conceito como último recurso
utilizado pelo governante em situações de grande ameaça contra a segurança de seu próprio povo. Trata-
se de proteger os homens por intermédio da garantia da existência da entidade que deve preservá-lo: o
Estado. Nesse sentido que Naudé fundamenta-se na noção de prudência para desembocar na formulação
do conceito. Portanto, difere do sentido que o conceito é atribuído na contemporaneidade, que o define
como “apropriação pelo uso da força (de grupos ou indivíduos) do poder de Estado, destituindo um
governo eleito pelo voto”, e portanto, não deve ser visto como a única definição do conceito,
demonstrando que existem outras interpretações. Para melhor compreensão da teoria naudeana dos
golpes de estado, vide GONÇALVES, Eugênio M. Prudência e razão de Estado na obra de Gabriel
Naudé. 2015. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, 2015.
18
importantes, a abertura ao capital estrangeiro e o alinhamento político-ideológico-militar com
os EUA, o que convergia com os interesses do bloco de poder emergente formado pela
Outro fator importante é que durante o governo Dutra, é criada a Escola Superior de
Guerra (ESG) que fomentou oficiais das Forças Armadas com posicionamento político anti-
Mista Brasil-Estados Unidos com o objetivo de estudar a realidade brasileira e formular, mesmo
O segundo mandato de Vargas segue ortodoxamente uma política que busca cooptar o
apoio das classes trabalhadoras e que mantém uma base de sustentação no PSD como partido
hegemônico em detrimento do PTB com relação ao número de cadeiras nos ministérios e com
importantes mudanças no sistema político e no regime. Isso permitiu que as diferentes frações
de classe dominantes obtivessem espaço para compartilhar do governo junto com o bloco de
poder dominante.
conservadoras que o prometido em campanha, mas também teve o efeito eliminar o receio dos
militares em relação à instauração de uma república “sindicalista” da qual Perón parecia ser o
protótipo na Argentina, o que indicou uma disposição de Getúlio Vargas de trabalhar com a
Sendo assim, o Congresso tornou-se uma instituição política basicamente regulada por
oscilações e alianças, porque exercia certo grau de controle sobre as medidas políticas adotadas
7
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7 Ed.
Petrópolis: Vozes, 2008, 814 p.
19
pelo Executivo. O duplo papel de representação exercido pelo Congresso se expressava por um
partidos podiam pressionar o sistema, estruturar suas alianças e genhar apoio popular na
Além disso, o tipo de regime e sistema político almejado pelo Executivo varguista
Estado e formulação de diretrizes políticas, com relativa liberdade da influência exclusiva das
multinacionais.
mundial, perderiam na combinação desse arranjo sua representação nos canais de formulação
de diretrizes políticas. A estratégia então adotada pelos interesses multinacionais foi tentar de
maneira agressiva mudar esse cenário estabelecendo aliança com os interesses locais e com
outras forças reacionárias acuadas, que temiam a ascendência de Vargas que se dispunha a
Durante a transição de Café Filho, as diretrizes econômicas são orientadas por Eugênio
Gudin, ministro das Finanças e estas diretrizes deram início a um período radicalmente distinto
governo de Café Filho que teve o apoio de uma aliança informal de centro-direita entre
empresários, alguns oriundos da UDN e outros do PSP (Partido Social Progressista), teve como
20
marca a contenção das classes trabalhadoras e o estimula à penetração de interesses
No entanto, este bloco de poder apesar dos esforços fora derrotado nas eleições
seguintes por uma aliança formada pelo PSD e pelo PTB, sindicalistas e empresários, que
correspondeu a formação de uma “frente nacional”, sendo encabeçada pela chapa Juscelino
da vida política, fator crucial para desencadear várias crises no período compreendido entre
1951 a 1964.
gestão Juscelino Kubitschek que implementa uma política de desenvolvimento que resultou em
socioeconômica do Brasil, como também tornou o mercado interno mais sofisticado, gerando
crescimento das empresas, uma produção mais completa com expansão das indústrias básicas,
regionais.8
8
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 43.
21
O fator mais importante decorreu desse projeto desenvolvimentista, a saber, o governo
multinacional e associado. Esse novo bloco de poder emergente seria o grande beneficiário
assumir o comando político para efetivar seus interesses na forma de políticas que
dominantes, para reproduzir e recriar no âmbito ideológico por um curto período, a idéia de um
Por outro lado, em relação à classe trabalhadora, medidas autoritárias foram adotadas
no sentido de evitar que estas percebessem o populismo 9 como mecanismo das classes
dominantes, provocando nos trabalhadores a falta de diferenciação sociopolítica que havia sido
a marca dos governos anteriores. Isto significa evitar que a classe trabalhadora percebesse as
diferenças sociopolíticas dos regimes anteriores, com o claro objetivo de abafar a sua
organização autônoma.
camponeses tiveram de ser reconhecidos como atores sociais que deveriam ser contidos,
embora as classes dominantes insistiam em não os reconhecer como forças sociais legítimas.
9
O conceito de populismo tem sido interpretado de várias formas, não havendo consenso entre todos os
autores sobre sua definição. Dreifuss (2008, p. 53) utiliza este conceito para efeitos de análise como
bloco histórico que se construiu pelas classes dominantes dentro de condições históricas particulares do
Brasil, ou seja, uma articulação de diferentes classes sociais lideradas por um bloco de poder
oligárquico-industrial. Embora seja a forma que as classes dominantes tentaram encobrir a supremacia
de classe no poder, contraditoriamente, o populismo permitiu que a classe trabalhadora expressasse suas
reivindicações através de formas organizacionais.
22
Não foi por acaso que no período Kubitschek, que as noções militares de segurança
estudo do que considerava como ameaça subversiva as forças sociais que se posicionavam
consentimento, embora não tenha significado passividade por parte da burguesia. Pois o
interna, assim como a utilização de medidas coercitivas, foram fatores que marcaram o período.
anos 1960 a supremacia econômica em relação ao bloco formado pela burguesia industrial de
médio porte e burguesia agrária, ambas voltadas para o mercado interno então no poder e às
classes trabalhadoras. Embora fosse detentor do domínio econômico, o novo bloco de poder
multinacional e associado11 não se limitou a adotar a estratégia de impor suas demandas apenas
Para obter êxito, era necessário dispor de ações políticas, as quais se materializaram por
10
A Escola Superior de Guerra é uma instituição criada no governo Dutra, formada como consequência
do alinhamento político-ideológico e militar com os Estados Unidos da América, no pós Segunda Guerra
Mundial, arregimentando oficiais militares anti-populares, anti-Vargas, com interesses que convergiam
com as classes empresariais em relação a um projeto econômico para o Brasil (DREIFUSS, 2008).
11
Dreifuss (2008) considera que a Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas que marca a
consolidação econômica e política do capital monopolista nos centros industriais e financeiros. Nesse
sentido, o capitalismo se apresenta sob novas formas que se materializaram em nível mundial através de
uma articulação complexa e contraditória com várias formações sociais, e se expressam sob a forma de
organização das corporações multinacionais. Para ele, o capitalismo brasileiro sendo dependente e tardio,
viria a se tornar tanto transnacional quanto oligopolista subordinado aos centros de expansão capitalista.
Dessa forma, somente consegue coexistir de modo significativo na economia brasileira, associando-se
ao capital transnacional ou em empresas estatais, formando o que o autor denominou de bloco de poder
multinacional e associado.
23
aparelho civil e militar modernizante que se responsabilizaram pelos assuntos relativos à
de alcance nacional das multinacionais. Fator que favorecia essas atividades reside no exercício
que proporcionou realizar pressão econômica sobre o governo de Juscelino Kubitschek e Jânio
Quadros.
Outra forma considerada pelo bloco emergente para se fazer representar seus interesses,
para além do âmbito institucional ou do lobbyn sobre o Executivo, foi criar grupos de ação
política e ideológica, o IBAD, nascido em fins da década de 50, que tinha o ambíguo propósito
empresariais.
como organização autônoma e representante das demandas das classes trabalhadoras, entra em
rota de colisão com certos aspectos da estrutura sindical vertical, isto é, aquela tutelada pelo
Quadros à presidência, candidatura que contava com apoio do empresariado e também pelo fato
12
O complexo IPES/IBAD foi a forma orgânica de ação sofisticada da burguesia multinacional e
associada, passando de um limitado grupo de pressão para uma organização de classe que projetou a
articulação civil-militar para desencadear um golpe de Estado. Portanto, seu papel foi preponderante na
derrubada de João Goulart.
24
O discurso demagógico e moralizante de Jânio se enquadrava no perfil ideal de
presidente que tinha como intenção ‘varrer’ o país de suas mazelas, cuja maior delas era a
Os anos 1960 foram o cenário da consolidação do novo bloco, o qual segundo Dreifuss
populismo modernista, que apoiado pelo Partido Democrático Cristão (PDC), e o alinhamento
que se desenha relaciona-se tanto com a política externa aberta de Jânio , assim como cooptar
as massas populares para ‘racionalizar’ a economia. O autor aponta que a administração Jânio
Quadros pode expressar a “nova relação de forças sociais e grupos econômicos de poder em
No entanto, logo nos primeiros meses de governo, torna-se evidente que seu ‘populismo
campanha às camadas populares. A herança que recebeu de seu antecessor consistia em uma
também com a formação de uma burocracia e vícios administrativos populistas que se tornaram
13
Ibidem, p. 137-139
14
O termo modernizante-conservador que designa o bloco de poder em questão, é oriundo do conceito
modernização conservadora, elaborado pelo sociólogo norte-americano Barrington Moore Jr (1975),
análogo ao conceito de revolução passiva de Gramsci. Coutinho (2008) toma de empréstimo o conceito
formulado por Moore Jr. pois considera que ajuda a pensar o caso brasileiro ao analisar o tipo de Estado
que se formou em nosso país.
25
A renúncia de Jânio permitiu a subida ao poder do vice João Goulart, representou uma
ameaça grave ao bloco multinacional e associado, pois temiam perder sua posição privilegiada
e por isso se prepararam para adotar medidas restritivas às demandas populares e reprimir os
foi articular um bloco civil-militar de tendências ‘cesaristas’ que, subverteria a ordem política
João Goulart buscou articular uma base nacionalista formada pelas forças populares,
pequena e média burguesia industrial local, com o objetivo de atingir o mercado de baixo poder
aquisitivo, como também o setor agrário voltado ao mercado interno, compondo assim um novo
bloco de poder agro-industrial para reconstituir o sistema e regime político nacional e com este
interesses do bloco de poder multinacional e associado e o principal fator que desagradava era
uma questão política crucial, a saber, segundo Dreifuss, em decorrência das medidas anunciadas
meio de acirramento da luta de classe, a passagem de uma forma de manipulação para uma
forma de participação, para a qual os sujeitos sociais emergentes (as classes trabalhadoras)
podiam apelar.
a crise deflagra-se e está ocorria à medida que o regime vigente perdia seu caráter manipulatório
populares.
O golpe final desfechado contra o governo Goulart consistiu em uma ampla campanha
em sua maior parte e tendo como alvo o Executivo e as organizações das classes subordinadas.
26
segundo Dreifuss (2008) era inicialmente capaz de governar, mas capaz de liderar
economicamente, aliado a isso a eclosão de uma crise de domínio político, que se desdobrou
A questão fundamental para esse compreender o processo de golpe executado por grupos
econômicos estrangeiros e nacionais e oficiais vinculados à ESG, trata-se de perceber que tal
caráter dependente e associado ao capital transnacional e esse projeto deveria ser implementado
defendida pelos militares contra a ameaça subversiva era um dos elementos que garantiam a
convergência de interesses.
que de grupo econômico que obtêm hegemonia na economia brasileira, atinge o patamar de
bloco de poder que para desenvolver seu projeto econômico e político conquista o comando do
aparelho de Estado, por intermédio de uma organização, o IPES/IBAD, criada para financiar
seus interesses e o êxito de tal iniciativa teve como fator o papel exercido por ela dentro das
Forças Armadas.
Goulart. O fim do regime populista foi decretado pela participação de civis e oficiais do
complexo IPES/IBAD, e a articulação de diversos atores e facções como grupo de “linha dura”
comuns pelos ativistas do IPES foi conseguida, supostamente, sem que os diferentes grupos
15
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 155.
