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Universidade Estadual Paulista- UNESP

“Júlio de Mesquita Filho”


Faculdade de Filosofia e Ciências
Campus de Marília

ALEXANDRE SILVESTRE DO NASCIMENTO

A DITADURA CIVIL- MILITAR E GRUPOS EMPRESARIAIS PAULISTAS: O CASO

BOILESEN E O FINANCIAMENTO DO GRUPO ULTRA À OBAN E AO DOI-CODI

DE SÃO PAULO

Marília

2017
ALEXANDRE SILVESTRE DO NASCIMENTO

A DITADURA CIVIL-MILITAR E GRUPOS EMPRESARIAIS PAULISTAS: O CASO

BOILESEN E O FINANCIAMENTO DO GRUPO ULTRA À OBAN E AO DOI-CODI

DE SÃO PAULO

Monografia de conclusão de curso


apresentada como requisito para obtenção
do título de Bacharel e Licenciatura em
Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia
e Ciências da Universidade Estadual
Paulista/UNESP- Câmpus de Marília, sob a
orientação do Prof. Dr. Jefferson Rodrigues
Barbosa.

Marília
2017
Nascimento, Alexandre Silvestre do.
N244d A ditadura civil-militar e grupos empresariais paulistas:
o caso Boilesen e o financiamento do Grupo Ultra à OBAN e ao DOI-
CODI de São Paulo / Alexandre Silvestre do Nascimento – Marília,
2017.
108 f. ; 30 cm.

Orientador: Jefferson Rodrigues Barbosa.


Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em ciências
Sociais) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de
Filosofia e Ciências, 2017.

1. Perseguição política. 2. Autoritarismo. 3. Terrorismo


de Estado. 4. Brasil – História - 1964-1985. I. Título.

CDD 005.73
ALEXANDRE SILVESTRE DO NASCIMENTO

A Ditadura civil-militar e Grupos empresariais paulistas: O caso Boilesen e o financiamento


do Grupo Ultra à Oban e ao Doi-Codi de São Paulo

Monografia de conclusão de curso apresentada


como requisito para obtenção de título de
Bacharel e Licenciatura em Ciências Sociais
pela Faculdade de Filosofia e Ciências da
Universidade Estadual Paulista/
UNESP/Câmpus de Marília.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Jefferson Rodrigues Barbosa- Orientador

UNESP

Prof. Dr. Marcelo Augusto Totti- Arguidor

UNESP

Prof. Dr. Fábio Kazuo Ocada- Arguidor

UNESP

Marília

2017
AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente ao meu orientador, Prof. Dr. Jefferson Rodrigues

Barbosa, pela confiança, pelo incentivo, desde nossas primeiras conversas sobre o tema para

elaboração deste trabalho, fazendo críticas qualitativas, sugestões, e pela paciência em meus

momentos de excitações, mesmo com várias atividades que assumiu para além da sala de aula.

À minha mãe Antônia, pela força e paciência em me ajudar a permanecer firme nos

estudos mesmo nos momentos de maior dificuldade, quando não tinha trabalho, nem bolsa, suas

faxinas contribuíram para que eu chegasse até aqui.

A todos os demais professores do Curso de Ciências Sociais que contribuíram muito

para minha formação.

Aos funcionários da Universidade, inclusive aqueles que trabalham na limpeza porque

também me ajudaram em minha formação ao estabelecer laços de amizade e partilhar de suas

dificuldades como trabalhadores e me proporcionarem a oportunidade de inserir neles

consciência de classe.

E finalmente, agradeço a todos e todas os (as) companheiros (as) do curso pelo estímulo,

amizade, ternura e compromisso.


RESUMO

O financiamento e a colaboração de empresários, sobretudo paulistas, na montagem e


estruturação de órgãos repressivos como a OBAN e posteriormente o DOI-CODI, é um
fenômeno pouco conhecido da sociedade brasileira que operacionalizou-se quase que em
completa clandestinidade. O Estado de Segurança Nacional, que devido à falta de recursos para
a montagem de um aparelho de repressão, convoca o empresariado paulista a colaborar para
desbaratar as organizações clandestinas que desenvolviam ações de guerrilha urbana. Este
trabalho analisa como objeto de investigação o processo de financiamento e colaboração
perpetrado pelo Grupo Ultra a partir da trajetória e atuação do seu executivo Henning Albert
Boilesen, que também presidia a maior empresa do grupo, a Ultragás, no período compreendido
entre 1969 e 1971, quando ocorre seu assassinato. Utilizamos a pesquisa bibliográfica para
construção do referencial teórico para análise do objeto, e a pesquisa documental para
demonstrar o envolvimento do Grupo Ultra, através da atuação de Boilesen no financiamento
da OBAN/DOI.
Palavras-chave: Ditadura civil-militar. Oban. Empresários paulistas. Repressão.
Financiamento.

ABSTRACT

The financing and collaboration of entrepreneurs, especially from São Paulo, in the
assembly and structuring of repressive organs such as the OBAN and later the DOI-CODI,
is a little known phenomenon of the Brazilian society that has been operated almost
completely in a clandestine manner. The State of National Security, which due to the lack
of resources to set up a repression apparatus, summons the São Paulo business community
to collaborate to disrupt the clandestine organizations that developed urban guerrilla
actions. This work examines as object of investigation the process of financing and
collaboration perpetrated by the Ultra Group from the trajectory and performance of its
executive Henning Albert Boilesen, who also presided over the largest company of the
group, Ultragás, in the period between 1969 and 1971, when his murder occurs. We used
bibliographic research to construct the theoretical reference for object analysis, and
documentary research to demonstrate the involvement of the Ultra Group, through
Boilesen's role in OBAN / DOI funding.

.
Keywords: Civil-military dictatorship. Oban. Businessmen from São Paulo. Repression.
Financing.
LISTA DE SIGLAS

AADM Acordo de Assistência e Defesa Mútua

AI-1 Ato Institucional N.º 1

AI-5 Ato Institucional N.º 5

ALN Ação Libertadora Nacional

AP Ação Popular

CD Comitê Diretor

CE Comitê Executivo

CENIMAR Centro de Informação da Marinha

CGT Comando Geral dos Trabalhadores

CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo

CIE Centro de Informações do Exército

CISA Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica

CO Conselho Orientador

CONCLAP Conselho Nacional das Classes Produtoras

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNV Comissão Nacional da Verdade

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

DOI-CODI Destacamento de Operações de Informações- Centro de Operações de Defesa


Interna

DOPS Departamento de Ordem Política e Social

DSN Doutrina de Segurança Nacional

ESG Escola Superior de Guerra

EUA Estados Unidos da América

FEB Força Expedicionária Brasileira

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

GEs Grupos de Estudos

GLC Grupo de Levantamento da Conjuntura


GLP Gás Liquefeito de Petróleo

IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IGP-DI Índice Geral de Preços- Disponibilidade Interna

IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

IPMs Inquéritos Policiais-Militares

JUC Juventude Universitária Católica

NRK-TV Nowergian Broacasting Corp- Televisão

OBAN Operação Bandeirantes

ONP Objetivos Nacionais Permanentes

PAEG Programa de Ação Econômica do Governo

PAM Programa de Assistência Militar

PDC Partido Democrático Cristão

PIB Produto Interno Bruto

PSD Partido Social Democrático

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

SESI Serviço Social da Indústria

SNI Serviço Nacional de Informações

STF Superior Tribunal Federal

UDN União Democrática Nacional

UNE União Nacional dos Estudantes

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

YPF Yacimientos Petrolíferos Fiscales


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 GÊNESE: A CONJUNTURA PRÉ-64 E O GOLPE DE ESTADO ................................. 16
1.1 A FACE CIVIL DO GOLPE: OS GRUPOS EMPRESARIAIS, ASSOCIAÇÕES DE
CLASSE, O COMPLEXO IPES/IBAD E AUTORIDADES LAICAS E ECLESIÁSTICAS
.............................................................................................................................................. 28
1.2. OS MILITARES E A ESG: O “PARTIDO” DA ORDEM BURGUESA .................... 40
2 O ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL ................................................................... 50
2.1 AS BASES LEGAIS DO NOVO ESTADO (1964-1967) ............................................. 50
2.2 OPOSIÇÃO E CRISE DE ESTADO: O ATO INSTITUCIONAL N. 5, A DITADURA
SEM DISFARCES (1968) .................................................................................................... 57
2.3 O FINANCIAMENTO EMPRESARIAL À MONTAGEM DOS ÓRGÃOS DE
REPRESSÃO: OBAN, EXPERIÊNCIA-PILOTO .............................................................. 61
2.4 A REPRESSÃO INSTITUCIONALIZADA: O DOI-CODI ........................................ 67
3 O GRUPO ULTRA E A REPRESSÃO: O CASO BOILESEN ....................................... 69
3.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO GRUPO ULTRA.......................................................... 71
3.2 O PERSONAGEM-SÍMBOLO DA COLABORAÇÃO: O COMPLEXO BOILESEN 76
3.3 O ENVOLVIMENTO DIRETO COM A REPRESSÃO POLÍTICA ............................ 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 89
FONTES DOCUMENTAIS................................................................................................... 95
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 95
ANEXOS ................................................................................................................................. 97
I – Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Geraldo Resende de Matos, da FIESP ......... 98
II- Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Claris Halliwell, do consulado geral dos EUA
acompanhado do cap. Ênio Pimentel da Silveira, membro do DOI-CODI/SP .................... 99
III- Documento do Departamento de Estado (EUA) atesta envolvimento de Boilesen com
Oban .................................................................................................................................... 100
IV- Documento elaborado pelo Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI)
apresentado durante palestra realizada por Theobaldo de Nigris, presidente da FIESP, a
oficiais militares na Escola Superior de Guerra em 21/07/1972 ........................................ 102
V- Manual Básico da ESG de 1961 .................................................................................. 105
APÊNDICE A – Sobre os documentos dos Anexos 1 e 2 .................................................. 106
APÊNDICE B- Sobre os documentos dos Anexos 3, 4 e 5 ............................................... 106
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar como se operou o processo do financiamento

de empresários paulistas à montagem de órgãos de repressão da ditadura como a Operação

Bandeirantes (OBAN) e o Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações

de Defesa Interna (DOI-CODI) em São Paulo, tendo como objeto de investigação a atuação da

Ultragás nesse processo, que se destacou por ser a maior empresa do Grupo Ultra, a partir da

trajetória do seu presidente e executivo desse grupo econômico, o dinamarquês naturalizado

brasileiro Henning Albert Boilesen, entre 1969 e 1971 (ano em que é assassinado) como recorte

histórico. Processo entendido aqui como continuidade da ação política de classe das elites civis

e militares que tomam o poder do Estado, em defesa de um modelo de desenvolvimento

específico.

Importante ressaltar que tal processo de financiamento e colaboração é desconhecido

por amplos setores da sociedade brasileira, até mesmo pelo fato de que este fenômeno se deu

em completa clandestinidade e a ausência de farta documentação como recibos, listas de

colaboradores, embora recentemente, tenham sido descobertos raríssimos documentos que

comprovam o envolvimento de empresários com a repressão política. Estes documentos são

fontes primárias utilizadas, dentre as quais destacamos: os relatórios da Comissão Nacional da

Verdade1, arquivos na página eletrônica dos Documentos Revelados e do jornal Folha de São

Paulo, que trouxeram a público o envolvimento de grandes empresários ligados sobretudo à

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),assim como a descoberta do apoio e

colaboração de grandes órgãos de imprensa, dentre eles a Folha, com as atividades do aparelho

repressivo, que tinha pleno conhecimento, por exemplo, da famigerada ‘caixinha da OBAN’,

sendo ela própria colaborando com o órgão fornecendo caminhões da empresa para operações

de captura de militantes políticos. Entretanto, para compreendermos o fenômeno a ser analisado,

procuraremos discorrer acerca da conjuntura que antecedeu o Golpe civil-militar de 1964.

1
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instaurada pelo governo de Dilma Rousseff em maio de
2012, por intermédio da Lei 12.528/11 como órgão temporário e teve por finalidade apurar as graves
violações de direitos humanos ocorridas no Brasil no período cmpreendido entre 18 de setembro de
1946 e 05 de outubro de 1988. Encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, quando da
entrega de seu Relatório Final.
10
A escolha do tema justifica-se pela relevância dos 50 anos do Golpe dada pela intensa

divulgação dos meios de comunicação, em meio aos trabalhos da CNV e que foi objeto de

discussões e debates através de eventos que ocorreram em várias universidades ao longo do ano

de 2014, dentre eles podemos destacar o evento organizado pela Faculdade de Filosofia e

Ciências da Universidade Estadual Paulista/ Campus de Marília, através do Departamento de

Ciências Políticas e Econômicas, do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa

de Pós-Graduação em Ciências Sociais entre os dias 31 de março a 04 de abril daquele ano,

denominado “Golpe Militar: 50 anos: Memória, História e Direitos Humanos, assim como

similaridade com o Golpe Institucional de 2016, pois utilizaram-se de um dispositivo

constitucional como o Impeachment de forma ilegal, que foi perpetrado pelas mesmas elites

civis contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, que outrora foram atuantes em 1964 contra

João Goulart, em uma aliança agora não com militares e sim com o Judiciário, embora os

contextos sejam distintos. E por fim, refutar a visão revisionista de órgãos de imprensa como o

jornal Folha de São Paulo, que em um de seus editoriais referia-se a violenta repressão política

desencadeada no período de 1964 a 1985, como uma ‘ditabranda’ porque a experiência

ditatorial brasileira fora supostamente menos violenta que as experiências vivenciadas no Chile,

Argentina e Uruguai, principalmente.

A contribuição deste trabalho de pesquisa incide na importância de compreendermos

que ambos os processos são fenômenos não devem ser tratados isoladamente, como se fossem

pertencentes a períodos históricos diferentes e que não existe alguma conexão entre eles. Ao

contrário, a burguesia continua a intervir na política brasileira para preservar seus interesses.

Para a compreensão do objeto de pesquisa abordado neste trabalho, foi necessário o

estudo do período anterior ao golpe para a análise do regime instaurado a partir de abril de 1964,

pois o objeto insere-se neste contexto revelando que tal processo golpista teve como atores as

elites civis empresariais nacionais e multinacionais e oficiais vinculados à Escola Superior de

Guerra, os quais compartilhavam do consenso em relação ao projeto de desenvolvimento

específico para o Brasil. Desse modo, ao se revelar a participação de empresários, a

historiografia passou a ser revista e a ideia de ‘ditadura militar’ já está sendo superada e

redefinida como uma ditadura civil-militar (DREIFUSS,1980), embora não contasse com o
11
apoio de todos os setores da sociedade. Outra denominação mais específica é a de ditadura

empresarial-militar (MELO, 2012), que busca demarcar que empresários, proprietários de

grupos econômicos nacionais e multinacionais, efetivamente participaram do golpe e

financiaram a ditadura, não havendo participação de outros setores da sociedade civil.

Este trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que no primeiro, trataremos de

analisar através de um resgate histórico da conjuntura anterior ao golpe civil-militar para

demonstrar que esse fenômeno ocorreu de forma isolada ou espontaneamente pela ação de um

grupo de oportunistas, e sim uma ação política de uma classe dominante que já obtendo a

hegemonia econômica, necessitava do controle político do Estado para implementar seu projeto

de desenvolvimento. Nesse sentido, iremos discorrer acerca do processo golpista desvelando

seus atores civis e militares e demonstrando quais interesses permeavam a articulação entre

esses dois campos.

Nessa perspectiva, a articulação que se estabelece em período anterior a 1964, fase que

as elites civis empresariais e militares formam um bloco de poder em vista de um projeto de

desenvolvimento, sofreu profundas influências de um contexto marcado pela Guerra Fria. O

lado civil do golpe não era homogêneo, pois se compunha de empresários de diversas atividades

econômicas, autoridades e parte da hierarquia da Igreja. Como trata-se de um processo

complexo, consideramos sensato apontar acerca da atuação de cada setor a fim de demonstrar

a articulação e consenso em relação ao modelo econômico teorizado.

Cabe ressaltar a relevância da análise acerca da atuação de associações de classe como a

FIESP e o dispositivo empresarial-militar apontado por Dreifuss (2008) formado pelo Instituto

de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),

que desempenhou papel fundamental na formulação das diretrizes políticas por parte dos

intelectuais do bloco de poder e na campanha de desestabilização do governo Goulart como

estratégia psicossocial de propaganda junto à população através de rádio, TV, livros, periódicos,

etc.,, materializando-se aí a maturidade da ação política de classe para a tomada do controle do

Estado, pois sua hegemonia econômica já havia sido consolidada.

12
Assim como discorremos acerca do campo militar, pois o golpe não teve participação

da totalidade das Forças Armadas. Um setor bem específico engajou-se na preparação da

derrubada do governo de João Goulart, a saber, a alta oficialidade vinculada à Escola Superior

de Guerra em sintonia com o complexo IPES/IBAD, ambos funcionando como braços

operacionais do bloco de poder emergente.

O segundo capítulo discorrerá acerca da implementação do Estado de Contrainsurgência,

suas medidas para se institucionalizar por intermédio de mudança jurídico-administrativa e

medidas para efetivar políticas de controle social e segurança “interna” com objetivo de

assegurar a realização das políticas que atendam os interesses da classe dominante no poder.

Também analisaremos as contradições existentes entre os setores que a compõe em relação às

diretrizes e objetivos para a consecução do projeto de desenvolvimento, e a tensão que se forma

com a setores que se opõe ao modelo a ser implantado, que aumenta na medida que o Estado

diminua as possibilidades de diálogo com parlamentares oposicionistas e incorporação, embora

de forma ‘forçada’ de pautas dos trabalhadores, o que transforma o Parlamento em porta-voz

das oposições, aliada ao crescente movimento de massas contrário a essas políticas

antipopulares e contra a repressão desencadeada pelo Estado.

O aumento das manifestações de massa e a deflagração de ações de guerrilha urbana na

cidade de São Paulo por setores radicais de esquerda, leva o Estado organizar aparatos

repressivos contando com a colaboração empresarial no financiamento no intuito de combater

essa nova forma de oposição para salvaguardar os interesses dominantes. Esse processo de

financiamento buscaremos discorrer como desenvolveu-se, demonstrando que grandes grupos

empresariais colaboraram para montagem de aparelhos repressivos em várias regiões do Brasil,

entretanto, focaremos no empresariado paulista em razão da importância econômica, política e

social do estado de São Paulo, lócus de onde emerge as principais oposições ao Estado de

Contrainsurgencia.

No capítulo três optamos em analisar a colaboração de um grupo econômico paulista, o

Grupo Ultra presidido por Pery Igel, com destaque a maior empresa que o compõe, a Ultragaz,

tomando por base a trajetória de seu presidente, o dinamarquês naturalizado brasileiro Henning

13
Albert Boilesen no período entre 1969 e 1971. A escolha desse grupo fundamenta-se no

destaque atribuído a Boilesen como um dos articuladores entre o empresariado paulista, aliada

à sua controversa personalidade que mesclava afabilidade com seus ‘companheiros de classe’ e

rejeição àqueles considerados inimigos, cuja presença e atuação era uma ameaça ao

desenvolvimento e segurança do País e a ‘paz nos negócios. Tal personalidade estimulou suas

claras posições políticas, embora pudemos demonstrar que aquele elemento subjetivo não foi

a causa de sua atuação junto à repressão.

Boilesen não fora o mais importante financiador entre o empresariado paulista, mas o

fato de ter se exposto por comprazer-se de frequentar os espaços destinados a elite paulistana e

menções em colunas sociais e de ter se destacado como liderança no meio empresarial, conferiu-

lhe exagerada confiança em seu poder de influência e relações próximas aos oficiais militares,

que até lhe ofereceram proteção ante a uma possível retaliação por sua colaboração, preferiu

rejeitá-la ao contrário de outros colaboradores considerados mais importantes.

A aliança formada nos dois campos consolida-se pelo consenso entre uma ‘lógica

empresarial’ no que diz respeito à administração do Estado e que influenciou os militares, por

estes não deterem conhecimento nesta área, e a ideologia da Segurança Nacional que formulada

pelos militares, continha as categorias da hierarquia e disciplina , componentes apropriados aos

empresários para estabelecer o ‘adestramento’ dos trabalhadores no sentido de impedir que se

organizem politicamente, e favoreça o acúmulo de capital pela exploração do trabalho.

A conexão existente entre a lógica empresarial e a Doutrina de Segurança Nacional foi

o elemento consensual que legitima um projeto de desenvolvimento capitalista bem específico,

cujo caráter dependente e associado, atendia aos interesses de uma classe burguesa alinhada

com o imperialismo, sobretudo norte-americano. Considerando que o processo de tomada de

poder não é um fim em si mesmo, mas uma continuidade em virtude da implementação de um

projeto político, necessário foi modificar toda a estrutura jurídico-administrativa do Estado, o

que promove outro modelo distinto do período anterior.

O papel dos empresários ligados ao IPES foi preponderante na formulação de diretrizes

voltadas à mudança na estrutura do Estado e implementação pelos militares no controle do

14
Executivo. Importante mencionar que vários empresários assumiram postos-chave no novo

Estado.

Tal projeto não seria passível de oposições, esta operou-se no âmbito do Legislativo,

como também nas organizações de trabalhadores e partidos políticos e inclinamos atenção sobre

o conflito entre o Estado de Segurança Nacional e a oposição, que foi marcado também por

crises internas do Estado em decorrência da sua busca por institucionalizar-se e legitimar-se

perante a sociedade brasileira. Em suas relações com as oposições, a saída para resolver os

vários impasses, o Estado de Segurança Nacional promove dura repressão por ceder a pressões

de alguns setores radicais que não aceitam o diálogo com a oposição.

No entanto, a partir da implementação das políticas outrora formuladas, a oposição se

torna mais aguda mesmo com a escalada repressiva, e contraditoriamente com o aumento da

repressão, as contestações ampliam proporcionalmente até a adoção de uma medida que

desencadeará um esvaziamento nas manifestações de massa, no caso da promulgação do Ato

Institucional nº 5. Para uma parte da oposição, só restava uma estratégia de atuação: a luta

armada.

Dentro deste contexto, o Estado de Segurança Nacional ao não possuir recursos para

investir/financiar uma infraestrutura ‘operacional’ de combate aos grupos de luta armada,

convoca o empresariado, sobretudo, paulista, para o financiamento de um órgão que seria o

braço operacional do já existente SNI (Serviço Nacional de Informações), criado em junho de

1964), que carecia de um comando de operações de repressão direta.

Dentre os grupos empresariais paulistas que se engajaram nesta tarefa recebida do

Estado, destacavam-se o Grupo Ultra, que se compunha de várias empresas, a maior delas a

Ultragáz, presidida por Henning Albert Boilesen, anticomunista ferrenho e muito influente entre

o empresariado e boas relações com os militares. Boilesen por sua destacada atuação no período

pré-64, também teve papel importante no financiamento empresarial à órgãos de repressão,

sobretudo na montagem da OBAN, órgão experimental que atuaria na cidade de São Paulo,

considerada como foco central da ‘subversão armada’ no País. Depois com o êxito da OBAN

nas suas ações repressivas, seu formato foi estendido para outras capitais do Brasil e

15
incorporada ao organograma oficial das Forças Armadas sob a temível denominação DOI-

CODI.

Boilesen em sua participação direta na arrecadação de recursos financeiros, colaborando

também com recursos materiais, destacou-se com um dos articuladores dentro da FIESP, que

servia de local para que empresários, reunidos com a alta oficialidade militar, contribuíssem

com fartas quantias em dinheiro e gratificações a agentes de repressão para cada militante preso

e morto.

Em decorrência de seu assassinato, tornou-se um símbolo do financiamento e da

colaboração empresarial com a repressão, embora não tenha sido o único e talvez não o mais

importante. Tal fenômeno é de suma importância para entendermos como se operou a brutal

repressão política no Brasil, principalmente no pós-68, como uma amostra da continuidade da

aliança de classe estabelecida nos períodos pré-64.

1 GÊNESE: A CONJUNTURA PRÉ-64 E O GOLPE DE ESTADO

O Brasil da década de 1960 se constituía em uma sociedade relativamente

industrializada e estritamente complexa e diversificada, resultado da lenta formação social que

se processa distintamente do ocorrido na Europa, cujos países primeiramente constituíram-se

como nação e depois como Estado e, portanto, uma formação de tipo clássico. Segundo apontou

Carlos Nelson Coutinho, que baseou-se de categorias gramscianas para analisar o processo de

formação do Estado brasileiro, em nosso país se constituiu até os anos 30 do século XX, uma

formação político-social de tipo ‘oriental’, onde o Estado é soberano e a sociedade civil é débil

e primitiva.2

Essa particularidade brasileira nos remete a perceber a complexidade da realidade do

Brasil ao longo de sua história, que nitidamente a diferencia dos processos que passaram os

países desenvolvidos. Nesse sentido, importante termos claro que a ‘orientalidade’ brasileira

2
COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado brasileiro: gênese, crise e alternativas. In: ContraCorrente:
ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2008, p.173.
16
não é um fenômeno casual, está vinculada com a posição que o Brasil ocupa no cenário mundial

como economia dependente dos países centrais.

