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tabelas-de-verdade.html

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Lógica: uma ferramenta filosófica


"A lógica não é um algoritmo para solucionar problemas filosóficos.
Não é como uma máquina na qual metemos numa ponta os
problemas e saem da outra as soluções. A lógica, formal e informal, é
apenas um instrumento de controlo de erros. Permite-nos raciocinar
melhor, evitar erros, ser mais criativos, ver mais longe. Não é uma
água de alcatrão, uma solução milagrosa. É apenas um instrumento,
como um microscópio para um cientista: não faz o trabalho por ele.
O ridículo da rejeição da lógica, contudo, é muito maior do que o
ridículo que seria a rejeição do microscópio. É que é possível rejeitar
coerentemente o microscópio — basta não o usar — ao passo que a
rejeição da lógica é sempre incoerente — a pessoa que diz rejeitá-la,
usa à mesma a lógica, porque não pode parar de raciocinar; apenas
se recusa a raciocinar com cuidado (porque se está nas tintas para
isso e porque o que lhe interessa realmente na filosofia é ter
pensamentos bonitos, edificantes, inspiradores, ou então interessa-lhe
exprimir a sua raiva, frustração, etc.). E, claro, quem diz recusar a
lógica apressa-se a aplaudir qualquer resultado da lógica mais
técnica que pareça confirmar o que ela já pensa. É um conto do
vigário: se sair caras, ganho eu, se sair coroas perdes
tu". (cf. Desidério Murcho)

Noções de lógica: introdução

A filosofia é uma atividade crítica que examina as nossas ideias mais básicas
recorrendo fundamentalmente ao pensamento. Para isso, na atividade filosófica começa-
se pelos problemas, depois tenta-se responder a estes problemas com teorias e
sustenta-se estas teorias com razões ou argumentos. Ora, como as teorias não nascem
nas árvores nem caem do céu, precisamos de descobri-las e fundamentá-las através da
argumentação. Através dos argumentos os filósofos apresentam razões a favor das suas
ideias ou teorias. Isto é relevante, pois para defenderem que as suas ideias são as que
respondem de forma mais razoável a um determinado problema filosófico têm que
apresentar razões para isso e submeter tais razões e argumentos à avaliação crítica e
discussão pública para se analisar se tais argumentos são realmente plausíveis ou não.
Um argumento pode ser definido como “um conjunto de proposições que utilizamos
para justificar (provar, dar razão, suportar) algo. A proposição que queremos justificar
tem o nome de conclusão; as proposições que pretendem apoiar a conclusão ou a
justificam têm o nome de premissas” (cf. António Padrão). Uma proposição é o
pensamento que determinadas frases declarativas (não todas) podem literalmente
exprimir. Assim, se questionarmos “que dia é hoje?” ou se exclamarmos “fecha a porta!”
não estamos perante proposições. Só estamos diante de proposições quando temos
uma frase declarativa com valor de verdade, ou seja, suscetível de ser verdadeira ou
falsa. E é preciso ainda atender que existem argumentos bons e outros maus. Por este
motivo a lógica surge como um instrumento fundamental para analisarmos se estamos
diante de um argumento válido ou inválido. Este é um exemplo de um argumento que
pode surgir em qualquer linguagem natural:

Parece que Deus não existe; pois, “os animais e os seres humanos sofrem
(em resultado de processos naturais, como doenças e acidentes) e causam
sofrimento uns aos outros (magoamo-nos e ferimo-nos uns aos outros e
matamo-nos uns aos outros à fome). O mundo contém, pois, muito mal. Um
deus omnipotente poderia ter evitado este mal – e sem dúvida que um deus
sumamente bom e omnipotente o teria feito. Mas então, por que razão
existe este mal? Não será a sua existência um forte indício contra a
existência de Deus?” (Swinburne [1996] Será Que Deus existe? Lisboa:
Gradiva, p. 109).