27
participantes tivessem a percepções das implicações nacionais mais amplas e o total significado
dos acontecimentos desde sua gênese, pois seus membros pessoas de ligação e como
intervenção militar. Portanto, o que ocorreu em 1º de abril de 1964 não foi simplesmente um
O regime ditatorial instalado no Brasil em abril de 1964 não deve ser entendido como
resultado de uma mera ação política de um grupo de militares descontentes vinculados à ESG,
protagonistas que segundo Bruna Pastori (2012) em seu artigo, afirma não serem apenas os
militares porque estes estavam articulados com uma ampla rede composta de grandes empresas
implementá-lo. Para tal finalidade, foi organizar uma estrutura de poder político de classe
28
estatais que compunham a tecnoburocracia e oficiais militares.16 Esse bloco atinge maturidade
política para objetivar sua ação de classe para obter o comando do Estado, ao criar um
para dinamizar o capitalismo brasileiro a partir de uma transformação do regime político vigente.
do Estado de São Paulo (CIESP), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro
(CDL/RJ), a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o Conselho Nacional das Classes
Essa rede estende seus tentáculos ao articular-se também com grandes órgãos de
imprensa brasileiros, como os jornais O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, que foi
um fator importante para a promoção de uma das ações políticas do bloco dominante, a célebre
Comissão Nacional da Verdade (CNV), grandes órgãos de imprensa contribuíram não só para
a derrubada de João Goulart, como também para manutenção do regime ditatorial, com a
paulista nos últimos arranjos para o golpe, considerado à época o principal do país, com a
entre as quais citamos, a Esso Brasileira de Petróleo, Texaco do Brasil e Volkswagen do Brasil
e outras.17
Ibidem, p. 78
16
complexo IPES/IBAD, a FIESP teve papel destacado como foco de pressão política onde os
também a necessidade de estabelecer canais adequados para uma crescente penetração nos
produção e administração.
industrial no Brasil.
de um Estado autoritário que garantisse tais processos. A entidade foi um dos locais de reuniões
da elite orgânica do bloco de poder, inseridos no IPES, onde os preparativos do golpe contra
revelam documentos que foram descobertos recentemente nos arquivos da Escola Superior de
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
18
preparativos do golpe de 1964, ação que derrubou o presidente João Goulart e resultou em 21
conferências e uma monografia apresentadas na sede da ESG, no Rio de Janeiro. Além disso, a
matéria faz menção à uma relação dos tipos de contribuições de vários empresários às Forças
Armadas, apresentadas por um representante da FIESP nos meses que antecederam ao golpe,
como “[...] veículos, pneumáticos, baterias, remédios, caminhões e uma infinidade de materiais
novos)” [...], o que corresponderia atualmente no valor de R$ 5 milhões, segundo o Índice Geral
se não elucidarmos o processo de planejamento do golpe de Estado que legitimou essa ação
política de classe. O bloco de poder multinacional e associado cria uma organização que
militar. Importante ressaltar que esse dispositivo que veio a denominar-se de complexo
IPES/IBAD, devido à sua relevância permitiu que Dreifuss (2008) ao referir-se a ele, formulasse
19
A matéria publicada em 01/06/2014, revela que a Folha de São Paulo tinha conhecimento do
envolvimento de empresários ligados à FIESP com militares e consciência de sua participação no apoio
à ditadura, fato evidenciado pelo fácil acesso a tais documentos nos arquivos da ESG.
20
Idem, Folha de São Paulo, 01/06/2014
21
Ao formular o conceito, o autor faz uso de categorias gramscianas para demonstrar que o complexo
IPES/IBAD materializou em poder de classe, em uma situação histórica crítica concreta, sob as formas
civis e militares. Nesse sentido, Dreifuss aponta que podemos entender que o Estado torna-se um
constructo resultante de um processo em que valores especificos de classe se expressam como normas
sociais, organizações de classe políticas e ideológicas, forjando assim uma autoridade e forças orgânicas
de Estado e, portanto, pode-se afirmar de uma classe “vir a ser Estado”. Em outras palavras, trata-se da
fase de maturidade política da ação burguesa de classe. GRAMSCI, Antonio apud DREIFUSS, René
A. 1964: A Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7 Edição: Petrópolis, RJ: Vozes,
2008, p. 185.
31
associado ao formarem o IPES/IBAD para a derrubada de João Goulart e esse grupo objetivava
bloco emergente que almejava a hegemonia política em face das contradições da coexistência
frear o avanço das classes populares em sua luta por direitos sociais.
oligárquico-industrial populista, aliado aos novos níveis de mobilização das forças populares,
dominante, para destituí-la do poder de Estado e assim fazer prevalecer seus interesses sobre
Tal tarefa foi impulsionada por uma espécie de ‘solidariedade econômica’ entre as
administração paralela, expressada por associações de classe como FIESP, CIESP, ou o uso de
primeiro desses grupos que ganharia notoriedade nacional no final da década de 1950, o
Concebido em 1959, o IBAD teve como seus fundadores ostensivos Lauro Beer,
Barthelemy Beer, Lauro Ramos, Odemir Faria Barros e Aloísio Hanner. O surgimento dessa
perfil mais agressivo de atuação paralelamente ao IPES, deixando a esta instituição a condição
de reserva estratégica, enquanto o primeiro desempenhava uma ação mais ostensiva. Uma
dessas ações realizadas foi a captação de fartos recursos financeiros na cifra de US$20 milhões,
de 03 de outubro de 1962. Para facilitar o êxito dessa operação no interior do aparelho de Estado,
o IBAD cria a Ação Democrática Popular ( Adep) com o intuito atuar junto aos parlamentares
ação estritamente ilegal denotando o grau de ingerência de uma potência estrangeira nos
elaborado pelo ex-agente da CIA, Philip Agee, descoberto recentemente através de investigação
perpetração da derrubada de João Goulart. No documento, Agee descreve o IBAD como uma
de investigação e foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) acerca das
por decisão soberana do presidente da República. No entanto, o IPES não seria atingido
justamente pela condição de reserva estratégica, ou seja, agia nas ‘sombras’ e proporcionou que
tomasse as iniciativas decisivas na preparação do golpe, que instaurou 21 anos de novo regime
no país. 24
As bases para o lançamento dessa instituição civil, assim como o IBAD e o CONCLAP
depositavam suas esperanças pelo fato de que este cultivava um zelo moralista, corroborando
para a existência oficial do IPES que se constitui em 29 de novembro de 1961, e durante toda
22
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Os civis que colaboraram com a ditadura. Relatório da
CNV, v. 2, Textos Temáticos, n. 8, dez. 2014, p. 319
23
Trata-se do documento intitulado Inside the Company: CIA Diary
24
Ibidem, p. 320
25
ACONCLAP era uma das várias formas organizacionais básicas pelas quais o bloco de poder
multinacional e associado expressou seus interesses comuns, atuando como associação de classe
empresarial de cunho abrangente. (DREIFUSS, 2008, p. 90).
33
a sua atuação desenvolveu uma dupla vida política, ou seja, encobertando os interesses de classe
formada por “respeitáveis homens de negócios” e intelectuais, dentre esses, técnicos de renome,
que defendiam a participação nos acontecimentos políticos e sociais e apoiavam uma reforma
era realizar um estudo das “reformas básicas propostas por João Goulart e pela esquerda”.
De acordo com um documento básico elaborado por suas lideranças, o IPES foi
instituído como “agremiação apartidária” com objetivos educacionais e cívicos, orientada por
privados. Reúnem-se para analisar a realidade e contribuir para a solução dos problemas sociais
Convergindo com a argumentação de Dreifuss, Pastore (2012) aponta que ao formar tal
da esquerda no cenário político. Importante ressaltar que uma das questões consensuais de
depôs o governo eleito de João Goulart. Suas concepções ideológicas em estudar a realidade
social do Brasil apoiavam-se em um viés de cunho liberal e sua rápida penetração nas várias
esferas da sociedade brasileira, foi facilitada graças à integração a vários órgãos de imprensa e
entretenimento, com produção de livros, filmes de curta metragem, peças de teatro, programas
PASTORE, Bruna. Complexo IPES/IBAD, 44 anos depois: Instituto Millenium? Revista Aurora,
27
etc.
Nacional (DSN) 28 , e recrutou outros núcleos civis formados por executivos, jornalistas,
orgânicos para cooptar a opinião pública na escalada de derrocada do governo vigente, sob a
Dentre as figuras-chave das Forças Armadas, destaque para o general Golbery do Couto
e Silva29, um dos formuladores da DSN, o que demonstra toda uma convergência de interesses.
Conforme apontou Dreifuss (2008), a ESG foi um centro modular de doutrinação ideológica
para militares sobre uma forma de desenvolvimento e segurança nacional, que tinha como base
tecnoempresários, tinham uma perspectiva distinta da orientação liberal de grupos de elite que
28
Doutrina que tinha como ponto de partida a revisão do conceito de “defesa nacional”, entendido como
proteção das fronteiras nacionais contra eventuais ataques externos. Nos anos 50, em plena vigência da
Guerra Fria, este conceito passa a ter outro sentido embasado pela concepção da defesa do “Ocidente
cristão”, ou das democracias ocidentais cristãs, contra o avanço do ‘comunismo internacional’ visto
como elemento capaz de solapar as instituições democrática. Portanto, a mudança para uma nova
doutrina agora pautada na luta contra o inimigo principal, o assim denominado ‘inimigo interno’ torna-
se o objetivo principal para garantir ‘ segurança e desenvolvimento’. Não se trata mais de eventuais
agressões externas, e sim neutralizar grupos ou indivíduos que subvertessem a ordem social vigente.
Para compreensão dessa dotrina, vide COIMBRA, Cecília M. B. Doutrinas de Segurança Nacional:
Banalizando a Violência. Revista Psicologia em Estudo. DPI/CCH/UEM, v. 5. n. 2, p. 1-22; ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, p.33 .
29
O General Golbery do Couto e Silva foi um dos principais teóricos da Doutrina de Segurança Nacional
advindo da Escola Superior de Guerra. A teoria por ele formulada pode ser consultada nas obras
Geopolítica do Brasil (1967), Planejamento Estratégico (1955) e Conjuntura Política Nacional:
Política Nacional e Goepolítica do Brasil (1981).
35
nacional de seus equivalentes militares, entendiam a disciplina e a hierarquia como
Orientador (CO) e Comitê Executivo (CE), as quais eram as mais importantes porque dirigiam
Grupos de Estudos (GEs) e os Grupos de Trabalho e Ação ( GTAs). Os três primeiros grupos
Importante destacar a atuação dos Grupos de Estudos e Ação, por intermédio do seu
do Couto e Silva foi proeminente. Este sub-grupo constituía-se o mais importante do IPES, por
Preferencialmente, seus membros deveriam ser pessoas que houvessem passado pela Escola
No entanto, não eram todos militares aqueles que atuaram no GLC, pois foi relevante a
presença de civis como alunos ou como professores da ESG, o que construiu-se um conjunto
pela opinião pública, o complexo IPES/IBAD captava recursos oriundos das contribuições das
empresas multinacionais, dos governos dos países onde funcionavam suas sedes.
30
PASTORE, B. op. cit., p. 60
31
Ibidem, p.62
36
A vanguarda da poderosa coalizão burguesa antipopulista e antipopular,
localizada nas suas várias expressões como escritórios de consultoria, anéis
burocrático-empresariais, associações de classe dominantes e militares
ideologicamente congruentes, beneficiando-se do apoio logístico das forças
transnacionais, transformando-se em um centro estratégico de ação política, o
complexo IPES/IBAD (DREIFUSS, 2008).
Tal apoio logístico traduziam-se em fartos recursos econômicos e por ser uma
intitulado Grupo de Integração –Setor de Ação Empresarial, cujo objetivo era integrar pessoas
IPES/IBAD, contemplado como o ‘estado-maior da burguesia’ como também sua ação de classe
sob a bandeira de um único partido da ordem, ou seja, as Forças Armadas como guardiãs da
‘liberdades democráticas’.
que se estabelece no regime populista seria resolvida por um golpe preventivo empresarial-
militar, por meio da intervenção das Forças Armadas que fez os interesses multinacionais e
civil-militar..
Sendo assim, ao proteger a burguesia por sua ação de caráter ‘moderado’, os militares
demonstraram sua faceta mais sútil, ou seja, articular o poder de classe no interior do próprio
Estado e faz Dreifuss afirmar que o ‘bonapartismo constitucional’32, deu lugar a um ‘poder
dirigente” à paisana.
agindo como organização de classe do bloco multinacional e associado, teve papel fundamental
32
Dreifuss (2008) toma de empréstimo esse conceito gramsciano para demonstrar que o processo
golpista no Brasil se processou distintamente ao que ocorreu na Europa, em particular na França. Ver:
1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 210-216.