Coutinho (2008) aponta que o Brasil vivenciou experiências nos momentos que teve que

enfrentar tarefas no sentido de profundas mudanças sociais, que se traduziram em processos de

tipo ‘não-clássicos cujo resultado foi a formação de uma sociedade de tipo ‘oriental’. 3 O

período que define a nossa consolidação como nação, evidentemente, é a década de 1930,

cuja Revolução deflagrada é o marco que permite que ingressemos à modernidade e além disso,

nos insere definitivamente na transição para o capitalismo.

É a fase na qual passamos por acelerado processo de industrialização, embora desde a

Abolição e da passagem à República, o Brasil já se constituía como uma sociedade capitalista

sendo um Estado burguês. No entanto, após 1930 que efetivamente se generaliza e consolida-

se relações tipicamente capitalistas, com a expansão da produção industrial fomentada

particularmente pelo governo Vargas.4

Uma das principais características desse Estado burguês que se gestou em nosso país e

que se estabelecesse até os dias atuais, é o fato de que este modelo estatal tenha resultado de

revoluções passivas5, sendo que a supremacia de classe no poder de Estado se manifestasse por

intermédio da dominação, e não de uma direção político-ideológica. Nessa perspectiva, tal

fenômeno caracteriza o que Gramsci denominou de ‘ditadura sem hegemonia’, ou seja, que esse

tipo de Estado absorve em seu interior uma classe dominante, que detém seu controle de forma

direta ou indireta, no entanto, o projeto político dessa classe não tem o consenso ou respaldo da

maioria da sociedade. Desse modo, o período compreendido entre 1930 a 1980 é marcado pela

existência de um Estado burguês que teve esta característica, na maior parte do período.

3
Ibidem, p. 174
4
Ibidem, p. 176
5
Revolução passiva é o conceito formulado por Gramsci (2002), pelo qual o autor refere-se aos
processos de transformação em que ocorre uma conciliação entre as frações modernas e atrasadas das
classes dominantes, com a tentativa explícita de excluir as camadas populares de uma participação
mais ampla em tias processos. Gramsci argumenta que as revoluções passivas provocam mudanças na
organização social, mas mudanças que conservam elementos da velha ordem.
17
Neste longo período, conforme aponta Dreifuss (2008) que em meados da década de

1940 que a frágil convergência de classe no poder, o corporativismo associativo e a autocracia

do Estado Novo foram integrados e sintetizados para uma nova fórmula de ‘desenvolvimento’,

através do qual buscou-se estabelecer uma hegemonia burguesa. A estratégia para alcançar tal

objetivo foi forjar um esquema visando limitar a mobilização política nacional das massas

populares, por intermédio da criação de uma estrutura sindical controlada pelo Estado e no

apoio institucional do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB), partidos que encabeçavam o bloco de poder tradicional naquela ocasião que

proporcionavam sustentação política a Vargas.

Estratégia que foi considerada ameaçadora aos interesses dominantes, pois esta

permitiria a Vargas estabelecer uma base de sustentação forte nas classes trabalhadoras que

poderia proporcionar o apoio necessário para consolidar um Executivo de relativa

independência, além de realçar o seu mandato como intermediário político no comando do

Estado, e causou a deposição de Getúlio por meio de um golpe de Estado6, cujos artífices foram

os industriais, a oligarquia em alinhamento ao Exército, liderado por oficiais da Força

Expedicionária Brasileira (FEB). O governo seguinte, cujo presidente é o Marechal Eurico

Gaspar Dutra, é apoiado pelas máquinas do PSD e do PTB e pelo próprio Vargas, portanto,

mantendo-se o modelo político e o sistema partidário criado por ele.

No entanto, as posições políticas de Dutra são distintas de Vargas, principalmente no

que se refere à participação política das classes trabalhadoras e ao nacionalismo, com forte

influência dos empresários em seu governo, inclusive alguns deles ocupando cargos

6
O conceito de golpe de Estado é formulado pelo francês Gabriel Naudé em 1639, presente na obra
Considerátions politiques sur les coup es d’ Etat, na qual o autor define o conceito como último recurso
utilizado pelo governante em situações de grande ameaça contra a segurança de seu próprio povo. Trata-
se de proteger os homens por intermédio da garantia da existência da entidade que deve preservá-lo: o
Estado. Nesse sentido que Naudé fundamenta-se na noção de prudência para desembocar na formulação
do conceito. Portanto, difere do sentido que o conceito é atribuído na contemporaneidade, que o define
como “apropriação pelo uso da força (de grupos ou indivíduos) do poder de Estado, destituindo um
governo eleito pelo voto”, e portanto, não deve ser visto como a única definição do conceito,
demonstrando que existem outras interpretações. Para melhor compreensão da teoria naudeana dos
golpes de estado, vide GONÇALVES, Eugênio M. Prudência e razão de Estado na obra de Gabriel
Naudé. 2015. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, 2015.
18
importantes, a abertura ao capital estrangeiro e o alinhamento político-ideológico-militar com

os EUA, o que convergia com os interesses do bloco de poder emergente formado pela

burguesia industrial e oligarquia.

Outro fator importante é que durante o governo Dutra, é criada a Escola Superior de

Guerra (ESG) que fomentou oficiais das Forças Armadas com posicionamento político anti-

Vargas e favorável à União Democrática Nacional (UDN), e o governo estabelece a Comissão

Mista Brasil-Estados Unidos com o objetivo de estudar a realidade brasileira e formular, mesmo

que oficiosamente, um programa de desenvolvimento econômico para o país.7

O segundo mandato de Vargas segue ortodoxamente uma política que busca cooptar o

apoio das classes trabalhadoras e que mantém uma base de sustentação no PSD como partido

hegemônico em detrimento do PTB com relação ao número de cadeiras nos ministérios e com

um Congresso mais forte e mais importante na mesma equivalência do Executivo, resultado de

importantes mudanças no sistema político e no regime. Isso permitiu que as diferentes frações

de classe dominantes obtivessem espaço para compartilhar do governo junto com o bloco de

poder dominante.

Consequentemente implicou não somente um conjunto de diretrizes políticas mais

conservadoras que o prometido em campanha, mas também teve o efeito eliminar o receio dos

militares em relação à instauração de uma república “sindicalista” da qual Perón parecia ser o

protótipo na Argentina, o que indicou uma disposição de Getúlio Vargas de trabalhar com a

maioria pessedista (membros do PSD) do Congresso.

O Congresso tornou-se mais forte e politicamente mais importante, equivalendo-se ao

Executivo e sendo um foco de articulação de interesses. Representava também o lugar no qual

as diferentes frações das classes dominantes tinham a possibilidade de compartilhar do governo

junto com o bloco de poder dominante.

Sendo assim, o Congresso tornou-se uma instituição política basicamente regulada por

oscilações e alianças, porque exercia certo grau de controle sobre as medidas políticas adotadas

7
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7 Ed.
Petrópolis: Vozes, 2008, 814 p.
19
pelo Executivo. O duplo papel de representação exercido pelo Congresso se expressava por um

lado, através da aliança PSD/PTB, pressões populares eram agregadas e canalizadas e os

partidos podiam pressionar o sistema, estruturar suas alianças e genhar apoio popular na

tentativa de obter o poder através do Congresso.

A política nacionalista de desenvolvimento capitalista que Vargas tentou impor,

apoiava-se na combinação de empresas industriais estatais e privadas. Tal política materializou-

se na controvertida criação da Petrobrás e na formulação de diretriz política de desenvolvimento

geral que combinava crescimento econômica com democracia social.

Além disso, o tipo de regime e sistema político almejado pelo Executivo varguista

incluía a reapresentação de uma proposição que envolvia a consolidação de um aparelho de

Estado e formulação de diretrizes políticas, com relativa liberdade da influência exclusiva das

classes dominantes, que propiciasse apoio a industrialização nacional e de limitar os interesses

multinacionais.

O arranjo político e econômico concebido por Vargas trouxe um sério problema. Os

interesses multinacionais que reingressavam na economia brasileira após o segundo conflito

mundial, perderiam na combinação desse arranjo sua representação nos canais de formulação

de diretrizes políticas. A estratégia então adotada pelos interesses multinacionais foi tentar de

maneira agressiva mudar esse cenário estabelecendo aliança com os interesses locais e com

outras forças reacionárias acuadas, que temiam a ascendência de Vargas que se dispunha a

implementar medidas sócio-democráticas e essa estratégia culminou com um golpe militar em

1954 que provocou sua queda e sua posterior morte.

Durante a transição de Café Filho, as diretrizes econômicas são orientadas por Eugênio

Gudin, ministro das Finanças e estas diretrizes deram início a um período radicalmente distinto

em termos de política econômica. A diretriz política do governo favorecia claramente as

corporações multinacionais que concordassem em importar equipamento industrial para

produção de bens considerados prioritários pela administração pública. O curto período de

governo de Café Filho que teve o apoio de uma aliança informal de centro-direita entre

empresários, alguns oriundos da UDN e outros do PSP (Partido Social Progressista), teve como

20
marca a contenção das classes trabalhadoras e o estimula à penetração de interesses

multinacionais através de um entendimento político com setores cafeeiros e financeiros.

No entanto, este bloco de poder apesar dos esforços fora derrotado nas eleições

seguintes por uma aliança formada pelo PSD e pelo PTB, sindicalistas e empresários, que

correspondeu a formação de uma “frente nacional”, sendo encabeçada pela chapa Juscelino

Kubitsckek- João Goulart.

Estabelece-se uma de convergência de interesses, no qual a questão central era o

controle do Executivo e as lutas por participação nele favoreciam intensidade na personalização

da vida política, fator crucial para desencadear várias crises no período compreendido entre

1951 a 1964.

Dentre os governos que sucederam a Vargas, destacamos importantes mudanças na

gestão Juscelino Kubitschek que implementa uma política de desenvolvimento que resultou em

transformações no modelo de acumulação de capital, reforçando um padrão de

“desenvolvimento associado” que se materializou no célebre Plano de Metas de 1956 a 1961.

O objetivo ao implementar essa política consistia em estimular a acumulação primitiva

de capital e ao mesmo tempo, proporcionar um tratamento de ‘choque’ na economia

agroexportadora, que carecia de maquinário, equipamentos e know-how, contribuindo para o

acesso à tecnologia e técnicas gerenciais estrangeiras e ajuda financeira transnacional.

A adoção dessa política desenvolvimentista alterou profundamente a estrutura

socioeconômica do Brasil, como também tornou o mercado interno mais sofisticado, gerando

crescimento das empresas, uma produção mais completa com expansão das indústrias básicas,

o que estimulou a intensa urbanização e concentração metropolitana, no entanto,

contraditoriamente, causou um aumento nas disparidades setoriais e desigualdades sociais e

regionais.8

8
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 43.
21
O fator mais importante decorreu desse projeto desenvolvimentista, a saber, o governo

Kubitschek estabeleceu condições para a proeminência econômica do capital oligopolista

multinacional e associado. Esse novo bloco de poder emergente seria o grande beneficiário

ocasionando seu rápido crescimento econômico e alcançando a hegemonia, sem, contudo,

assumir o comando político para efetivar seus interesses na forma de políticas que

concretizassem em projeto de desenvolvimento econômico.

Além de propiciar condições, a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek

provocara transformações na divisão social do trabalho, através da formação de enorme

contingente de trabalhadores industriais, da expansão das atividades do setor terciário e da

formação de novos segmentos de trabalhadores assalariados. Todavia, o populismo mesmo com

suas características paternalistas, clientelista e cartoriais, serviu, na perspectiva das classes

dominantes, para reproduzir e recriar no âmbito ideológico por um curto período, a idéia de um

Estado neutro e benevolente, “mito” que seria derrubado na década de 60.

Por outro lado, em relação à classe trabalhadora, medidas autoritárias foram adotadas

no sentido de evitar que estas percebessem o populismo 9 como mecanismo das classes

dominantes, provocando nos trabalhadores a falta de diferenciação sociopolítica que havia sido

a marca dos governos anteriores. Isto significa evitar que a classe trabalhadora percebesse as

diferenças sociopolíticas dos regimes anteriores, com o claro objetivo de abafar a sua

organização autônoma.

Diante do cenário de manutenção da ilegalidade do Partido Comunista e restrições

impostas à formação do sindicalismo autônomo, as massas trabalhadoras industriais e os

camponeses tiveram de ser reconhecidos como atores sociais que deveriam ser contidos,

embora as classes dominantes insistiam em não os reconhecer como forças sociais legítimas.

9
O conceito de populismo tem sido interpretado de várias formas, não havendo consenso entre todos os
autores sobre sua definição. Dreifuss (2008, p. 53) utiliza este conceito para efeitos de análise como
bloco histórico que se construiu pelas classes dominantes dentro de condições históricas particulares do
Brasil, ou seja, uma articulação de diferentes classes sociais lideradas por um bloco de poder
oligárquico-industrial. Embora seja a forma que as classes dominantes tentaram encobrir a supremacia
de classe no poder, contraditoriamente, o populismo permitiu que a classe trabalhadora expressasse suas
reivindicações através de formas organizacionais.
22
Não foi por acaso que no período Kubitschek, que as noções militares de segurança

interna se concretizaram e ganharam notória importância. Por intermédio do próprio Executivo

ao se pronunciar na Escola Superior de Guerra10, insistiu para que a instituição se dedicasse ao

estudo do que considerava como ameaça subversiva as forças sociais que se posicionavam

contra a ordem vigente, e logo contra a “modernização” implementada.

O resultado desse posicionamento da administração de Juscelino foi enfatizar o

consentimento, embora não tenha significado passividade por parte da burguesia. Pois o

decorrente estímulo ao crescimento do aparelho repressivo do Estado, sua reorganização e

crucial mudança ideológica e operacional na orientação das Forças Armadas, passando da

defesa do território contra agressões externas à estratégia de contra-insurgência e hostilidade

interna, assim como a utilização de medidas coercitivas, foram fatores que marcaram o período.

O rápido crescimento e estabilidade alcançados pelos interesses multinacionais,

sobretudo no governo Kubitschek através de sua política desenvolvimentista, ocasionou nos

anos 1960 a supremacia econômica em relação ao bloco formado pela burguesia industrial de

médio porte e burguesia agrária, ambas voltadas para o mercado interno então no poder e às

classes trabalhadoras. Embora fosse detentor do domínio econômico, o novo bloco de poder

multinacional e associado11 não se limitou a adotar a estratégia de impor suas demandas apenas

exercendo pressão econômica.

Para obter êxito, era necessário dispor de ações políticas, as quais se materializaram por

intermédio da utilização de novos agentes sociopolíticos que despontaram paralelamente ao

processo de crescimento do bloco emergente. Trata-se aqui de agentes que formaram um

10
A Escola Superior de Guerra é uma instituição criada no governo Dutra, formada como consequência
do alinhamento político-ideológico e militar com os Estados Unidos da América, no pós Segunda Guerra
Mundial, arregimentando oficiais militares anti-populares, anti-Vargas, com interesses que convergiam
com as classes empresariais em relação a um projeto econômico para o Brasil (DREIFUSS, 2008).
11
Dreifuss (2008) considera que a Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas que marca a
consolidação econômica e política do capital monopolista nos centros industriais e financeiros. Nesse
sentido, o capitalismo se apresenta sob novas formas que se materializaram em nível mundial através de
uma articulação complexa e contraditória com várias formações sociais, e se expressam sob a forma de
organização das corporações multinacionais. Para ele, o capitalismo brasileiro sendo dependente e tardio,
viria a se tornar tanto transnacional quanto oligopolista subordinado aos centros de expansão capitalista.
Dessa forma, somente consegue coexistir de modo significativo na economia brasileira, associando-se
ao capital transnacional ou em empresas estatais, formando o que o autor denominou de bloco de poder
multinacional e associado.
23
aparelho civil e militar modernizante que se responsabilizaram pelos assuntos relativos à

produção e administração política do bloco multinacional e associado.

Esses agentes eram diretores e profissionais brasileiros que acumulavam funções

estatais influentes, o que proporcionava apoio político e as atividades que desenvolviam

consistiam em criar condições favoráveis para a produção de diretrizes políticas e econômicas

de alcance nacional das multinacionais. Fator que favorecia essas atividades reside no exercício

por parte desses profissionais, de cargos em companhias multinacionais diversas e associados

que proporcionou realizar pressão econômica sobre o governo de Juscelino Kubitschek e Jânio

Quadros.

Outra forma considerada pelo bloco emergente para se fazer representar seus interesses,

para além do âmbito institucional ou do lobbyn sobre o Executivo, foi criar grupos de ação

política e ideológica, o IBAD, nascido em fins da década de 50, que tinha o ambíguo propósito

de “defender a democracia” e o IPES, fundado no início da década de 60, mais precisamente

em 29 de novembro de 1961. Essas duas instituições civis formaram o que se denominou de

complexo IPES/IBAD 12 , que representaram a fase de maturidade política dos interesses

empresariais.

O incipiente movimento sindical que se desenvolve no período referendando a si mesmo

como organização autônoma e representante das demandas das classes trabalhadoras, entra em

rota de colisão com certos aspectos da estrutura sindical vertical, isto é, aquela tutelada pelo

Estado, reduzindo as condições que permitiram a manipulação da massa, elemento

característico do regime. Por essa razão, na perspectiva da classe empresarial, o movimento

sindical tornou-se fator de desorganização em um cenário que apontava a ascendência de Jânio

Quadros à presidência, candidatura que contava com apoio do empresariado e também pelo fato

que os líderes sindicais exigirem mudanças sociais.

12
O complexo IPES/IBAD foi a forma orgânica de ação sofisticada da burguesia multinacional e
associada, passando de um limitado grupo de pressão para uma organização de classe que projetou a
articulação civil-militar para desencadear um golpe de Estado. Portanto, seu papel foi preponderante na
derrubada de João Goulart.
24
O discurso demagógico e moralizante de Jânio se enquadrava no perfil ideal de

presidente que tinha como intenção ‘varrer’ o país de suas mazelas, cuja maior delas era a

corrupção, se adequava perfeitamente aos interesses dominantes de extirpar a ameaça

subversiva. O objetivo do bloco de poder multinacional e associado era de compartilhar o poder

com a convergência de interesses que controlava o Estado.

Os anos 1960 foram o cenário da consolidação do novo bloco, o qual segundo Dreifuss

(2008), ao se constituir com o setor agroexportador em um bloco modernizante-conservador

detentor de hegemonia econômica, busca conquistar a presidência através de um tipo de

populismo modernista, que apoiado pelo Partido Democrático Cristão (PDC), e o alinhamento

que se desenha relaciona-se tanto com a política externa aberta de Jânio , assim como cooptar

as massas populares para ‘racionalizar’ a economia. O autor aponta que a administração Jânio

Quadros pode expressar a “nova relação de forças sociais e grupos econômicos de poder em

ascensão, ao passo que suas diretrizes políticas compatibilizavam-se com as recomendações de

grupos de interesses empresariais”.13

No entanto, logo nos primeiros meses de governo, torna-se evidente que seu ‘populismo

udenista’ não seria capaz de implementar as medidas de crescimento distributivo prometido em

campanha às camadas populares. A herança que recebeu de seu antecessor consistia em uma

economia enfraquecida, devido em parte pela política desenvolvimentista de Juscelino, e

também com a formação de uma burocracia e vícios administrativos populistas que se tornaram

empecilho às necessidades do bloco multinacional e associado e do grande capital.

Diante de um cenário que delineava para a crise, a fórmula contraditória populista-

udenista do bloco modernizante-conservador14 desorganizou-se, com aparente abertura a um

Executivo nacional-reformista, sob a figura de João Goulart, o que contrariou às expectativas

dos empresários multinacionais e associados, assim como da estrutura militar de direita.

13
Ibidem, p. 137-139
14
O termo modernizante-conservador que designa o bloco de poder em questão, é oriundo do conceito
modernização conservadora, elaborado pelo sociólogo norte-americano Barrington Moore Jr (1975),
análogo ao conceito de revolução passiva de Gramsci. Coutinho (2008) toma de empréstimo o conceito
formulado por Moore Jr. pois considera que ajuda a pensar o caso brasileiro ao analisar o tipo de Estado
que se formou em nosso país.
25
A renúncia de Jânio permitiu a subida ao poder do vice João Goulart, representou uma

ameaça grave ao bloco multinacional e associado, pois temiam perder sua posição privilegiada

e por isso se prepararam para adotar medidas restritivas às demandas populares e reprimir os

interesses tradicionais pela imposição de meios não-convencionais. A estratégia que utilizaram

foi articular um bloco civil-militar de tendências ‘cesaristas’ que, subverteria a ordem política

populista e conteria as aspirações nacional-reformistas.

João Goulart buscou articular uma base nacionalista formada pelas forças populares,

pequena e média burguesia industrial local, com o objetivo de atingir o mercado de baixo poder

aquisitivo, como também o setor agrário voltado ao mercado interno, compondo assim um novo

bloco de poder agro-industrial para reconstituir o sistema e regime político nacional e com este

fim recebeu o apoio da classe trabalhadora urbana e do campesinato mobilizado.

Todas as medidas de caráter nacional-reformistas anunciadas por Goulart, sobretudo a

política de controle sobre a Remessa de Lucros ao Exterior, atingiram violentamente os

interesses do bloco de poder multinacional e associado e o principal fator que desagradava era

uma questão política crucial, a saber, segundo Dreifuss, em decorrência das medidas anunciadas

pelo Executivo, a transformação do bloco de poder oligárquico-industrial do regime vigente em

meio de acirramento da luta de classe, a passagem de uma forma de manipulação para uma

forma de participação, para a qual os sujeitos sociais emergentes (as classes trabalhadoras)

podiam apelar.

A partir do momento em que essa forma de participação torna-se relativamente efetiva,

a crise deflagra-se e está ocorria à medida que o regime vigente perdia seu caráter manipulatório

e os políticos tradicionais perdiam seu controle sobre a ‘subjetividade’(sentimentos) das classes

populares.

O golpe final desfechado contra o governo Goulart consistiu em uma ampla campanha

de desestabilização, pela burguesia através de sua organização de classe, IPES/IBAD, encoberta

em sua maior parte e tendo como alvo o Executivo e as organizações das classes subordinadas.

A ação deliberada envolvia a resolução de uma dualidade problemática, que consistia na

formação de um novo sistema hegemônico ou dominante (formação de um Estado), que

26
segundo Dreifuss (2008) era inicialmente capaz de governar, mas capaz de liderar

economicamente, aliado a isso a eclosão de uma crise de domínio político, que se desdobrou

para uma situação favorável para a afirmação de novas forças sociais.

O bloco multinacional e associado buscou afirmar-se ao criticar ‘cientificamente’ as

diretrizes históricas do bloco no poder e manipulando a opinião pública em uma campanha

contra o que interpretou como “caos e estagnação, corrupção e subversão”.15

A questão fundamental para esse compreender o processo de golpe executado por grupos

econômicos estrangeiros e nacionais e oficiais vinculados à ESG, trata-se de perceber que tal

ação tem fundamento na formulação de projeto de desenvolvimento capitalista para o Brasil de

caráter dependente e associado ao capital transnacional e esse projeto deveria ser implementado

como ‘objetivo nacional’, ou seja, vontade da Nação e portanto, o incremento da segurança

defendida pelos militares contra a ameaça subversiva era um dos elementos que garantiam a

convergência de interesses.

Nesse sentido, a formação de um complexo bloco de poder multinacional e associado,

que de grupo econômico que obtêm hegemonia na economia brasileira, atinge o patamar de

bloco de poder que para desenvolver seu projeto econômico e político conquista o comando do

aparelho de Estado, por intermédio de uma organização, o IPES/IBAD, criada para financiar

seus interesses e o êxito de tal iniciativa teve como fator o papel exercido por ela dentro das

Forças Armadas.

Os oficiais mais influentes eram membros do IPES e do IBAD e desempenharam papel

significativo nos preparativos e na consumação do movimento civil-militar que depôs João

Goulart. O fim do regime populista foi decretado pela participação de civis e oficiais do

complexo IPES/IBAD, e a articulação de diversos atores e facções como grupo de “linha dura”

da ESG, os extremistas de direita e os tradicionalistas conscientizados de seus interesses

comuns pelos ativistas do IPES foi conseguida, supostamente, sem que os diferentes grupos

15
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 155.
27
participantes tivessem a percepções das implicações nacionais mais amplas e o total significado

político e econômico que o papel do complexo IPES/IBAD impôs sobre os fatos.

Sendo uma organização de classe do bloco multinacional e associado, esteve no centro

dos acontecimentos desde sua gênese, pois seus membros pessoas de ligação e como

organizadores do movimento golpista, fornecendo apoio material e preparando o clima para a

intervenção militar. Portanto, o que ocorreu em 1º de abril de 1964 não foi simplesmente um

golpe militar, e sim movimento civil-militar.

1.1 A FACE CIVIL DO GOLPE: OS GRUPOS EMPRESARIAIS, ASSOCIAÇÕES DE


CLASSE, O COMPLEXO IPES/IBAD E AUTORIDADES LAICAS E ECLESIÁSTICAS

O regime ditatorial instalado no Brasil em abril de 1964 não deve ser entendido como

resultado de uma mera ação política de um grupo de militares descontentes vinculados à ESG,

como parte da historiografia considerada como ‘oficial’ pretendeu abordar.