Mas para se discutir mais facilmente as teorias e argumentos da filosofia é conveniente


fazer a reconstituição dos argumentos que surgem naturalmente ao longo de um texto
tornando-os mais explícitos e formulando-os na sua representação canónica. Isto é
muito útil para se poder discutir proficientemente os argumentos, uma vez que fica claro
quais são as premissas e qual é a conclusão. Para isso é necessário sabermos identificar
as premissas, as conclusões e os seus indicadores, os entimemas, bem como deve saber
eliminar o ruído (que não contribui em nada para o argumento e para a sua validade),
etc. Sem esta reconstituição ativa de argumentos pode-se correr o risco de não se
discutir proficuamente os argumentos, podendo-se igualmente cair num mero
comentário de textos mas sem haver o tal exame crítico tão característico da filosofia.
Este é um exemplo de um argumento, canonicamente representado, que constitui um
sério desafio para a crença no Deus teísta:

P1 – Se Deus existe, então não pode existir mal no mundo.


P2 – Ora, existe mal no mundo.
C – Logo, Deus não existe.
Será este argumento dedutivamente válido? A validade dedutiva, que depende
unicamente da forma lógica, ocorre quando é impossível que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão falsa. Ou seja, se supusermos que as premissas de um
argumento dedutivo válido são verdadeiras, a sua conclusão não poderá ser falsa. Uma
boa sugestão para analisar a validade ou invalidade de um argumento dedutivo pode
ser a seguinte: “Mesmo que as premissas do argumento não sejam verdadeiras, imagina
que são verdadeiras. Consegues imaginar alguma circunstância em que, considerando
as premissas verdadeiras, a conclusão é falsa? Se sim, então o argumento não é válido.
Se não, então o argumento é válido” (cf. António Padrão). Por exemplo: Sócrates e
Platão eram filósofos; logo, Sócrates era filósofo. Este é um argumento válido, pois não
é possível imaginar uma situação em que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa.
Claro que se poderá imaginar que Sócrates não era um filósofo tornando-se a conclusão
falsa, mas isso também tornará a premissa falsa. Além disso, se recorrermos a um
inspector de circunstâncias constataremos que a forma lógica P ˄ Q ╞ P é uma forma
argumentativa válida. Outro exemplo: Sócrates é filósofo; logo, Platão é um habitante
da Grécia. Este argumento é inválido, pois é possível que a premissa seja verdadeira e a
conclusão falsa. Podemos, por exemplo, imaginar uma circunstância em que Platão
fosse habitante de Roma – assim, a conclusão seria falsa, apesar da premissa ser
verdadeira. Neste argumento a premissa não justifica de forma alguma a conclusão,
sendo por isso a forma lógica P╞ Q inválida.

Depois desta telegráfica explicação sobre a validade argumentativa dedutiva, será então
válido ou inválido o argumento que conclui que Deus não existe? O argumento em
análise é válido, pois não é possível imaginar qualquer situação em que as premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Aliás, este é um argumento que tem a forma
lógica válida de “modus tollens”: P → Q, ¬Q ╞ ¬P. Mas será que se provou de modo tão
fácil que Deus não existe? É evidente que não! Pois, com a validade só afirmamos que
se as premissas forem verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa; ou seja, garantimos
que a forma do argumento é correta. Mas, ainda nem sequer começamos a reflexão
crítica filosófica; por exemplo, será que o conteúdo do argumento é verdadeiro? A
validade lógica é apenas o ponto de partida da análise argumentativa. Por isso, ainda
temos que fazer as perguntas fundamentais: Serão as premissas efetivamente
verdadeiras? Será este argumento sólido? E serão as premissas mais plausíveis do que a
conclusão? Ou seja, será este argumento cogente?

Noções de lógica silogística

Como já vimos na introdução às noções de lógica, quando estamos a examinar


argumentos filosóficos o primeiro aspeto a analisar deve ser a validade. Ou seja, deve-
se sondar se a estrutura ou forma do argumento é correta. Só com uma forma lógica
correta é que a conclusão se pode seguir adequadamente das premissas. Portanto,
existe validade, nos argumentos dedutivos, quando a conclusão é uma consequência
lógica das premissas, sendo válidos os argumentos em que é impossível ter premissas
verdadeiras e conclusão falsa. Deste modo, necessariamente, se as premissas forem
verdadeiras, a conclusão será igualmente verdadeira. Mas que métodos temos para
saber se um determinado argumento é válido ou não?