37
para o golpe civil-militar em 1964. Processo que não foi resultante de uma ação unicamente
militar, mas uma articulação com a elite civil empresarial e autoridades civis e militares
governadores dos mais importantes estados da federação que ofereceram suporte à deposição
de Barros (São Paulo); Magalhães Pinto (MG); Ildo Meneghetti (RS) e Mauro Borges (GO),
Além dos civis laicos acima mencionados, a conspiração contou ainda com a
Dreifuss (2008) aponta que certa pressão sobre a Igreja foi exercida por associados do
católica Centro D. Vital, que teve em Gustavo Corção seu principal intelectual, de orientação
tecnoclerical de direita Opus Dei, que na América Latina, assim como na Espanha, apoiava o
Igreja no contexto dos anos 1950 e 1960; o intuito era realizar um processo de doutrinação nos
círculos católicos para difundir a defesa da ‘democracia cristã ocidental’ ante o espectro
Goulart, coube às autoridades civis na pessoa de Magalhães Pinto, que após acordar com Afonso
Arinos de Melo Franco, importante membro de seu governo e agentes norte-americanos, dentre
33
PASTORE, B. op. cit., p. 69
34
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Civis que colaboraram com a ditadura. Relatório da
CNV: Volume II- Textos Temáticos. Texto 8, p. 314.
35
DREIFUSS, R. op. cit.,p. 113
38
eles o embaixador Lindon Gordon, disponibilizar o expressivo efetivo de 13 mil homens da PM
O objetivo da iniciativa era evitar uma possível resistência que pudesse ser perpetrada por João
Goulart a partir do Rio Grande do Sul, e portanto, o movimento golpista teria condições de
receber apoio de potências estrangeiras, como também ser ‘reforço’do movimento das tropas
do general Olympio Mourão Filho, que deslocaria tropas de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro.
1963, que intitulou-se de Operação Brother Sam. Ainda segundo investigação da Comissão
Nacional da Verdade, essa operação embora trazida à luz do conhecimento público, tratava-se
de ser uma fase das manobras de ingerência dos EUA no processo político brasileiro, que inicia-
Importante ressaltar que o golpe de Estado perpetrado em 1964, além de ser civil-militar,
Goulart, mesmo com a presença deste no Rio Grande do Sul; o segundo incorpora o consenso
sociedade civil. No entanto, as ações deflagradas não devem ser entendidas como equívoco de
percepção por parte daqueles que são imbuídos para serem representantes do povo no
36
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 315
39
Congresso ou pelos magistrados do Supremo, mas como uma ação de classe resultante de
Embora os EUA soubessem que não estava nos planos soviéticos a realização de uma política
descolonização e de revolução no Terceiro Mundo que marcaram os anos 60, pois era
inaceitável que dentro dos seus domínios, a saber, a América Latina, o alinhamento de um dos
37
Ibidem, p. 316
38
Guerra Fria é uma expressão utilizada para designar o período de conflito político-ideológico e militae
(embora não haja enfrentamento armado direto e sim investimentos em armas nucleares) entre o bloco
Ocidental liderado pelos EUA e o bloco Oriental liderado pela URSS. A teoria realista, de matriz
mecanicista, foi preponderante na época do conflito para oferecer explicações ao momento político que
se iniciava, materializado na disputa entre os dois países e seus respectivos aliados. O conceito utilizado
para compreender o período foi o de bipolaridade, tomado de empréstimo da Física. Entretanto, o termo
bipolaridade não comporta em sua matriz explicativa o conceito de ideologia. Hans Morgenthau em seu
livro A política entre nações (1948), buscou a partir desse conceito de bipolaridade, explicar o fenômeno
de disputa entre aqueles países. Mais tarde, Kenneth Waltz em seu livro Theory of International Politics
(1979), vai além das formulações de Morgenthau e, elege o conceito de bipolaridade com maior precisão
explicativa do fenômeno, mesmo mantendo a base mecanicista de seu antecessor, embora as
formulações de ambos sejam diferentes e partilhem dos mesmos problemas ontológicos. Para maior
compreensão do fenômeno ver: HORTA, Luiz Fernando Castelo Branco. O mecanicismo explicativo e
a eclipse da vontade: o conceito de bipolaridade. Revista RARI. Edição n. 3, v. 1. Publicado em 07/2013.
Universidade Fderal de Santa Catarina. Disponível em : http/:www.rari.ufsc.br/files/2013/07RARI-
ARTIGO-51.pdf. Acessado em 05/04/2017.
39
HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
40
O historiador Eric Hobsbawn nos aponta que o período marcado por provocações e
ameaças mútuas entre as duas superpotências, especialmente após o episódio conhecido como
a crise dos mísseis em 1961, no qual a instalação de uma base soviética em território cubano
desencadeia uma tensão que esteve à beira de um conflito bélico real, tiveram como resultado
Os EUA, como parte do acordo, aceitariam uma Cuba comunista bem próxima de seu
“calcanhar de Aquiles” para os norte-americanos, apesar que estas não obteriam os resultados
do Terceiro Mundo, sobretudo na África, foram também influenciadas pela Guerra do Vietnã,
casos da França sobretudo no episódio conhecido como ‘maio de 1968’, na Alemanha, com a
o imperialismo norte-americano.
EUA adotam uma política de contrainsurgência como medida de manter seu domínio político-
40
Ibidem, p. 239
41
Essa política de contrainsurgência embasada em um pensamento anti-comunista, lança
suas bases em uma estratégia de doutrinação e alinhamento político- militar e ideológico com
as Forças Armadas dos países latinoamericanos após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a
criação da Escola das Américas (School of the Americas, em inglês) em 1946 no Panamá e,
Esta instituição teve como objetivo ‘formar através de treinamento policiais militares e
táticas de comando, inteligência militar, técnicas de interrogatório e tortura’, cujo alvo da ação
surge durante a campanha na Itália, na qual vivenciaram experiência ideológica comum que
Américas.
1949, a qual torna-se similar à Escola das Américas. A estreita relação que se estabelece entre
os oficiais dos dois países caracteriza-se pela amizade e a ajuda mútua, que fortalece do ponto
de vista teórico e prático, as concepções da defesa do Ocidente cristão permeada por sentimento
desenvolvendo-se uma teoria de direita para intervenção no processo político nacional, pois traz
influenciado por uma lógica empresarial, com o objetivo de constituir uma sociedade industrial
Para saber mais, ver o documentário dirigido por John Smilhula em 25/11/2012 intitulado Escola das
41
Doutrina de Segurança Nacional (DSN). A teoria por ele elaborada tem suas bases quase na
golberyana centra-se na insegurança que os seres humanos sentem em relação ao mundo que os
Estado forte que garante a segurança, mesmo que para isso ‘sacrifique-se o bem comum’, ou
o “filósofo do grande Medo”, e para quem o homem é lobo do homem e em uma ordem social
na qual existe uma luta de todos contra todos, necessário será o controle da sociedade por uma
entidade abstrata , a qual é delegada poderes excepcionais denominada “Estado” e que não é
garantia a sobrevivência.
Hobbes demonstrara que o Estado é uma criação racional dos seres humanos acometidos
autonomia e liberdade individual ao Estado a fim de que este possa garantir a segurança
coletiva.44 Entretanto, Golbery não chegou a formular uma única definição de Estado, ofereceu
algumas indicações dentre as quais, uma é mais sólida quando faz uso de metáforas construídas
Golbery fazendo uso dessas metáforas concebe o Estado como ‘organismo político’ com
42
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais -Um relato para a História. Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 1985.
43
ASSUNÇÃO, Vânia N. F. de. No princípio era o medo: as bases do pensamento conservador do
General Golbery do Couto e Silva. Verinotio Revista On-line de Ciências Humanas, n. 2, abril de 2005.
Disponível em: http://www.verinotio.org/conteudo/0.79822029340846.pdf. Acessado em 18/04/2017.
44
ASSUNÇÃO, 2005. Op. cit., p.3
43
existência real sobre uma dada área e um dado momento. Entende que essa entidade é uma
realidade que não deve ser questionada e deve atuar como unidade de poder no âmbito do
cenário internacional. Por essa razão, todo o conjunto da sociedade (inclusive as elites) tem de
estar a seu serviço, porque o Estado encarna os interesses da Nação, e portanto, funde-se com
ela.45
detentor de parte da autonomia e liberdade dos cidadãos, tem a função de arbitrar conflitos
internos entre os ‘homens-lobo’ em disputa para garantir a segurança do corpo social. No âmbito
URSS, afirma que a negação da liberdade neste regime em nome da segurança, não deve ser
seu corpo social, fator fundamental para a segurança, pois a desintegração social oriunda de
Estado apontada por ele como criação racional, fomentada pelo “mito do contrato social” e por
uma “consciência coletiva”, de base teórica hobbesiana e que buscou como sua função eliminar
elemento fundamental que legitima sua concepção: o nacionalismo, que juntamente com a
Para ele, o conceito de nação significava a base física, o povo, o Estado política e
vários momentos confundida com o Estado, a nação só poderá existir em segurança e ‘integrada
45
Ibidem, p. 3-4
44
por um propósito superior’, as aspirações nacionais, os interesses superiores do povo, ou seja,
nessas proposições, que legitimaria toda uma defesa por parte do Estado dos “interesses
superiores do povo” que mais tarde ele denominará de Objetivos Nacionais Permanentes (ONP),
cujos elementos consensuais com os aliados grupos empresariais eram a disciplina e hierarquia
Nacional (DSN), segundo a qual não poder-se-ia conceber a ideia de uma nação dividida, pois
o que preponderava era uma visão homogeneizante da sociedade e dessa forma, necessário era
ocultar quais eram realmente os interesses da nação, quando na verdade os interesses eram de
quem os formulava, a saber, as classes dominantes no poder do Estado formadas nas cadeiras
da ESG. Sendo assim, qualquer um que pensasse de forma distinta poderia ser alcunhado como
um antinacionalista.47
recebe a introdução do elemento antagonismo que foi a ‘amarra’ para a DSN , especialmente
papel da ESG para a difusão da Doutrina de Segurança Nacional nos meios civis-empresariais.
A partir do elemento antagonismo irrompe a tese do inimigo interno, ou seja qualquer indivíduo
Maria Helena Moreira Alves (1984) aponta que o General Golbery do Couto e Silva foi
o teórico brasileiro mais influente na ESG na formulação da DSN. Destaca a função da ESG
como ‘polo teorizador’ dessa doutrina, que influenciou o currículo de outras escolas militares
pelo país. 48
46
Ibidem, p. 7
47
Ibidem, p. 9
48
ALVES, 1984. Op. cit., p. 34-35
45
Tal doutrina como sabemos não esteve restringida ao Brasil, emergiu em toda a América
Latina sobretudo pela formação e treinamento na Escola das Américas. Com consolidação dos
prioritária aos objetivos das classes dominantes locais alinhadas com o imperialismo norte-
nacional que se assume na região enfatiza a ‘segurança interna’ diante da ameaça de “ação
No caso específico do Brasil, segundo aponta Maria Helena Moreira Alves (1984) a
Doutrina de Segurança Nacional tem sua origem em uma teoria da guerra, pois os preceitos da
ESG englobam várias concepções de guerra: guerra total; guerra limitada e localizada; guerra
se na estratégia militar da guerra fria, definindo a guerra moderna como guerra total e absoluta.
