No dia 8 de julho de 1820 o rei D. João VI assinava o decreto que declarava Sergipe
independente politicamente da Bahia. No entanto, a história da nossa emancipação não se
encerraria nesse momento. Pelo contrário, iniciava-se um processo conturbado e tenso que
segundo a historiografia se prolongaria até o dia 3 de março de 1823 quando a Junta Provisória
reassumiria a direção da província. Nesse meio tempo muitos conflitos foram traçados, muitas
armas foram engatilhadas, muitas trocas de governo ocorreram e o cenário local se transformou
na medida que o nacional também se modificava.
O trabalho pioneiro do doutor Felisbelo Freire, História de Sergipe, não deixou de tratar do
processo de emancipação política de Sergipe em relação à Bahia. Para explicar os motivos que
levaram tal elevação, Freire busca na participação sergipana no controle da revolta ocorrida em
Pernambuco em 1917. Devido ao apoio prestado por Sergipe às tropas reais em oposição aos
revoltosos o rei os teria recompensado com a independência.
Além de Felisbelo outros pesquisadores trabalharam esse tema, com destaque para o trabalho
de Maria Thetis Nunes. Enquanto Freire segue a corrente positivista predominante em sua
época, Nunes simpatiza com o marxismo enquanto matriz historiográfica. Se apegando à
aspectos econômicos, a historiadora apresenta como real motivo para que D.João concedesse a
independência à Sergipe a prosperidade econômica em crescente desde o começo do século
XVIII, principalmente devido a produção açucareira. Porém, outro elemento é apontado por
Thetis mas pouco detalhado, ela observa que o reino lusitano passava por uma reforma
administrativa, sendo o decreto de 8 de julho consequência também dessa política.
Mais recentemente a professora Edna Maria Matos publicou sua tese do doutorado em que
trabalha esse processo com novos instrumentos teóricos-metodologicos. Seu livro A
Independência do solo que habitamos se encaixa na chamada Nova História Política, onde as
relações sociais são observadas em sua complexidade e de forma dialógica, abre se espaço
aos personagens antes pouco destacados, as relações de poder e sua repartição são pontos
chaves nessa leitura. Outro aspecto marcante desta obra é sua preocupação em absorver
conceitos de outras disciplinas, com destaque para a Antropologia, sendo essa uma tendência
marcante da historiografia contemporânea.
Em seu trabalho Edna Maria traça como recorte temporal de 1750 a 1831, destacando as principais
reformas políticas administrativas adotadas pelo poder real e o desenvolvimento econômico pelo qual
passou Sergipe na segunda metade do século XVIII. A própria anexação das terras sergipanas à Bahia,
segundo ela, foi consequência de uma dessas reformas em que para consolar os baianos pela perda
da capital da colônia para o Rio foi lhes anexado Sergipe. Ao tratar do motivo que levaram ao decreto
de 8 de julho Edna segue o mesmo viés, a reposta está em mais uma reforma administrativa que tornou
separou as regiões de Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Espírito Santo, Santa Catarina e
o Piauí visando reduzir o poder político dos grandes centros da colônia. Porém, assim como o doutor
Felisbelo Freire, Edna Maria também destaca a participação das tropas sergipanas na contenção da
Revolta Pernambucana de 1817, contrária as reformas joaninas, como fator que impulsionará D.João
a conceder a emancipação e nomear para governar Carlos César Burlamarqui.
Porém, o então nomeado pelo rei para governar a nova capitania, Burlamarqui, após tomar posse
duraria no posto apenas 26 dias. Tropas baianas contrárias à separação lideradas por Bento da
França Oliveira, contando com o apoio de forças locais (principalmente, Laranjeiras e
Estância), o afastaram por não jurar lealdade à Constituição das cortes de Lisboa resultado da
importante Revolução do Porto.
