Comandante do Hidroavião JAHÚ, com o qual cruzou o Oceano
Atlântico em 1927, através do memorável reide internacional "Gênova - Santo amaro", tendo como tripulantes o navegador Newton Braga; o co-piloto João Negão e o mecâncio Vasco Cinquini, substituído por Mendonça, já no Brasil. Tratando-se de um jauense que conquistou seu espaço na história da aviação mundial, o enfoque deste singelo trabalho está voltado quase que exclusivamente a João Ribeiro de Barros, por absoluta necessidade de síntese, em função da alta tiragem.
Resumo biográfico
João Ribeiro de Barros nasceu em Jaú, Estado de São Paulo, 4 de abril de
1900 - ao raiar, portanto,do luminoso século XX - nas mesmas terras desbravadas por seu avô paterno, Capitão José Ribeiro de Camargo Barros, um do s fundadores da cidade. Descendia do casal Sebastião Ribeiro de Barros, a qual, graças ao seu gesto destemido e patriótico ligado à façanha do filho, imortalizou-se com ele nas páginas da história. João Ribeiro de Barros fez seus estudos iniciais no Ateneu Jauense e os secundários no Instituto de Ciências e letras de São Paulo, com notável aprovamento. Cursou até o segundo ano a seção de Estados Jurídicos e Sociais da Universidade de São Paulo. Jovem inteligente e de temperamento heróico, sentia-se empolgar pelas coisas da aviação - atividade fascinante e sedutora no início do século. Essa paixão aliás, fora despertada por seu próprio pai, quando a convite deste veio a Jaú o aviador Luiz Bergmann, num grande esforço para divulgar a obra imperecível do genial brasileiro Santos Dumont. Em 1919, abandonando o curso de Direito, segue para os EUA, aprofundando-se nos estudos de engenharia mecânica, regressando ao Brasil dois anos depois. Aos 21 de fevereiro de 1923 após longo treinamento, conquistou o " brevet" internacional no. 88, da " Ligue internationale des Aviateus", da França. Durante os três anos seguintes realiza vários reides pelo interior do País, quando então a febre do heroísmo ardia dentro dele. Em 1926, tomado de impulso incontrolável, planeja uma façanha inconcebível para a época: Transpor o Oceano Atlântico com os recursos de uma única e rudimentar aeronave. Esse disputado reide, do qual falaremos adiante, seria concretizado no anos seguinte, com o hidroavião batizado com o nome de JAHÚ, em homenagem à terra natal do comandante Ribeiro de Barbos.
Reide internacional (Gênova – Sto. Amaro)
Durante as comemorações do primeiro centenário da independência do Brasil,
no ano de 1922, o governo português programa sensacional proeza aérea. Convocando dois d e seus mais hábeis aviadores - Cago Coutinho e Sacadura Cabral - e utilizando-se de três aviões "Fairey" : Luzitânia, Sta. Maria 1o. e S.ta Maria 2o. e mais uma frota de navios disposta ao longo do percurso, consegue efetuar o primeiro vôo transoceânico, ligando Portugal ao Brasil.
O avição, porém para firmar-se como veículo auto-suficiente, precisava
desligar-se definitivamente do amparo que lhe era constantemente prestado pelos navios, os quais o acompanhavam e o socorriam nos momentos críticos durante os vôos sobre o oceano. Enquanto o avião dependesse dos navios, como dizia Ribeiro de Barros, o engenheiro não apresentava sentido prático, constituindo-se assim num autêntico parasita da navegação marinha. As aeronaves da época não possuíam autonomia para grandes distâncias, pois seu raio de ação era reduzido Os países europeus, notadamente Portugal, França, Espanha, Inglaterra, e Alemanha promoviam, através de seus governos e de suas fábricas produtoras de aviões, os mais variados reides, sempre custeados por verbas oficiais. Foi a maior competição de homens e de máquinas voadoras já registradas pela história. João Ribeiro de Barros pede auxílio ao governo brasileiro para empreender o mais sensacional reide da época: ligar pelos ares Gênova a S.to Amaro, com um único aparelho de vôo, sem ajuda de navios. O governo negou-se a ajudá-lo por entender tratar-se de uma idéia absurda: se a Europa não o fez, como iríamos faze-lo? O piloto brasileiro não se deixa abater. Volta