Para analisar a validade de argumentos compostos com proposições universais e


particulares podemos recorrer à lógica silogística criada por Aristóteles. O silogismo é
uma argumentação na qual necessariamente de duas premissas simples dispostas de
determinada maneira deriva uma terceira proposição, ou seja, a conclusão. Compõem-
se de três proposições simples: [1] premissa maior (é a primeira proposição, que contem
o termo maior [T]); [2] premissa menor (é a segunda proposição, que contém o termo
menor [t]); e [3] conclusão que reúne o termo menor e o maior.

Vejamos os seguintes dois argumentos:

PM – Tudo o que é fruto do livre-arbítrio foi criado por Deus.


Pm – Algum mal é fruto do livre-arbítrio.
C – Logo, algum mal foi criado por Deus.
PM – Tudo o que os artistas concebem é arte.
Pm – Certas formas de beleza são concebidas por artistas.
C – Logo, algumas formas de beleza são arte.
O que há de comum nestes dois argumentos? A nível de conteúdos estes argumentos
são diferentes, um é sobre filosofia da religião e o outro é sobre filosofia da arte. No
entanto, eles partilham a mesma forma lógica, nomeadamente: todo S é P, algum Q é
S, logo algum Q é P. Além disso, convém saber que a premissa maior é uma universal
afirmativa, enquanto que a premissa menor e a conclusão são particulares afirmativas.
Na lógica silogística de Aristóteles examina-se apenas proposições que têm as
seguintes formas lógicas:

Tipo A – são as universais afirmativas – têm a forma proposicional


“todo S é P”.
Tipo E – são as universais negativas – têm a forma proposicional
“nenhum S é P”.
Tipo I – são as particulares afirmativas – têm a forma proposicional
“algum S é P”.
Tipo O – são as particulares negativas – têm a forma proposicional
“algum S não é P”.
Olhando agora para os nossos exemplos pode-se dizer que têm o modo de AII (uma
vez que a premissa maior é tipo A, a premissa menor é tipo I e a conclusão é tipo I).
Mas serão argumentos válidos? Para saber isso ainda temos de examinar a figura do
silogismo, a qual depende da posição do termo médio. Se o termo médio (isto é, o
termo que ocorre tanto na premissa maior como na menor – mas não na conclusão)
aparecer como sujeito da premissa maior e predicado da premissa menor, então
corresponde à primeira figura. Se for predicado nas premissas, é a segunda figura. Se
for sujeito nas premissas, é a terceira figura. E se o termo médio surgir como predicado
na premissa maior e sujeito na premissa menor, então é a quarta figura. Atendendo a
isto pode-se dizer que os argumentos que estamos a analisar são da primeira figura e
do modo AII. E de facto este é um modo válido da primeira figura, como se pode ver na
seguinte tabela que contém as formas silogísticas válidas:

Para além de se constatar o modo e a figura do silogismo para ver se é válido ou inválido,
é preciso também analisar se segue um conjunto de regras, quer dos termos quer das
proposições. Estas regras permitem determinar a validade dos silogismos, bem como
são úteis para se construir silogismos válidos. Estas são as regras dos termos:

1. Não pode haver mais de três termos no silogismo (de modo a eliminar termos com
dois sentidos diferentes). Por exemplo: PM – Tudo o que é raro é caro, Pm – Um cavalo
por 5 euros é raro, C – Logo, um cavalo de 5 euros é caro. Este argumento é inválido,
pois na premissa maior “raro” significa «ter valor», e na premissa menor “raro” significa
«que não se encontra facilmente».
2. Nenhum termo pode receber na conclusão uma extensão mais lata do que nas
premissas. Por exemplo, PM – Todo o ser pensante é existente, Pm – Nenhuma pedra é
um ser pensante, C – Logo, nenhuma pedra é existente. Este argumento é inválido, pois
“existente” é particular na premissa maior e universal na conclusão; isto é, é um termo
não distribuído na premissa maior (pois não está a ocorrer em toda a sua extensão, não se
está a referir a todos os existentes) e é um termo distribuído na conclusão (pois está a
referir-se a todos os existentes). Ora, conclui-se mais do que está nas premissas. Para se
seguir esta regra convém saber como se distribuem os termos, nomeadamente: nas
proposições tipo A, o termo distribuído é o sujeito; no tipo E são ambos; no tipo I nenhum
termo é distribuído; e no tipo O apenas o termo predicado é distribuído.
3. O termo médio nunca deve reaparecer na conclusão. Por exemplo, PM – Todo o
doente precisa de cuidados, Pm – Todo o homem deprimido está doente, C – Logo, todo
o doente é um homem deprimido. Para ficar correto a conclusão deveria ser: “todo o
homem deprimido precisa de cuidados”.
4. O termo médio deve ser tomado universalmente pelo menos uma vez. Por
exemplo, PM – Tu és homem, Pm – Eu sou homem, C – Eu sou tu. Neste exemplo, o
termo “Homem” é duas vezes particular (ou seja, não está distribuído nem na premissa
maior nem na menor, pois em ambas as premissas o termo é predicado de proposições
tipo A).
Do mesmo modo, existem regras a aplicar a proposições, como as seguintes:

1. De duas afirmativas não podem engendrar uma negativa. Um exemplo que não
respeita esta regra seria o seguinte: PM – Todos os bracarenses são portugueses, Pm – Eu
sou bracarense, C – Logo, eu não sou português. A regra é a aplicação pura e simples do
princípio da identidade.
2. De duas premissas negativas, não podemos concluir nada. Por exemplo, PM –
Nenhum poderoso é misericordioso, Pm – Nenhum pobre é poderoso, C – Logo, nenhum
pobre é misericordioso. Esta não é uma conclusão legítima, pois não se segue das
premissas.
3. De duas premissas particulares não se pode concluir nada. Por exemplo, PM –
Certos homens são bons, Pm – Certos malvados são homens, C – Logo, certos malvados
são bons. Este exemplo é inválido, por pelo menos uma das premissas devia ser universal.
4. A conclusão segue sempre a premissa mais fraca. Isto é, se uma premissa é
negativa, a conclusão será negativa. Se uma premissa é particular, a conclusão será
particular.

Existem falácias quando se violam algumas regras de validade silogística, como as


seguintes:

1. Falácia dos quatro termos. Exemplo: PM – Quem é pastor é sacerdote protestante,


Pm – Quem guarda o gado é pastor, C – Logo, quem guarda gado é sacerdote protestante.
Esta falácia surge quando se usa ambiguamente um termo, como neste caso “pastor”. Na
PM é usado como sacerdote, e na Pm como guardador de gado.
2. Falácia do médio não distribuído. Exemplo: PM – Todos os romances são obras
literárias, Pm – Todos os poemas são obras literárias, C – Logo, todos os poemas são
romances. Esta falácia surge quando o termo médio não está distribuído pelo menos uma
vez. Um termo está distribuído quando abrange todos os membros da classe a que se
aplica.
3. Falácia da ilícita menor e maior. Exemplo: PM – Alguns seres humanos são
portugueses. Pm – Todos os seres humanos são mortais. C – Todos os mortais são
portugueses. A falácia da ilícita menor ocorre quando o termo menor está distribuído na
conclusão mas não na premissa. A falácia da ilícita maior ocorre quando o termo maior
está distribuído na conclusão mas não na premissa.
4. Falácia das premissas exclusivas. Exemplo: PM – Alguns seres humanos não são
mulheres, Pm – Nenhuns caracóis são seres humanos, C – Logo, todas as mulheres são
caracóis. Esta falácia acontece quando existem duas premissas negativas. Para não existir
está falácia, pelo menos uma premissa tem de ser afirmativa.
5. Falácia existencial. Exemplo: PM – Todos os quadrúpedes são animais, Pm –
Todos os cavalos são quadrúpedes, C – Logo, alguns cavalos são animais. Temos esta
falácia quando as premissas forem ambas universais e a conclusão particular.