Após se reunir com as figuras políticas e militares locais mais ilustres e ter o apoio destes
Burlamarqui toma posse no dia 20 de fevereiro de 1821. Até que tropas baianas contando com
o apoio das milícias locais (principalmente de Estância e Laranjeiras) marcharam por São
Cristóvão e o escoltam até a Bahia onde ficaria trinta dias preso, mesmo ele já tendo entregado
seu cargo à Câmara. Tendo como justificativa a negativa de Burlamarqui em jurar à
Constituição a ser elaborada pelas cortes de Lisboa, porém apenas quando já estava preso é que
ele vai ter conhecimento do decreto de D.João de 7 de março declarando apoio às cortes. Após
ficar sabendo disso o próprio Burlamarqui leal ao rei passou a apoiar e incentivar o juramento
à Constituição, mas já era tarde.
Na verdade, segundo Freire, o real motivo para tal ataque foi a recusa em aceitar a emancipação
sergipana. Uma junta foi montada tendo na figura do brigadeiro Pedro Vieira o escolhido para
governar,sendo este favorável a manutenção da dominação baiana, e assim Sergipe continuou
sob controle político da Bahia, tendo o apoio das cortes de Lisboa.
Freire ainda destaca que a sociedade sergipana em meio a esses conturbados episódios pode ser
dividida em dois grupos opostos: os "recolonizadores" que defendiam a sujeição à Bahia,
destacando se nesse grupo Pedro Vieira, o coronel José Guilherme Nabuco, o ouvidor José
Ribeiro Navarro, Barros Pimentel e todos os europeus habitantes da capitania; e os defensores
da independência compostos pelos camaristas de São Cristóvão (entre eles Bento Antônio da
Conceição Matos, José Manuel Machado de Araújo, Pedro Cristino de Souza Gama), os
capitães mores de ordenanças em geral e a maioria popular. É de se destacar que no texto de
Burlamarque citado acima os nomes do coronel José de Barros Pimentel e do Sargento-mor
comandante José Guilherme Nabuco de Araújo aparecem entre os que declararam apoio a sua
posse.
No momento de comentar sobre a divisão da classe política local Nunes apresenta uma
explicação muito generalista e simplista. Segundo ela, o bloco a favor da sujeição a Bahia era
composto pelos senhores de engenho ligados a produção agrícola, tendo estes uma dependência
financeira para com a Bahia.Já o segundo bloco seria composto pela classe média urbana,
senhores criadores de gado e os camaristas. Assim como Freire, a historiadora ressalta o apoio
dessa elite política como forma de manter a impunidade para seus atos prepotentes e ilícitos,
apontando como fonte o próprio texto de Burlamarque onde este no curto período em que
governou tentou organizar uma fiscalização dos impostos de exportação nos portos sergipanos
o que feriu interesses de alguns destes senhores.
Importante destacar que Maria Thetis Nunes segue a risca a ideia originária em Freire de que
essas facções políticas locais eram "destituídos do programa. Queriam ambos uma só causa:
a posse do poder. Os seus órgãos na imprensa nunca defenderam princípios e sim defeitos
pessoais dos adversários"(FREIRE,1891,p.260). Já a professora Edna seguindo a Nova História
Política e pesquisando ideias politicas do período colonial e imperial distancia dessa vertente,
destaca que o quadro político era bem mais complexo do que essa leitura pressupõe, tendo
distinções ideológicas e choques entre projetos administrativos.
Uma forte crítica de Felisbelo é em relação à falta de patriotismo por parte dos sergipanos.
Aliado a esse fator, a grande concentração de riquezas e forças por parte dos "recolonizadores"
levaram à Burlamarque a não usar as armas dos seus aliados para manter o poder. Dessa forma
entre as próprias elites locais os baianos encontraram o apoio necessário para manter o controle
político. O capitão mor da Estância e a câmara da Vila de Santa Luzia e suas autoridades se
destacavam no apoio aos baianos.