a Jaú, vende sua herança paterna aos irmãos, seguindo para São Paulo onde entra em contato com o sr.Luchini, representante da fábrica italiana Savóia Marcheti, propondo-lhe a compra de um hidroavião. A esse tempo, o conde Casagrande, sob a direção do governo real italiano, com um avião "Savóia Macheti", batizado com o nome de "Alcyone", tentando um vôo da Itália ao Brasil, acaba desistindo do empreendimento em Casablanca, cumprindo apenas um quinto do percurso total. O aparelho foi considerado imprestável para o reide. Não se interessando pela venda de um aparelho novo ao piloto brasileiro, a fábrica lhe propõe a venda do mesmo "alcyone" e sem outra opção, João Ribeiro acaba por adquiri-lo pela importância de $ 680,000 libras. Ribeiro de Barros contrata o mecânico brasileiro Vasco Cinquini, faz publicar no " O Estado de S. Paulo" um anúncio oferecendo oportunidades a um navegador experiente e brasileiro, e segue para New York onde vai ao encontro de seu mestre e amigo Gago Coutinho, com quem estuda detidamente o assunto
Vai ser iniciada a grande reide
Além do comandante e do mecânico, já se achavam na Europa o
navegador Newton Braga e o segundo piloto, Cunha. Às vésperas de se iniciar o tão esperado empreendimento, o jornalista italiano Décio Buffoni entrevista o comandante Barros, o qual declara: “ A iniciativa do reide, seu custeio, e sua organização a mim me pertencem, exclusivamente. Chamem-na empresa esportiva, se quiserem; mas, além da satisfação pessoal, pretendo tentar a demonstração de que um vôo através do oceano é possível, sem que o veículo conte com outros elementos além dos próprios. Portanto, nenhum cruzeiro naval no itinerário, nem auxílio a invocar por meio de radiotelegrafia. Para entrar no terreno das realizações práticas, em grandes travessias, a aviação deve contar somente com os próprios recursos...” O reide, até então sigiloso, passa ao domínio público internacional, “ cuja atenção se volta estupefata para esse longínquo país sul-americano que ousava competir com as maiores nações do mundo, em assunto de tão magna importância técnica, financeira e cultura.” 13 de outubro de 1926 – O hidroavião batizado pelo comandante com o nome de JAHÚ, em homenagem à sua terra natal, decola de Gênova sob grande aclamação popular; mas seus tripulantes ignoravam a existência de sabão caseiro, terra e água, nos reservatórios de combustível e um pedaço de bronze (Hoje no Museu da Aeronáutica), colocado no fundo do cárter traseiro, introduzidos no JAHÚ provavelmente na véspera da partida, quando os brasileiros pernoitavam no hotel, com o propósito evidente de impedir a realização do reide. Sórdida sabotagem.... Ribeiro de Barros faz um pouso forçado em Alicante, onde as autoridades espanholas alegando desconhecer os propósitos do pouso, prendem sumariamente os tripulantes. Libertados os aviadores, após a interferência da Embaixada brasileira em Madri, o avião sofre alguns reparos e prossegue em sue penoso e acidentado vôo rumo ao Brasil. Duas horas depois, novo pouso de emergência em Gibraltar, para substituição do combustível, impregnado de sabão. Nova decolagem, novos defeitos nos motores. A bomba de gasolina deixara de funcionar, mas o comandante pede ao mecânico que se utilize da bomba manual que aquele mandara instalar ainda na Itália. O JAHÚ, em precaríssimas condições, consegue atingir Porto Praia, no arquipélago de Cabo Verde, em plena imensidão oceânica. Em Porto Praia, depois de traído por um companheiro, João Ribeiro se vê obrigado a desmontar os motores do aparelho sem os mínimos recursos, pois , o recurso seguinte – 2,400 quilômetros – não permitia escalas intermediárias, pela inexistência de ilhas no trajeto. Foi um trabalho penoso para o mecânico e o comandante.
Durante alguns meses, dormindo sob tosca barraca de lona à beira da
praia, trabalhando na recuperação do aparelho, cometido de quatro crises consecutivas de malária, em completo abandono, o jovem piloto brasileiro sobre ainda vexatória campanha desmoralizante , alimentada por um jornal carioca.