Desse modo, a teoria não trata mais de uma guerra limitada aos territórios dos países
do gigantesco poder destrutivo das armas nucleares e do inevitável confronto entre as duas
superpotências, EUA e URSS. Embora ambos estejam envolvidos em uma guerra total, não
podem confrontar-se diretamente porque poderia ocasionar a destruição dos dois países. No
entanto, buscaram outras estratégias de guerra e nesse cenário, a guerra contemporânea assume
as formas de guerra nuclear, representada como guerra total ou ilimitada e guerra limitada ou
controlar determinados territórios. Como também a guerra pode ser declarada ou não-declarada,
esta última referindo-se à formas de guerra revolucionária ou insurrecional. Podem ser assim
definidas:
46
Guerra Revolucionária: conflito, normalmente interno, estimulado ou
auxiliado pelo exterior, inspirado geralmente em uma ideologia e que visa à
conquista do poder pelo controle progressivo da nação. [...]49
Estas formulações da ESG encontram-se em seu Manual Básico50 e enfoca um destaque
à guerra revolucionária em razão de uma particularidade: essa forma de guerra está diretamente
sob controle da URSS. Nesse sentido, essencial compreendermos na ótica da teoria o conceito
interno” e agressão indireta. Alves aponta que a guerra revolucionária segundo o Manual Básico
eliminados.51
exercido por Golbery do Couto e Silva é essencial para entendermos que o golpe perpetrado no
oriundas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, pois embora a capital federal tivesse
sido transferida para Brasília, a maior parte da estrutura administrativa como os ministérios, as
49
Ibidem, p. 37
50
O Manual Básico da ESG é um documento que traz a sistematização teórica da Doutrina de Segurança
Nacional, elaborada pelo Estado- Maior do Exército no interior da ESG e através desse manual, a DSN
poder ser analisada e pode-se perceber quanto essa ideologia fundamentou a ditadura e permanece
disseminada até hoje. Para ver trecho do documento ver anexos e fontes documentais presente neste
trabalho.
51
Ibidem, p. 38
47
sedes das representações diplomáticas e uma das principais residências presidenciais, estavam
processo de preparação do golpe, em uma articulação com as elites civis, formadas por
que aliança estabelecida pelo meio militar exclui-se soldados, compondo somente com alta
congruência de valores com os tecnoempresários, justamente pelo fato de que vários desses
que não era somente a congruência de valores ligavam empresários e oficiais, a participação de
militares em empresas privadas foi uma realidade, que embora não difundido na mesma
empresas privadas como o general Riograndino Kruel e o general James Masson (Eletrônica
de vista comum quanto aos caminhos e meios a serem adotados para o desenvolvimento de um
processo de crescimento industrial, que se traduziu no acordo militar de 1952 entre Brasil e
dois acordos sendo o primeiro intitulado Programa de Assistência Militar (PAM) e o segundo
denominado Acordo de Assistência e Defesa Mútua (AADM). Nesse sentido, a ESG assume
52
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 314
53
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 85
48
Américas com a principal potência capitalista aos modus operandi da National War College,
marcada pela Guerra Fria. Assim sendo, a ESG incorpora no Brasil a concepção maniqueísta
dominante cujo núcleo ideológico assenta suas bases na ‘defesa da democracia ocidental cristã’,
valores empresariais; isso significa empreender um crescimento industrial sob a égide das
político, guiado não por razões ‘políticas’ e sim ‘técnicas’, e incorporando a Doutrina de
Bruna Pastore (2012) faz referência em sua análise às diretrizes políticas formuladas
pelo IPES, dentre as quais a proposta da Reforma Constitucional é de suma importância porque
demonstra o grau de ligação que a Instituição mantinha junto aos oficiais militares golpistas. O
era a política de ‘segurança nacional’ elaborada pela ESG e, nessa convergência de interesses,
o conceito de “guerra total” assumido como posição política-ideológica na defesa dos interesses
das classes dominantes hegemônicas e de ajustes tanto no Executivo para que este seja
potencializado, como nas relações trabalhistas para contenção das organizações das classes
subalternas.
54
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 87
55
PASTORE, 2012. Op. cit., p. 66
49
2 O ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL
2.1 AS BASES LEGAIS DO NOVO ESTADO (1964-1967)
Efetuada a deposição do governo anterior e a tomada de poder do Estado, a burguesia
buscou legitimar o seu domínio sobre o conjunto da sociedade. Para consolidar o novo tipo de
Estado gerado pela sua ação política de classe, o bloco de poder multinacional e associado
Modificar a estrutura jurídica era imprescíndivel para legitimar o tipo de Estado que se
forjava pós golpe e desse modo, lança as bases para implementação do projeto de
entanto, para essa implementação obter êxito, necessária foi a criação de um aparato de controle
realidade pretexto utilizado para justificar os atos repressivos no intuito de realizar o programa
do novo governo.
‘inimigo interno’ era a prioridade, que provocou conflitos com os objetivos com a adoção de
vez maior de repressão originando uma permanente crise de legitimidade que perduraria
por todo o período de vigência do Estado de Segurança Nacional. Além do mais, a coalizão
56
ALVES, 1984. Op. cit., p. 52
50
o que havia de concreto era uma ideologia formulada que baseava seu pensamento político, no
Diário Oficial de 09 de abril de 1964, o qual sob a forma de norma jurídica assinado pelos
comandantes em chefe das três Armas: o General do Exército Artur da Costa e Silva, tenente-
Grunewald.
Direito burguês, do ponto de vista liberal, pois se apresenta em seu preâmbulo que define a
autoridade como decorrente do exercício de facto do poder e não oriundo do povo. O Congresso
Nacional tem seus poderes reduzidos e é o Executivo que “decide” manter a Constituição e o
próprio Congresso, e a legitimidade deste derivará não do mandato eleitoral, mas do poder de
facto assumido pelo Executivo, o que é estritamente coerente com a Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento.
nº1), provoca surpresa entre os setores que outrora apoiaram a intervenção dos oficiais militares
vinculados à ESG, pois esses setores da elite civil acreditaram que a intenção desses oficiais na
Eram as ações iniciais para a formação de um novo governo, que abrigaria em seus
postos-chave, civis e militares, dando continuidade à aliança estabelecida sob a forma de bloco
57
Ibidem, p. 53
58
Ibidem, p. 54
51
organização política do Brasil, ao intitular-se ‘movimento revolucionário’ e por essa razão, lhe
Assim que o Ato Institucional nº1 (AI-1) é assinado, encerra-se o período constitucional
iniciado em 1946. A partir daí, polarizam-se conflitos e a extensão com que eles assumem levam
a efeitos bem mais estritos que o círculo das esferas política e militar. A formação do novo
governo anterior, ou que de alguma forma mantinham cargos no Executivo de João Goulart.
instituições visadas pelos militares e seus aliados civis, totalizando 102 nomes entre os quais
caráter progressista ligados à Jango. Além disso, necessário exercer o controle sobre as
organizações de esquerda como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional
Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP), através de perseguições e prisões de vários
de seus líderes.
República, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Sobre a escolha de Castelo
Branco, importante ressaltar o proeminente papel dos empresários do IPES e do General Heitor
Herrera, um dos elos-chave destes com os oficiais da ESG, na definição do perfil do presidente.
Segundo decisão destes empresários, o futuro presidente não deveria estar associado a nenhum
dos três governadores civis mais importantes e que foram apoiadores do golpe - Carlos Lacerda,
59
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. 2014. Relatórios da CNV. Cap. 3. Contexto histórico das
graves violações entre 1946 e 1988, p. 94-100. In: Parte II- As estruturas do Estado e as graves violações
de Direitos Humanos.
52
Branco teve o apoio dos empresários em sua candidatura, por compartilhar totalmente com as
metas do IPES.60
O Ato com todos os seus artigos e outras medidas de controle do Poder Judiciário e
as primeiras bases legais para que seja aplicada a Doutrina de Segurança Nacional. Como
em fases bem delineadas fosse garantida, assume o papel de mascarar o golpe civil-militar
Tendo sido lançadas as bases, poderia ser implementado o projeto segundo as linhas da
denominada ‘Grande Estratégia’ da DSN, avançando para além da mobilização geral de forças
visava áreas específicas, potenciais focos de oposição, trata-se de estratégia política, econômica,
psicossocial e militar.
Tal política a ser exercida nessas áreas compreendia uma série de medidas que os
decreto-lei de 27 de abril de 1964 (já previsto pelo Ato Institucional n. 1) baixado pelo governo
públicos, civis e militares, identificando aqueles que poderiam estar comprometidos com
60
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 440
61
ALVES, 1984. Op. cit., p. 56
62
Idem, p. 56
53
Nesse sentido, os IPMs constituíram-se em mecanismo legal para busca sistemática de
vigilância e controle dos partidos políticos, dos três poderes (Legislativo, Judiciário e
Executivo). Dentre os três poderes, o Judiciário foi o que menos sofreu interferência em relação
aos demais. As ações consideradas como ‘crimes políticos’ praticadas pela oposição
permaneciam sob jurisdição dos tribunais civis, no entanto, assim que concluído um IPM, a
Em relação aos partidos políticos a repressão foi severa, e os partidos mais atingidos
foram o PTB e o PSB, que eram no período pré- golpe, os partidos com maior representatividade
no Congresso Nacional e base da aliança populista que sustentou o governo João Goulart e por
essa razão, foram alvos de expurgos por parte do Estado de Segurança Nacional. Entretanto, a
de mandatos.63
ligados ao período populista anterior e abrir caminho para aqueles estritamente vinculados com
as políticas do novo Estado, para garantir a modificação das bases da política econômica.
Importante ressaltar que os expurgos mais drásticos na burocracia de Estado se deram nos
setores responsáveis pela política econômica e social, caso dos Ministérios de Obras Públicas,
Trabalho e Fazenda.
No âmbito militar, a estratégia adotada era de controle dos quartéis pois se tratava de
uma área de interesse particular para o Estado de Segurança Nacional. Limitar drasticamente a
63
Ibidem, p. 61
54
tropas que haviam adotado postura de resistência ao golpe, obtendo como parâmetro o padrão
hierárquico para assegurar a predominância dos oficiais golpistas detentores do poder. Embora
deveria ser realizada em trâmites legais, ou seja, através de eleições diretas, e por essa razão
tinha duas funções cruciais: a eliminação de militares que haviam estabelecido vínculo com o
direita. Ao eliminar tais ‘adversários’, estava afastado, pelo menos por enquanto, esse grupo de
corporações multinacionais.64
envolveria por um lado, a repressão aos movimentos sociais que ganharam força nos anos que
pelo IPES em rádios, tv´s e cinema que enalteciam o governo e ridicularizavam as oposições
que se manifestavam.
sistemática repressão se fez necessária em todas as esferas da oposição, para que se garantisse
64
Ibidem, p. 64
65
Ibidem, p. 66
55
desenvolvimento teorizado pela elite orgânica do bloco no poder. Essa fase se encerra com a
implementa o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que seria um dos fatores
de 1964, órgão cerebral do gigantesco aparato repressivo que se constituiria nos anos seguintes,
e o terceiro diz respeito às diretrizes de controle salarial. Em suma, para que o novo Estado
estrutura jurídica (âmbito Legislativo), propiciar uma reforma Administrativa do Estado, por
este não possuir estruturas prontas ao modelo estatal que se formava, para enfim aplicar um
capitalista, dependente e associado, amparado por uma rede de informação e repressão. Desse
economia formulado pela equipe de Bulhões e Campos tinha por objetivo a racionalização
66
Ibidem, p. 76
56
A partir destas considerações, buscamos demonstrar que a formação e estruturação
do novo Estado não foi um processo que se realizou pela ação política de tão somente oficiais
militares, mas de uma elite orgânica do complexo IPES/ESG ( o IBAD já havia sido dissolvido),
o mesmo grupo que patrocinou a derrubada de João Goulart, e portanto, trata-se de uma
setor para outro no interior da sociedade civil, ao invés de eliminar as suas causas. Nos
eleitoral para manter o controle majoritário, foram as medidas que legitimaram os expurgos e
cassações de mandatos.
luta armada em resposta à crescente violência do Estado, e outros que pregavam uma resistência
dentro dos parâmetros institucionais, ou seja, no âmbito parlamentar que ainda gozavam de um
67
Ibidem, p.110
57
A fase de institucionalização do novo Estado se consolida com a Constituição de 1967,
que incorpora os controles mais importantes dos dois primeiros Atos Institucionais e de vários
poder constitucional.
visavam o controle, assegurando que as medidas da DSN fossem aplicadas para a eliminação
do “inimigo interno” e por outro lado, o objetivo de restaurar a democracia como resultante da
intervenção da oposição que logrou êxito ao impor suas reivindicações sob a forma da Carta de
Direitos. Desse modo, o confronto que se estabelece irá evoluir para níveis mais elevados entre
os anos de 1967 e 1968, contradição básica que fomenta uma crise institucional que vai
regime.