O processo de golpe de Estado foi uma estratégia sofisticada arquitetada por

protagonistas que segundo Bruna Pastori (2012) em seu artigo, afirma não serem apenas os

militares porque estes estavam articulados com uma ampla rede composta de grandes empresas

multinacionais e nacionais, intelectuais e grande parte da imprensa.

Ao se consolidar com um bloco de poder que havia conquistado hegemonia econômica

sendo portador de um projeto de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, de caráter

dependente e associado, necessitava da execução de uma ação política sofisticada para

implementá-lo. Para tal finalidade, foi organizar uma estrutura de poder político de classe

corporificada de uma lógica empresarial.

E nesse sentido, foram incorporados os agentes sociais compostos por diretores de

corporações multinacionais e diretores e proprietários de interesses associados, a maioria com

qualificação profissional, de administradores de empresas privadas, de técnicos e executivos

28
estatais que compunham a tecnoburocracia e oficiais militares.16 Esse bloco atinge maturidade

política para objetivar sua ação de classe para obter o comando do Estado, ao criar um

dispositivo político-empresarial-militar como o IPES/IBAD, que concebe em seu interior os

agentes mencionados que exercem o papel de “verdadeiros intelectuais orgânicos”.

Coube a eles a elaboração de uma agenda de mudanças estruturais que contribuíssem

para dinamizar o capitalismo brasileiro a partir de uma transformação do regime político vigente.

Através de sua organização de classe, o bloco de poder multinacional buscou incorporar as

principais representações de classe empresarial do país, dentre as quais o Centro de Indústrias

do Estado de São Paulo (CIESP), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),

a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro

(CDL/RJ), a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o Conselho Nacional das Classes

Produtoras (CONCLAP), do Serviço Social da Indústria (SESI).

Essa rede estende seus tentáculos ao articular-se também com grandes órgãos de

imprensa brasileiros, como os jornais O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, que foi

um fator importante para a promoção de uma das ações políticas do bloco dominante, a célebre

campanha de desestabilização do governo Goulart. Conforme documento elaborado pela

Comissão Nacional da Verdade (CNV), grandes órgãos de imprensa contribuíram não só para

a derrubada de João Goulart, como também para manutenção do regime ditatorial, com a

divulgação de visão através de nota oficiais de apoio e o combate à subversão da ordem.

Ainda segundo o mesmo documento, é importante destacar o papel do empresariado

paulista nos últimos arranjos para o golpe, considerado à época o principal do país, com a

participação de empresários do setor industrial, nacional e estrangeiro e de portes variados,

entre as quais citamos, a Esso Brasileira de Petróleo, Texaco do Brasil e Volkswagen do Brasil

e outras.17

Ibidem, p. 78
16

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Civis que colaboraram com a ditadura. Relatório da


17

CNV: Volume II- Textos Temáticos. Texto 8, p. 320-321, 2014.


29
Dentre as representações ou associações de classe que foram incorporadas pelo

complexo IPES/IBAD, a FIESP teve papel destacado como foco de pressão política onde os

interesses do bloco multinacional e associado se faziam presentes de forma predominante.

Segundo Dreifuss (2008), as favoráveis condições que se abriram para o

desenvolvimento durante a década de cinquenta, e a questão dos empresários multinacionais e

associados perceberem a convergência de interesses em relação à modernização do país, como

também a necessidade de estabelecer canais adequados para uma crescente penetração nos

órgãos decisórios, ocasionou o estímulo à rápida expansão de uma estrutura associativa e a

busca de formas inovadoras de organização de interesses18

O despertar de uma ‘solidariedade’ de interesses no interior do bloco econômico

multinacional e associado, procurou expressar-se por intermédio de novas ou reinventadas

associações de classe que poderiam orientar os empresários acerca de assuntos pertinentes à

produção e administração.

Em outras palavras, a FIESP dentre as demais associações foi um dos tentáculos do

dispositivo político-militar-empresarial do bloco de poder, o qual Dreifuss denominou de

“complexo IPES/IBAD”. Nesse sentido, a FIESP buscava arregimentar empresários não

vinculados àquele organismo, para colaborarem nos esforços de restabelecer a “ordem

democrática” e a construção do objetivo de implementar um projeto de desenvolvimento de um

capitalismo associado de caráter modernizante-conservador, forjando uma sociedade capitalista

industrial no Brasil.

Mas necessário se fazia a deposição do Executivo nacional-reformista e a instauração

de um Estado autoritário que garantisse tais processos. A entidade foi um dos locais de reuniões

da elite orgânica do bloco de poder, inseridos no IPES, onde os preparativos do golpe contra

Goulart e o bloco de poder populista estavam sendo articulados.

Segundo matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, de 01 de junho de 2014,

revelam documentos que foram descobertos recentemente nos arquivos da Escola Superior de

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
18

Petrópolis: Vozes, 2008.


30
Guerra (ESG), que “ [...] sugerem que empresários ligados à FIESP se engajaram nos

preparativos do golpe de 1964, ação que derrubou o presidente João Goulart e resultou em 21

anos de ditadura no Brasil”19 [...]

Dentre os documentos encontrados, a matéria menciona transcrições de palestras,

conferências e uma monografia apresentadas na sede da ESG, no Rio de Janeiro. Além disso, a

matéria faz menção à uma relação dos tipos de contribuições de vários empresários às Forças

Armadas, apresentadas por um representante da FIESP nos meses que antecederam ao golpe,

como “[...] veículos, pneumáticos, baterias, remédios, caminhões e uma infinidade de materiais

e equipamentos cujo montante ultrapassou a NCr$1.000.000,00 (hum milhão de cruzeiros

novos)” [...], o que corresponderia atualmente no valor de R$ 5 milhões, segundo o Índice Geral

de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas. 20

Não há como compreendermos acerca da instauração da ditadura civil-militar no Brasil,

se não elucidarmos o processo de planejamento do golpe de Estado que legitimou essa ação

política de classe. O bloco de poder multinacional e associado cria uma organização que

funciona como um ‘dispositivo político-empresarial-militar’, e teve papel de destaque na

articulação de várias atividades de caráter ideológico que criou as condições da intervenção

militar. Importante ressaltar que esse dispositivo que veio a denominar-se de complexo

IPES/IBAD, devido à sua relevância permitiu que Dreifuss (2008) ao referir-se a ele, formulasse

o conceito de “estado-maior da burguesia”.21

A pesquisadora Bruna Pastore argumenta que os oficiais militares vinculados à ESG e

a elite empresarial, desempenharam papel de intelectuais orgânicos do bloco multinacional e

19
A matéria publicada em 01/06/2014, revela que a Folha de São Paulo tinha conhecimento do
envolvimento de empresários ligados à FIESP com militares e consciência de sua participação no apoio
à ditadura, fato evidenciado pelo fácil acesso a tais documentos nos arquivos da ESG.
20
Idem, Folha de São Paulo, 01/06/2014
21
Ao formular o conceito, o autor faz uso de categorias gramscianas para demonstrar que o complexo
IPES/IBAD materializou em poder de classe, em uma situação histórica crítica concreta, sob as formas
civis e militares. Nesse sentido, Dreifuss aponta que podemos entender que o Estado torna-se um
constructo resultante de um processo em que valores especificos de classe se expressam como normas
sociais, organizações de classe políticas e ideológicas, forjando assim uma autoridade e forças orgânicas
de Estado e, portanto, pode-se afirmar de uma classe “vir a ser Estado”. Em outras palavras, trata-se da
fase de maturidade política da ação burguesa de classe. GRAMSCI, Antonio apud DREIFUSS, René
A. 1964: A Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7 Edição: Petrópolis, RJ: Vozes,
2008, p. 185.
31
associado ao formarem o IPES/IBAD para a derrubada de João Goulart e esse grupo objetivava

ser o porta-voz na defesa dos interesses de classe.

Evidentemente, a formação de um dispositivo com tamanha importância não se

processou casualmente, é resultado de uma fase de preparação, articulação dos interesses do

bloco emergente que almejava a hegemonia política em face das contradições da coexistência

no interior do aparelho de Estado com o bloco de poder tradicional, considerado incapaz de

frear o avanço das classes populares em sua luta por direitos sociais.

Nesse sentido, percebendo a fragilidade política e ideológica da sociedade civil

oligárquico-industrial populista, aliado aos novos níveis de mobilização das forças populares,

o bloco multinacional e associado se vê na tarefa de agir politicamente contra aquela classe

dominante, para destituí-la do poder de Estado e assim fazer prevalecer seus interesses sobre

essa fração de classe dominante e sobre as classes trabalhadoras.

Tal tarefa foi impulsionada por uma espécie de ‘solidariedade econômica’ entre as

classes empresariais do bloco multinacional e associado. Justamente por considerarem que

poderiam constituir outras formas de representação de seus interesses para além da

administração paralela, expressada por associações de classe como FIESP, CIESP, ou o uso de

lobbying sobre o Executivo, que organicamente unificariam interesses comuns. Surge o

primeiro desses grupos que ganharia notoriedade nacional no final da década de 1950, o

denominado IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática).

Concebido em 1959, o IBAD teve como seus fundadores ostensivos Lauro Beer,

Barthelemy Beer, Lauro Ramos, Odemir Faria Barros e Aloísio Hanner. O surgimento dessa

instituição obteve ótima receptividade do governo norte-americano, a ponto do embaixador

Lincoln Gordon descrevê-la como um “ um grupo industrial de moderados e conservadores”.

Conforme investigação empreendida pela CNV, o IBAD caracterizava-se de um

perfil mais agressivo de atuação paralelamente ao IPES, deixando a esta instituição a condição

de reserva estratégica, enquanto o primeiro desempenhava uma ação mais ostensiva. Uma

dessas ações realizadas foi a captação de fartos recursos financeiros na cifra de US$20 milhões,

oriundos dos cofres norte-americanos, para financiamento de candidaturas contrárias ao


32
governo de João Goulart eleger parlamentares para o legislativo federal e estadual nas eleições

de 03 de outubro de 1962. Para facilitar o êxito dessa operação no interior do aparelho de Estado,

o IBAD cria a Ação Democrática Popular ( Adep) com o intuito atuar junto aos parlamentares

identificados com os interesses dominantes e, portanto, como complexo IPES/IBAD promove

ação estritamente ilegal denotando o grau de ingerência de uma potência estrangeira nos

assuntos internos de uma nação soberana. 22

Essa ingerência pode ser comprovada pela existência de um documento de 1975,

elaborado pelo ex-agente da CIA, Philip Agee, descoberto recentemente através de investigação

da Comissão Nacional da Verdade, que buscava provas do envolvimento da elite civil na

perpetração da derrubada de João Goulart. No documento, Agee descreve o IBAD como uma

organização da inteligência norte-americana no Brasil. Tal fato demonstra o pleno

conhecimento e o apoio às atividades do IBAD. 23

A descoberta do esquema de captação de recursos externos, desencadeou a necessidade

de investigação e foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) acerca das

atividades do IBAD, resultando no ano de 1963, no encerramento das atividades da instituição

por decisão soberana do presidente da República. No entanto, o IPES não seria atingido

justamente pela condição de reserva estratégica, ou seja, agia nas ‘sombras’ e proporcionou que

tomasse as iniciativas decisivas na preparação do golpe, que instaurou 21 anos de novo regime

no país. 24

As bases para o lançamento dessa instituição civil, assim como o IBAD e o CONCLAP

(Conselho Superior das Classes Produtoras) 25 foram concebidas no final do governo

Kubitschek e durante a presidência de Jânio Quadros, em quem as classes dominantes

depositavam suas esperanças pelo fato de que este cultivava um zelo moralista, corroborando

para a existência oficial do IPES que se constitui em 29 de novembro de 1961, e durante toda

22
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Os civis que colaboraram com a ditadura. Relatório da
CNV, v. 2, Textos Temáticos, n. 8, dez. 2014, p. 319
23
Trata-se do documento intitulado Inside the Company: CIA Diary
24
Ibidem, p. 320
25
ACONCLAP era uma das várias formas organizacionais básicas pelas quais o bloco de poder
multinacional e associado expressou seus interesses comuns, atuando como associação de classe
empresarial de cunho abrangente. (DREIFUSS, 2008, p. 90).
33
a sua atuação desenvolveu uma dupla vida política, ou seja, encobertando os interesses de classe

dominantes por atividades de cunho “educativo e cultural”.

Nesse sentido, na perspectiva de seus simpatizantes e defensores, a face pública que a

instituição procurava manter mostrava aparentemente que se tratava de uma organização

formada por “respeitáveis homens de negócios” e intelectuais, dentre esses, técnicos de renome,

que defendiam a participação nos acontecimentos políticos e sociais e apoiavam uma reforma

moderada das instituições políticas e econômicas existentes. Na realidade, o objetivo do IPES

era realizar um estudo das “reformas básicas propostas por João Goulart e pela esquerda”.

De acordo com um documento básico elaborado por suas lideranças, o IPES foi

instituído como “agremiação apartidária” com objetivos educacionais e cívicos, orientada por

dirigentes de empresas e profissionais liberais participantes convictos da construção de uma

ordem ‘democrática’, na condição de patriotas e não de representantes de classe ou interesses

privados. Reúnem-se para analisar a realidade e contribuir para a solução dos problemas sociais

inseridos no cotidiano da sociedade brasileira.26

Convergindo com a argumentação de Dreifuss, Pastore (2012) aponta que ao formar tal

organização, os representantes nacionais da elite orgânica reagiram à um suposto crescimento

da esquerda no cenário político. Importante ressaltar que uma das questões consensuais de

empresários nacionais, de empresas multinacionais e oficiais militares, no interior do

IPES/IBAD, era a bandeira do anti-comunismo e adequar o Estado aos seus interesses.27

Nesse sentido, o IPES representou na verdade “o ovo da serpente” da conspiração que

depôs o governo eleito de João Goulart. Suas concepções ideológicas em estudar a realidade

social do Brasil apoiavam-se em um viés de cunho liberal e sua rápida penetração nas várias

esferas da sociedade brasileira, foi facilitada graças à integração a vários órgãos de imprensa e

entretenimento, com produção de livros, filmes de curta metragem, peças de teatro, programas

Trata-se do documento intitulado A responsabilidade democrática do empresário.


26

PASTORE, Bruna. Complexo IPES/IBAD, 44 anos depois: Instituto Millenium? Revista Aurora,
27

Marília, v. 5, n. 2, jan-jun, 2012.


34
de rádio e tv, nos quais difundia a ideologia dominante nas favelas, sindicatos, universidades

etc.

Constituiu-se assim, como um centro conspiratório onde articularam-se oficiais das

Forças Armadas, vinculados à ESG, local de formulação e difusão da Doutrina de Segurança

Nacional (DSN) 28 , e recrutou outros núcleos civis formados por executivos, jornalistas,

advogados e profissionais liberais diversos, com o intuito de tornarem-se seus intelectuais

orgânicos para cooptar a opinião pública na escalada de derrocada do governo vigente, sob a

égide do discurso de corrupção, caos e subversão.

Dentre as figuras-chave das Forças Armadas, destaque para o general Golbery do Couto

e Silva29, um dos formuladores da DSN, o que demonstra toda uma convergência de interesses.

Conforme apontou Dreifuss (2008), a ESG foi um centro modular de doutrinação ideológica

para militares sobre uma forma de desenvolvimento e segurança nacional, que tinha como base

as premissas do capitalismo, sendo também instrumento para estabelecer ligações entre

empresários e militares, tanto no aparelho estatal como em empresas privadas.

Os industriais e os novos agentes sociopolíticos que Dreifuss denomina como

tecnoempresários, tinham uma perspectiva distinta da orientação liberal de grupos de elite que

conseguiram chegar ao poder através de eleições. Portanto, recebiam e transmitiam

treinamentos acerca de administração política e objetivos empresariais na ESG, sendo vários

desses empresários líderes do IPES/IBAD. Ao compartilharem da ideologia da segurança

28
Doutrina que tinha como ponto de partida a revisão do conceito de “defesa nacional”, entendido como
proteção das fronteiras nacionais contra eventuais ataques externos. Nos anos 50, em plena vigência da
Guerra Fria, este conceito passa a ter outro sentido embasado pela concepção da defesa do “Ocidente
cristão”, ou das democracias ocidentais cristãs, contra o avanço do ‘comunismo internacional’ visto
como elemento capaz de solapar as instituições democrática. Portanto, a mudança para uma nova
doutrina agora pautada na luta contra o inimigo principal, o assim denominado ‘inimigo interno’ torna-
se o objetivo principal para garantir ‘ segurança e desenvolvimento’. Não se trata mais de eventuais
agressões externas, e sim neutralizar grupos ou indivíduos que subvertessem a ordem social vigente.
Para compreensão dessa dotrina, vide COIMBRA, Cecília M. B. Doutrinas de Segurança Nacional:
Banalizando a Violência. Revista Psicologia em Estudo. DPI/CCH/UEM, v. 5. n. 2, p. 1-22; ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, p.33 .
29
O General Golbery do Couto e Silva foi um dos principais teóricos da Doutrina de Segurança Nacional
advindo da Escola Superior de Guerra. A teoria por ele formulada pode ser consultada nas obras
Geopolítica do Brasil (1967), Planejamento Estratégico (1955) e Conjuntura Política Nacional:
Política Nacional e Goepolítica do Brasil (1981).
35
nacional de seus equivalentes militares, entendiam a disciplina e a hierarquia como

componentes essenciais de um sistema industrial.

A fim de agilizar e proporcionar mais eficiência à sua ação e evitar a concentração de

poder a um pequeno grupo de empresários, o IPES estruturou-se em vários grupos de trabalho

que se encarregaram de atividades específicas, como o Comitê Diretor (CD), Conselho

Orientador (CO) e Comitê Executivo (CE), as quais eram as mais importantes porque dirigiam

o IPES, sendo o CD o principal. A organização se ramificava em grupos menores como os

Grupos de Estudos (GEs) e os Grupos de Trabalho e Ação ( GTAs). Os três primeiros grupos

de trabalho eram dirigidos por proprietários, acionistas, presidentes e diretores de empresas

multinacionais e associados, militares de alta patente (oficiais), jornalistas, acadêmicos e

tecnoempresários. Dessa forma, proporcionava-se um equilíbrio de poderes dentro do IPES.30

Importante destacar a atuação dos Grupos de Estudos e Ação, por intermédio do seu

sub-grupo intitulado Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC), cuja liderança de Golbery

do Couto e Silva foi proeminente. Este sub-grupo constituía-se o mais importante do IPES, por

ter a responsabilidade de realizar a análise da conjuntura e estudar seus impactos no Brasil.

Preferencialmente, seus membros deveriam ser pessoas que houvessem passado pela Escola

Superior de Guerra, como professor ou aluno.

No entanto, não eram todos militares aqueles que atuaram no GLC, pois foi relevante a

presença de civis como alunos ou como professores da ESG, o que construiu-se um conjunto

civil-militar porque estes participando da ESG, poderiam auxiliar na tarefa de divulgar a

Doutrina de Segurança Nacional.31

Para empreender as ações destinadas à obtenção da aceitação da ideologia dominante

pela opinião pública, o complexo IPES/IBAD captava recursos oriundos das contribuições das

empresas multinacionais, dos governos dos países onde funcionavam suas sedes.

Conforme aponta Dreifuss a articulação de classe era considerada como:

30
PASTORE, B. op. cit., p. 60
31
Ibidem, p.62
36
A vanguarda da poderosa coalizão burguesa antipopulista e antipopular,
localizada nas suas várias expressões como escritórios de consultoria, anéis
burocrático-empresariais, associações de classe dominantes e militares
ideologicamente congruentes, beneficiando-se do apoio logístico das forças
transnacionais, transformando-se em um centro estratégico de ação política, o
complexo IPES/IBAD (DREIFUSS, 2008).
Tal apoio logístico traduziam-se em fartos recursos econômicos e por ser uma

organização de estrutura complexa, o IPES concebia em seu interior um grupo de trabalho

intitulado Grupo de Integração –Setor de Ação Empresarial, cujo objetivo era integrar pessoas

e corporações que se identificavam com os objetivos do IPES, e ao mesmo tempo captar

contribuições financeiras para as atividades do Instituto.

Nessa perspectiva, as classes capitalistas unificam-se sob a liderança do complexo

IPES/IBAD, contemplado como o ‘estado-maior da burguesia’ como também sua ação de classe

sob a bandeira de um único partido da ordem, ou seja, as Forças Armadas como guardiãs da

‘liberdades democráticas’.

Na visão do bloco de poder emergente, a crise de autoridade orgânica e de hegemonia

que se estabelece no regime populista seria resolvida por um golpe preventivo empresarial-

militar, por meio da intervenção das Forças Armadas que fez os interesses multinacionais e

associados, de forma contraditória, elevar a qualidade e o nível da luta de classes, e impondo

soluções adequadas aos seus objetivos de classe, controlando a sociedade política e o

produzindo um realinhamento das relações de domínio através de uma forma de autocracia

civil-militar..

Sendo assim, ao proteger a burguesia por sua ação de caráter ‘moderado’, os militares

demonstraram sua faceta mais sútil, ou seja, articular o poder de classe no interior do próprio

Estado e faz Dreifuss afirmar que o ‘bonapartismo constitucional’32, deu lugar a um ‘poder

dirigente” à paisana.

Em suma, o complexo IPES/IBAD como um dispositivo político-empresarial-militar

agindo como organização de classe do bloco multinacional e associado, teve papel fundamental

32
Dreifuss (2008) toma de empréstimo esse conceito gramsciano para demonstrar que o processo
golpista no Brasil se processou distintamente ao que ocorreu na Europa, em particular na França. Ver:
1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 210-216.
37
para o golpe civil-militar em 1964. Processo que não foi resultante de uma ação unicamente

militar, mas uma articulação com a elite civil empresarial e autoridades civis e militares

identificados com a ESG, e apoio dos EUA.33

A face civil do golpe de Estado de 1964 não se restringiu ao empresariado multinacional

e nacional, a jornalistas, advogados, acadêmicos. Contou também com parlamentares,

governadores dos mais importantes estados da federação que ofereceram suporte à deposição

do governo constituído. Carlos Lacerda, governador do antigo estado da Guanabara, Ademar

de Barros (São Paulo); Magalhães Pinto (MG); Ildo Meneghetti (RS) e Mauro Borges (GO),

são os que tiveram papel destacado no processo.

Além dos civis laicos acima mencionados, a conspiração contou ainda com a

colaboração de setores conservadores da Igreja Católica, através de expressivas organizações

de leigos e de setores à direita do episcopado brasileiro ligado à Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB).34

Dreifuss (2008) aponta que certa pressão sobre a Igreja foi exercida por associados do

complexo IPES/IBAD, ligados à suas estruturas eclesiásticas e leigas, como a organização

católica Centro D. Vital, que teve em Gustavo Corção seu principal intelectual, de orientação

de extrema-direita. Corção proporcionou uma significativa ligação com a organização

tecnoclerical de direita Opus Dei, que na América Latina, assim como na Espanha, apoiava o

liberalismo econômico e sistemas políticos tecnocratas em contraste com outros segmentos da

Igreja no contexto dos anos 1950 e 1960; o intuito era realizar um processo de doutrinação nos

círculos católicos para difundir a defesa da ‘democracia cristã ocidental’ ante o espectro

comunista que ameaçava destruir as instituições, entre elas, a família.35

Do ponto de vista operacional, visando o deslocamento de tropas para a deposição de

Goulart, coube às autoridades civis na pessoa de Magalhães Pinto, que após acordar com Afonso

Arinos de Melo Franco, importante membro de seu governo e agentes norte-americanos, dentre

33
PASTORE, B. op. cit., p. 69
34
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Civis que colaboraram com a ditadura. Relatório da
CNV: Volume II- Textos Temáticos. Texto 8, p. 314.
35
DREIFUSS, R. op. cit.,p. 113
38
eles o embaixador Lindon Gordon, disponibilizar o expressivo efetivo de 13 mil homens da PM

para deflagrar o levante armado e, posteriormente, declarar-se em “estado de beligerância”.

O objetivo da iniciativa era evitar uma possível resistência que pudesse ser perpetrada por João

Goulart a partir do Rio Grande do Sul, e portanto, o movimento golpista teria condições de

receber apoio de potências estrangeiras, como também ser ‘reforço’do movimento das tropas

do general Olympio Mourão Filho, que deslocaria tropas de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro.