A imprensa documenta
Do “ Rio Sportivo “, edição de 6/07/1927, transcrevemos os trechos abaixo:
“...Não sabemos descrever a alegria de nossa mocidade e sua
consagração aos bandeirantes do espaço. Os grupos sucediam-se em frêmitos de júbilo incontido, deixando transparecer aos gritos de Jahu! Jahu! Jahu! A emoção que ia nas almas dos seus componentes. “ Aqui eram bandos de rapazes do nosso comércio, precedidos de estandartes significativos, que , em saudações a Ribeiro de Barros, Newton Braga, Negrão, Mendonça e Cinquini, davam expansão ao seu entusiasmo. Ali eram levas de acadêmicos e colegiais que no mesmo diapasão exteriorizaram os seus impulsos patrióticos pela consecução do brilhante feito. “ Antes de ingressarem na nossa principal artéria, em direção a praia do flamengo, aonde deveria amerissar o JAHÚ, esses percorreram o centro da cidade, fazendo fechar os raros estabelecimentos que se conservam abertos... “...Às 13 horas, a nossa principal artéria tinha o seu curso quase intransitável, dada a mole humana que nela expandia-se de permeio com a extensa fila de automóveis, que formavam um corso infindável. “Os foguetes e morteiros espoucavam no espaço... Os prédios da Avenida Rio Branco tinham as suas sacadas abarrotadas de gente...” “ Eram precisamente 15 horas.... A multidão fremiu de entusiasmo e todas as atenções voltaram-se para a entrada da nossa baía, à cata da silhueta do JAHÚ. Já a esse tempo as sirenes estredulavam, os foguetes e morteiros baralhavam, enquanto que os sinos das igrejas repicam festivamente... “Eis que um ponto quase imperceptível se divida, assomando às colinas que cercam a nossa barra em sua margem esquerda, guardada por dois aviões navais, em posição, de honrarias. Era, não havia dúvida, o JAHÚ. ... Uma vez avistado o JAHÚ, o movimento no Arsenal de Marinha assumiu proporções nunca vistas, preparando-se a recepção aos bravos aviadores... Os pilotos do JAHÚ foram ali recebidos sob aclamações estrindentes, sendo carregados em triunfo nos braços do povo.... “Enquanto das sacadas eram atiradas pétalas de flores sobre as cabeças dos heróis do ar, os gritos e palmas ecoavam de um modo ensurdecedor. As bandas de música executaram a marcha “ Salve, Jahu”, que era entrecortada de aplausos frenéticos da multidão”. O avião JAHÚ – único remanescente do grande delírio transoceânico da década de 1920 – encontra-se hoje no Museu da Aeronáutica, Ibirapuera – São Paulo, juntamente com todos os prêmios recebidos pelo piloto jauense. A notável façanha de Ribeiro de Barros ensejou também grandes demonstrações de admiração e carinho fora do Brasil: Ordem do Tosão de Ouro, de Portugal, de São Francisco e São Lourenço, da Itália; Cavaleiro da Legião de Honra, da França e dezenas de outras, além da mais alta honraria da Coroa da Bélgica. Durante a sessão cívica solene, realizada no dia 2 de agosto de 1927, no Teatro Municipal de São Paulo, em homenagem aos tripulantes do JAHÚ, o deputado Hilário Freire, em seu discurso oficial, referindo-se a importância do reide, assim se manifestou: “ o vôo do JAHÚ, é uma arrancada e na primícia continental. Foi a primeira jornada, através do Atlântico Sul, realizada por americanos do sul. Os técnicos da América do Norte elogiosamente o proclamaram pelos seus órgãos mais autorizados e unânimes mandando-nos declarar “ que o brilhante feito dos aviadores brasileiros veio demosntrar que a nossa imã do Sul é constituída por homens a quem todos os americanos podem, com justo orgulho, chamar de americanos” “Vede a história da aeronáutica, desde o seu crepúsculo matutino até a arraiada de nossos dias. Da América do Sul só o Brasil! Só o Brasil! figura na vanguarda dos decifradores do espaço. Só o Brasil representa o continente nas páginas fundamentais de sua epopéia. Todos os grandes nomes sul-americanos são nomes brasileiros. Não escapou essa significação continental ao comandante Júlio Merino, da galharda corveta chilena “ General Baquedano”, quando exclamou: a glória conquistada pela aviação brasileira foi um triunfo americano... A “ Ligue Internacionale des Avateus “, sediada em Paris, confere ao comandante João Ribeiro de Barros, em 1937, a sua distinção máxima – o troféu “Harmon”. Nas três Américas , ao que consta, apenas Charles Lindbergh conseguiu tal honraria, após realizar seu vôo solitário pelo Atlântico Norte, 22 dias depois do reide do JAHÚ. Dentre as inúmeras condecorações e distinções legadas pela família Ribeiro de Barros ao Museu da Aeronáutica de São Paulo, destacamos uma coroa de louros, com os dizeres: “ Após Ruy Barbosa – Ribeiro de Barros foi o segundo brasileiro a cingir uma coroa de louros. Escadarias da Faculdade de Direito de Recife. 1927”