Constituição que proporcionavam à oposição alguma margem de atuação para invocarem maior
grau de participação popular nas decisões de governo, embora negadas por restrições contidas
Constituição de março de 1967, pode permitir que organizações sociais como sindicatos se
declínio da renda dos trabalhadores e piora em suas condições de vida geradas pela política
econômica adotada pelo Estado. No entanto, os setores mais radicais do Estado de Segurança
68
Ibidem, p. 111
58
Considerando-se que o objetivo da adoção de um modelo de desenvolvimento pelo
obteve na política de controle salarial uma de suas bases mais importantes. Como argumentado
repressão de manifestações nas ruas das principais capitais do País, estimulou uma crescente
governos pós-64 resultou na formação de uma aliança informal de vários setores de oposição,
que se iniciou em 1967 e intensificou-se durante o ano de 1968. Elencamos três setores
principais que adquiriram força e coordenação suficiente para afetar as estruturas políticas do
Estes três setores da oposição puderam exercer considerável pressão sobre o Estado,
provocando conflito em seu interior acerca dessas políticas alternativas, a saber: maior
liberalização para implemento das diretrizes políticas, econômicas e sociais em curso ou uma
O impasse gerado entre essas políticas era a direta consequência das diferenças de metas
Porém, as exigências com a segurança interna tornam intoleráveis as dissenções e portanto, era
inevitável que houvesse um profundo conflito interno no Estado pela existência no interior da
coalizão, de grupos que planejavam um segundo golpe de Estado no intuito de desencadear uma
nova onda de repressão, situação que provocaria um confronto entre o Executivo e o Legislativo
59
estudantes e classe média. Tal tomada de posição foi interpretada pelo Estado de Segurança
O Estado decide aplicar uma nova escalada repressiva ao baixar o Ato Institucional N.º
Nacional, na qual foram lançadas as suas bases, pois o caráter de permanência dos controles
incorporados a ele originando um novo período em que o modelo de desenvolvimento pode ser
plenamente aplicado, ao mesmo tempo que o aparelho repressivo buscando segurança absoluta
passa a impedir as dissenções contra as políticas sociais e econômicas adotadas pelo governo.
ponto: não estavam estipulado prazo a sua vigência, e desse modo os controles seriam
O Executivo passou a ser dotado de poderes que o Ato lhe atribuía sendo os mais
municipais; direito de suspender por 10 anos os direitos políticos dos cidadãos, assim como
reinstituir o “ Estatuto dos Cassados” 69 ;4) poder de decretar estado de sítio sem qualquer
todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; julgamento de crimes políticos por
pessoas acusadas em nome do AI-5. Isso significa que os réus julgados por tribunais militares
não teriam direito a recursos. Em suma, todos os dispositivos do Ato permaneceriam vigentes
até o momento em que o Presidente da República assinasse decreto específico para revogá-lo.
69
O Estatuto dos Cassados refere-se ao nome dado ao artigo 16 do Ato Institucional N. 2, baixado em
26 de outubro de 1965, que regulamentava as atividades dos cassados e portanto, seus direitos eram
drasticamente limitados com medidas de cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
direito de votar e ser votado em eleições indica proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de
natureza política; aplicação, quando necessária à preservação da ordem social e política, de liberdade
vigiada, domicílio determinado e proibição de frequentar determinados lugares. O objetivo do artigo era
eliminar da vida política ou de atividades sindicais todos aqueles que o Estado de Segurança Nacional
considerava como “inimigo interno”.
60
Para o Estado de Segurança Nacional, o AI-5 forneceria as condições do ponto de vista
novo Estado e da coalizão no poder tornaram-se muito claras no biênio 1967-1968 e a política
precisavam ser suficientemente flexíveis para permitir a cooptação de líderes e dotar o Estado
de uma duradoura estabilidade. No entanto, esta política entra em choque com a busca pela
absoluta segurança interna, e nesse sentido, a necessidade da coerção estatal esteve ligada às
em curso.
Vale ressaltar que a crise que se instala entre o Executivo e o Legislativo, que determina
a contradição existente entre o uso da linguagem da democracia e a prática repressiva por parte
do Estado. Segundo apontou Alves (1984), o Estado utiliza-se desse dispositivo ‘legal’ para
deflagrar suas últimas fontes de poder, a força física, como derradeiro recurso, pois objetivava
debilitar as oposições, o que consegue parcialmente, mas em consequência sofre nova perda de
uma nova escalada repressiva no emprego da força. O período que se segue ao AI-5
caracterizou-se pela dinâmica da violência, pois os setores da oposição que não foram
brasileira, tal fato ganha maior relevância sobretudo na recente história política do Brasil,
70
ALVES, 1984. Op. cit., p. 136
61
E nesse sentido, o fenômeno mais impactante sobre o papel que os civis
Nacional no período pós decretação do AI-5, embora a ação dessas elites civis já se
que direta ou indiretamente estavam envolvidos no esquema. Buscaremos aqui analisar tal
fenômeno à luz desses elementos com o objetivo não somente de acusação e/ou denúncia, mas
empresas nacionais que compunham o bloco de poder que tomam o poder do Estado em 1964,
com a repressão política a partir do financiamento de sua estrutura e para suas operações de
repressão no Brasil tenha sido relativamente grande, optamos em realizar um recorte histórico
e específico, ou seja, focalizar o período compreendido entre 1969 e 1971, em função do critério
que adotamos de analisar a atuação dos grupos empresariais paulistas que se destacaram por
Grupo Ultra, cuja maior empresa que o compõe, a Ultragaz, teve grande relevância dado ao
No decorrer de nosso estudo sobre o objeto dessa pesquisa, nos deparamos com o
quando nos debruçarmos no estudo dos raros documentos encontrados, descobertos pela
Comissão Nacional da Verdade e que resultaram em 2014 em relatórios que trazem à tona as
62
brasileira, assim como os depoimentos de diversos atores prestados a pesquisadores. 71 A
decretação do Ato Institucional N.º 5 desencadeia uma nova e mais brutal escalada repressiva,
debilitando aqueles setores que no período anterior vinham em uma crescente mobilização,
percebidas pela repressão, ainda com suas preocupações voltadas às manifestações de massa
foram atingidos pela brutal ofensiva do Estado, o que ocasionou um período de silêncio, medo,
confusão e desânimo, tendo como consequência o isolamento da luta armada dos demais
movimentos.72
Nesse espectro de crescimento das ações da luta armada que se intensificaram no ano
Nacional pode aplicar os dispositivos legais acerca do combate ao ‘inimigo interno” segundo
São Paulo, Hely Lopes Meireles, resolveram “unificar os esforços” de todas as forças: Exército,
71
Trata-se do texto intitulado Os civis que colaboraram com a ditadura, que integra o Relatório Final
da Comissão Nacional da Verdade, em seu Volume II- Textos Temáticos – Texto 8, 2014, p. 314-338.
Os outros textos são depoimentos prestados por militares envolvidos direta ou indiretamente com a
repressão e autoridades civis a pesquisadores, dentre os quais Jorge José de Melo, contido em sua
Dissertação de Mestrado intitulada Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do
empresariado paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971.Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Federal Fluminense- UFF, 2012, 139 p.
72
ALVES, 1984. Op. cit., p. 137
63
Polícia Federal e das polícias estaduais, civil e militar para o combate às organizações que se
das ruas Tomàs Carvalhal e Tutóia, em um centro de tortura e assassinatos, apoio também do
prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, que se encarregaria da infraestrutura externa na reforma da
rede elétrica e iluminação da região com lâmpadas de mercúrio. Além disso, o recrutamento de
uma equipe de policiais civis, da Delegacia de Roubos, chefiada pelo delegado Sérgio Fernando
marginais na periferia paulistana e grande São Paulo, transplantando seus métodos para a Oban,
No entanto, o apoio mais significativo à Oban veio do grande setor privado nacional e
multinacional, que forneceu os recursos necessários para a montagem desse órgão repressivo,
justamente pelo fato de que os recursos advindos do Estado eram insuficientes porque se
órgão. A iniciativa portanto, parte do Estado segundo depoimento do general Arthur Moura no
financiaram a formação da OBAN, como Ford, , General Motors, Camargo Corrêa, Grupo Ultra,
Objetivo, Folha, Nestlé, Light, Siemens, entre outras. Cabe aqui destacar o papel da FIESP, que
Polícia especializada na repressão a atividades políticas criada em 1924 em São Paulo (SP).
73
arrecadação de recursos, por meio do seu presidente Theobaldo de Nigris. A referida entidade
abria seus salões para o ministro da Fazenda Delfim Netto, realizar palestras aos empresários
em reuniões nas quais, em seu término, se solicitavam recursos para financiar a OBAN.
órgão, já que a OBAN mesmo sendo de iniciativa do Estado de Segurança Nacional, não estava
incorporada ao organograma oficial ( que geralmente é feito por decreto) e portanto, sua atuação
Ainda em relação à insuficiência de verbas por parte do Estado na montagem daquele aparelho
aponta Joffily (2008) a não estarem esses recursos consignados em orçamento e portanto, a
Paulo, reunir representantes de outros grandes bancos brasileiros para solicitar fundos.
Procedimento semelhante foi exercido pela FIESP por intermédio de seu presidente e
por um personagem que seria seu articulador entre outras empresas do ramo industrial, Henning
Vale ressaltar que o novo órgão ao ser constituído adquire o signo da ambiguidade, pelo
fato de que mesmo tendo sido fundado em evento/ato que conta com a presença de autoridades
civis e militares, não foi institucionalizado do ponto de vista formal e jurídico, estando restrito
organizações da luta armada, exercendo funções de polícia política, o que causou conflitos com
65
proporcionou dinamismo e flexibilidade para desenvolver suas atividades repressivas. Isso
significou que em relação aos seus fundamentos, o órgão estava com suas bases fincadas na
autoritária vigente, utilizados com a conivência dos superiores hierárquicos, que não assumidos
publicamente para não indispor a opinião pública em relação à imagem das Forças Armadas.
Consequentemente, com esse sólido apoio lhe confere a implícita autorização de agir
clandestinamente, não necessitando prestar contas à sociedade nem à imprensa o que lhe
Cabe ressaltar que a OBAN não foi um órgão que atuava de forma isolada, pois
articulava-se com um vasto sistema de informações criado com a formação do SNI em julho de
1964, assim como aos serviços de informação das Três Armas: CIE (Centro de Informações do
e Segurança da Aeronáutica).
organizações da luta armada, teve seu formato ampliado resultando na criação dos
CODI), primeiramente em São Paulo e depois nas demais capitais do país. Embora não fossem
coletadas na OBAN e posteriormente no DOI, teriam de ser transmitidas ao SNI para que este
A OBAN tinha uma estrutura complexa apoiada em três eixos, partindo do Centro
75
JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem- Os interogatórios da Operação Bandeirantes e no DOI
de São Paulo (1968-1975).Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História Social da USP.
São Paulo, 2008, p. 34
76
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p.331
66
diversas unidades militares e responsável pela análise e tratamento de informes); b) Central de
Operações, formada por oficiais de operações de diversas unidades militares e que estavam
imbuídos das operações de combate; c) Central de Difusão, responsável pela ação psicológica
Polícia Federal de São Paulo e do chefe da Agência de São Paulo do SNI, e portanto, recaía
que em setembro de 1970, a estrutura daquele órgão fosse incorporado ao organograma oficial
Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do II Exército em São Paulo, comandado pelo então
major Carlos Alberto Brilhante Ustra. 77 O mesmo ato implementaria outros DOI em outras
capitais como Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Fortaleza e Belém.
E apesar de serem a partir desse ato instituições oficiais e com dotação orçamentária
prover de recursos o aparelho de repressão. Alguns atuavam em nível local, restrito ao Estado
de São Paulo, enquanto outros mesmo de forma discreta atuaram em nível nacional. Em relação
federação, tal fato nos remete a argumentar que se tratou de uma política de Estado, como o
comprova as Diretrizes para a Política de Segurança Interna, de julho de 1969, que já previa
77
Ustra foi o primeiro comandante do órgão no período 1970-1974
67
contas em nome de ‘laranjas’ ou nomes falsos e pagamentos de ‘gratificações’ (prêmios) em
recursos oriundos de arrecadações entre vários civis, e articulado pelo Banco Mercantil de São
Ultra foi de grande destaque por intermédio da atuação do executivo Henning Albert Boilesen,
presidente da Ultragás, a maior empresa do grupo, cuja liderança exercida por ele na FIESP,
partir de duas questões essenciais: o fato de que os depoimentos orais são bem específicos e a
ação política de classe do bloco de poder, nos referimos à ameaça que as oposições,
particularmente a armada, representavam aos interesses das classes dominantes. Vale ressaltar
que o depoimento do ex-militante Carlos Eugênio da Paz que relata a descoberta por parte da
dos locais onde se realizaram prisões e/ou emboscadas contra militantes em São Paulo em várias
78
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 333
79
MELO, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado
paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2012, p. 41.