A ação realizada comprova a intervenção norte-americana no Brasil, inserida em um

plano de contingência elaborado pela inteligência da potência estrangeira no final do ano de

1963, que intitulou-se de Operação Brother Sam. Ainda segundo investigação da Comissão

Nacional da Verdade, essa operação embora trazida à luz do conhecimento público, tratava-se

de ser uma fase das manobras de ingerência dos EUA no processo político brasileiro, que inicia-

se anteriormente ao contexto de março/abril de 1964.36

Importante ressaltar que o golpe de Estado perpetrado em 1964, além de ser civil-militar,

teve um caráter institucional porque outras instituições como o Congresso Nacional e o

Supremo Tribunal Federal (STF), legitimaram a deposição de Goulart, com destacada

participação do presidente do Senado Auro de Moura Andrade, do PSD e do deputado Ranieri

Mazzilli, presidente do Congresso Nacional. Sendo que o primeiro declara vacância da

presidência da República, divulgando o abandono do território nacional por parte de João

Goulart, mesmo com a presença deste no Rio Grande do Sul; o segundo incorpora o consenso

de classe ao tomar posse como presidente da República.

Isso demonstra o claro rompimento com a legalidade constitucional por parte de

autoridades civis, em conluio com a parcela da oficialidade militar e o grande capital

transnacional, representado pelas multinacionais e associados e com outras instituições da

sociedade civil. No entanto, as ações deflagradas não devem ser entendidas como equívoco de

percepção por parte daqueles que são imbuídos para serem representantes do povo no

36
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 315
39
Congresso ou pelos magistrados do Supremo, mas como uma ação de classe resultante de

diretrizes políticas formuladas pelo bloco de poder hegemônico.37

1.2. OS MILITARES E A ESG: O “PARTIDO” DA ORDEM BURGUESA

A participação militar nos processos sociais e político-econômicos do Brasil não é algo

novo em nossa história. Remonta de períodos antecedentes à República, iniciando na Colônia

e passando ao Império, no entanto, a intervenção mais significativa ocorre a partir de 1889

ganhando relevância na recente história política do país.

A participação política das Forças Armadas, sobretudo do Exército, ganha intensidade a

partir do final da Segunda Guerra Mundial, em um contexto que se delineava em torno da

incipiente Guerra Fria38, desencadeando sobre o mundo um ambiente de tensão permanente.

Embora os EUA soubessem que não estava nos planos soviéticos a realização de uma política

expansionista, os norte-americanos para legitimar sua política imperialista passam a manipular

a mídia com a idéia de uma “ameaça vermelha”, estimulada com os processos de

descolonização e de revolução no Terceiro Mundo que marcaram os anos 60, pois era

inaceitável que dentro dos seus domínios, a saber, a América Latina, o alinhamento de um dos

Estados nacionais com o bloco socialista, caso especificamente de Cuba.39

37
Ibidem, p. 316
38
Guerra Fria é uma expressão utilizada para designar o período de conflito político-ideológico e militae
(embora não haja enfrentamento armado direto e sim investimentos em armas nucleares) entre o bloco
Ocidental liderado pelos EUA e o bloco Oriental liderado pela URSS. A teoria realista, de matriz
mecanicista, foi preponderante na época do conflito para oferecer explicações ao momento político que
se iniciava, materializado na disputa entre os dois países e seus respectivos aliados. O conceito utilizado
para compreender o período foi o de bipolaridade, tomado de empréstimo da Física. Entretanto, o termo
bipolaridade não comporta em sua matriz explicativa o conceito de ideologia. Hans Morgenthau em seu
livro A política entre nações (1948), buscou a partir desse conceito de bipolaridade, explicar o fenômeno
de disputa entre aqueles países. Mais tarde, Kenneth Waltz em seu livro Theory of International Politics
(1979), vai além das formulações de Morgenthau e, elege o conceito de bipolaridade com maior precisão
explicativa do fenômeno, mesmo mantendo a base mecanicista de seu antecessor, embora as
formulações de ambos sejam diferentes e partilhem dos mesmos problemas ontológicos. Para maior
compreensão do fenômeno ver: HORTA, Luiz Fernando Castelo Branco. O mecanicismo explicativo e
a eclipse da vontade: o conceito de bipolaridade. Revista RARI. Edição n. 3, v. 1. Publicado em 07/2013.
Universidade Fderal de Santa Catarina. Disponível em : http/:www.rari.ufsc.br/files/2013/07RARI-
ARTIGO-51.pdf. Acessado em 05/04/2017.
39
HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
40
O historiador Eric Hobsbawn nos aponta que o período marcado por provocações e

ameaças mútuas entre as duas superpotências, especialmente após o episódio conhecido como

a crise dos mísseis em 1961, no qual a instalação de uma base soviética em território cubano

desencadeia uma tensão que esteve à beira de um conflito bélico real, tiveram como resultado

líquido um “sistema internacional relativamente estabilizado”, que perspassou a década de 1960,

o que ocasionou um tácito acordo entre os dois países.

Os EUA, como parte do acordo, aceitariam uma Cuba comunista bem próxima de seu

território, demonstrando uma ‘falsa neutralidade’ de seu governo. Na verdade, temia-se, um

avanço do comunismo no continente americano, sobretudo pela deflagração de focos de

guerrilhas na América Latina influenciadas pela vitória da Revolução Cubana, tornariam-se o

“calcanhar de Aquiles” para os norte-americanos, apesar que estas não obteriam os resultados

esperados pela esquerda no continente.40

Os processo de libertação deflagrados na América Latina e em outras localidades

do Terceiro Mundo, sobretudo na África, foram também influenciadas pela Guerra do Vietnã,

no qual as superpotências estiveram indiretamente em conflito, que na década de 1960 acirrou-

se devido à política imperialista norte-americana, que buscava supremacia na Ásia,

especificamente em sua parte oriental, sob influência soviética, como contraponto do

alinhamento Cuba -URSS.

A Guerra do Vietnã também estimulou manifestações de protesto na Europa Ocidental,

casos da França sobretudo no episódio conhecido como ‘maio de 1968’, na Alemanha, com a

deflagração de manifestações do movimento estudantil e guerrilhas urbanas em reação contra

o imperialismo norte-americano.

Diante de uma possível perda de hegemonia no Ocidente ocasionada pelo temor de um

suposto fracasso em conter o avanço do bloco ‘comunista’, sobretudo na América Latina, os

EUA adotam uma política de contrainsurgência como medida de manter seu domínio político-

ideológico e militar no continente e influência sobre a Europa Ocidental.

40
Ibidem, p. 239
41
Essa política de contrainsurgência embasada em um pensamento anti-comunista, lança

suas bases em uma estratégia de doutrinação e alinhamento político- militar e ideológico com

as Forças Armadas dos países latinoamericanos após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a

criação da Escola das Américas (School of the Americas, em inglês) em 1946 no Panamá e,

posteriormente, desloca para o Fort Benning, no estado da Georgia, EUA.

Esta instituição teve como objetivo ‘formar através de treinamento policiais militares e

soldados (incluindo-se oficiais das Forças Armadas) latinoamericanos em técnicas de combate,

táticas de comando, inteligência militar, técnicas de interrogatório e tortura’, cujo alvo da ação

da política de contrainsurgência eram as oposições contrárias aos interesses norte-americanos e

dos seus aliados burgueses no interior dos países.41

No caso do Brasil, o alinhamento entre oficiais militares brasileiros e norte-americanos

surge durante a campanha na Itália, na qual vivenciaram experiência ideológica comum que

aprofundou-se com a participação em cursos e treinamentos já mencionados na Escola das

Américas.

A fim de consolidar a aliança político-militar e ideológica, os norte-americanos auxiliam

os oficiais brasileiros na formação da ESG (Escola Superior de Guerra) em 20 de agosto de

1949, a qual torna-se similar à Escola das Américas. A estreita relação que se estabelece entre

os oficiais dos dois países caracteriza-se pela amizade e a ajuda mútua, que fortalece do ponto

de vista teórico e prático, as concepções da defesa do Ocidente cristão permeada por sentimento

anticomunista consolidando a cooperação com os EUA.

A ideologia concebida pela similar norte-americana foi aperfeiçoada pela ESG,

desenvolvendo-se uma teoria de direita para intervenção no processo político nacional, pois traz

em seu núcleo um projeto de desenvolvimento capitalista dependente e associado para o Brasil,

influenciado por uma lógica empresarial, com o objetivo de constituir uma sociedade industrial

Para saber mais, ver o documentário dirigido por John Smilhula em 25/11/2012 intitulado Escola das
41

Américas. Disponível em: http://vimeo.com/54254325. Acessado em 15/04/2017.


42
capitalista, de forma bem consensual com as classes dominantes hegemônicas a saber, a

burguesia industrial e associados.42

Nesse cenário, torna-se preponderante a figura de Golbery do Couto e Silva, intelectual

orgânico da burguesia e um dos oficiais oriundos da ESG formulador nesta instituição da

Doutrina de Segurança Nacional (DSN). A teoria por ele elaborada tem suas bases quase na

integralidade na questão do medo que se origina na insegurança. O núcleo da ideologia

golberyana centra-se na insegurança que os seres humanos sentem em relação ao mundo que os

cerca, o qual não compreendem e nele precisam lutar pela sobrevivência.43

Diante do medo e da insegurança, Golbery argumenta em favor da constituiçao de um

Estado forte que garante a segurança, mesmo que para isso ‘sacrifique-se o bem comum’, ou

seja, a liberdade, neste caso Golbery refere-se ao enfrentamento de conflitos internos

Nesse sentido, o pensamento golberyano recebe a influência de Hobbes, entendido como

o “filósofo do grande Medo”, e para quem o homem é lobo do homem e em uma ordem social

na qual existe uma luta de todos contra todos, necessário será o controle da sociedade por uma

entidade abstrata , a qual é delegada poderes excepcionais denominada “Estado” e que não é

garantia a sobrevivência.

Hobbes demonstrara que o Estado é uma criação racional dos seres humanos acometidos

pelo sentimento de insegurança, e forçosamente se vêem obrigados a ceder parte de sua

autonomia e liberdade individual ao Estado a fim de que este possa garantir a segurança

coletiva.44 Entretanto, Golbery não chegou a formular uma única definição de Estado, ofereceu

algumas indicações dentre as quais, uma é mais sólida quando faz uso de metáforas construídas

a partir de termos tomados da Biologia.

Ao argumentar acerca do processo de constituição e desenvolvimento do Estado,

Golbery fazendo uso dessas metáforas concebe o Estado como ‘organismo político’ com

42
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais -Um relato para a História. Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 1985.
43
ASSUNÇÃO, Vânia N. F. de. No princípio era o medo: as bases do pensamento conservador do
General Golbery do Couto e Silva. Verinotio Revista On-line de Ciências Humanas, n. 2, abril de 2005.
Disponível em: http://www.verinotio.org/conteudo/0.79822029340846.pdf. Acessado em 18/04/2017.
44
ASSUNÇÃO, 2005. Op. cit., p.3
43
existência real sobre uma dada área e um dado momento. Entende que essa entidade é uma

realidade que não deve ser questionada e deve atuar como unidade de poder no âmbito do

cenário internacional. Por essa razão, todo o conjunto da sociedade (inclusive as elites) tem de

estar a seu serviço, porque o Estado encarna os interesses da Nação, e portanto, funde-se com

ela.45

Nesse sentido, legitima-se o pressuposto do “contrato social” pelo qual o Estado

detentor de parte da autonomia e liberdade dos cidadãos, tem a função de arbitrar conflitos

internos entre os ‘homens-lobo’ em disputa para garantir a segurança do corpo social. No âmbito

internacional, ao tecer a crítica ao totalitarismo que apontou como o regime em vigência na

URSS, afirma que a negação da liberdade neste regime em nome da segurança, não deve ser

experienciado nas democracias ocidentais.

Para Golbery, os princípios do bem-estar, da prosperidade, da liberdade e do prestígio

internacional devem pautar a garantia da soberania do Estado e para promover a integração de

seu corpo social, fator fundamental para a segurança, pois a desintegração social oriunda de

conflitos internos acarretaria sérios desafios à sobrevivência do Estado-Nação. A origem do

Estado apontada por ele como criação racional, fomentada pelo “mito do contrato social” e por

uma “consciência coletiva”, de base teórica hobbesiana e que buscou como sua função eliminar

os conflitos e diferenças sociais, conferindo ao Estado a representatividade dos interesses da

totalidade da sociedade levando à negação de classes sociais antagônicas, e a existência de uma

‘nação’ a qual identifica-se com o Estado.

Nessa perspectiva, na formulação do conceito de Estado, Golbery incrementa um

elemento fundamental que legitima sua concepção: o nacionalismo, que juntamente com a

nação relacionados à instituição estatal, tornam-se conceitos fundamentais em seu pensamento.

Para ele, o conceito de nação significava a base física, o povo, o Estado política e

administrativamente organizado sua estrutura econômico-financeira e as Forças Armadas.Em

vários momentos confundida com o Estado, a nação só poderá existir em segurança e ‘integrada

45
Ibidem, p. 3-4
44
por um propósito superior’, as aspirações nacionais, os interesses superiores do povo, ou seja,

um programa de vida comum que poderia proporcionar segurança e desenvolvimento como um

ideal ou destino que realizar-se-ia plenamente. 46

A formulação do conceito de segurança nacional e a concepção da DSN tem suas bases

nessas proposições, que legitimaria toda uma defesa por parte do Estado dos “interesses

superiores do povo” que mais tarde ele denominará de Objetivos Nacionais Permanentes (ONP),

cujos elementos consensuais com os aliados grupos empresariais eram a disciplina e hierarquia

em função da implantação de um projeto de desenvolvimento e de sociedade bem definido.

A maturação teórica de Golbery expressa-se com a difusão da Doutrina de Segurança

Nacional (DSN), segundo a qual não poder-se-ia conceber a ideia de uma nação dividida, pois

o que preponderava era uma visão homogeneizante da sociedade e dessa forma, necessário era

ocultar quais eram realmente os interesses da nação, quando na verdade os interesses eram de

quem os formulava, a saber, as classes dominantes no poder do Estado formadas nas cadeiras

da ESG. Sendo assim, qualquer um que pensasse de forma distinta poderia ser alcunhado como

um antinacionalista.47

Esse pretenso nacionalismo verdadeiro embasado na defesa do mundo ocidental cristão,

recebe a introdução do elemento antagonismo que foi a ‘amarra’ para a DSN , especialmente

em âmbito internacional diante do conceito golberyano de nação. Importante nesse contexto o

papel da ESG para a difusão da Doutrina de Segurança Nacional nos meios civis-empresariais.

A partir do elemento antagonismo irrompe a tese do inimigo interno, ou seja qualquer indivíduo

ou grupo social discordante dos interesses superiores nacionais.

Maria Helena Moreira Alves (1984) aponta que o General Golbery do Couto e Silva foi

o teórico brasileiro mais influente na ESG na formulação da DSN. Destaca a função da ESG

como ‘polo teorizador’ dessa doutrina, que influenciou o currículo de outras escolas militares

pelo país. 48

46
Ibidem, p. 7
47
Ibidem, p. 9
48
ALVES, 1984. Op. cit., p. 34-35
45
Tal doutrina como sabemos não esteve restringida ao Brasil, emergiu em toda a América

Latina sobretudo pela formação e treinamento na Escola das Américas. Com consolidação dos

Estados de Segurança Nacional no continente, a necessidade de neutralizar os movimentos

guerrilheiros e movimentos sociais de contestação à ordem estabelecida torna-se uma tarefa

prioritária aos objetivos das classes dominantes locais alinhadas com o imperialismo norte-

americano e o grande capital.

Em todos os países latino-americanos ,a forma específica da ideologia da segurança

nacional que se assume na região enfatiza a ‘segurança interna’ diante da ameaça de “ação

indireta” do comunismo, em um contexto de guerra fria. Essa integração dos Estados de

Segurança Nacional implantados no continente será denominada de Operação Condor, a qual

irá produzir como resultado milhares de mortos e desaparecidos políticos.

No caso específico do Brasil, segundo aponta Maria Helena Moreira Alves (1984) a

Doutrina de Segurança Nacional tem sua origem em uma teoria da guerra, pois os preceitos da

ESG englobam várias concepções de guerra: guerra total; guerra limitada e localizada; guerra

subversiva ou revolucionária; guerra indireta ou psicológica. Tal teoria da guerra fundamenta-

se na estratégia militar da guerra fria, definindo a guerra moderna como guerra total e absoluta.

Desse modo, a teoria não trata mais de uma guerra limitada aos territórios dos países

beligerantes ou a setores específicos da economia ou até mesmo da população, em razão mesmo

do gigantesco poder destrutivo das armas nucleares e do inevitável confronto entre as duas

superpotências, EUA e URSS. Embora ambos estejam envolvidos em uma guerra total, não

podem confrontar-se diretamente porque poderia ocasionar a destruição dos dois países. No

entanto, buscaram outras estratégias de guerra e nesse cenário, a guerra contemporânea assume

as formas de guerra nuclear, representada como guerra total ou ilimitada e guerra limitada ou

localizada, na qual as duas superpotências medem forças exercendo suas capacidades de

controlar determinados territórios. Como também a guerra pode ser declarada ou não-declarada,

esta última referindo-se à formas de guerra revolucionária ou insurrecional. Podem ser assim

definidas:

[...] Guerra insurrecional: conflito interno em que parte da população armada


busca a deposição de um governo.

46
Guerra Revolucionária: conflito, normalmente interno, estimulado ou
auxiliado pelo exterior, inspirado geralmente em uma ideologia e que visa à
conquista do poder pelo controle progressivo da nação. [...]49
Estas formulações da ESG encontram-se em seu Manual Básico50 e enfoca um destaque

à guerra revolucionária em razão de uma particularidade: essa forma de guerra está diretamente

vinculada à infiltração comunista e a iniciativas diretas por parte do “comunismo internacional”

sob controle da URSS. Nesse sentido, essencial compreendermos na ótica da teoria o conceito

de “fronteiras ideológicas” em oposição ao conceito de “fronteiras territoriais”. Na lógica da

guerra revolucionária, a guerra ideológica travada substitui a guerra convencional que se

desenvolve entre Estados no interior das fronteiras geográficas de um país.

Dentro dessa perspectiva, essa argumentação é fundamental para a teoria do “inimigo

interno” e agressão indireta. Alves aponta que a guerra revolucionária segundo o Manual Básico

da ESG, é não-declarada promovida sigilosamente por forças externas do “comunismo

internacional” que escolhe dentre a população do ‘país-alvo’, os seus combatentes. A partir

desta definição, tornam-se suspeitos toda a população constituída de “inimigos internos”

potenciais, que devem ser monitorados cuidadosamente no seio da sociedade, perseguidos e

eliminados.51

Nesse sentido, o papel de intelectual orgânico do bloco multinacional e associado

exercido por Golbery do Couto e Silva é essencial para entendermos que o golpe perpetrado no

Brasil, é resultado de um projeto de desenvolvimento capitalista dependente e associado

teorizado e aprofundado que propiciou maturidade para a ação política de classe.

O golpe civil-militar deflagrou-se concretamente através do movimento de tropas

oriundas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, pois embora a capital federal tivesse

sido transferida para Brasília, a maior parte da estrutura administrativa como os ministérios, as

49
Ibidem, p. 37
50
O Manual Básico da ESG é um documento que traz a sistematização teórica da Doutrina de Segurança
Nacional, elaborada pelo Estado- Maior do Exército no interior da ESG e através desse manual, a DSN
poder ser analisada e pode-se perceber quanto essa ideologia fundamentou a ditadura e permanece
disseminada até hoje. Para ver trecho do documento ver anexos e fontes documentais presente neste
trabalho.
51
Ibidem, p. 38
47
sedes das representações diplomáticas e uma das principais residências presidenciais, estavam

localizadas na capital fluminense.52

No entanto, a presença militar já se fazia perceber em contextos anteriores, no longo

processo de preparação do golpe, em uma articulação com as elites civis, formadas por

empresas multinacionais e associado através do complexo IPES/IBAD. Importante mensurar

que aliança estabelecida pelo meio militar exclui-se soldados, compondo somente com alta

oficialidade das Forças Armadas, ligadas a Escola Superior de Guerra (ESG).

Dreifuss (2008) afirma que os oficiais militares partilharam de altíssimo grau de

congruência de valores com os tecnoempresários, justamente pelo fato de que vários desses

eram assíduos conferencistas na ESG, onde transmitiam valores desenvolvimentistas. Apesar

que não era somente a congruência de valores ligavam empresários e oficiais, a participação de

militares em empresas privadas foi uma realidade, que embora não difundido na mesma

proporção em relação à participação em agências tecnoburocráticas do Estado, em conselhos

de diretorias de corporações multinacionais e associados, ou mesmo como acionistas de

empresas privadas como o general Riograndino Kruel e o general James Masson (Eletrônica

Kruel S.A.), que comprova intervenção militar na esfera pública e privada.53

Militares e empresários consolidam sua aproximação ideológica ao perceberem pontos

de vista comum quanto aos caminhos e meios a serem adotados para o desenvolvimento de um

processo de crescimento industrial, que se traduziu no acordo militar de 1952 entre Brasil e

EUA. O objetivo do acordo era proporcionar incentivos à participação constante da empresa

privada no desenvolvimento de recursos de países estrangeiros.

Do ponto de vista político, considerando as incipientes agitações das classes

trabalhadoras concebidas como ‘manifestações comunistas’, os dois países formalizam outros

dois acordos sendo o primeiro intitulado Programa de Assistência Militar (PAM) e o segundo

denominado Acordo de Assistência e Defesa Mútua (AADM). Nesse sentido, a ESG assume

função de veículo de doutrinação ideológica, concatenando os fundamentos militares das

52
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 314
53
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 85
48
Américas com a principal potência capitalista aos modus operandi da National War College,

sua congênere norte-americana.

Oficiais norte-americanos colaboraram na formação da ESG em 1946-47, contribuindo

na propagação da idéia de cooperação mútua contra o comunismo no interior de uma conjuntura

marcada pela Guerra Fria. Assim sendo, a ESG incorpora no Brasil a concepção maniqueísta

dominante cujo núcleo ideológico assenta suas bases na ‘defesa da democracia ocidental cristã’,

e encoraja no interior das Forças Armadas Brasileiras normas de desenvolvimento associado e

valores empresariais; isso significa empreender um crescimento industrial sob a égide das

corporações multinacionais e a formação de um ‘tipo ideal’ de Estado com autoritarismo

político, guiado não por razões ‘políticas’ e sim ‘técnicas’, e incorporando a Doutrina de

Segurança Nacional (DSN); a ideologia norte-americana de ‘construção nacional’ foi

disseminada nas Forças Armadas e reforçadas pela doutrinação empresarial.54

Bruna Pastore (2012) faz referência em sua análise às diretrizes políticas formuladas

pelo IPES, dentre as quais a proposta da Reforma Constitucional é de suma importância porque

demonstra o grau de ligação que a Instituição mantinha junto aos oficiais militares golpistas. O

principal elemento que se agrega ao modelo de reforma preterido e defendido fervorosamente,

era a política de ‘segurança nacional’ elaborada pela ESG e, nessa convergência de interesses,

o IPES concebia como legítimo para implementação do projeto de desenvolvimento associado,

o conceito de “guerra total” assumido como posição política-ideológica na defesa dos interesses

das classes dominantes hegemônicas e de ajustes tanto no Executivo para que este seja

potencializado, como nas relações trabalhistas para contenção das organizações das classes

subalternas.

Isso significa promover a concentração de poder no Executivo e repressão ostensiva aos

trabalhadores e suas organizações, porque era fundamental para o desenvolvimento do projetos

econômicos e políticos visando a expansão do capital transnacional, subordinando a economia

brasileira à posição de dependência na lógica da divisão social do trabalho.55

54
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 87
55
PASTORE, 2012. Op. cit., p. 66
49
2 O ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL
2.1 AS BASES LEGAIS DO NOVO ESTADO (1964-1967)
Efetuada a deposição do governo anterior e a tomada de poder do Estado, a burguesia

buscou legitimar o seu domínio sobre o conjunto da sociedade. Para consolidar o novo tipo de

Estado gerado pela sua ação política de classe, o bloco de poder multinacional e associado

precisou realizar mudanças na estrutura jurídica do País.

Modificar a estrutura jurídica era imprescíndivel para legitimar o tipo de Estado que se

forjava pós golpe e desse modo, lança as bases para implementação do projeto de

desenvolvimento capitalista associado formulado pela coalizão civil-militar no poder. No

entanto, para essa implementação obter êxito, necessária foi a criação de um aparato de controle

e repressão a todos os grupos ligados ao governo anterior e as oposições que emergissem.

As promessas de “restauração da legalidade”, de reforçar “as instituições democráticas

ameaçadas”, restabelecer a composição federativa da nação, o rompimento do poder

excessivamente centralizado no Executivo, restabelecer os poderes aos Estados e, sobretudo,

“eliminar o perigo da subversão e do comunismo” e a punição àqueles que no governo (anterior)

estivessem enriquecido com a corrupção tornados objetivos imediatos, na verdade, foram na

realidade pretexto utilizado para justificar os atos repressivos no intuito de realizar o programa

do novo governo.