Com estas noções introdutórias de lógica silogística já se consegue analisar a validade


de argumentos. Mas existe uma grave limitação: este tipo de lógica só consegue
examinar a validade de argumentos com proposições do tipo A, E, I, O e com forma de
silogismo. Porém, grande parte dos argumentos da filosofia surge com proposições com
operadores condicionais, bicondicionais, conjuntivos, disjuntivos, etc… Por isso, a lógica
silogística é ineficaz para testarmos a validade de um grande número de argumentos.
Atenda-se por exemplo ao seguinte argumento: se Deus existe, então não pode existir
mal no mundo; ora, existe mal no mundo; Logo, Deus não existe. Será este argumento
válido? Com a lógica silogística não se consegue saber se este argumento é válido ou
inválido; portanto, em filosofia não se pode ficar pela lógica silogística…

Noções de lógica proposicional clássica

A lógica silogística aristotélica apenas permite analisar a validade de argumentos com


proposições universais e particulares que estejam dispostas em forma de silogismo. Mas
isso é muito limitador uma vez que a grande maioria dos argumentos assenta em
operadores proposicionais, como os seguintes: “se… então” (condicional), “se e
somente se” (bicondicional), “ou” (disjunção), “e” (conjunção), “não” (negação). Ora,
para testar a validade de argumentos com este tipo de operadores precisamos da lógica
proposicional clássica. Este tipo de lógica remonta aos estoicos, mas desenvolveu-se
muito no século XX. É designada de “clássica” para se distinguir das restantes lógicas
contemporâneas, como a dos predicados e a modal. Vejamos dois argumentos que
podem ser analisados quanto à sua validade com lógica proposicional mas não com
lógica silogística:

[Argumento 1]
P1 – Se Deus existe, então não pode existir mal no mundo.
P2 – Ora, existe mal no mundo.
C – Logo, Deus não existe.

[Argumento 2]
P1 – Se não houver Deus, a vida deixa de ter sentido.
P2 – Mas, a vida tem sentido.
C – Logo, Deus existe.

É fácil ver o que difere estes dois argumentos: um tenta provar que Deus não existe e o
outro tentar provar o contrário. Mas, o que há de comum nestes dois argumentos? Na
lógica proposicional ignora-se o conteúdo específico e atende-se às operações lógicas
existentes. Cada proposição elementar que constitui os argumentos é representada pelas
letras P, Q, R e sucessivamente que se chamam variáveis proposicionais. Por exemplo,
no argumento 1 o P representa a proposição elementar “Deus existe” e o Q representa “a
não existência de mal no mundo”. Já no argumento 2 o P representa “Deus não existe” e
o Q representa “a vida não tem sentido”. Esta tarefa é designada de dicionário. Agora
tendo em conta o dicionário e se abstrairmos o conteúdo dos argumentos 1 e 2,
constataremos que eles partilham a mesma forma lógica: se P, então Q; não Q; Logo, não
P. Nesta forma argumentativa encontramos dois operadores verofuncionais ou conectivas
proposicionais, que são o “se… então” e o “não”. É importante saber que na lógica
proposicional clássica existem várias conectivas proposicionais com os seus respetivos
símbolos lógicos:
“Não” – negação, símbolo: ¬
“E” – conjunção, símbolo: ∧
“Ou” – disjunção, símbolo: ∨
“Ou…ou” – disjunção exclusiva, símbolo: ⊻
“Se…então” – condicional, símbolo: →
“Se e só se” – bicondicional, símbolo: ↔
Além destes símbolos pode-se utilizar o martelo semântico ╞ ou o símbolo de conclusão
∴ para substituir o “logo” ou o indicador de conclusão; e as várias proposições são
separadas por vírgulas (,). Atendendo a isto, pode-se escrever os argumentos 1 e 2 na
linguagem da lógica proposicional clássica da seguinte forma:
P→Q, ¬Q ╞ ¬P
Mas será esta uma forma lógica válida? Para isso temos primeiro de ver as funções de
verdade expressas por cada conectiva proposicional:
Negação: inverte o valor de verdade.
Conjunção: só é verdadeira se as proposições elementares que a compõem
forem ambas verdadeiras.
Disjunção: só é falsa se as proposições elementares que a compõem forem
ambas falsas.
Disjunção exclusiva: só é verdadeira quando uma proposição elementar é
verdadeira e a outra falsa.
Condicional: só é falsa se a antecedente for verdadeira e a consequente for
falsa.
Bicondicional: só é verdadeira se os seus dois lados tiverem o mesmo valor de
verdade.
Com estes princípios podem-se formar as tabelas de verdade que representam as várias
conectivas proposicionais:
Tendo em conta estas tabelas de verdade já conseguimos examinar a validade dos
argumentos 1 e 2. Para isso construímos um inspetor de circunstâncias, ou seja um
dispositivo gráfico com uma sequência de tabelas de verdade que mostra o valor de
verdade de cada premissa e da conclusão em todas as circunstâncias possíveis. Se existir
pelo menos uma circunstância em que todas as premissas são verdadeiras e a conclusão é
falsa, então o argumento é inválido. Caso contrário, o argumento é válido. Então, serão
válidos ou inválidos os argumentos 1 e 2?