80
Cidadão Boilesen, longa-metragem, 92 minutos. Direção: Chaim Litewsky. Produção: Chaim
Litewsky e Palmares Produções e Jornalismo. Rio de Janeiro, 2008.
81
Idem.
68
3 O GRUPO ULTRA E A REPRESSÃO: O CASO BOILESEN
repressão, materializado pela atuação do executivo Henning Albert Boilesen que se destacou
por ser o articulador no interior da FIESP, associação de classe na qual era um dos diretores e a
influência de sua liderança entre o empresariado paulista, foi determinante para que outros
com captação de recursos financeiros para a montagem desses aparelhos, como também
empréstimos de veículos, especialmente caminhões da Ultragás que era uma das empresas
segundo informação prestada por Carlos Eugênio Paz, ex-militante da Ação Libertadora
Nacional (ALN), em depoimento dado a Chaim Litewsky em março de 2001. Ainda segundo
Paz, não havia mais dúvidas por parte da organização quanto ao envolvimento de Boilesen com
Vale ressaltar que esse fenômeno que é o objeto de investigação deste trabalho, não foi
uma ação isolada de um grande grupo econômico, pois se trata de uma continuidade de uma
ação política de classe de um bloco de poder composta pela elite civil e militar.Desse modo, o
tipo de Estado que se forja a partir do golpe civil-militar de abril de 1964, denominado por
Maria Helena Moreira Alves (1984) de Estado de Segurança Nacional, encontra consenso nas
reflexões de Ruy Mauro Marini (1978) que o conceitua de Estado de Contrainsurgência, a partir
Marini faz uso dessa expressão para apontar que as ditaduras civis-militares na América
órgãos em relação aos demais poderes. Porém, não se trata de um elemento que o caracteriza
82
MELO, 2012. Op. cit., p. 54
83
MARINI, Ruy Mauro. El Estado de Contrainsurgência: intervención em el debate sobre “La cuestión
del fascismo em América Latina”, Cuadernos Políticos, México, Ediciones ERA, n. 18, octubre-
diciembre, 1978, pp. 21-29. Disponível em: http:/www.marini-
escritos.unam.mx/016_contrainsurgencia_es.html. Acesso em: 13/09/2017.
69
em relação ao Estado moderno capitalista. Tal distinção, pode ser apontada pela existência de
dois ramos de centros de decisão. Um deles é o ramo militar formado pelo Estado-Maior das
Forças Armadas, que tem sua base a estrutura vertical que lhe é própria, sendo o Conselho de
estão interligados com os delegados diretos do capital e também por agências de inteligência,
ramo econômico representados pelos ministérios ocupados por civis, particularmente a elite
empresarial, cujos postos-chave são ocupados por tecnocratas civis e militares. Nesse sentido,
que compõem o Estado burguês clássico, o Legislativo e o Judiciário. Tais instituições podem
ser mantidas em âmbito de ditaduras civil-militares como ocorreu no Brasil.84 De forma análoga,
Alves (1984) utiliza o termo coalizão civil-militar para referir-se a essa aliança.
como o Grupo Ultra com a repressão, exprime essa aliança que objetivava o pleno
84
Idem.
85
MELO, 2012. Op. cit., p. 101-102
70
3.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO GRUPO ULTRA
grupo empresarial para demonstrar a relevância de sua atuação no cenário político brasileiro, e
coerção que detém os grandes grupos empresariais em relação à preservação de seus interesses
de classe.
1920 por intermédio de seu fundador Ernesto Igel, imigrante austríaco nascido em 27 de
novembro de 1893, na cidade de Viena (na época capital do antigo Império Austro- Húngaro) e
A história do Grupo Ultra cindi-se à própria trajetória de Ernesto Igel, que destacou-se
como um grande empresário. Ao chegar ao Brasil, vindo residir na cidade do Rio de Janeiro em
meados de 1920, começou a desenvolver sua atividade empresarial como gerente de negócios
de exportação no Brasil pela empresa Internationale Export e Import, cuja área de atuação era
à gás a pianos e instrumentos musicais. E tinha como parceiro comercial o Instituto de Crédito
da Áustria que servia como base de sustentação da empresa sob a forma de financiamento das
Porém, Ernesto Igel se depara com a primeira dificuldade em sua trajetória exitosa que
ocorre em 1923 com a falência do Instituto de Crédito da Áustria, o que impede a continuidade
das atividades da Internazionale ocasionado pelo corte dos financiamentos. Tal fato o leva a
reabrir uma antiga firma, a Ernesto Igel e Cia., que passa a expandir seus negócios ao acertar
Norddeutsche e a Triton Belco. Além dos produtos com os quais trabalhava na Internationale,
86
GRUPO ULTRA. A história do Grupo Ultra – Marca de empreendedores. São Paulo: Editora
Prêmio, 1998, 160 p.
71
a Ernesto Igel e Cia. Inicia a venda de papel de imprensa importado da Finlândia, insumo de
Em decorrência disso, expande ainda mais suas atividades e funda filiais da empresa na
cidade de São Paulo e outras cidades, se consolidando como um promissor empresário que
poderia competir pela liderança do mercado brasileiro com outras empresas de mesmo setor de
atividade, e nesse sentido amplia seu mercado ao adquirir a fábrica de fogões Zenith que
Com a ascensão do nazismo na Alemanha, Igel teve dificuldades nos negócios porque
as empresas alemãs que eram suas fornecedoras, foram pressionadas pelos líderes nazistas a
território alemão e Ernesto Igel foi atingido por suas origens judaicas. Em razão disso,
experiência que fora conhecer nos tempos em que esteve na França visitando as unidades da
No entanto, em seu retorno ao Brasil, deparou-se com um impasse que envolvia a falta
de capital para investir e como captá-lo. Esse impasse resolveu-se em consequência de um fato
histórico que o estimulou: a explosão do dirigivel Hindenburg quando pousava perto de Nova
York, ao final do trajeto entre a Alemanha e os EUA. Construídos pela companhia alemã
Zeppelin, esses dirigíveis realizavam rotas para a América do Sul pousando no Recife em
companhia, resolve levar de volta à Alemanha cerca de 6 mil cilindros de gás butano estocados
na base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Ernesto Igel percebeu a oportunidade de investimento,
e propõe à companhia a compra dos cilindros pelo preço de custo do transporte deles à
87
Ibidem, p. 14-29
72
Alemanha, que após aceitação do negócio, já se inicia os processos de engarrafamento de gás e
empresa detinha um capital de 200 contos de réis oriundo da venda dos últimos estoques de
produtos alemães.
atividades que envolviam o negócio e a resistência dos clientes ao uso do gás engarrafado,
e também a associação com Otto Uebele, industrial alemão radicado em São Paulo, que
sobre o Ultragaz, o gás engarrafado ou o Ultragaz, o gaz que viaja. Com marketing bem
elaborado, esses slogans contribuíram para que as primeiras vendas pudessem ocorrer, e fixou
a marca Ultragaz.
A empresa passa contar com a aquisição de vários colaboradores graças às boas relações
mantidas de Ernesto Igel no meio empresarial, dentre estes, o industrial Max Mangels que era
o primeiro a produzir botijões para gás no Brasil. Embora o crescimento da empresa de Igel
fosse lento no início de 1938, não tardou a desenvolver-se rapidamente quando é criado um
88
Ibidem, p. 33
73
Tal crescimento foi consequência da contribuição de novos colaboradores incorporados
às atividades da empresa, graças às boas relações da esposa de Ernesto Igel, Margarida Igel, por
intemédio das aulas de dança que ministrava no Tijuca Tênis Clube e dos eventos promovidos
Esses dois fatores propiciaram a Ernesto Igel a mudar o nome da empresa para
2 mil contos de réis e com maior número de sócios. Nomeou como dirigentes da nova empresa,
Ernesto Igel assume como diretor-gerente. Também compunham a diretoria e sociedade com
Igel, o jornalista Heitor Beltrão, presidente do Tijuca Tênis Clube, e mais tarde integrante do
Conselho Fiscal da empresa, os advogados Otto Gil e Sérgio Darey e o também ex-ministro
gás dos EUA através da venda pela Shell, sendo o produto armazenado em grandes cilindros e
carregados em navios que partiam de Nova Orleans e desembarcando nos portos do Rio de
Janeiro e de Santos. Com a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial em 1941, a
investimento no campo militar, e em razão disso teve de buscar outras formas de fornecimento
quando reatou relações com a YPF e das relações de Odillon Braga com o governo argentino.
Ernesto Igel conseguiria garantir fluxo de GLP suficiente por intermédio da refinaria
de Comodoro Rivadavia, que operava no sul do país. Isso alavancaria seu crescimento tornando
ao gás engarrafado uma “utilidade pública” mesmo sendo um serviço de caráter privado. Pode
estender sua área de atuação em torno do Rio de Janeiro ( Petrópolis, Teresópolis e Niterói), no
estado de São Paulo (além da Capital, Santo André, Campinas, Ribeirão Preto) e outras capitais
89
Ibidem, p. 37-43
74
As expectativas de expansão do capitalismo mundial, sobretudo norte-americano, se
distribuição de GLP. O crescimento rápido da Ultragaz iria ocorrer entre a segunda metade dos
anos 1940 e o início dos anos 1960, na qual especificamente em 1961, o número de
industrial como o Grupo Ultra. A empresa estatal impulsionou o setor de petróleo e derivados,
proporcionando à Ultragaz a não mais importar GLP dos EUA e investir na criação de outras
do país e sua experiência serviu como referência técnica e empresarial para todo setor.90
Ernesto Igel decide transferir a direção da Ultragaz e demais empresas para seu filho
Pey Igel, passa a atuar na filial de São Paulo, enquanto o pai permanecia no Rio de Janeiro. A
A partir da energia do gás, Pery Igel assume o comando da empresa e começa a construir
nos anos 60 um conglomerado industrial, ao expandir sua atuação do gás para petroquímica,
diz respeito às transformações de ordem econômica, política e social ocorridas no Brasil entre
o final da década de 50 e no início da década de 60. O Rio de Janeiro deixara de ser a capital
do país e também o principal pólo econômico quando Brasília recém inaugurada em abril de
planalto central.
90
Ibidem, p. 51-54,
75
Assim como a cidade de São Paulo já despontava como novo centro econômico do país
do país. Esses fatores influenciaram na decisão de Pery Igel em deixar o Rio de Janeiro e fixar-
se em São Paulo que proporcionou rápida expansão devido ao rítmo da da cidade e ao maior
No final de 1969, o Grupo já era um complexo formado por 36 empresas, sendo a maior
delas a Ultragaz, seguida da Ultralar e a Ultrafértil. 91 Até os dias atuais, o Grupo Ultra
permanece como um dos maiores grupos empresariais brasileiros que nas últimas quatro
décadas, expandiu-se ainda mais mesmo em tempos de crises periódicas do capitalismo que
brasileiro.
Compreender a ação de uma pessoa sobre uma realidade requer conhecermos sua
E o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, não era exceção. Dinamarquês que
socialmente, embora não fosse de família pobre. Segundo o depoimento do advogado e escritor
Per Johns para o documentário Cidadão Boilesen, o dinamarquês absorveu o Brasil dentro de
si.92
estudos na escola que cursara as séries iniciais. Para a sua mãe, Henning era uma pessoa boa
91
Ibidem, p. 55-94
92
Cidadão Boilesen, longa-metragem, 92 minutos, direção: Chaim Litewsky, Produção: Chaim
Litewsky e Palmares Produções e Jornalismo, Rio de Janeiro, 2008.
76
que costumava ajudar o próximo, no entanto, na escola demonstrava uma atitude estranha, pois
um fato ocorrido na instituição chamou atenção para esse comportamento nada ‘convencional’
de Boilesen.
um conflito, no qual Boilesen não estava envolvido. As crianças foram punidas e ele próximo
observava demonstrando prazer em ver os colegas serem penalizados, atitude que chocou os
professores. Podemos perceber que já eram os primeiros sinais de um lado obscuro do futuro
presidente da Ultragaz, que ele não conseguia controlar ou talvez não quisesse.93
O seu assassinato contribuiu para levantar uma questão importante, que refere-se ao
internacional e nacional, Boilesen adquiria consciência acerca do futuro do país e qual rumo ele
URSS e ao ‘comunismo’.