Dentre esses pretensos objetivos, a segurança interna que visava a eliminação do

‘inimigo interno’ era a prioridade, que provocou conflitos com os objetivos com a adoção de

medidas de expurgar os movimentos sociais e os grupos que estiveram associados ao governo

Jango e consequentemente levaram à institucionalização do Estado de Segurança Nacional.56

Tais medidas suscitou contradições entre os objetivos declarados e a necessidade cada

vez maior de repressão originando uma permanente crise de legitimidade que perduraria

por todo o período de vigência do Estado de Segurança Nacional. Além do mais, a coalizão

civil-militar não dispunha de um modelo previamente elaborado de estruturas do novo Estado;

56
ALVES, 1984. Op. cit., p. 52
50
o que havia de concreto era uma ideologia formulada que baseava seu pensamento político, no

qual a premissa da eliminação do ‘inimigo interno’ tinha uma certa predominância.

É nesse sentido que os interesses econômicos da aliança de classes deflagradora do golpe

combinaram-se com elementos da Doutrina de Segurança Nacional para impor um caráter

autoritário ao Estado. A partir daí a contradição se estabelece na medida em que se busca a

efetivação deste modelo de Estado o que ocasiona o acirramento das oposições.57

A primeira medida nesse sentido foi a edição do Ato Institucional nº 1, publicado no

Diário Oficial de 09 de abril de 1964, o qual sob a forma de norma jurídica assinado pelos

comandantes em chefe das três Armas: o General do Exército Artur da Costa e Silva, tenente-

brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker

Grunewald.

A promulgação do Ato Institucional nº 1 é a expressão da violação das premissas do

Direito burguês, do ponto de vista liberal, pois se apresenta em seu preâmbulo que define a

autoridade como decorrente do exercício de facto do poder e não oriundo do povo. O Congresso

Nacional tem seus poderes reduzidos e é o Executivo que “decide” manter a Constituição e o

próprio Congresso, e a legitimidade deste derivará não do mandato eleitoral, mas do poder de

facto assumido pelo Executivo, o que é estritamente coerente com a Doutrina de Segurança

Nacional e Desenvolvimento.

Sendo essa doutrina desconhecida da maioria da população, o AI-1 (Ato Institucional

nº1), provoca surpresa entre os setores que outrora apoiaram a intervenção dos oficiais militares

vinculados à ESG, pois esses setores da elite civil acreditaram que a intenção desses oficiais na

aliança de classes estabelecida era ‘’restaurar a democracia”. No entanto, com a promulgação

do AI-1 rompe o apoio tácito à coalizão civil-militar, o que ocasiona cisão.58

Eram as ações iniciais para a formação de um novo governo, que abrigaria em seus

postos-chave, civis e militares, dando continuidade à aliança estabelecida sob a forma de bloco

multinacional e associado. O golpe deflagrado introduziu mudança radical na base de

57
Ibidem, p. 53
58
Ibidem, p. 54
51
organização política do Brasil, ao intitular-se ‘movimento revolucionário’ e por essa razão, lhe

foram atribuídos poderes constitucionais.59

Assim que o Ato Institucional nº1 (AI-1) é assinado, encerra-se o período constitucional

iniciado em 1946. A partir daí, polarizam-se conflitos e a extensão com que eles assumem levam

a efeitos bem mais estritos que o círculo das esferas política e militar. A formação do novo

governo exigia a reestruturação administrativa do Estado e para tal. finalidade, necessário se

tornou o expurgo político, militar e administrativo daqueles que ocupavam postos-chave no

governo anterior, ou que de alguma forma mantinham cargos no Executivo de João Goulart.

Em 10 de abril, é divulgada uma lista de cassações que atingiram personalidades e

instituições visadas pelos militares e seus aliados civis, totalizando 102 nomes entre os quais

figuravam, parlamentares, sindicalistas, militares, governadores, diplomatas e ministros de

caráter progressista ligados à Jango. Além disso, necessário exercer o controle sobre as

organizações de esquerda como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional

dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e os grupos católicos como a Juventude

Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP), através de perseguições e prisões de vários

de seus líderes.

Paralelamente a essas ações repressivas, a referida Junta Militar elege mediante

restrições ao Congresso, o General Humberto de Alencar Castelo Branco para a Presidência da

República, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Sobre a escolha de Castelo

Branco, importante ressaltar o proeminente papel dos empresários do IPES e do General Heitor

Herrera, um dos elos-chave destes com os oficiais da ESG, na definição do perfil do presidente.

Segundo decisão destes empresários, o futuro presidente não deveria estar associado a nenhum

dos três governadores civis mais importantes e que foram apoiadores do golpe - Carlos Lacerda,

Magalhães Pinto e Adhemar de Barros e objeções às ligações do Marechal Dutra. Castelo

59
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. 2014. Relatórios da CNV. Cap. 3. Contexto histórico das
graves violações entre 1946 e 1988, p. 94-100. In: Parte II- As estruturas do Estado e as graves violações
de Direitos Humanos.
52
Branco teve o apoio dos empresários em sua candidatura, por compartilhar totalmente com as

metas do IPES.60

O Ato com todos os seus artigos e outras medidas de controle do Poder Judiciário e

suspensão dos direitos individuais, proporcionaria uma primeira tentativa de institucionalizar o

mecanismo de transferência ao Poder Executivo, ou seja, centralizar todo exercício de poder ao

Presidente da República submetendo aos demais poderes à condição de subalternidade, e lança

as primeiras bases legais para que seja aplicada a Doutrina de Segurança Nacional. Como

importante instrumento jurídico para que a institucionalização do novo Estado, empreendida

em fases bem delineadas fosse garantida, assume o papel de mascarar o golpe civil-militar

conferindo-lhe caráter de uma ‘reforma democrática’ do Estado e suas instituições.61

Tendo sido lançadas as bases, poderia ser implementado o projeto segundo as linhas da

denominada ‘Grande Estratégia’ da DSN, avançando para além da mobilização geral de forças

repressivas do novo Estado, a política adotada conforme os princípios da referida doutrina

visava áreas específicas, potenciais focos de oposição, trata-se de estratégia política, econômica,

psicossocial e militar.

Tal política a ser exercida nessas áreas compreendia uma série de medidas que os

militares deram o codinome de ‘Operação Limpeza’, que basicamente iniciou-se no quadro

institucional através da implementação dos Inquéritos Policiais-Militares (IPMs), por meio do

decreto-lei de 27 de abril de 1964 (já previsto pelo Ato Institucional n. 1) baixado pelo governo

Castelo Branco. Em todos os níveis de governo, incluindo ministérios, órgãos governamentais,

empresas estatais, universidades federais e demais organizações vinculadas ao governo federal,

foram criadas comissões de inquérito com o objetivo de investigar as atividades de funcionários

públicos, civis e militares, identificando aqueles que poderiam estar comprometidos com

atividades consideradas “subversivas”.62

60
DREIFUSS, 2008. Op. cit., p. 440
61
ALVES, 1984. Op. cit., p. 56
62
Idem, p. 56
53
Nesse sentido, os IPMs constituíram-se em mecanismo legal para busca sistemática de

segurança interna e eliminação do “inimigo interno”, como primeiro passo de processos

repressivos que se ampliariam nos anos seguintes. No contexto da promulgação deste

mecanismo, a estratégia política segundo a Doutrina de Segurança Nacional, refere-se à

vigilância e controle dos partidos políticos, dos três poderes (Legislativo, Judiciário e

Executivo). Dentre os três poderes, o Judiciário foi o que menos sofreu interferência em relação

aos demais. As ações consideradas como ‘crimes políticos’ praticadas pela oposição

permaneciam sob jurisdição dos tribunais civis, no entanto, assim que concluído um IPM, a

investigação do caso passaria em última instância ao Judiciário para que houvesse o

encaminhamento legal. Na prática, o Judiciário teve preservada alto grau de independência,

pois podia conceder o habeas corpus a presos políticos.

Em relação aos partidos políticos a repressão foi severa, e os partidos mais atingidos

foram o PTB e o PSB, que eram no período pré- golpe, os partidos com maior representatividade

no Congresso Nacional e base da aliança populista que sustentou o governo João Goulart e por

essa razão, foram alvos de expurgos por parte do Estado de Segurança Nacional. Entretanto, a

UDN, notadamente conservadora e apoiadora do golpe, passou ilesa à avalanche de cassações

de mandatos.63

Assim, os expurgos deflagrados na burocracia civil tornaram-se componentes essenciais

da ‘Operação Limpeza’ porque propiciaram a eliminação da oposição, particularmente daqueles

ligados ao período populista anterior e abrir caminho para aqueles estritamente vinculados com

as políticas do novo Estado, para garantir a modificação das bases da política econômica.

Importante ressaltar que os expurgos mais drásticos na burocracia de Estado se deram nos

setores responsáveis pela política econômica e social, caso dos Ministérios de Obras Públicas,

Trabalho e Fazenda.

No âmbito militar, a estratégia adotada era de controle dos quartéis pois se tratava de

uma área de interesse particular para o Estado de Segurança Nacional. Limitar drasticamente a

participação política, sobretudo de oficiais detentores de grande influência ou comando sobre

63
Ibidem, p. 61
54
tropas que haviam adotado postura de resistência ao golpe, obtendo como parâmetro o padrão

hierárquico para assegurar a predominância dos oficiais golpistas detentores do poder. Embora

os oficiais que resistiram desaprovassem as políticas de Goulart, seu posicionamento estava

fundamentado no argumento que as Forças Armadas tinham o compromisso com a defesa da

Constituição. Se fossem necessárias mudanças ou transferência de poder presidencial, esta

deveria ser realizada em trâmites legais, ou seja, através de eleições diretas, e por essa razão

foram denominados de legalistas.

Nesse sentido, os expurgos sofrido por um número significativo de oficiais legalistas,

tinha duas funções cruciais: a eliminação de militares que haviam estabelecido vínculo com o

governo anterior e assegurar a predominância dos militares golpistas da ESG e da extrema-

direita. Ao eliminar tais ‘adversários’, estava afastado, pelo menos por enquanto, esse grupo de

oposição que poderia se opor às políticas de intensificação da repressão e de favorecimento das

corporações multinacionais.64

A outra dimensão da “Operação Limpeza” se daria pela estratégia psicossocial, a qual

envolveria por um lado, a repressão aos movimentos sociais que ganharam força nos anos que

antecederam ao golpe através de operações de busca e detenção se realizaram em universidades,

sindicatos, ligas de camponeses, movimentos católicos que abrigavam trabalhadores,

camponeses em geral e estudantes. 65 E por outro, servindo-se das propagandas veiculadas

pelo IPES em rádios, tv´s e cinema que enalteciam o governo e ridicularizavam as oposições

que se manifestavam.

Durante a primeira fase de institucionalização do Estado de Segurança Nacional, a

sistemática repressão se fez necessária em todas as esferas da oposição, para que se garantisse

a estruturação do Estado de excessão, particularmente no âmbito administrativo, para que as

políticas econômicas e sociais fossem implementadas com o intuito de propiciar a acumulação

de capital das multinacionais e grandes empresas nacionais alinhadas com o modelo de

64
Ibidem, p. 64
65
Ibidem, p. 66
55
desenvolvimento teorizado pela elite orgânica do bloco no poder. Essa fase se encerra com a

decretação do Ato Institucional N.º 5 em dezembro de 1968.

Importante ressaltar que a reforma administrativa realizada durante o governo Castelo

Branco resultou na criação do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, que

implementa o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que seria um dos fatores

principais da estruturação do Estado. O Ministério era composto pelos empresários e

tecnoempresários vinculados ao IPES e à ESG, o que demonstra a aliança de classes no âmbito

do poder de Estado. Destacam-se na equipe econômica, Octávio Gouveia de Bulhões, Ministro

da Fazenda e grande empresário participante da conspiração IPES/ESG contra o governo

Goulart, e Roberto de Oliveira Campos, Ministro do Planejamento, fortemente ligado a

empresas multinacionais que têm sede nos EUA.

O segundo fator trata-se da criação do Serviço Nacional de Informações (SNI) em junho

de 1964, órgão cerebral do gigantesco aparato repressivo que se constituiria nos anos seguintes,

e o terceiro diz respeito às diretrizes de controle salarial. Em suma, para que o novo Estado

pudesse se constituir necessária a institucionalização de uma rede de informação para o controle

do chamado “inimigo interno” e lançar as bases do modelo econômico. A partir da mudança da

estrutura jurídica (âmbito Legislativo), propiciar uma reforma Administrativa do Estado, por

este não possuir estruturas prontas ao modelo estatal que se formava, para enfim aplicar um

programa econômico assentado em modelo específico de desenvolvimento da economia,

capitalista, dependente e associado, amparado por uma rede de informação e repressão. Desse

modo, de acordo com as premissas da Doutrina de Segurança Nacional, o programa global da

economia formulado pela equipe de Bulhões e Campos tinha por objetivo a racionalização

econômica através da concentração de capital nas indústrias mais produtivas e eficientes

e estimular a penetração do capital multinacional, pois segundo a mesma premissa, a melhor

forma de desenvolver o País era transformá-lo em área prioritária para o investimento

multinacional/estrangeiro; daí a característica de dependente e associado.66

66
Ibidem, p. 76
56
A partir destas considerações, buscamos demonstrar que a formação e estruturação

do novo Estado não foi um processo que se realizou pela ação política de tão somente oficiais

militares, mas de uma elite orgânica do complexo IPES/ESG ( o IBAD já havia sido dissolvido),

o mesmo grupo que patrocinou a derrubada de João Goulart, e portanto, trata-se de uma

continuidade de uma ação política de classe.

2.2 OPOSIÇÃO E CRISE DE ESTADO: O ATO INSTITUCIONAL N. 5, A DITADURA


SEM DISFARCES (1968)

O inevitável confronto com a oposição em decorrência da continuidade da Operação

Limpeza e a força cada vez maior da repressão, propiciou um deslocamento da oposição de um

setor para outro no interior da sociedade civil, ao invés de eliminar as suas causas. Nos

primeiros anos do Estado de Segurança Nacional, a constante alteração da legislação sobretudo

eleitoral para manter o controle majoritário, foram as medidas que legitimaram os expurgos e

cassações de mandatos.

Estas iniciativas do Estado provocaram mudanças na oposição e profundo debate interno

no que diz respeito às estratégias de resistência. A promulgação do Ato Institucional N.º 2

desencadeia a divisão da oposição entre grupos que defendiam a preparação e deflagração da

luta armada em resposta à crescente violência do Estado, e outros que pregavam uma resistência

dentro dos parâmetros institucionais, ou seja, no âmbito parlamentar que ainda gozavam de um

mínimo grau de liberalização.

Na busca de institucionalizar seu modelo econômico de desenvolvimento e suas

estruturas de controle político, o Estado realizou grande esforço no intuito de enfraquecer a

oposição. No âmbito da política econômica, a criação do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS) complementa as diretrizes de controle salarial a fim de contribuir para o

estabelecimento de condições favoráveis ao investimento de capitais estrangeiros em áreas de

baixo custo da força de trabalho.67

67
Ibidem, p.110
57
A fase de institucionalização do novo Estado se consolida com a Constituição de 1967,

que incorpora os controles mais importantes dos dois primeiros Atos Institucionais e de vários

atos complementares promulgados posteriormente, provocando a perda de tais controles de seu

caráter excepcional que se fundamentarem em poder “revolucionário” para torná-los de fato em

poder constitucional.

Medidas que adotadas arbitrariamente, provocaram alterações profundas na estrutura do

Estado e institucionalizaram a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) , pois a Constituição de

1967 refletiu contradições do sistema como a implementação de dispositivos no texto que

visavam o controle, assegurando que as medidas da DSN fossem aplicadas para a eliminação

do “inimigo interno” e por outro lado, o objetivo de restaurar a democracia como resultante da

intervenção da oposição que logrou êxito ao impor suas reivindicações sob a forma da Carta de

Direitos. Desse modo, o confronto que se estabelece irá evoluir para níveis mais elevados entre

os anos de 1967 e 1968, contradição básica que fomenta uma crise institucional que vai

culminar com a promulgação do Ato Institucional N.º 5, provocando o recrudescimento do

regime.

A crise institucional emerge em razão dos elementos democráticos previstos pela

Constituição que proporcionavam à oposição alguma margem de atuação para invocarem maior

grau de participação popular nas decisões de governo, embora negadas por restrições contidas

em outros textos da carta constitucional.

O pequeno período de liberalização que se seguiu posterior à promulgação da

Constituição de março de 1967, pode permitir que organizações sociais como sindicatos se

rearticulassem e realizassem protestos contra as políticas de controle salarial, que ocasionaram

declínio da renda dos trabalhadores e piora em suas condições de vida geradas pela política

econômica adotada pelo Estado. No entanto, os setores mais radicais do Estado de Segurança

Nacional preocupados com a manutenção da segurança interna consideraram tais protestos

como infiltração comunista e em resposta, aplicaram as outras medidas da Constituição que

garantiam a segurança nacional e a defesa do modelo de desenvolvimento específico.68

68
Ibidem, p. 111
58
Considerando-se que o objetivo da adoção de um modelo de desenvolvimento pelo

Estado de Segurança Nacional era o de justamente promover a acumulação de capital da elite

empresarial local e multinacional sob a forma de um capitalismo dependente e associado,

obteve na política de controle salarial uma de suas bases mais importantes. Como argumentado

anteriormente, o aviltamento na renda da população assalariada decorrente dessa política

somado à generalizada insegurança provocada pela aplicação do programa do FGTS e à

repressão de manifestações nas ruas das principais capitais do País, estimulou uma crescente

onda oposicionista. anos de 1967 e 1968.

O amadurecimento do modelo econômico e política repressiva desencadeada pelos

governos pós-64 resultou na formação de uma aliança informal de vários setores de oposição,

que se iniciou em 1967 e intensificou-se durante o ano de 1968. Elencamos três setores

principais que adquiriram força e coordenação suficiente para afetar as estruturas políticas do

país: trata-se do movimento estudantil, dos trabalhadores e a Frente Ampla.

Estes três setores da oposição puderam exercer considerável pressão sobre o Estado,

provocando conflito em seu interior acerca dessas políticas alternativas, a saber: maior

liberalização para implemento das diretrizes políticas, econômicas e sociais em curso ou uma

nova e mais ampla escalada repressiva.

O impasse gerado entre essas políticas era a direta consequência das diferenças de metas

entre os setores da coalizão no poder, e as contradições conceituais da Doutrina de Segurança

Nacional, pois os Objetivos Nacionais Permanentes contidos nela referem-se à democracia.

Porém, as exigências com a segurança interna tornam intoleráveis as dissenções e portanto, era

inevitável que houvesse um profundo conflito interno no Estado pela existência no interior da

coalizão, de grupos que planejavam um segundo golpe de Estado no intuito de desencadear uma

nova onda de repressão, situação que provocaria um confronto entre o Executivo e o Legislativo

com consequências trágicas.

O crescente avanço das oposições repercutem no Congresso Nacional tornando-o

espelho das inquietações da sociedade civil, forçando os parlamentares da oposição frente ao

clima político estabelecido a apoiarem o movimento de massas composto por trabalhadores,

59
estudantes e classe média. Tal tomada de posição foi interpretada pelo Estado de Segurança

Nacional como uma real ameaça aos interesses da coalizão no poder.

O Estado decide aplicar uma nova escalada repressiva ao baixar o Ato Institucional N.º

5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968, com o objetivo de eliminar todas as oposições,

consideradas como empecilho para o avanço da implantação do modelo econômico de

desenvolvimento. O AI-5 marca o fim da fase de institucionalização do Estado de Segurança

Nacional, na qual foram lançadas as suas bases, pois o caráter de permanência dos controles

incorporados a ele originando um novo período em que o modelo de desenvolvimento pode ser

plenamente aplicado, ao mesmo tempo que o aparelho repressivo buscando segurança absoluta

passa a impedir as dissenções contra as políticas sociais e econômicas adotadas pelo governo.

O texto reiterava os dispositivos dos dois primeiros atos institucionais, só diferindo em um

ponto: não estavam estipulado prazo a sua vigência, e desse modo os controles seriam

permanentes e suspensão das garantias constitucionais.

O Executivo passou a ser dotado de poderes que o Ato lhe atribuía sendo os mais

importantes: poder de fechar o Congresso Nacional e as assembleias estaduais e

municipais; direito de suspender por 10 anos os direitos políticos dos cidadãos, assim como

reinstituir o “ Estatuto dos Cassados” 69 ;4) poder de decretar estado de sítio sem qualquer

impedimento fixado na Constituição de 1967; suspensão da garantia de habeas corpus em

todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; julgamento de crimes políticos por

tribunais militares; a proibição de apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por

pessoas acusadas em nome do AI-5. Isso significa que os réus julgados por tribunais militares

não teriam direito a recursos. Em suma, todos os dispositivos do Ato permaneceriam vigentes

até o momento em que o Presidente da República assinasse decreto específico para revogá-lo.

69
O Estatuto dos Cassados refere-se ao nome dado ao artigo 16 do Ato Institucional N. 2, baixado em
26 de outubro de 1965, que regulamentava as atividades dos cassados e portanto, seus direitos eram
drasticamente limitados com medidas de cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
direito de votar e ser votado em eleições indica proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de
natureza política; aplicação, quando necessária à preservação da ordem social e política, de liberdade
vigiada, domicílio determinado e proibição de frequentar determinados lugares. O objetivo do artigo era
eliminar da vida política ou de atividades sindicais todos aqueles que o Estado de Segurança Nacional
considerava como “inimigo interno”.
60
Para o Estado de Segurança Nacional, o AI-5 forneceria as condições do ponto de vista

legal para desenvolver profundas transformações estruturais. As contradições no interior do

novo Estado e da coalizão no poder tornaram-se muito claras no biênio 1967-1968 e a política

de liberalização limitada que procurava promover relações corporativistas de controle,

precisavam ser suficientemente flexíveis para permitir a cooptação de líderes e dotar o Estado

de uma duradoura estabilidade. No entanto, esta política entra em choque com a busca pela

absoluta segurança interna, e nesse sentido, a necessidade da coerção estatal esteve ligada às

medidas econômicas e sociais de caráter explorador do modelo de desenvolvimento econômico

em curso.

Vale ressaltar que a crise que se instala entre o Executivo e o Legislativo, que determina

o fechamento do Congresso Nacional por tempo indeterminado em decorrência do AI-5, revela

a contradição existente entre o uso da linguagem da democracia e a prática repressiva por parte

do Estado. Segundo apontou Alves (1984), o Estado utiliza-se desse dispositivo ‘legal’ para

deflagrar suas últimas fontes de poder, a força física, como derradeiro recurso, pois objetivava

debilitar as oposições, o que consegue parcialmente, mas em consequência sofre nova perda de

legitimidade e um crescente isolamento, só lhe restou, portanto, a alternativa de empreender

uma nova escalada repressiva no emprego da força. O período que se segue ao AI-5

caracterizou-se pela dinâmica da violência, pois os setores da oposição que não foram

debilitados, decidem empunhar em armas como única alternativa considerada possível e de

forma clandestina de combater o Estado de Segurança Nacional. 70

2.3 O FINANCIAMENTO EMPRESARIAL À MONTAGEM DOS ÓRGÃOS DE


REPRESSÃO: OBAN, EXPERIÊNCIA-PILOTO

A participação das elites civis na política nacional é um fenômeno presente na história

brasileira, tal fato ganha maior relevância sobretudo na recente história política do Brasil,

especificamente no período ditatorial inaugurado com o golpe de Estado de 1964.

70
ALVES, 1984. Op. cit., p. 136
61
E nesse sentido, o fenômeno mais impactante sobre o papel que os civis

desempenharam ao longo da ditadura refere-se a colaboração de grandes empresas no

financiamento da estrutura da repressão política desencadeada pelo Estado de Segurança

Nacional no período pós decretação do AI-5, embora a ação dessas elites civis já se

desenvolvessem no período anterior ao golpe em função da preparação para aplicá-lo.

Fenômeno pouco conhecido da maioria da população brasileira e recentemente

descoberto através de raríssimos documentos encontrados e depoimentos prestados por atores

que direta ou indiretamente estavam envolvidos no esquema. Buscaremos aqui analisar tal

fenômeno à luz desses elementos com o objetivo não somente de acusação e/ou denúncia, mas

trata-se sobretudo, de comprovar o envolvimento de empresários vinculados à multinacionais e

empresas nacionais que compunham o bloco de poder que tomam o poder do Estado em 1964,

com a repressão política a partir do financiamento de sua estrutura e para suas operações de

combate a oposição, prioritariamente as organizações clandestinas que aderiram à luta armada

que se propunham a derrubar o Estado de Segurança Nacional e instaurar uma transição

socialista em direção ao comunismo.

Considerando que o número de empresários financiadores que colaboraram com a

repressão no Brasil tenha sido relativamente grande, optamos em realizar um recorte histórico

e específico, ou seja, focalizar o período compreendido entre 1969 e 1971, em função do critério

que adotamos de analisar a atuação dos grupos empresariais paulistas que se destacaram por

serem os financiadores da Operação Bandeirantes (OBAN) em São Paulo, em particular do

Grupo Ultra, cuja maior empresa que o compõe, a Ultragaz, teve grande relevância dado ao

protagonismo de seu presidente e executivo do grupo, Henning Albert Boilesen.