Após a construção do inspetor de circunstâncias é preciso questionar: será que existe


alguma circunstância, ou seja alguma linha, em que todas as premissas sejam verdadeiras
e a conclusão falsa? Se sim, o argumento é inválido. Se não, o argumento é válido. Nesta
forma lógica, na quarta linha constata-se que todas as premissas são verdadeiras mas a
conclusão também é verdadeira, por isso esta forma argumentativa é válida. Só seria
inválido se existisse uma linha em que todas as premissas fossem verdadeiras e a
conclusão falsa. Como não é esse o caso, então podemos dizer que os argumentos 1 e 2
são válidos. Aliás, estes argumentos têm a forma válida de modus tollens; ou seja, é a
forma da negação da consequente.
Mas, vejamos uma outra forma lógica que, em vez de negar a consequente, afirma a
consequente. Podemos escrever esta forma lógica do seguinte modo: P→Q, Q ╞ P. Será
válido um argumento estruturado deste modo? Para ver isso temos novamente que
recorrer a um inspetor de circunstâncias:
Ao examinar este inspetor de circunstâncias vemos que existe uma situação em que todas
as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa (na terceira linha). Portanto, esta forma
argumentativa é inválida. Aliás, este tipo de forma argumentativa comete a falácia da
afirmação da consequente e qualquer argumento que se faça com esta estrutura será um
mau argumento, pois a conclusão não se segue das premissas.
Consideremos outro argumento, que pode surgir na linguagem natural, para se determinar
a sua validade:
Penso que o ensino da filosofia deve promover uma discussão crítica.
Isto porque o ensino da filosofia ou promove uma discussão crítica, ou
tem horror às discussões. Será um ensino que formará cidadãos
críticos, criativos e autónomos caso se pretenda promover uma
discussão crítica. Será um ensino que formará cidadãos acríticos,
dogmáticos e amorfos se tiver horror às discussões. Porém, é errado
formar cidadãos com estas últimas características.
Primeiro, é necessário representar canonicamente o argumento, deixando claro quais são
as premissas e qual é a conclusão:
P1 – O ensino da filosofia ou promove uma discussão crítica, ou tem horror às
discussões.
P2 – Se pretende promover uma discussão crítica, então será um ensino que
formará cidadãos críticos, criativos e autónomos.
P3 – Se tem horror às discussões, então será um ensino que formará cidadãos
acríticos, dogmáticos e amorfos.
P4 – Mas, é errado formar cidadãos acríticos, dogmáticos e amorfos.
C – Logo, o ensino da filosofia deve promover uma discussão crítica.
Segundo, é preciso fazer a interpretação ou construir o dicionário que capte de modo
adequado as proposições elementares presentes no argumento:
P = O ensino da filosofia promover uma discussão crítica.
Q = O ensino da filosofia ter horror às discussões.
R = Formar cidadãos críticos, criativos e autónomos.
S = Formar cidadãos acríticos, dogmáticos e amorfos.
Terceiro, com este dicionário já é possível formalizar o argumento na linguagem da lógica
proposicional clássica:
P⊻Q
P→R
Q→S
¬S
∴P
Quarto, o passo seguinte é construir um inspetor de circunstâncias. Atenção ao seguinte
pormenor: as linhas dos inspetores de circunstâncias variam consoante o número de
variáveis proposicionais, de acordo com a fórmula 2 (em que “n” representa o número
n