No seu círculo de relações com a burguesia paulistana, buscava omitir ou esconder sua
bem-humorado, que atraía todos com sua liderança e inteligência, admirado como bom pai e
encontrou outros ‘homens de bem’ que como ele compartilhavam da mesma tarefa.
93
Idem.
77
Contrainsurgência para derrotar o terrorismo e a subversão, afinal, os grandes grupos
o banqueiro Gastão Vidigal, cuja atuação extrapolava os limites de São Paulo, ou Delfim Netto,
o ministro da Fazenda que tornou-se uma referência entre os economistas, pois o que os unia
era um anticomunismo e a defesa de um sistema político forte e no qual não a esquerda não
tivesse espaço, assim como defendiam uma política econômica voltada para a acumulação de
Os três admitiam a tortura como um ‘mal necessário’ e Boilesen era daqueles que
Importante ressaltar que mesmo com toda a relevância da sua atuação como um dos
grande grupo econômico como o Ulstra, e presidindo a maior empresa deste que é a Ultragaz,
suas referências se perderam no tempo. Não constam dos registros do Grupo Ultra e nem da
dele na constituição do grupo como também da Ultragaz, empresa que ele chegou a assumir a
presidência.95
O esquecimento que Boilesen foi relegado deve-se ao seu justiçamento96 que legitimou
sua culpa, confirmando as suspeitas que recaíam sobre ele. Quando se desenrolou o processo
94
MELO, 2012. Op. cit., p. 123-124
95
O livro A história do Grupo Ultra- marca de empreendedores (1998) dedica quase exclusivamente à
trajetória de seu fundador Ernesto Ygel e de seu filho Pery Igel continuador do projeto do pai, cindida
na própria constituição do Grupo e da Ultragaz, sem mencionar o nome de Boilesen como amigo e um
dos maiores dirigentes do grupo comandado por Pery Igel, a partir de 1969.
96
Termo utilizado pelas organizações de esquerda para se referir à eliminação daqueles que colaboravam
com a ditadura e/ou órgãos de repressão, no caso, os empresários, assim como agentes de repressão que
praticavam torturas, considerados inimigos do povo.
78
tornara-se um símbolo e a prova concreta do apoio efetivo de grupos empresariais com a
livro que relata a trajetória do grupo, poderia ‘manchar a reputação’ de um importante complexo
empresarial que até hoje lidera o setor de armazenamento, distribuição de GLP, dentre outras
atividades e portanto, a imagem da família Igel não estaria vinculada a um personagem que
representante/executivo de um grande grupo empresarial como o Ultra não pode ser atribuída
somente como resultado de sua personalidade, embora fora elemento que influenciou suas
desenvolvimento bem definido. Nesse sentido, discorreremos acerca do processo que insere
futuro executivo, inicia-se no período pré- 64 quando teve participação destacada como um
ativo militante do IPES, na conspiração civil-militar que derrubou João Goulart da presidência
da República. Sua militância política acompanhou seu crescimento como homem de negócios
terra natal, que lhe propiciou ocupar diversos cargos em grandes empresas no Brasil, e
97
Segundo informações veiculadas no documentário Cidadão Boilesen, entre 1942 e 1950, o executivo
ocupou o cargo de Chefe de Contabilidade na multinacional Firestone do Brasil; de 1951 a 1952
desempenhou o cargo de Diretor-Administração e Vendas na fábrica Dantop e de 1952 até 1971, ocupou
diversos cargos na Companhia Ultragaz, empresa do Grupo Ultra, chegando à presidência.
79
empregando ações violentas com um grupo armado contra os comunistas e também na forma
pessoa notória, processo em que era um dos articuladores entre o empresariado paulista na
conjuntura pós-68. Sua atuação extrapolou as fronteiras do país, por ser um industrial influente
principalmente nas fileiras da FIESP, ao cumprir algumas missões semi-oficiais para o governo
civil-militar.
Importante considerarmos que embora o período da ação de Boilesen tenha sido curto
em virtude de sua morte não seja o mais relevante, pois tratou-se de interromper seu
envolvimento com a repressão, a questão central refere-se à conjuntura política entre 1969-
1971, marcada pelo fenômeno conhecido por “milagre brasileiro” em que a economia brasileira
obteve expressivo crescimento até 1973, que propiciou ao parque industrial e outros setores de
forma particular ao Estado de São Paulo o maior índice do Produto Interno Bruto (PIB) entre
os estados brasileiros e esse foi um dos fatores determinantes para que o Estado de
A colaboração pode ser entendida por uma ação integrada na qual empresários e
militares buscavam responder, de forma rápida e definitiva, à subversão que se tornou um sério
com extremo controle sobre a população e no qual não haveria espaço para comunistas.
Uma destas missões confiadas a Boilesen foi pressionar o comitê do prêmio Nobel em
Oslo para votar contra a candidatura de D. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife. Essa
prêmio Nobel da Paz desagradaria ao governo brasileiro, pois D. Helder era um opositor do
do arcebispo, seria um dossiê encaminhado ao comitê do Nobel através de Boilesen, que dentre
80
outros documentos, mostrava uma foto de D. Helder na sua época de juventude, fazendo um
discurso em um ato político da Ação Integralista, o que causou a sua derrota. Podemos
considerar bem contraditória a acusação/argumento por parte do Estado de que o arcebispo era
Bolívia, que derrubou o presidente Juan Torres em 1971. Devido à larga experiência no IPES,
semelhante ao IPES. Além de Boilesen, compunham esse grupo conspirador Oscar Barrientos
- advogado e primo do ex-presidente boliviano Rene Barrientos Ortunho, Mário Bush -ex-
Betthelem - ex-adido militar na Bolívia, grandes empresários bolivianos. Vale ressaltar que
que Barrientos tinha o papel de manter contatos com os oficiais do II Exército do Brasil (com
sede em São Paulo, pois este tinha jurisdição dos territórios fronteiriços à Bolívia) e com o
SNI.99
e a famigerada ‘caixinha’ aos agentes . Os depoimentos mais elucidativos que podemos destacar
do ex-delegado do DOPS José Paulo Bonchristiano, que afirma ter conhecido o executivo e
instalado caso a luta armada obtivesse êxito. Nesse sentido, podemos afirmar convictamente
98
Em sua época de juventude, D. Helder foi integralista, no entanto, na segunda metade do século XX
após a legalização do Integralismo, o bispo abandonou a ideologia e passou a ser democrata-
progressista.
99
MELO, 2012. Op. cit., p. 41
81
que se tratava da manutenção e salvaguarda dos interesses corporativos e econômicos de
classe.100
direto de Boilesen com as atividades da OBAN, foi dado pelo coronel reformado do Exército e
uma entrevista concedida a Melo (2012) e Chaim Litewsky em janeiro de 2005 em Campinas.
Segundo Cavagnari, o capitão Benone de Arruda Albernaz, notório torturador, lhe afirmou que
esta ocorrida em 1972, inclusive Albernaz conta em detalhes que o executivo o apanhava em
casa para juntos irem ao órgão. No entanto, declara que no dia em que Boilesen foi assassinado,
escapou de ser morto juntamente com ele por uma simples razão: teve que dispensar a ‘carona’
como o ex-governador de São Paulo Paulo Egydio Martins cujo mandato esteve compreendido
entre 1975 a 1979. Este afirma que Boilesen coordenou um grupo de empresários golpistas para
Exército (sediado no Rio Grande do Sul) que se posicionou contra o golpe sob a influência de
Leonel Brizola, governador gaúcho, e se preparava para resistir à conspiração. Tal resistência
sangue”. Martins afirma que os recursos empresariais seriam importantes, já que o II Exército
estava sem condições porque não possuiam equipamentos e materiais necessários. Então, o
Boilesen, foram concedidos pelo ex-major e coronel reformado do Exército, Carlos Alberto
Brilhante Ustra, que comandou o DOI-CODI/SP entre 1970 e 1974 no documentário Cidadão
100
Ibidem, p. 48-49
101
Ibidem, p. 51-52
102
Ibidem, p.57
82
Boilesen e pelo general Arthur Moura ex-adido militar dos EUA no Brasil, confirmam que os
militares por não terem recursos apelaram para o setor privado, sobretudo as multinacionais,
Outro personagem de destaque nos meios militares e que também estreitou relações com
Boilesen, o ex- coronel Erasmo Dias, um dos influentes militares da chamada ‘linha dura’ do
por iniciativa deles. Sustenta que no contexto que a oposição armada realizava ações cada vez
maiores, o Estado de Segurança Nacional percebe que não possuia estrutura adequada para
combatê-las justamente por falta de recursos. Sendo assim um problema estrutural, a solução
para colaborar com a organização de uma estrutura de aparato repressivo que desarticulasse a
para o êxito da escalada repressiva, não somente com o dinheiro doado, como também com
recursos materiais como veículos, equipamentos. Neste aspecto, Boilesen destacou-se por ter
se exposto mais que os seus pares devido não somente à personalidade forte que ele tinha, mas
através dos materiais que fornecia à OBAN, específicamente os veículos da Ultragáz, para
realização de operações clandestinas, nas quais esses recursos cumpriam o papel de elementos
cenográficos para montagem de emboscadas aos militantes das organizações armadas, cujo
intuito era geralmente a eliminação física deles e não a detenção. Trata-se de apoio político
Não podemos entender a colaboração em si mesma, ou seja, como apenas uma tática
existente vinculada ao SNI, para garantir eficiência em suas operações.Deve ser entendida pelo
103
Cidadão Boilesen, Brasil, 2009.
104
MELO, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado
paulista à Oban/ Operação Bandeirantes, 1969-1971. Niterói, 2012, p. 61.
83
contexto mais amplo a fim de evitarmos reducionismos. Embora o empresariado nacional tenha
operacional como a OBAN por intermédio do empresariado paulista, fato que se deve a posição
do estado de São Paulo como o mais desenvolvido e rico do país, que na época detinha o maior
índice do PIB brasileiro, como também o lócus onde se deflagra o início das mobilizações de
devido à eficiência de suas operações (de caráter clandestino), ser extendido posteriormente seu
formato a outros estados sob a célebre sigla DOI-CODI. Nesse cenário, somente é possível
No entanto, importante destacarmos que não foram somente empresários paulistas que
colaboraram com a repressão. Grandes grupos empresariais de outras regiões do País também
opositores.105
Vale ressaltar, do ponto de vista operacional, a ligação da OBAN com uma organização
casual. Trata-se que essa ligação evidencia uma relação perigosa entre Estado, empresários e o
entendemos como investimento em uma das áreas mais prioritárias do projeto de poder e o
símbolo dessa ligação foi o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury e portanto, uma política
105
Na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), as instalações da Usina Cambahyba de propriedade da
família de Heli Ribeiro Gomes, ex-governador do estado, foram cedidas a repressão para incineração
de corpos de presos políticos assassinados. Informações prestadas pelo ex-delegado do DOPS/ES,
Cláudio Guerra, em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros contido no livro
Memórias de uma guerra suja. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012. Em Petrópolis (RJ), o empresário
alemão Mário Lodders cedeu uma casa ao CIE (Centro de Informação do Exército), a qual foi
intitulada de Casa da Morte, e de onde somente restou uma militante sobrevivente devido a um erro
de organização dos militares, pois não deveria haver sobreviventes.
84
de Estado.106 Por outro lado, entre os militares que argumentam que foram os empresários que
tiveram a iniciativa de colaborar com a montagem da OBAN, predomina o raciocínio que estes
‘operacional’, ignorando a coordenação do CODI e sua ligação direta com o SNI configurando
militares apenas lacaios que estariam cumprindo suas determinações, como se a classe
militares nutriam uma utopia autoritária, segundo a qual acreditavam que poderiam eliminar
Nacional. No entanto, esse elemento nos ajuda a entender em parte a contradição de tal
argumento.107
autoridades civis são elementos contudentes que não deixam dúvida acerca da iniciativa do
barreiras e abrir portas para viabilizar os negócios como também aproximá-lo do núcleo de
tomada de decisão.
curto (1969-1971) em virtude de seu assassinato, todavia, sua atuação como executivo de um
grande grupo econômico como o Ultra e que assumia uma posição de liderança no meio
empresarial paulista, de certa forma facilitou a construção de sua imagem como um agente da
CIA, torturador, financiador da ‘caixinha da OBAN’, trabalhada pela esquerda. Ao ser morto,
106
MELO, 2012. Op. cit., p.87-88
107
Ibidem, p.99
85
que um número considerável de empresários contribuiam materialmente com o órgão e de
forma discreta, diferentemente do executivo que se expôs e encarna para a repressão como seu
herói.
Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo) atuaram ostensivamente para reforçar o caixa da
Oban, doando 110 mil dólares em conhecido banquete organizado pelo ministro Delfim Neto
no Clube São Paulo demonstrando a iniciativa do Estado em apelar para o setor privado nacional
e multinacional. Empresas como Ford, General Motors, Volkswagen forneciam veículos para
Light que colaboraram com recursos financeiros e equipamentos e a arrecadação contava com
o apoio da FIESP, por meio do seu presidente Theobaldo de Nigris, que cedia salas para as
palestras do ministro Delfim Netto com empresários nas reuniões as quais finalizavam com as
doações de recursos.
material à OBAN e ao DOI. Além dos raros documentos comprobatórios elaborados pelo
próximo a locais onde ocorreram prisões ou emboscadas a opositores, aliado aos depoimentos
de militantes presos que confirmam suas visitas aos órgãos repressivos, foram justificativas para
seu justiçamento. Um desses documentos foi descoberto recentemente pela Comissão Nacional
da Verdade, elaborado pelo Departamento de Estado dos EUA, datado de 15 de abril de 1971,
que aponta a colaboração do executivo com a OBAN e faz referências ao seu assassinato,
Brasil.108
A colaboração do Grupo Ultra não se restringia apenas a uma de suas empresas, no caso,
a Ultragáz presidida por Boilesen, como também a Supergel que produzia refeições congeladas
108
Ver documento no anexo
86
Venceremos (órgão da organização clandestina Ação Libertadora Nacional) de
setembro/outubro/novembro de 1971:
O executivo ostentava opiniões claras sobre o projeto de desenvolvimento ‘ideal’ para o país
que ele adotou, e portanto, defendia explicitamente o capitalismo e como liberal alinhava-se
aos EUA, em oposição à União Soviética e o Comunismo. Este também era a posição político-
ideológica dos demais empresários que colaboraram com o aparato repressivo, desde a
preparação do golpe de 1964. Podemos afirmar categoricamente que a OBAN e o DOI foram
A violenta morte de Boilesen pela via do justiçamento comprova sua culpa e confirma
as suspeitas de que colaborava com os órgãos de repressão, primeiro a OBAN e depois o DOI,
atuação que teve curta duração entre 1969 e 1971. Era unanimidade entre o empresariado
paulista o discurso de que o executivo do Grupo Ultra, representava a prova concreta do apoio
efetivo não somente à ditadura civil-militar, como também do aparelho repressivo e à tortura.
109
COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DE SÃO PAULO. A participação dos empresários no
financiamento da Oban. Relatório – Tomo I – Parte I – O financiamento da Repressão, 2015, p. 9
110
MELO, 2012. Op. cit., p. 125
87
muito específico em curso, do qual as classes burguesas se beneficiariam, tornando necessária
Argumentamos também que a partir da maioria dos depoimentos dados por agentes do
econômico.
Segurança Nacional não era a efetivação de uma resistência com o objetivo de restaurar a
pautadas por diferentes matrizes teóricas no campo marxista.111 Nesse sentido, representavam
uma ameaça aos interesses do bloco de poder que evidentemente não pouparam esforços para
O golpe civil-militar para Boilesen e outros empresários que colaboraram, não foi
pela esquerda ( nucleação de novos militantes no meio estudantil, passeatas, assaltos a bancos
alinhamento com os EUA e outras potências imperialistas que demonstram a posição do Brasil
111
Sobre o programa de cada organização clandestina, ver REIS, Daniel Aarão; SÁ, Jair Ferreira.
Imagens da Revolução, documentos políticos das organizações de esquerda dos anos 1961-1967.
Rio de Janeiro: Editora Expressão Popular, 2006.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sua maior empresa, a Ultragáz, da montagem da estrutura da OBAN e do órgão que o sucedeu,
o DOI-CODI, a partir da trajetória nesse processo de seu presidente, Henning Albert Boilesen
no período 1969-1971.
tal processo se efetuou, por intermédio de raros documentos produzidos pelo Estado brasileiro
e outros vindo do exterior, embora inexistam documentos mais como recibos, listas de
do aparato repressivo.
se como um bloco de poder em fase de maturidade política para a tomada do poder do Estado
Para entendermos o tipo de Estado que forma no Brasil em 1964, buscamos nos
Marini (1978), por considerarmos mais adequado devido à particularidade brasileira. Ele aponta
Contrainsurgência é uma modalidade de Estado dominado por um bloco de poder civil e militar,
onde o empresariado representa uma fração de classe fundamental enquanto classe de apoio.
89
A ação política de classe desse bloco de poder justificou-se pela implementação de um
com os países centrais do capitalismo, cuja hegemonia estava sob áuspício dos EUA. Cabe
ressaltar que o projeto em questão encontrava consenso nos dois campos que compunham o
bloco dominante. No campo militar formado por oficiais vinculados à Escola Superior de
ocidental e cristâ”.
aprofundado por seus intelectuais orgânicos. O elemento consensual que consolida a coalizão
Influenciados por essa lógica, os oficiais militares entendem que essa forma de
controle estatal, por outro lado, a Doutrina de Segurança Nacional era a ideologia adequada aos
adestramento dos trabalhadores e suas organizações políticas, como também a tese do inimigo
interno que justificava todo controle e repressão contra as oposições que ameaçassem a
IBAD, que formando um complexo com a Escola Superior de Guerra (ESG), torna-se um
Goulart era vista como uma ameaça aos interesses dominantes, porque representavam uma
90
tentativa da criação de uma “República Sindicalista e Comunista” no Brasil, sob a influência
da União Soviética.
Não menos importante nesse processo de derrubada foi o papel exercido por
associações de classe como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
incorporada pelo IPES/IBAD, embora outras associações de classe de outras regiões do Brasil
também se engajaram, mas a predominância de São Paulo como estado mais rico do país se
evidenciou. Nesse sentido, consideramos coerente discorrermos sobre o papel de cada setor
civil do bloco de poder, para demonstrar que este não era homogêneo, como também não houve
Necessário explicitar o campo militar para demonstrar que não foram as Forças
Armadas em sua totalidade que tiveram engajamento no Golpe de 1964, e sim uma parcela
sob a Doutrina de Segurança Nacional e nesse sentido, foi preciso alterar a sua estrutura
governo contou com vários empresários e militares , uma espécie de ‘sucursal’ do IPES.
isso, uma série de medidas foram utilizadas para esse fim. A mudança na legislação vigente e
sindicatos, cassações que se justificaram por vinculações de parte destes setores ao governo
dominante.
112
Na história política brasileira os militares participaram ativamente da vida pública do país, e
recentemente foi desvelada por intermédio de pesquisa a presença marcante da esquerda nas Forças
Armadas, e portanto, é errônea a afirmação de que o golpe de 1964 teve participação total de
militares. O professor Paulo Ribeiro da Cunha, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp/
Câmpus de Marília, atuou na Comissão Nacional da Verdade, e analisa este fenômeno em sua obra
Militares e militância – Uma relação dialeticamente conflituosa (2014), demonstrando o longo
período de militância dos militares de esquerda no país, dividindo-o entre a fase da “insurreição”-
do fim do século XIX, com os “republicanos radicais”, até 1945- e a fase de intervenção dos militares
nas grandes causas nacionais, que se estende até 1964.
91
Institucionalização que processou-se em três fases aliada com uma repressão
Constituição de 1946 foram impostas, como os Atos Institucionais, Decretos-leis. Uma segunda
iniciando-se em 1969 e encerrando-se em 1974, permeada pela crise interna fomentada pelos
dois setores militares na disputa pelo controle do Executivo e o conflito com a oposição,
implementação do Ato Institucional n. 5 que desencadeia a fase mais brutal de repressão aos
opositores.
a irrupção da luta armada contra as medidas e diretrizes políticas contra a classe trabalhadora e
guerrilha urbana.
OBAN ganha destaque entre a esquerda. Embora não seja o único a envolver-se com a
É importante deixar claro que a OBAN foi criação do Estado de Segurança Nacional
a partir de uma Diretriz para a Política de Segurança Interna expedida em 02 de julho de 1969,
envolvendo o comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira sediado em São Paulo,
juntamente com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Hely Lopes
que os grupos empresariais deveriam ter com a ‘revolução de 64’, da qual estes eram os
beneficiários.
92
Em razão da excessiva exposição pública, Boilesen torna-se um dos alvos preteridos
da esquerda que visava ações de justiçamento a vários empresários, a medida que se tornava
Ultragás, passa a se tornar mais evidente, quando militantes percebem a “coincidência” habitual
homem loiro, alto, forte, bem vestido e com sotaque estrangeiro frequentava as dependências
do órgão.
Eram evidências contundentes para seu assassinato pela esquerda, o que ocorreu em
abril de 1971 no centro de São Paulo. A atuação de Boilesen extrapolou as fronteiras do Brasil
entanto, demonstram que haviam interesses econômicos em jogo e seus apoio não foi simples
fruto de sua personalidade, mas de uma opção política considerada aqui assim como a de outros
membros da elite empresarial, como continuidade de uma ação política de classe de um bloco
os 21 anos de ditadura torna-se essencial para compreendermos que desde sempre na história
brasileira, as elites dirigiram o país e mais do que isso, o grande capital estará fomentando
estratégias de se manter no controle do Estado para impor seus interesses de classe e manter os
Brasil, inclusive a colaboração com o golpe civil-militar na Bolívia O que contribuirá para uma
93
e Paraguai. Portanto, concluímos que a pesquisa não se esgota aqui e articula-se com a
Roussef no Brasil em 2016 são processos que mostram a continuidade da ação de grandes
94
FONTES DOCUMENTAIS
Papéis de militares expôem atuação da fiesp no golpe de 64. Página do Jornal Folha de São
Escola das Américas. Documentário dirigido por John Smilhula em 25/11/2012. Disponível
<http://www.documentosrevelados.com.br/imprensa-clandestina/aln/manifesto-conjunto-da-
aln-e-mrt-sobre-justicamento-de-henning-boilesen-financiador-de-torturas>. Acesso em
13/11/2017.
Disponível em:<http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/forcas-armadas/doutrina-
de-seguranca-nacional-manuais-de-formacao-da-escola-superior-de-guerra/> Abaixo do
REFERÊNCIAS
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964 a 1984). Petrópolis:
Vozes, 1984.
95
COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO. O financiamento da
COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado brasileiro: gênese, crise e alternativas. In: Contra
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado- Ação política, poder e golpe de
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XIX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
“La cuestion del fascismo en America Latina. Cuadernos Politicos, Mexico,Ediciones Era,
96
ANEXOS
97
I – Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Geraldo Resende de Matos, da FIESP
98
II- Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Claris Halliwell, do consulado geral dos EUA
acompanhado do cap. Ênio Pimentel da Silveira, membro do DOI-CODI/SP
99
III- Documento do Departamento de Estado (EUA) atesta envolvimento de Boilesen com
Oban
100
101
IV- Documento elaborado pelo Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI)
apresentado durante palestra realizada por Theobaldo de Nigris, presidente da FIESP, a
oficiais militares na Escola Superior de Guerra em 21/07/1972
102
103
104
V- Manual Básico da ESG de 1961
105
APÊNDICE A – Sobre os documentos dos Anexos 1 e 2
O documento que consta no anexo 3 pode ser visualizado no site da Comissão Nacional
da Verdade, no link intitulado Documentos recebidos dos EUA, sob o nome de Documento 10:
Telegram Henning Boilesen, recebido como desclalificado pelo governo norte-americano em
junho de 2014.
O documento do anexo 4 pode ser visualizado no site da Folha de São Paulo que consta
nas Fontes Documentais. Ao entrar na página, clicar no nome de Theobaldo de Nigris que abrirá
o documento através deste link: <http://media.folha.uol.com.br/poder/2014/05/31/image2014-
05-31-113801.pdf
O documento do anexo 5 poder ser visualizado nos links: <https://html1-
f.scribdassets.com/5owal00bgg3row1u/images/2-fl625c1595.jpg ;
<https://html1-f.scribdassets.com/5owall00bgg3rowlu/images/1-50b3dbc7d6.jpg ,
ambos os links pertencem ao site Documentos Revelados.
106