No decorrer de nosso estudo sobre o objeto dessa pesquisa, nos deparamos com o

seguinte problema: o financiamento da estrutura da repressão foi de iniciativa exclusiva do

empresariado ou do Estado? Pudemos elaborar uma hipótese que correspondesse ao problema,

quando nos debruçarmos no estudo dos raros documentos encontrados, descobertos pela

Comissão Nacional da Verdade e que resultaram em 2014 em relatórios que trazem à tona as

violações de direitos humanos perpetrados pelo regime e desconhecidos pela sociedade

62
brasileira, assim como os depoimentos de diversos atores prestados a pesquisadores. 71 A

decretação do Ato Institucional N.º 5 desencadeia uma nova e mais brutal escalada repressiva,

debilitando aqueles setores que no período anterior vinham em uma crescente mobilização,

restando apenas como alternativa a oposição armada clandestina.

No entanto, a atuação de organizações clandestinas iniciou-se ainda em 1968, mas pouco

percebidas pela repressão, ainda com suas preocupações voltadas às manifestações de massa

nas ruas. Contraditoriamente, a deflagração da luta armada propiciou no Estado de Segurança

Nacional o fortalecimento dos setores que defendiam a segurança interna. Aproveitaram a

‘oportunidade’ que dispunham para implantar um gigantesco aparelho repressivo e

institucionalizar a estratégia de controle por intermédio do terror. Ao confrontar oposição

armada e repressão, os demais setores oposicionistas e grande população alheia ao processo

foram atingidos pela brutal ofensiva do Estado, o que ocasionou um período de silêncio, medo,

confusão e desânimo, tendo como consequência o isolamento da luta armada dos demais

movimentos.72

Nesse espectro de crescimento das ações da luta armada que se intensificaram no ano

de 1969 particularmente na cidade de São Paulo, momento em que o Estado de Segurança

Nacional pode aplicar os dispositivos legais acerca do combate ao ‘inimigo interno” segundo

as premissas da Doutrina de Segurança Nacional. Tal aplicação se materializou a partir da

formulação da chamada Diretriz para a Política de Segurança Interna, expedida em 02 de julho

de 1969, envolvendo o comandante do II Exército sediado em São Paulo, general José

Canavarro Pereira, juntamente com o secretário de segurança pública do governo do Estado de

São Paulo, Hely Lopes Meireles, resolveram “unificar os esforços” de todas as forças: Exército,

71
Trata-se do texto intitulado Os civis que colaboraram com a ditadura, que integra o Relatório Final
da Comissão Nacional da Verdade, em seu Volume II- Textos Temáticos – Texto 8, 2014, p. 314-338.
Os outros textos são depoimentos prestados por militares envolvidos direta ou indiretamente com a
repressão e autoridades civis a pesquisadores, dentre os quais Jorge José de Melo, contido em sua
Dissertação de Mestrado intitulada Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do
empresariado paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971.Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Federal Fluminense- UFF, 2012, 139 p.
72
ALVES, 1984. Op. cit., p. 137
63
Polícia Federal e das polícias estaduais, civil e militar para o combate às organizações que se

opunham ao regime, para a criação da OBAN.

Teriam o apoio do governador paulista Abreu Sodré, que executaria obras de

infraestrutura ao transformar as dependências do 36º Distrito Policial endereçado na esquina

das ruas Tomàs Carvalhal e Tutóia, em um centro de tortura e assassinatos, apoio também do

prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, que se encarregaria da infraestrutura externa na reforma da

rede elétrica e iluminação da região com lâmpadas de mercúrio. Além disso, o recrutamento de

uma equipe de policiais civis, da Delegacia de Roubos, chefiada pelo delegado Sérgio Fernando

Paranhos Fleury (o famigerado ‘Esquadrão da Morte), notabilizado pela execução de supostos

marginais na periferia paulistana e grande São Paulo, transplantando seus métodos para a Oban,

embora Fleury já estivesse lotado no Departamento de Ordem Política e

Social (DOPS)73 paulista.

No entanto, o apoio mais significativo à Oban veio do grande setor privado nacional e

multinacional, que forneceu os recursos necessários para a montagem desse órgão repressivo,

justamente pelo fato de que os recursos advindos do Estado eram insuficientes porque se

restringiram à estrutura de urbanização da região do 36º DP que sediaria as instalações do novo

órgão. A iniciativa portanto, parte do Estado segundo depoimento do general Arthur Moura no

documentário Cidadão Boilesen de 2009 e dirigido por Chaim Litewski:

[...] A chefia do Exército, principalmente, chegou à conclusão de que era o


momento de apelar para o setor privado, principalmente para o setor privado
estrangeiro, para fazer esse setor ver que também havia um impacto nesses
setores se as forças terroristas vencessem. [..] A tese era, “hoje somos nós,
amanhã poderão ser vocês, então nós precisamos de apoio, a fim de poder
realizar as nossas missões eficazmente”. E esse apoio seria financeiro, né?74

Ainda segundo o Relatório da CNV, multinacionais de diversas áreas de atividade

financiaram a formação da OBAN, como Ford, , General Motors, Camargo Corrêa, Grupo Ultra,

Objetivo, Folha, Nestlé, Light, Siemens, entre outras. Cabe aqui destacar o papel da FIESP, que

Polícia especializada na repressão a atividades políticas criada em 1924 em São Paulo (SP).
73

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Os civis que colaboraram com a ditadura. Relatórios da


74

CNV- Volume II. Textos Temáticos- Texto 8, p. 329


64
como notória associação de classe, como ativa articuladora entre o empresariado paulista na

arrecadação de recursos, por meio do seu presidente Theobaldo de Nigris. A referida entidade

abria seus salões para o ministro da Fazenda Delfim Netto, realizar palestras aos empresários

em reuniões nas quais, em seu término, se solicitavam recursos para financiar a OBAN.

Esses encontros por serem clandestinos demonstravam o caráter extralegal do novo

órgão, já que a OBAN mesmo sendo de iniciativa do Estado de Segurança Nacional, não estava

incorporada ao organograma oficial ( que geralmente é feito por decreto) e portanto, sua atuação

se processava em quase completa clandestinidade e o seu comando caberia ao Exército por

intermédio do coronel Antônio Lepiane, chefe do Estado- Maior da 2ª Divisão de Infantaria.

Ainda em relação à insuficiência de verbas por parte do Estado na montagem daquele aparelho

repressivo e, consequentemente o apelo ao financiamento empresarial, isso se deve como

aponta Joffily (2008) a não estarem esses recursos consignados em orçamento e portanto, a

iniciativa de convocar o empresariado paulista coube a Delfim Netto, ministro da Fazenda

naquela oportunidade, e ao banqueiro Gastão Vidigal, proprietário do Banco Mercantil de São

Paulo, reunir representantes de outros grandes bancos brasileiros para solicitar fundos.

Procedimento semelhante foi exercido pela FIESP por intermédio de seu presidente e

por um personagem que seria seu articulador entre outras empresas do ramo industrial, Henning

Albert Boilesen da Ultragás, que se destacou no exercício de pressionar os demais colegas a

contribuírem financeiramente sob o pretexto da garantia da “paz nos negócios”.

Vale ressaltar que o novo órgão ao ser constituído adquire o signo da ambiguidade, pelo

fato de que mesmo tendo sido fundado em evento/ato que conta com a presença de autoridades

civis e militares, não foi institucionalizado do ponto de vista formal e jurídico, estando restrito

a um conjunto de medidas administrativas. Nesse sentido, formulou-se como seu objetivo

coordenar as operações de combate à chamada “subversão”, referindo-se especificamente às

organizações da luta armada, exercendo funções de polícia política, o que causou conflitos com

outras forças coercitivas, mesmo sendo comandado diretamente pelo Exército.

A partir da condição de não institucionalidade, o funcionamento da OBAN estaria

assentado de forma permanente sobre a dicotomia legalidade/ilegalidade, o que lhe

65
proporcionou dinamismo e flexibilidade para desenvolver suas atividades repressivas. Isso

significou que em relação aos seus fundamentos, o órgão estava com suas bases fincadas na

sólida estrutura do Exército, dispondo de todo suporte da alta oficialidade militar.

E nesse sentido, os métodos empregados como tortura, invasão de domicílios,

assassinatos e portanto, violentíssimos, eram ilegais mesmo dentro da lógica da legislação

autoritária vigente, utilizados com a conivência dos superiores hierárquicos, que não assumidos

publicamente para não indispor a opinião pública em relação à imagem das Forças Armadas.

Consequentemente, com esse sólido apoio lhe confere a implícita autorização de agir

clandestinamente, não necessitando prestar contas à sociedade nem à imprensa o que lhe

asseguraria grande liberdade de atuação.75

Cabe ressaltar que a OBAN não foi um órgão que atuava de forma isolada, pois

articulava-se com um vasto sistema de informações criado com a formação do SNI em julho de

1964, assim como aos serviços de informação das Três Armas: CIE (Centro de Informações do

Exército), CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) e o CISA (Centro de Informações

e Segurança da Aeronáutica).

A OBAN foi um projeto-piloto (experimental) que graças ao êxito obtido no combate às

organizações da luta armada, teve seu formato ampliado resultando na criação dos

Destacamentos de Operações de Informações- Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-

CODI), primeiramente em São Paulo e depois nas demais capitais do país. Embora não fossem

subordinados diretamente ao SNI, do ponto de vista administrativo-operacional, as informações

coletadas na OBAN e posteriormente no DOI, teriam de ser transmitidas ao SNI para que este

as sistematizasse assegurando a coesão do sistema, cuja base eram as “câmaras de tortura”

daqueles órgãos e o vértice, o próprio SNI.76

A OBAN tinha uma estrutura complexa apoiada em três eixos, partindo do Centro

de Coordenação: a) Central de Informações, que era composta por oficiais de informações de

75
JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem- Os interogatórios da Operação Bandeirantes e no DOI
de São Paulo (1968-1975).Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História Social da USP.
São Paulo, 2008, p. 34
76
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p.331
66
diversas unidades militares e responsável pela análise e tratamento de informes); b) Central de

Operações, formada por oficiais de operações de diversas unidades militares e que estavam

imbuídos das operações de combate; c) Central de Difusão, responsável pela ação psicológica

e controle de notícias vinculadas à segurança interna. O Centro de Coordenação era composto

pelos comandantes do II Exército, da 2ª Região Militar, da 2ª Divisão de Infantaria, do 6º

Distrito Naval, da 4ª Zona Aérea, do diretor do Departamento de Ordem Política e Social

(DOPS), do secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP), do superintendente da

Polícia Federal de São Paulo e do chefe da Agência de São Paulo do SNI, e portanto, recaía

sobre o comandante do II Exército toda responsabilidade das operações da OBAN.

2.4 A REPRESSÃO INSTITUCIONALIZADA: O DOI-CODI

O êxito da OBAN como projeto experimental no combate à oposição armada propiciou

que em setembro de 1970, a estrutura daquele órgão fosse incorporado ao organograma oficial

das Forças Armadas através de um decreto do general-presidente Emílio Garrastazu Médici e

desde então assume a denominação de Destacamento de Operações de Informação/ Centro de

Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do II Exército em São Paulo, comandado pelo então

major Carlos Alberto Brilhante Ustra. 77 O mesmo ato implementaria outros DOI em outras

capitais como Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre,

Fortaleza e Belém.

E apesar de serem a partir desse ato instituições oficiais e com dotação orçamentária

própria deixando a estrutura extralegal, há fortes indícios que o empresariado continuasse a

prover de recursos o aparelho de repressão. Alguns atuavam em nível local, restrito ao Estado

de São Paulo, enquanto outros mesmo de forma discreta atuaram em nível nacional. Em relação

à criação de órgãos semelhantes à OBAN e sua institucionalização em outros estados da

federação, tal fato nos remete a argumentar que se tratou de uma política de Estado, como o

comprova as Diretrizes para a Política de Segurança Interna, de julho de 1969, que já previa

essa medida. A continuidade do financiamento à repressão política, especificamente em São

Paulo, processou-se através do pagamento de uma “bolsa mensal” a agentes do Estado em

77
Ustra foi o primeiro comandante do órgão no período 1970-1974
67
contas em nome de ‘laranjas’ ou nomes falsos e pagamentos de ‘gratificações’ (prêmios) em

dinheiro em decorrência da prisão e do assassinato de militantes mais procurados, sendo esses

recursos oriundos de arrecadações entre vários civis, e articulado pelo Banco Mercantil de São

Paulo, o Sudameris e a empreiteira Camargo Correia, de propriedade de Sebastião Camargo.

Esses fartos recursos compunham a famosa “caixinha da OBAN/DOI”.78

Conforme aponta Mello (2012),dentre o empresariado paulista, a participação do Grupo

Ultra foi de grande destaque por intermédio da atuação do executivo Henning Albert Boilesen,

presidente da Ultragás, a maior empresa do grupo, cuja liderança exercida por ele na FIESP,

propiciou a colaboração de outros empresários de São Paulo no financiamento para a estrutura

da OBAN e ao DOI.79 Nesse sentido, podemos traçar um quadro da colaboração não só do

executivo, como também de outros empresários articulados como um grupo de apoiadores, a

partir de duas questões essenciais: o fato de que os depoimentos orais são bem específicos e a

memória que eles revelam, que se vinculam.

Tais depoimentos consideramos válidos e esclarecedores, pois ganharam relevância ao

exporem o fenômeno do financiamento empresarial através do documentário/filme Cidadão

Boilesen 80 , no qual autoridades, agentes da repressão e oficiais relatam o envolvimento de

empresários, sobretudo do presidente da Ultragás. Quando tratamos de apontar que o

financiamento da repressão por empresários operacionalizou-se como uma continuidade da

ação política de classe do bloco de poder, nos referimos à ameaça que as oposições,

particularmente a armada, representavam aos interesses das classes dominantes. Vale ressaltar

que o depoimento do ex-militante Carlos Eugênio da Paz que relata a descoberta por parte da

organização em que atuou, da presença de veículos da Ultragás, sobretudo caminhões, próximo

dos locais onde se realizaram prisões e/ou emboscadas contra militantes em São Paulo em várias

oportunidades, fazendo crer que não se tratava de simples “coincidência”.81

78
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014. Op. cit., p. 333
79
MELO, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado
paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969-1971. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2012, p. 41.
80
Cidadão Boilesen, longa-metragem, 92 minutos. Direção: Chaim Litewsky. Produção: Chaim
Litewsky e Palmares Produções e Jornalismo. Rio de Janeiro, 2008.
81
Idem.
68
3 O GRUPO ULTRA E A REPRESSÃO: O CASO BOILESEN

Neste capítulo pretendemos demonstrar a colaboração do Grupo Ultra com os órgãos de

repressão, materializado pela atuação do executivo Henning Albert Boilesen que se destacou

por ser o articulador no interior da FIESP, associação de classe na qual era um dos diretores e a

influência de sua liderança entre o empresariado paulista, foi determinante para que outros

empresários financiassem a OBAN e posteriormente o DOI-CODI. Tal colaboração se procedeu

com captação de recursos financeiros para a montagem desses aparelhos, como também

empréstimos de veículos, especialmente caminhões da Ultragás que era uma das empresas

componentes do grupo, para a captura sob a forma de emboscadas de militantes de esquerda,

segundo informação prestada por Carlos Eugênio Paz, ex-militante da Ação Libertadora

Nacional (ALN), em depoimento dado a Chaim Litewsky em março de 2001. Ainda segundo

Paz, não havia mais dúvidas por parte da organização quanto ao envolvimento de Boilesen com

a repressão, e por isso decidiu-se pelo seu assassinato.82

Vale ressaltar que esse fenômeno que é o objeto de investigação deste trabalho, não foi

uma ação isolada de um grande grupo econômico, pois se trata de uma continuidade de uma

ação política de classe de um bloco de poder composta pela elite civil e militar.Desse modo, o

tipo de Estado que se forja a partir do golpe civil-militar de abril de 1964, denominado por

Maria Helena Moreira Alves (1984) de Estado de Segurança Nacional, encontra consenso nas

reflexões de Ruy Mauro Marini (1978) que o conceitua de Estado de Contrainsurgência, a partir

da posição e do papel do Brasil na ordem econômica internacional.83

Marini faz uso dessa expressão para apontar que as ditaduras civis-militares na América

Latina, e particularmente no Brasil, são instrumentos de rearranjos do capitalismo mundial, cuja

maior potência são os EUA. O Estado de Contrainsurgência é um produto da contrarrevolução

latino-americana, pois apresenta-se como uma hipertrofia do Executivo, através de diversos

órgãos em relação aos demais poderes. Porém, não se trata de um elemento que o caracteriza

82
MELO, 2012. Op. cit., p. 54
83
MARINI, Ruy Mauro. El Estado de Contrainsurgência: intervención em el debate sobre “La cuestión
del fascismo em América Latina”, Cuadernos Políticos, México, Ediciones ERA, n. 18, octubre-
diciembre, 1978, pp. 21-29. Disponível em: http:/www.marini-
escritos.unam.mx/016_contrainsurgencia_es.html. Acesso em: 13/09/2017.
69
em relação ao Estado moderno capitalista. Tal distinção, pode ser apontada pela existência de

dois ramos de centros de decisão. Um deles é o ramo militar formado pelo Estado-Maior das

Forças Armadas, que tem sua base a estrutura vertical que lhe é própria, sendo o Conselho de

Segurança Nacional o órgão supremo de deliberações, no qual os representantes do ramo militar

estão interligados com os delegados diretos do capital e também por agências de inteligência,

as quais informam, orientam e preparam o processo para as tomadas de decisão. O outro é o

ramo econômico representados pelos ministérios ocupados por civis, particularmente a elite

empresarial, cujos postos-chave são ocupados por tecnocratas civis e militares. Nesse sentido,

o Conselho de Segurança Nacional é a área onde convergem os dois ramos, entrelaçam e

formam o ápice, o órgão-chave do Estado de Contrainsurgência.

Portanto, a partir destas considerações, Marini aponta a real estrutura do Estado de

Contrainsurgência , que contempla a aliança entre as Forças Armadas e o capital monopolista,

onde o processo de tomada de decisão se desenvolve fora da influência de outras instituições

que compõem o Estado burguês clássico, o Legislativo e o Judiciário. Tais instituições podem

ser mantidas em âmbito de ditaduras civil-militares como ocorreu no Brasil.84 De forma análoga,

Alves (1984) utiliza o termo coalizão civil-militar para referir-se a essa aliança.

Diante disso, podemos perceber que a colaboração de grupos econômicos paulistas

como o Grupo Ultra com a repressão, exprime essa aliança que objetivava o pleno

desenvolvimento de um modelo econômico que os beneficiasse. Conforme aponta Melo (2012),

errôneo seria argumentarmos que a atuação no caso específico de Boilesen, no financiamento à

OBAN e posteriormente no apoio material e de gratificações em dinheiro aos agentes do

DOI, fosse resultado somente da personalidade de um homem com um espírito ‘belicoso’ ou

violento típico de seu anticomunismo ferrenho, embora essas características tenham

influenciado as suas ações, no entanto, não é questão determinante. A questão central é a

preponderância dos interesses econômicos e empresariais.85

84
Idem.
85
MELO, 2012. Op. cit., p. 101-102
70
3.1 UMA BREVE HISTÓRIA DO GRUPO ULTRA

Para compreendermos o financiamento e colaboração do Grupo Ultra com os órgãos

repressivos da ditadura, consideramos importante discorrer brevemente acerca da história desse

grupo empresarial para demonstrar a relevância de sua atuação no cenário político brasileiro, e

seu processo de constituição como um complexo industrial caracteriza o poder de pressão e

coerção que detém os grandes grupos empresariais em relação à preservação de seus interesses

de classe.

Os primórdios de formação desse importante grupo empresarial remontam à década de

1920 por intermédio de seu fundador Ernesto Igel, imigrante austríaco nascido em 27 de

novembro de 1893, na cidade de Viena (na época capital do antigo Império Austro- Húngaro) e

atualmente capital da Áustria.

A história do Grupo Ultra cindi-se à própria trajetória de Ernesto Igel, que destacou-se

como um grande empresário. Ao chegar ao Brasil, vindo residir na cidade do Rio de Janeiro em

meados de 1920, começou a desenvolver sua atividade empresarial como gerente de negócios

de exportação no Brasil pela empresa Internationale Export e Import, cuja área de atuação era

a venda de materiais de acabamento ( construção) a artigos sanitários, de fogões e aquecedores

à gás a pianos e instrumentos musicais. E tinha como parceiro comercial o Instituto de Crédito

da Áustria que servia como base de sustentação da empresa sob a forma de financiamento das

operações de aquisição e venda das mercadorias.86

Porém, Ernesto Igel se depara com a primeira dificuldade em sua trajetória exitosa que

ocorre em 1923 com a falência do Instituto de Crédito da Áustria, o que impede a continuidade

das atividades da Internazionale ocasionado pelo corte dos financiamentos. Tal fato o leva a

reabrir uma antiga firma, a Ernesto Igel e Cia., que passa a expandir seus negócios ao acertar

contratos com importantes empresas, sobretudo alemãs, como a Junker, a Keramag, a

Norddeutsche e a Triton Belco. Além dos produtos com os quais trabalhava na Internationale,

86
GRUPO ULTRA. A história do Grupo Ultra – Marca de empreendedores. São Paulo: Editora
Prêmio, 1998, 160 p.
71
a Ernesto Igel e Cia. Inicia a venda de papel de imprensa importado da Finlândia, insumo de

grande carência no Brasil e este produto torna-se um negócio altamente rentável.

Em decorrência disso, expande ainda mais suas atividades e funda filiais da empresa na

cidade de São Paulo e outras cidades, se consolidando como um promissor empresário que

poderia competir pela liderança do mercado brasileiro com outras empresas de mesmo setor de

atividade, e nesse sentido amplia seu mercado ao adquirir a fábrica de fogões Zenith que

operava na capital paulista.87

Com a ascensão do nazismo na Alemanha, Igel teve dificuldades nos negócios porque

as empresas alemãs que eram suas fornecedoras, foram pressionadas pelos líderes nazistas a

suspender os contratos e relações comerciais com representantes judeus dentro e fora do

território alemão e Ernesto Igel foi atingido por suas origens judaicas. Em razão disso,

foi obrigado a desenvolver atividade relacionada ao investimento em gás engarrafado,

experiência que fora conhecer nos tempos em que esteve na França visitando as unidades da

Standard Oil e da Anglo Petroleum que já desenvolviam essas atividades.

No entanto, em seu retorno ao Brasil, deparou-se com um impasse que envolvia a falta

de capital para investir e como captá-lo. Esse impasse resolveu-se em consequência de um fato

histórico que o estimulou: a explosão do dirigivel Hindenburg quando pousava perto de Nova

York, ao final do trajeto entre a Alemanha e os EUA. Construídos pela companhia alemã

Zeppelin, esses dirigíveis realizavam rotas para a América do Sul pousando no Recife em

Pernambuco e no Rio de Janeiro.

O acidente com o Hindenburg causou a suspensão completa de suas operações e a

companhia, resolve levar de volta à Alemanha cerca de 6 mil cilindros de gás butano estocados

na base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Ernesto Igel percebeu a oportunidade de investimento,

e propõe à companhia a compra dos cilindros pelo preço de custo do transporte deles à

87
Ibidem, p. 14-29
72
Alemanha, que após aceitação do negócio, já se inicia os processos de engarrafamento de gás e

sua entrega aos primeiros clientes.88

A fase seguinte em sua trajetória se inicia em 30 de agosto de 1937, quando é assinado

o contrato social da Empresa Brasileira de Gás a Domicílio Ltda. e seu registro em 24 de

setembro no Departamento Nacional de Comércio e Indústria, sediado no Rio de Janeiro. A

empresa detinha um capital de 200 contos de réis oriundo da venda dos últimos estoques de

produtos alemães.

Igel enfrentou problemas de ordem industrial, técnica e financeira no início das

atividades que envolviam o negócio e a resistência dos clientes ao uso do gás engarrafado,

causada pela desconfiança em relação à segurança do uso quanto à regularidade do

fornecimento do gás. Problemas que foram resolvidos principalmente, pela contratação de um

técnico argentino, Cacildo Pozzi, da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), que

proporcionava o atendimento às necessidades de empresa em relação ao engarrafamento de gás

e também a associação com Otto Uebele, industrial alemão radicado em São Paulo, que

garantiu o fornecimento dos fogões e aquecedores adaptados ao uso do gás engarrafado.

Para ampliar as vendas, foram lançadas campanhas publicitárias em jornais e revistas

sobre o Ultragaz, o gás engarrafado ou o Ultragaz, o gaz que viaja. Com marketing bem

elaborado, esses slogans contribuíram para que as primeiras vendas pudessem ocorrer, e fixou

a marca Ultragaz.

A empresa passa contar com a aquisição de vários colaboradores graças às boas relações

mantidas de Ernesto Igel no meio empresarial, dentre estes, o industrial Max Mangels que era

o primeiro a produzir botijões para gás no Brasil. Embora o crescimento da empresa de Igel

fosse lento no início de 1938, não tardou a desenvolver-se rapidamente quando é criado um

sistema modelar de armazenamento, engarrafamento e distribuição de Gás Liquefeito de

Petróleo (GLP) no Brasil.