A disputa entre as facções defensora/opositora da emancipação pode ser vista como sinônima
da busca pelo governo de Sergipe. Da mesma forma que os recolonizadores viram no apoio aos
baianos a oportunidade de angariar os postos de mando locais, os favoráveis a independência
também objetivavam ao fim do processo manter entre si o governo da província. Um aspecto
que pode nos ajudar a entender essa divisão da elite local é a disputa entre duas gerações, sendo
os recolonizadores nomes de longa data no cenário sergipano enquanto que entre os
emancipacionistas aparecem nomes de uma geração mais recente e em ascenção. Essa mais
nova elite buscava os cargos e patentes de maior destaque porém para isso deveriam conquista-
los de quem já os ocupava.
O partido recolonizador tomou conta do poder. Essa facção visava em troca do apoio aos
baianos adquirir posições de comando no governo local. Seus líderes marcados por atos de
prepotência e pela prática de atos ilícitos encontravam na anexação a continuação da
impunidade, já um novo governo independente os ameaçava. Também é evidente os laços
existentes entre estes e os baianos sejam eles laços econômicos, militares ou familiares. Esse
grupo foi fortalecido ainda mais com a chegada do general Madeira de Melo ao governo baiano.
Esse processo foi muito bem detalhado na obra Historia da independência da Bahia que conta
como se deu a expulsão das tropas lusitanas que obtendo a recusa do príncipe regente em
retornar a Portugal se reuniram na Bahia. Em fevereiro de 1822, o brigadeiro Inácio Luís
Madeira de Melo domina a Junta Governativa, transformando Salvador no centro de oposição
ao governo de D.Pedro. Contrários ao domínio do brigadeiro lusitano, a Câmara da Vila de
Cachoeira vai liderar as demais regiões do Recôncavo organizando a Junta Conciliatória e de
Defesa, favorável ao governo sediado no Rio de Janeiro. A Bahia vai sofrer com uma grave
guerra civil que culminará no envio de tropas pelo governo central lideradas pelo general
francês Pedro Labatut, que irá se prolongar até o dia 2 de fevereiro de 1823.
A passagem dessas tropas por Sergipe foi um acontecimento importante nesse processo. Sendo
a postura do seu comandante por uns criticada e por outros enaltecida. Nunes se aproxima dos
que enaltecem a importância dessa passagem e da figura de Labatut para o andamento do
processo de independência. Segundo o relato da historiadora o general teria conseguido o apoio
de ambos os blocos antagônicos ao chegar na capitania, o que abriu os caminhos para suas
tropas marcharem pacificamente até mesmo nos pontos de maior resistência. Porém a autora
não esclarece quais teriam sido os motivos que levaram o general a se colocar contrário a
autonomia sergipana em relação aos baianos. O principal defeito do general, segundo Thetis,
foi interferir nos assuntos políticos locais.
Fato é que em outubro de 1822 é montada uma Junta Provisória composta por Guilherme
Nabuco de Araújo (governador das armas), José Matheus da Graça Leite Sampaio (presidente
da junta),e Serafim Álvares da Rocha (secretário). Destacamos novamente a mudança de lado
do senhor José Guilherme Nabuco que antes favorável aos baianos, logo se coloca como
defensor da causa local e nacional abrindo terreno para as tropas do general francês, alcançando
uma vaga na junta. Porém não durou muito. Logo Labatut em 14/11/1822 nomeou o tenente-
coronel José Eloy Pessoa da Silva para governar a capitania.
Referências:
AMARAL, Braz do. História da independência da Bahia. Salvador: Livraria Progresso Editora,
1957.
ANTONIO, Edna Maria Matos. A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e
cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831). São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2012.
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe (1575 - 1855). 3' ed. São Cristóvão. Editora UFS,
Aracaju: IHGSE, 2013.(pág. 284-332)
NUNES, Maria Thetis. Sergipe no processo da Independência do Brasil. Cadernos UFS, n.2,
1973.