88
Ibidem, p. 33
73
Tal crescimento foi consequência da contribuição de novos colaboradores incorporados

às atividades da empresa, graças às boas relações da esposa de Ernesto Igel, Margarida Igel, por

intemédio das aulas de dança que ministrava no Tijuca Tênis Clube e dos eventos promovidos

por ela em sua associação denominada Pró Arte.

Esses dois fatores propiciaram a Ernesto Igel a mudar o nome da empresa para

“Companhia Ultragaz Sociedade Anônima” no dia 26 de setembro de 1938, com um capital de

2 mil contos de réis e com maior número de sócios. Nomeou como dirigentes da nova empresa,

Odilon Braga, senador e ex-ministro da Agricultura para assumir a presidência, o próprio

Ernesto Igel assume como diretor-gerente. Também compunham a diretoria e sociedade com

Igel, o jornalista Heitor Beltrão, presidente do Tijuca Tênis Clube, e mais tarde integrante do

Conselho Fiscal da empresa, os advogados Otto Gil e Sérgio Darey e o também ex-ministro

João Neves da Foutoura.89

A Ultragaz teria como fator de sustentação em seus primeiros tempos, a importação de

gás dos EUA através da venda pela Shell, sendo o produto armazenado em grandes cilindros e

carregados em navios que partiam de Nova Orleans e desembarcando nos portos do Rio de

Janeiro e de Santos. Com a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial em 1941, a

Ultragaz teve reduzido seu fornecimento de GLP, devido à prioridade norte-americana de

investimento no campo militar, e em razão disso teve de buscar outras formas de fornecimento

quando reatou relações com a YPF e das relações de Odillon Braga com o governo argentino.

Ernesto Igel conseguiria garantir fluxo de GLP suficiente por intermédio da refinaria

de Comodoro Rivadavia, que operava no sul do país. Isso alavancaria seu crescimento tornando

ao gás engarrafado uma “utilidade pública” mesmo sendo um serviço de caráter privado. Pode

estender sua área de atuação em torno do Rio de Janeiro ( Petrópolis, Teresópolis e Niterói), no

estado de São Paulo (além da Capital, Santo André, Campinas, Ribeirão Preto) e outras capitais

como Salvador e Porto Alegre.

89
Ibidem, p. 37-43
74
As expectativas de expansão do capitalismo mundial, sobretudo norte-americano, se

confirmaram com reflexos diretos na economia brasileira e em particular, no setor de

distribuição de GLP. O crescimento rápido da Ultragaz iria ocorrer entre a segunda metade dos

anos 1940 e o início dos anos 1960, na qual especificamente em 1961, o número de

consumidores atinge o patamar de 1 milhão favorecido pelo acelerado crescimento da

população urbana, aumentando a demanda no fornecimento de gás.

A criação da Petrobrás em 1953 durante o governo Vargas contribui definitivamente para

alavancar o crescimento da Ultragaz e consequentemente a constituição de um complexo

industrial como o Grupo Ultra. A empresa estatal impulsionou o setor de petróleo e derivados,

proporcionando à Ultragaz a não mais importar GLP dos EUA e investir na criação de outras

empresas. A Ultragaz definitivamente tornara-se a maior empresa de comercialização de GLP

do país e sua experiência serviu como referência técnica e empresarial para todo setor.90

Ernesto Igel decide transferir a direção da Ultragaz e demais empresas para seu filho

Pey Igel, passa a atuar na filial de São Paulo, enquanto o pai permanecia no Rio de Janeiro. A

troca de comando da Ultragaz estava consolidada em 1959.

A partir da energia do gás, Pery Igel assume o comando da empresa e começa a construir

nos anos 60 um conglomerado industrial, ao expandir sua atuação do gás para petroquímica,

engenharia, informática, agropecuária, transporte e armazenamento constituindo o Grupo Ultra,

um dos maiores grupos empresariais do Brasil.

Tal fato esteve vinculado à conjuntura brasileira e internacional, particularmente no que

diz respeito às transformações de ordem econômica, política e social ocorridas no Brasil entre

o final da década de 50 e no início da década de 60. O Rio de Janeiro deixara de ser a capital

do país e também o principal pólo econômico quando Brasília recém inaugurada em abril de

1960 torna-se a nova capital com o objetivo de promover a integração e desenvolvimento no

planalto central.

90
Ibidem, p. 51-54,
75
Assim como a cidade de São Paulo já despontava como novo centro econômico do país

devido ao rápido crescimento populacional tornando-a maior cidade do Brasil e na qual, já se

encontrava a maior concentração de indústrias em sua região metropolitana em expansão, com

empresas nacionais e multinacionais responsáveis por mais da metade da produção industrial

do país. Esses fatores influenciaram na decisão de Pery Igel em deixar o Rio de Janeiro e fixar-

se em São Paulo que proporcionou rápida expansão devido ao rítmo da da cidade e ao maior

número de clientes que se utilizavam dos serviços prestados pelo Grupo.

No final de 1969, o Grupo já era um complexo formado por 36 empresas, sendo a maior

delas a Ultragaz, seguida da Ultralar e a Ultrafértil. 91 Até os dias atuais, o Grupo Ultra

permanece como um dos maiores grupos empresariais brasileiros que nas últimas quatro

décadas, expandiu-se ainda mais mesmo em tempos de crises periódicas do capitalismo que

tiveram reflexos diretos na econômia brasileira, mas as superou graças a eficiência da

administração de Pery Igel, de seus administradores e das políticas protecionistas do Estado

brasileiro.

3.2 O PERSONAGEM-SÍMBOLO DA COLABORAÇÃO: O COMPLEXO BOILESEN

Compreender a ação de uma pessoa sobre uma realidade requer conhecermos sua

personalidade, motivações, opções, e o ser humano carrega em si uma dada complexidade.

E o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, não era exceção. Dinamarquês que

se naturalizou brasileiro, adaptando-se rapidamente ao Brasil, encontrou condições de ascender

socialmente, embora não fosse de família pobre. Segundo o depoimento do advogado e escritor

Per Johns para o documentário Cidadão Boilesen, o dinamarquês absorveu o Brasil dentro de

si.92

Ainda segundo o documentário, Boilesen desenvolvia uma personalidade dúbia desde

os tempos de infância em Copenhague, manifestando uma irregularidade em relação aos

estudos na escola que cursara as séries iniciais. Para a sua mãe, Henning era uma pessoa boa

91
Ibidem, p. 55-94
92
Cidadão Boilesen, longa-metragem, 92 minutos, direção: Chaim Litewsky, Produção: Chaim
Litewsky e Palmares Produções e Jornalismo, Rio de Janeiro, 2008.
76
que costumava ajudar o próximo, no entanto, na escola demonstrava uma atitude estranha, pois

um fato ocorrido na instituição chamou atenção para esse comportamento nada ‘convencional’

de Boilesen.

Uma de suas professoras relato um episódio em que algumas crianças se envolvem em

um conflito, no qual Boilesen não estava envolvido. As crianças foram punidas e ele próximo

observava demonstrando prazer em ver os colegas serem penalizados, atitude que chocou os

professores. Podemos perceber que já eram os primeiros sinais de um lado obscuro do futuro

presidente da Ultragaz, que ele não conseguia controlar ou talvez não quisesse.93

O seu assassinato contribuiu para levantar uma questão importante, que refere-se ao

nível do apoio e do envolvimento de empresários com o aparelho repressivo e quais eram os

limites dessa colaboração. À medida que tomava consciência da conjuntura política

internacional e nacional, Boilesen adquiria consciência acerca do futuro do país e qual rumo ele

deveria seguir. Alinhado com os EUA e defensor do capitalismo, manifesta-se contrário à

URSS e ao ‘comunismo’.

No seu círculo de relações com a burguesia paulistana, buscava omitir ou esconder sua

forma conservadora e reacionária de percepção da realidade, demonstrando um perfil alegre,

bem-humorado, que atraía todos com sua liderança e inteligência, admirado como bom pai e

cidadão importante preocupado com a juventude e o futuro do Brasil.

No entanto, apoiou o golpe civil-militar de 1964 e logo após a instauração da ditadura,

passa a inquietar-se com as movimentações da esquerda. Como anticomunista convicto fez a

opção de combater aqueles que ameaçavam a ‘democracia’, as instituições e a família, e

encontrou outros ‘homens de bem’ que como ele compartilhavam da mesma tarefa.

Empresários, jornalistas, intelectuais, políticos e por isso entendia que o empresariado

nacional e particularmente o paulista, tinha um papel importante: colaborar com o Estado de

93
Idem.
77
Contrainsurgência para derrotar o terrorismo e a subversão, afinal, os grandes grupos

econômicos eram os grandes beneficiários e apoiadores da ‘Revolução de 1964’.94

Boilesen não se diferenciava de outros empresários e executivos que colaboravam, como

o banqueiro Gastão Vidigal, cuja atuação extrapolava os limites de São Paulo, ou Delfim Netto,

o ministro da Fazenda que tornou-se uma referência entre os economistas, pois o que os unia

era um anticomunismo e a defesa de um sistema político forte e no qual não a esquerda não

tivesse espaço, assim como defendiam uma política econômica voltada para a acumulação de

capital e o desenvolvimento de um capitalismo dependente e associado.

Os três admitiam a tortura como um ‘mal necessário’ e Boilesen era daqueles que

colaboram financeiramente e materialmente para que órgãos repressivos como a Oban e

posteriormente o DOI-CODI operassem.

Importante ressaltar que mesmo com toda a relevância da sua atuação como um dos

articuladores do financiamento a repressão política e sua liderança como executivo de um

grande grupo econômico como o Ulstra, e presidindo a maior empresa deste que é a Ultragaz,

suas referências se perderam no tempo. Não constam dos registros do Grupo Ultra e nem da

FIESP o nome de Boilesen.

Ainda em relação do Grupo Ultra, recentemente foi publicado um livro relatando a

história do grupo, no qual é ignorada a figura de Boilesen mesmo sabendo-se da importância

dele na constituição do grupo como também da Ultragaz, empresa que ele chegou a assumir a

presidência.95

O esquecimento que Boilesen foi relegado deve-se ao seu justiçamento96 que legitimou

sua culpa, confirmando as suspeitas que recaíam sobre ele. Quando se desenrolou o processo

de abertura política, a história do executivo foi apagada da memória definitivamente. Ele

94
MELO, 2012. Op. cit., p. 123-124
95
O livro A história do Grupo Ultra- marca de empreendedores (1998) dedica quase exclusivamente à
trajetória de seu fundador Ernesto Ygel e de seu filho Pery Igel continuador do projeto do pai, cindida
na própria constituição do Grupo e da Ultragaz, sem mencionar o nome de Boilesen como amigo e um
dos maiores dirigentes do grupo comandado por Pery Igel, a partir de 1969.
96
Termo utilizado pelas organizações de esquerda para se referir à eliminação daqueles que colaboravam
com a ditadura e/ou órgãos de repressão, no caso, os empresários, assim como agentes de repressão que
praticavam torturas, considerados inimigos do povo.
78
tornara-se um símbolo e a prova concreta do apoio efetivo de grupos empresariais com a

ditadura civil-militar e seu aparelho repressivo e à tortura.

Nesse sentido, a menção de Boilesen nos registros do Grupo Ultra, incluindo-se aí o

livro que relata a trajetória do grupo, poderia ‘manchar a reputação’ de um importante complexo

empresarial que até hoje lidera o setor de armazenamento, distribuição de GLP, dentre outras

atividades e portanto, a imagem da família Igel não estaria vinculada a um personagem que

colaborava com torturas.

3.3 O ENVOLVIMENTO DIRETO COM A REPRESSÃO POLÍTICA

Conforme apontávamos anteriormente, a colaboração de Henning Albert Boilesen

representante/executivo de um grande grupo empresarial como o Ultra não pode ser atribuída

somente como resultado de sua personalidade, embora fora elemento que influenciou suas

opções políticas, o que preponderou foram os interesses econômicos em face de um projeto de

desenvolvimento bem definido. Nesse sentido, discorreremos acerca do processo que insere

Boilesen na política brasileira.

Sua ascensão na Ultragaz coincide com o processo de consolidação do bloco

multinacional e associado que objetivava o controle do Estado e a participação política do

futuro executivo, inicia-se no período pré- 64 quando teve participação destacada como um

ativo militante do IPES, na conspiração civil-militar que derrubou João Goulart da presidência

da República. Sua militância política acompanhou seu crescimento como homem de negócios

devido a sua formação técnica em Cursos de Administração de Empresas, de Contabilidade

Industrial e no Instituto de Ensino, Comércio e Indústria, em Copenhague, Dinamarca , sua

terra natal, que lhe propiciou ocupar diversos cargos em grandes empresas no Brasil, e

particularmente na Ultragáz, alcançando o posto de presidente.97

Após a instauração do Estado de Segurança Nacional, segundo depoimento do ex-

governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, o executivo continuou a colaboração

97
Segundo informações veiculadas no documentário Cidadão Boilesen, entre 1942 e 1950, o executivo
ocupou o cargo de Chefe de Contabilidade na multinacional Firestone do Brasil; de 1951 a 1952
desempenhou o cargo de Diretor-Administração e Vendas na fábrica Dantop e de 1952 até 1971, ocupou
diversos cargos na Companhia Ultragaz, empresa do Grupo Ultra, chegando à presidência.
79
empregando ações violentas com um grupo armado contra os comunistas e também na forma

de arrecadação de recursos na montagem de um aparelho de repressão, passando a ser uma

pessoa notória, processo em que era um dos articuladores entre o empresariado paulista na

conjuntura pós-68. Sua atuação extrapolou as fronteiras do país, por ser um industrial influente

principalmente nas fileiras da FIESP, ao cumprir algumas missões semi-oficiais para o governo

civil-militar.

Importante considerarmos que embora o período da ação de Boilesen tenha sido curto

em virtude de sua morte não seja o mais relevante, pois tratou-se de interromper seu

envolvimento com a repressão, a questão central refere-se à conjuntura política entre 1969-

1971, marcada pelo fenômeno conhecido por “milagre brasileiro” em que a economia brasileira

obteve expressivo crescimento até 1973, que propiciou ao parque industrial e outros setores de

atividade acumulação de capital em decorrência da política econômica adotada, conferindo de

forma particular ao Estado de São Paulo o maior índice do Produto Interno Bruto (PIB) entre

os estados brasileiros e esse foi um dos fatores determinantes para que o Estado de

Contrainsurgência acionasse o empresariado paulista para financiar a Oban.

A colaboração pode ser entendida por uma ação integrada na qual empresários e

militares buscavam responder, de forma rápida e definitiva, à subversão que se tornou um sério

obstáculo à implantação e consolidação de um projeto de desenvolvimento. Projeto alinhado

com os interesses do capitalismo internacional, assentando sua base em um sistema político-

econômico-ideológico e ocultado por uma pseudo-democracia de modelo ocidental e ‘cristão’,

com extremo controle sobre a população e no qual não haveria espaço para comunistas.

Uma destas missões confiadas a Boilesen foi pressionar o comitê do prêmio Nobel em

Oslo para votar contra a candidatura de D. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife. Essa

informação foi veiculada pela TV norueguesa Nowergian Broadcasting Corp ( NRK-TV) na

exibição de um documentário sobre o próprio comitê. Uma provável vitória do arcebispo ao

prêmio Nobel da Paz desagradaria ao governo brasileiro, pois D. Helder era um opositor do

Estado de Contrainsurgência. A razão central para a manobra no intuito de provocar a derrota

do arcebispo, seria um dossiê encaminhado ao comitê do Nobel através de Boilesen, que dentre

80
outros documentos, mostrava uma foto de D. Helder na sua época de juventude, fazendo um

discurso em um ato político da Ação Integralista, o que causou a sua derrota. Podemos

considerar bem contraditória a acusação/argumento por parte do Estado de que o arcebispo era

um homem de extrema-direita e não de esquerda.98

Outra participação decisiva de Boilesen foi o financiamento do golpe de Estado na

Bolívia, que derrubou o presidente Juan Torres em 1971. Devido à larga experiência no IPES,

articulou um grupo de empresários e militares brasileiros e bolivianos através de um “Centro

de Estudos Latino-Americanos”, sediado na cidade de São Paulo, seguindo um modelo

semelhante ao IPES. Além de Boilesen, compunham esse grupo conspirador Oscar Barrientos

- advogado e primo do ex-presidente boliviano Rene Barrientos Ortunho, Mário Bush -ex-

oficial da Wehrmacht e ex-agente do serviço de Controle Político Boliviano, o general Hugo

Betthelem - ex-adido militar na Bolívia, grandes empresários bolivianos. Vale ressaltar que

Boilesen e o empresário boliviano Ugarte eram os principais financiadores do Centro, sendo

que Barrientos tinha o papel de manter contatos com os oficiais do II Exército do Brasil (com

sede em São Paulo, pois este tinha jurisdição dos territórios fronteiriços à Bolívia) e com o

SNI.99

Embora não existam documentos como livros-caixa, lista de colaboradores ou recibos

de pagamentos que comprovem o envolvimento de Boilesen com a repressão, depoimentos de

ex-agentes e autoridades civis mostram claramente a sua intervenção na estruturação da OBAN

e a famigerada ‘caixinha’ aos agentes . Os depoimentos mais elucidativos que podemos destacar

do ex-delegado do DOPS José Paulo Bonchristiano, que afirma ter conhecido o executivo e

confirmando ser ele um anticomunista ferrenho, integrante de um grupo de empresários que

resolveram colaborar com a OBAN e posteriormente ao DOI, em decorrência do temor que

assombrava as classes empresariais diante da possibilidade de um governo comunista ser

instalado caso a luta armada obtivesse êxito. Nesse sentido, podemos afirmar convictamente

98
Em sua época de juventude, D. Helder foi integralista, no entanto, na segunda metade do século XX
após a legalização do Integralismo, o bispo abandonou a ideologia e passou a ser democrata-
progressista.
99
MELO, 2012. Op. cit., p. 41
81
que se tratava da manutenção e salvaguarda dos interesses corporativos e econômicos de

classe.100

Outro depoimento contundente que mostra a colaboração e também o envolvimento

direto de Boilesen com as atividades da OBAN, foi dado pelo coronel reformado do Exército e

atualmente pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, Geraldo Cavagnari ,em

uma entrevista concedida a Melo (2012) e Chaim Litewsky em janeiro de 2005 em Campinas.

Segundo Cavagnari, o capitão Benone de Arruda Albernaz, notório torturador, lhe afirmou que

Boilesen o acompanhava até as dependências da OBAN e posteriormente ao DOI. Declaração

esta ocorrida em 1972, inclusive Albernaz conta em detalhes que o executivo o apanhava em

casa para juntos irem ao órgão. No entanto, declara que no dia em que Boilesen foi assassinado,

escapou de ser morto juntamente com ele por uma simples razão: teve que dispensar a ‘carona’

porque tinha problemas particulares a resolver.101

Autoridades civis também confirmam a participação de Boilesen com o golpe de 1964,

como o ex-governador de São Paulo Paulo Egydio Martins cujo mandato esteve compreendido

entre 1975 a 1979. Este afirma que Boilesen coordenou um grupo de empresários golpistas para

colaborarem no financiamento do II Exército, para que tivesse condições de enfrentar o III

Exército (sediado no Rio Grande do Sul) que se posicionou contra o golpe sob a influência de

Leonel Brizola, governador gaúcho, e se preparava para resistir à conspiração. Tal resistência

foi abandonada em virtude do pedido de Goulart, temendo a possibilidade de um “banho de

sangue”. Martins afirma que os recursos empresariais seriam importantes, já que o II Exército

estava sem condições porque não possuiam equipamentos e materiais necessários. Então, o

grupo de empresários articulado pelo presidente da Ultragaz reequipou seu aparato.102

Outros depoimentos importantes que comprovam a iniciativa militar em montar a

estrutura repressiva da OBAN com a colaboração do empresariado paulista, dentre eles,

Boilesen, foram concedidos pelo ex-major e coronel reformado do Exército, Carlos Alberto

Brilhante Ustra, que comandou o DOI-CODI/SP entre 1970 e 1974 no documentário Cidadão

100
Ibidem, p. 48-49
101
Ibidem, p. 51-52
102
Ibidem, p.57
82
Boilesen e pelo general Arthur Moura ex-adido militar dos EUA no Brasil, confirmam que os

militares por não terem recursos apelaram para o setor privado, sobretudo as multinacionais,

para que colaborassem financeiramente no combate à “subversão e ao terrorismo”.103

Outro personagem de destaque nos meios militares e que também estreitou relações com

Boilesen, o ex- coronel Erasmo Dias, um dos influentes militares da chamada ‘linha dura’ do

regime. Ele argumenta que a colaboração do executivo e de empresários não se desenvolveu

por iniciativa deles. Sustenta que no contexto que a oposição armada realizava ações cada vez

maiores, o Estado de Segurança Nacional percebe que não possuia estrutura adequada para

combatê-las justamente por falta de recursos. Sendo assim um problema estrutural, a solução

encontrada foi recrutar/convocar o empresariado, sobretudo paulista, alinhado com o regime

para colaborar com a organização de uma estrutura de aparato repressivo que desarticulasse a

luta armada que havia se deflagrado.104

A convocação de empresários para colaborarem com a montagem de um aparato

repressivo, demonstra claramente a convergência de interesses de classe em relação ao modelo

de desenvolvimento em curso no País. Tal colaboração propiciou um dinamismo que contribuiu

para o êxito da escalada repressiva, não somente com o dinheiro doado, como também com

recursos materiais como veículos, equipamentos. Neste aspecto, Boilesen destacou-se por ter

se exposto mais que os seus pares devido não somente à personalidade forte que ele tinha, mas

através dos materiais que fornecia à OBAN, específicamente os veículos da Ultragáz, para

realização de operações clandestinas, nas quais esses recursos cumpriam o papel de elementos

cenográficos para montagem de emboscadas aos militantes das organizações armadas, cujo

intuito era geralmente a eliminação física deles e não a detenção. Trata-se de apoio político

selado através de verbas e equipamentos.

Não podemos entender a colaboração em si mesma, ou seja, como apenas uma tática

estratégica para acelerar a montagem de um aparelho repressivo, que ampliasse a estrutura já

existente vinculada ao SNI, para garantir eficiência em suas operações.Deve ser entendida pelo

103
Cidadão Boilesen, Brasil, 2009.
104
MELO, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empresariado
paulista à Oban/ Operação Bandeirantes, 1969-1971. Niterói, 2012, p. 61.
83
contexto mais amplo a fim de evitarmos reducionismos. Embora o empresariado nacional tenha

contribuído com a formação do Estado de Contra-insurgência, foi no estado de São Paulo,

especificamente em sua capital, que desenvolve-se o financiamento de um órgão repressivo e

operacional como a OBAN por intermédio do empresariado paulista, fato que se deve a posição

do estado de São Paulo como o mais desenvolvido e rico do país, que na época detinha o maior

índice do PIB brasileiro, como também o lócus onde se deflagra o início das mobilizações de

massa, a mudança de posicionamento da Igreja Católica e a luta armada no Brasil, propiciando

um pretenso protagonismo de ser transformado em ‘laboratório’ da violência política que

devido à eficiência de suas operações (de caráter clandestino), ser extendido posteriormente seu

formato a outros estados sob a célebre sigla DOI-CODI. Nesse cenário, somente é possível

entender a ação de Boilesen e demais colaboradores/ financiadores como partícipes de um

projeto de desenvolvimento que já estava em curso.

No entanto, importante destacarmos que não foram somente empresários paulistas que

colaboraram com a repressão. Grandes grupos empresariais de outras regiões do País também

forneceram recursos materiais e financeiros, podemos citar as propriedades particulares que

serviram de locais de cárcere privado, torturas, assassinatos e desaparecimentos de

opositores.105

Vale ressaltar, do ponto de vista operacional, a ligação da OBAN com uma organização

também clandestina como o Esquadrão da Morte não se configurou um fenômeno meramente

casual. Trata-se que essa ligação evidencia uma relação perigosa entre Estado, empresários e o

aparato repressivo que analisando-se a partir da transferência do operacional para o pragmático,

entendemos como investimento em uma das áreas mais prioritárias do projeto de poder e o

símbolo dessa ligação foi o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury e portanto, uma política

105
Na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), as instalações da Usina Cambahyba de propriedade da
família de Heli Ribeiro Gomes, ex-governador do estado, foram cedidas a repressão para incineração
de corpos de presos políticos assassinados. Informações prestadas pelo ex-delegado do DOPS/ES,
Cláudio Guerra, em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros contido no livro
Memórias de uma guerra suja. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012. Em Petrópolis (RJ), o empresário
alemão Mário Lodders cedeu uma casa ao CIE (Centro de Informação do Exército), a qual foi
intitulada de Casa da Morte, e de onde somente restou uma militante sobrevivente devido a um erro
de organização dos militares, pois não deveria haver sobreviventes.
84
de Estado.106 Por outro lado, entre os militares que argumentam que foram os empresários que

tiveram a iniciativa de colaborar com a montagem da OBAN, predomina o raciocínio que estes

deteriam o comando da repressão e as decisões do órgão e cabendo aos militares a atuação

‘operacional’, ignorando a coordenação do CODI e sua ligação direta com o SNI configurando

uma rede repressiva complexa.

Seguindo uma lógica maniqueísta, o ‘mal’ seriam os empresários e os comandos

militares apenas lacaios que estariam cumprindo suas determinações, como se a classe

empresarial detivesse um nível de autonomia em relação ao Estado de Contrainsurgência. Os

militares nutriam uma utopia autoritária, segundo a qual acreditavam que poderiam eliminar

quaisquer dissenções como corrupção, comunismo, subversão, considerando a inserção do

Brasil na ordem econômica mundial, ideologia que embasava o projeto de desenvolvimento

econômico em curso e que era convergente com as premissas da Doutrina de Segurança

Nacional. No entanto, esse elemento nos ajuda a entender em parte a contradição de tal

argumento.107

Contudo, a maioria dos depoimentos colhidos de militares ligados à repressão e

autoridades civis são elementos contudentes que não deixam dúvida acerca da iniciativa do

Estado em instaurar órgãos repressivos como a OBAN e convocar o empresariado para

colaborar na sua infraestrutura. O apoio incondicional de Boilesen contribuiu para derrubar

barreiras e abrir portas para viabilizar os negócios como também aproximá-lo do núcleo de

tomada de decisão.

O envolvimento de Boilesen com o aparelho repressivo desenvolveu-se por um período

curto (1969-1971) em virtude de seu assassinato, todavia, sua atuação como executivo de um

grande grupo econômico como o Ultra e que assumia uma posição de liderança no meio

empresarial paulista, de certa forma facilitou a construção de sua imagem como um agente da

CIA, torturador, financiador da ‘caixinha da OBAN’, trabalhada pela esquerda. Ao ser morto,

Boilesen transforma-se em símbolo da colaboração empresarial, embora evidências indicam

106
MELO, 2012. Op. cit., p.87-88
107
Ibidem, p.99
85
que um número considerável de empresários contribuiam materialmente com o órgão e de

forma discreta, diferentemente do executivo que se expôs e encarna para a repressão como seu

herói.

Banqueiros como Amador Aguiar, presidente do Bradesco e Gastão Eduardo de Bueno

Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo) atuaram ostensivamente para reforçar o caixa da

Oban, doando 110 mil dólares em conhecido banquete organizado pelo ministro Delfim Neto

no Clube São Paulo demonstrando a iniciativa do Estado em apelar para o setor privado nacional

e multinacional. Empresas como Ford, General Motors, Volkswagen forneciam veículos para

as operações de sequestro de militantes, além de outras multinacionais como a Nestlé, Siemens,

Light que colaboraram com recursos financeiros e equipamentos e a arrecadação contava com

o apoio da FIESP, por meio do seu presidente Theobaldo de Nigris, que cedia salas para as

palestras do ministro Delfim Netto com empresários nas reuniões as quais finalizavam com as

doações de recursos.

Difícil afirmarmos qual a amplitude da atuação de Boilesen na colaboração financeira e

material à OBAN e ao DOI. Além dos raros documentos comprobatórios elaborados pelo

Estado, o registro feito por militantes sobreviventes da presença de veículos da Ultragáz

próximo a locais onde ocorreram prisões ou emboscadas a opositores, aliado aos depoimentos

de militantes presos que confirmam suas visitas aos órgãos repressivos, foram justificativas para

seu justiçamento. Um desses documentos foi descoberto recentemente pela Comissão Nacional

da Verdade, elaborado pelo Departamento de Estado dos EUA, datado de 15 de abril de 1971,

que aponta a colaboração do executivo com a OBAN e faz referências ao seu assassinato,

demonstrando que o governo norte-americano tinha conhecimento da prática de torturas no

Brasil.108

A colaboração do Grupo Ultra não se restringia apenas a uma de suas empresas, no caso,

a Ultragáz presidida por Boilesen, como também a Supergel que produzia refeições congeladas

abastecia a carceragem da OBAN e o do DOI conforme denúncia transcrita no jornal

108
Ver documento no anexo
86
Venceremos (órgão da organização clandestina Ação Libertadora Nacional) de

setembro/outubro/novembro de 1971:

A ‘Produtos Alimentícios Supergel S.A’, indústria de alimentos pré-cozidos,


foi fundada em 1967 por um interessante grupo de personagens : PERY IGEL
(Grupo ULTRA, ULTRAGÁZ, ULTRALAR e ULTRAFÉRTIL), Roberto
Campos ( Invest Banco e Univest) e Sebastião Camargo (Construtora
Camargo Correia). Sua produção destinou-se desde o início às forças
armadas. Existe uma característica comum entre os três supracitados
cavalheiros: todos financiam a repressão policial da ditadura, pagam os
carrascos da OBAN e dão prêmios de milhões de cruzeiros por cada
guerrilheiro assassinado. Além dessa característica que os une, existe uma
outra: os três são testa-de-ferro do imperialismo norte-americano. Assim
para denunciar ao povo brasileiro seus verdadeiros inimigos, na manhã do
dia 27 de outubro, um comando da Ação Libertadora Nacional imobilizou a
guarda de segurança da empresa, ocupou seus escritórios, espalhou gasolina
e fez explodir uma bomba. O incêndio provocado foi violento: os escritórios
tiveram de ser interditados e foram destruídos o relógio de ponto e a mesa
do PBX. A guerrilha sabe quem são os inimigos do povo.109
Ao ser escolhido como alvo de um justiçamento pela esquerda revolucionária,

Boilesen transforma-se em um símbolo da colaboração empresarial e isto é pleno de significado.

O executivo ostentava opiniões claras sobre o projeto de desenvolvimento ‘ideal’ para o país

que ele adotou, e portanto, defendia explicitamente o capitalismo e como liberal alinhava-se

aos EUA, em oposição à União Soviética e o Comunismo. Este também era a posição político-

ideológica dos demais empresários que colaboraram com o aparato repressivo, desde a

preparação do golpe de 1964. Podemos afirmar categoricamente que a OBAN e o DOI foram

uma reedição da coalizão civil-militar que se formou no período pré-64.110

A violenta morte de Boilesen pela via do justiçamento comprova sua culpa e confirma

as suspeitas de que colaborava com os órgãos de repressão, primeiro a OBAN e depois o DOI,

atuação que teve curta duração entre 1969 e 1971. Era unanimidade entre o empresariado

paulista o discurso de que o executivo do Grupo Ultra, representava a prova concreta do apoio

efetivo não somente à ditadura civil-militar, como também do aparelho repressivo e à tortura.

Esse apoio se sustentava em função de que se estava em jogo um projeto de desenvolvimento

109
COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DE SÃO PAULO. A participação dos empresários no
financiamento da Oban. Relatório – Tomo I – Parte I – O financiamento da Repressão, 2015, p. 9
110
MELO, 2012. Op. cit., p. 125
87
muito específico em curso, do qual as classes burguesas se beneficiariam, tornando necessária

a brutal repressão a toda forma de oposição, sobretudo armada.

Argumentamos também que a partir da maioria dos depoimentos dados por agentes do

Estado, autoridades civis e os raros documentos encontrados, principalmente os que se referem

ao envolvimento de Boilesen com a OBAN, comprovam que a iniciativa da montagem da

estrutura de órgãos repressivos, parte do Estado de Contrainsurgência que convoca o

empresariado paulista para colaborar financeira e materialmente, o que solidifica a aliança

outrora estabelecida no período pré-64, com o objetivo de garantir a vigência do modelo

econômico.

As organizações armadas ao justiçá-lo demonstram que a luta contra o Estado de

Segurança Nacional não era a efetivação de uma resistência com o objetivo de restaurar a

‘democracia’, e sim de construir de um projeto de sociedade através de uma revolução socialista

que inaugurasse o comunismo. Todas as organizações concebiam um programa político

pautadas por diferentes matrizes teóricas no campo marxista.111 Nesse sentido, representavam

uma ameaça aos interesses do bloco de poder que evidentemente não pouparam esforços para

desbaratar de forma brutal tais organizações e outras formas de oposição.

O golpe civil-militar para Boilesen e outros empresários que colaboraram, não foi

suficiente para afastar o “perigo vermelho”. Os militares propagavam as ações desenvolvidas

pela esquerda ( nucleação de novos militantes no meio estudantil, passeatas, assaltos a bancos

e atentados, sequestros de diplomatas), para provocar o medo e o pânico como forma de

‘propaganda’ que legitimasse a repressão no intuito de salvaguardar a democracia e às

instituições e reafirmar os valores do ‘mundo livre’, ocidental e cristão, em um claro

alinhamento com os EUA e outras potências imperialistas que demonstram a posição do Brasil

na ordem capitalista mundial.

111
Sobre o programa de cada organização clandestina, ver REIS, Daniel Aarão; SÁ, Jair Ferreira.
Imagens da Revolução, documentos políticos das organizações de esquerda dos anos 1961-1967.
Rio de Janeiro: Editora Expressão Popular, 2006.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da pesquisa foi analisar como se operou o financiamento e colaboração de

grandes grupos econômicos/empresariais paulistas, especificamente o Grupo Ultra através de

sua maior empresa, a Ultragáz, da montagem da estrutura da OBAN e do órgão que o sucedeu,

o DOI-CODI, a partir da trajetória nesse processo de seu presidente, Henning Albert Boilesen

no período 1969-1971.

Ao longo da análise, percebemos a necessidade de demonstrar concretamente como

tal processo se efetuou, por intermédio de raros documentos produzidos pelo Estado brasileiro

e outros vindo do exterior, embora inexistam documentos mais como recibos, listas de

colaboradores, livros-caixa, evidentemente que poderiam ser produzidos pelos atores

envolvidos no esquema. A ausência destes tipos de documentos demonstram a quase completa

clandestinidade do financiamento e colaboração empresarial com a montagem e organização

do aparato repressivo.

Entretanto, foi necessário para a compreensão desse fenômeno a análise da conjuntura

anterior ao golpe civil-militar de 1964, pois consideramos que trata-se de um processo

entendido como continuidade da ação política da classe dominante, cuja hegemonia de um

bloco multinacional e associado se delineou durante as décadas de 30, 40 e 50, consolidando-

se como um bloco de poder em fase de maturidade política para a tomada do poder do Estado

na década de 1960, deslocando as frações burguesas que eram portadoras de um projeto de

desenvolvimento capitalista autônomo e que estavam no poder e subjulgando a classe

trabalhadora, impondo a estas classes a condição de subalternidade.

Para entendermos o tipo de Estado que forma no Brasil em 1964, buscamos nos

orientar como referencial teórico o conceito de Estado de Contrainsurgência formulado por

Marini (1978), por considerarmos mais adequado devido à particularidade brasileira. Ele aponta

que nas formas de autocracia burguesa, como é o caso do Brasil, o Estado de

Contrainsurgência é uma modalidade de Estado dominado por um bloco de poder civil e militar,

onde o empresariado representa uma fração de classe fundamental enquanto classe de apoio.

89
A ação política de classe desse bloco de poder justificou-se pela implementação de um

projeto de desenvolvimento capitalista e associado, em um alinhamento político-ideológico

com os países centrais do capitalismo, cuja hegemonia estava sob áuspício dos EUA. Cabe

ressaltar que o projeto em questão encontrava consenso nos dois campos que compunham o

bloco dominante. No campo militar formado por oficiais vinculados à Escola Superior de

Guerra , se identificavam com um projeto capitalista associado e dependente devido ao

alinhamento político-ideológico e militar com os oficiais norte-americanos, cuja aproximação

iniciada na Segunda Guerra Mundial, aprofundou-se nos anos seguintes e considerando-se o

contexto da Guerra Fria e o pensamento anti-comunista que alimentava a defesa da “democracia

ocidental e cristâ”.

No campo civil, as elites empresariais majoritariamente composta de industriais,

banqueiros e latifundiários engrendravam este projeto ao incorporar a ‘lógica empresarial’ como

a forma ideal para administrar o Estado e implementar o modelo econômico teorizado e

aprofundado por seus intelectuais orgânicos. O elemento consensual que consolida a coalizão

civil-militar é a articulação da Doutrina de Segurança Nacional com a lógica empresarial.

Influenciados por essa lógica, os oficiais militares entendem que essa forma de

administração é a mais coerente e que os empresários detinham esse conhecimento téorico de

controle estatal, por outro lado, a Doutrina de Segurança Nacional era a ideologia adequada aos

olhos do empresariado devido às categorias da disciplina e hierarquia, essenciais para o

adestramento dos trabalhadores e suas organizações políticas, como também a tese do inimigo

interno que justificava todo controle e repressão contra as oposições que ameaçassem a

consecução do projeto em questão.

Essa maturação política do bloco de poder se cristalizou na criação do IPES e do

IBAD, que formando um complexo com a Escola Superior de Guerra (ESG), torna-se um

instrumento de ação política e formulação de diretrizes políticas que propiciou ao bloco

promover o movimento de derrubada do governo Goulart, considerado ‘comunista’, embora

seu caráter era essencialmente reformista. No entanto, as chamadas ‘Reformas de Base’ de

Goulart era vista como uma ameaça aos interesses dominantes, porque representavam uma

90
tentativa da criação de uma “República Sindicalista e Comunista” no Brasil, sob a influência

da União Soviética.

Não menos importante nesse processo de derrubada foi o papel exercido por

associações de classe como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

incorporada pelo IPES/IBAD, embora outras associações de classe de outras regiões do Brasil

também se engajaram, mas a predominância de São Paulo como estado mais rico do país se

evidenciou. Nesse sentido, consideramos coerente discorrermos sobre o papel de cada setor

civil do bloco de poder, para demonstrar que este não era homogêneo, como também não houve

participação da totalidade da sociedade civil.

Necessário explicitar o campo militar para demonstrar que não foram as Forças

Armadas em sua totalidade que tiveram engajamento no Golpe de 1964, e sim uma parcela

vinculada a ESG e como membros ativos do IPES//IBAD.112

Efetuada a tomada do poder forma-se um de Estado de Contrainsurgência , assentado

sob a Doutrina de Segurança Nacional e nesse sentido, foi preciso alterar a sua estrutura

jurídico-administrativa para garantir a implementação do projeto político. A formação do novo

governo contou com vários empresários e militares , uma espécie de ‘sucursal’ do IPES.

O Estado de Contrainsurgência que se forjou necessitava institucionalizar-se e para

isso, uma série de medidas foram utilizadas para esse fim. A mudança na legislação vigente e

os expurgos realizados nas esferas do Legislativo, funcionalismo público em geral e nos

sindicatos, cassações que se justificaram por vinculações de parte destes setores ao governo

anterior e além disso, dissolver as oposições para implementação do modelo econômico

dominante.

112
Na história política brasileira os militares participaram ativamente da vida pública do país, e
recentemente foi desvelada por intermédio de pesquisa a presença marcante da esquerda nas Forças
Armadas, e portanto, é errônea a afirmação de que o golpe de 1964 teve participação total de
militares. O professor Paulo Ribeiro da Cunha, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp/
Câmpus de Marília, atuou na Comissão Nacional da Verdade, e analisa este fenômeno em sua obra
Militares e militância – Uma relação dialeticamente conflituosa (2014), demonstrando o longo
período de militância dos militares de esquerda no país, dividindo-o entre a fase da “insurreição”-
do fim do século XIX, com os “republicanos radicais”, até 1945- e a fase de intervenção dos militares
nas grandes causas nacionais, que se estende até 1964.
91
Institucionalização que processou-se em três fases aliada com uma repressão

generalizada, sendo a primeira no período de 1964-1967, no qual as medidas para alteração na

Constituição de 1946 foram impostas, como os Atos Institucionais, Decretos-leis. Uma segunda

iniciando-se em 1969 e encerrando-se em 1974, permeada pela crise interna fomentada pelos

dois setores militares na disputa pelo controle do Executivo e o conflito com a oposição,

sobretudo aquela que se inseria no parlamento durante o ano de 1968, desembocando na

implementação do Ato Institucional n. 5 que desencadeia a fase mais brutal de repressão aos

opositores.

Com o aumento das manifestações de massa liderada pelos estudantes e trabalhadores,

a irrupção da luta armada contra as medidas e diretrizes políticas contra a classe trabalhadora e

o fracasso do Estado de Segurança Nacional em dissolver as oposições, este por falta de

recursos convoca o empresariado a financiar e colaborar com a montagem de um braço

operacional para combater, principalmente as organizações armadas que já iniciavam ações de

guerrilha urbana.

A resposta do empresariado é imediata e nesse sentido, a atuação de Boilesen com um

dos maiores articuladores do esquema de financiamento e colaboração com a infraestrutura da

OBAN ganha destaque entre a esquerda. Embora não seja o único a envolver-se com a

repressão, sua personalidade extrovertida e vaidosa influenciaram em suas ações e legitimaram

sua opção política pelo anti-comunismo e posição de defesa aos EUA.

É importante deixar claro que a OBAN foi criação do Estado de Segurança Nacional

a partir de uma Diretriz para a Política de Segurança Interna expedida em 02 de julho de 1969,

envolvendo o comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira sediado em São Paulo,

juntamente com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Hely Lopes

Meirelles, com apoio do governador Abreu Sodré. A justificativa para a convocação do

empresariado paulista para o financiamento é a falta de recursos do Estado e o compromisso

que os grupos empresariais deveriam ter com a ‘revolução de 64’, da qual estes eram os

beneficiários.

92
Em razão da excessiva exposição pública, Boilesen torna-se um dos alvos preteridos

da esquerda que visava ações de justiçamento a vários empresários, a medida que se tornava

conhecida a famosa ‘caixinha’ destinada a gratificar agentes da OBAN e posteriormente do

DOI pela captura de militantes. O envolvimento do executivo do grupo Ultra e presidente da

Ultragás, passa a se tornar mais evidente, quando militantes percebem a “coincidência” habitual

de caminhões da Ultragás próximos a locais onde ocorreram prisões e/ou emboscadas a

militantes e informações de presos políticos vindos do interior da OBAN/DOI de que um

homem loiro, alto, forte, bem vestido e com sotaque estrangeiro frequentava as dependências

do órgão.

Eram evidências contundentes para seu assassinato pela esquerda, o que ocorreu em

abril de 1971 no centro de São Paulo. A atuação de Boilesen extrapolou as fronteiras do Brasil

e dificil precisar a amplitude de suas ações em colaboração com os órgãos repressivos, no

entanto, demonstram que haviam interesses econômicos em jogo e seus apoio não foi simples

fruto de sua personalidade, mas de uma opção política considerada aqui assim como a de outros

membros da elite empresarial, como continuidade de uma ação política de classe de um bloco

de poder em face da implementação de um modelo de desenvolvimento formulado

teoricamente e aprofundado ao longo dos anos anteriores ao golpe.

Nesse sentido, a importância da pesquisa em desvelar um fenômeno ocorrido durante

os 21 anos de ditadura torna-se essencial para compreendermos que desde sempre na história

brasileira, as elites dirigiram o país e mais do que isso, o grande capital estará fomentando

estratégias de se manter no controle do Estado para impor seus interesses de classe e manter os

trabalhadores na condição de subalternidade com a finalidade de ampliar sua acumulação.

Obtivemos como resultado da pesquisa a comprovação acerca do financiamento de

grandes grupos econômicos, particularmente o Grupo Ultra, e cuja dimensão da atuação do

presidente da maior empresa do grupo, Henning Albert Boilesen, extrapolou a fronteiras do

Brasil, inclusive a colaboração com o golpe civil-militar na Bolívia O que contribuirá para uma

futura investigação sobre a Operação Condor e possíveis articulações de grupos

empresariais com a outras ditaduras estabelecidas na Argentina, no Chile, no Uruguai

93
e Paraguai. Portanto, concluímos que a pesquisa não se esgota aqui e articula-se com a

contemporaneidade porque ação desses grupos continua até hoje.

A recente tentativa de golpe de Estado na Venezuela e o golpe contra o governo Dilma

Roussef no Brasil em 2016 são processos que mostram a continuidade da ação de grandes

grupos econômicos para assegurar seus interesses de classe.

94
FONTES DOCUMENTAIS

Papéis de militares expôem atuação da fiesp no golpe de 64. Página do Jornal Folha de São

Paulo. Disponível em: <http://www1.folhauol.com.br/poder/2014/06/1463226-papeis-de-

militares-expoem-atuacao-da-fiesp-no-golpe-de-64>, acesso em 09/02/2017

Escola das Américas. Documentário dirigido por John Smilhula em 25/11/2012. Disponível

em: <http://vimeo.com/54254325>. Acesso em 15/04/2017.

Manifesto conjunto da ALN e MRT sobre justiçamento de Henning Albert Boilesen,

financiador de torturas da OBAN. Disponível em:

<http://www.documentosrevelados.com.br/imprensa-clandestina/aln/manifesto-conjunto-da-

aln-e-mrt-sobre-justicamento-de-henning-boilesen-financiador-de-torturas>. Acesso em

13/11/2017.

Doutrina de Segurança Nacional -Manuais de Formação da Escola Superior de Guerra.

Disponível em:<http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/forcas-armadas/doutrina-

de-seguranca-nacional-manuais-de-formacao-da-escola-superior-de-guerra/> Abaixo do

subtítulo “Conceituação de Guerra Insurreicional-1961”, há o link correspondente onde pode

ser visualizado o documento: <http://pt.scribd.com/doc/223574593/Conceituacao-de-Guerra-

Inssurreicional>. Acesso em 25/11/17.

REFERÊNCIAS

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Vozes, 1984.

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Petrópolis: Vozes, 1985.

ASSUNÇÃO, Vânia N. F. de. No princípio era o medo: as bases do pensamento

conservador do General do Couto e Silva. Verinotio Revista On-line de Ciências Humanas,

[S.l.], n.2, abril de 2005. Disponível em:

<http://www.verinotio.org/conteudo/0.79822029340846.pdf> Acesso em : 18/04/2017.

95
COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO. O financiamento da

repressão. Relatório da CEV/SP, tomo 1, parte 1, 2015.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Os civis que colaboraram com a ditadura.

Relatório da CNV, v. 2, Textos Temáticos, n.8, dez. 2014.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Contexto das graves violações entre 1946 e

1988. Relatório da CNV, v.1, parte 2, capítulo 3, dez. 2014.

COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado brasileiro: gênese, crise e alternativas. In: Contra

corrente: ensaios sobre e socialismo. São Paulo: Cortez, 2008.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado- Ação política, poder e golpe de

classe. 7ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

GRUPO ULTRA. A história do Grupo Ultra- marca de empreendedores. São Paulo:

Editora Prêmio, 1998.

HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XIX. São Paulo: Companhia das

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JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem- Os interrogatórios da Operação

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MARINI, Ruy Mauro. El Estado de Contrainsurgencia- Intervencione en debate sobre

“La cuestion del fascismo en America Latina. Cuadernos Politicos, Mexico,Ediciones Era,

n.18, p. 21-29, octubre-deciembre, 1978.

MELLO, Jorge José de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do

empresariado paulista à Oban/ Operação Bandeirantes, 1969-1971. 2012. 138 f.

Dissertação. (Mestrado em História)- Universidade Federal Fluminense- Instituto de Ciências

Humanas e Filosofia, Departamento de História, Rio de Janeiro.

PASTORI, Bruna. Complexo IPES/IBAD, 44 anos depois: Instituto Millenium? Revista

Aurora, Marília, v.5, n.2, jan-jun, 2012, p.57-80.

96
ANEXOS

97
I – Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Geraldo Resende de Matos, da FIESP

98
II- Livro de Portaria do DOPS/SP: Visita de Claris Halliwell, do consulado geral dos EUA
acompanhado do cap. Ênio Pimentel da Silveira, membro do DOI-CODI/SP

99
III- Documento do Departamento de Estado (EUA) atesta envolvimento de Boilesen com
Oban

100
101
IV- Documento elaborado pelo Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI)
apresentado durante palestra realizada por Theobaldo de Nigris, presidente da FIESP, a
oficiais militares na Escola Superior de Guerra em 21/07/1972

102
103
104
V- Manual Básico da ESG de 1961

105
APÊNDICE A – Sobre os documentos dos Anexos 1 e 2

Os documentos que constam nos referidos anexos são datados respectivamente de


02/04/1971 e 05/04/1971.

APÊNDICE B- Sobre os documentos dos Anexos 3, 4 e 5

O documento que consta no anexo 3 pode ser visualizado no site da Comissão Nacional
da Verdade, no link intitulado Documentos recebidos dos EUA, sob o nome de Documento 10:
Telegram Henning Boilesen, recebido como desclalificado pelo governo norte-americano em
junho de 2014.
O documento do anexo 4 pode ser visualizado no site da Folha de São Paulo que consta
nas Fontes Documentais. Ao entrar na página, clicar no nome de Theobaldo de Nigris que abrirá
o documento através deste link: <http://media.folha.uol.com.br/poder/2014/05/31/image2014-
05-31-113801.pdf
O documento do anexo 5 poder ser visualizado nos links: <https://html1-
f.scribdassets.com/5owal00bgg3row1u/images/2-fl625c1595.jpg ;
<https://html1-f.scribdassets.com/5owall00bgg3rowlu/images/1-50b3dbc7d6.jpg ,
ambos os links pertencem ao site Documentos Revelados.

106

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