de variáveis). Assim, se “n”=2, ficamos com 4 linhas (2x2); se “n”=3, então ficamos com
8 linhas (2x2x2); se “n”=4, ficamos com 16 linhas (2x2x2x2); se “n”=5, ficamos com 32
linhas (2x2x2x2x2); e assim sucessivamente… Com esta informação já se pode construir
adequadamente o inspetor de circunstâncias:

Quinto, por último resta fazer a análise do inspetor de circunstância para determinar se o
argumento é válido ou inválido. O argumento que se está a examinar é válido, pois não
existe qualquer circunstância (linha) em que todas as premissas sejam verdadeiras e a
conclusão falsa.

Noções de lógica: árvores de refutação

Como vimos anteriormente, utilizar inspetores de circunstâncias é muito útil para testar
a validade de argumentos. Mas já imaginou tentar examinar a validade de um
argumento com 8 variáveis proposicionais (que corresponderia a um inspetor de
circunstâncias com 256 linhas)? Seria certamente uma tarefa pouco prática, demasiado
fastidiosa e morosa… Por isso, será que existem outros métodos na lógica proposicional
clássica para se testar a validade dos argumentos? Um método diferente, bastante
simples e rápido, para examinar a validade dos argumentos é o método das árvores de
refutação, também designado por árvores lógicas ou por demonstrações em árvore
(tree proofs). A principal característica deste método é proceder por redução ao absurdo
(em que se nega uma proposição que se quer provar mostrando, por conseguinte, que
isso dá origem a uma inconsistência ou absurdo). Assim, o primeiro passo, quando
temos uma determinada forma lógica, é negar a conclusão e juntá-la às premissas.
Seguidamente procura-se analisar se o conjunto de proposições (as premissas e a
negação da conclusão) é inconsistente ou não. Se for inconsistente, então a forma lógica
do argumento é válida. Se não for inconsistente, então a forma lógica do argumento é
inválida. Para se examinar se existe inconsistência ou não é preciso fazer a simplificação
das fórmulas complexas (por exemplo, P∨Q é uma forma complexa que precisa ser
simplificada). Só existe uma maneira correta de simplificar as fórmulas complexas:
seguir as regras das árvores de refutação. Este método termina quando se encontra uma
inconsistência (ie, contradição como P e ¬P) ou quando não existe mais fórmulas para
simplificar. As regras de simplificação das fórmulas são as seguintes:

Tendo em conta estas regras e o que já se elucidou sobre as árvores de refutação,


tentemos ver se a seguinte forma argumentativa é válida ou não: P→Q, ¬Q ╞ ¬P. Para
isso começa-se por escrever a primeira premissa; na linha abaixo escreve-se a segunda
premissa e na linha seguinte escreve-se a negação da conclusão. Por uma questão de
orientação cada linha (ou passo de raciocínio) que se escreve deve ser numerada com o
ponto (1., 2., 3., etc…). O passo seguinte é simplificar a fórmula P→Q, devendo escrever-
se entre parênteses, ao lado do resultado da simplificação, o número de onde esta
resulta. Com isto já simplificamos a fórmula complexa existente. Agora resta questionar
se existe inconsistência ou não. Isto é, temos que procurar contradições. Quando
encontramos uma contradição num determinado ramo da árvore, o ramo fica fechado
e por isso assinalámos com um “X” por debaixo do ramo onde existe tal contradição e
escreve-se entre parênteses as linhas onde ocorre essa contradição. A forma
argumentativa só é válida se todos os ramos da árvore fecharem. Se existir pelo menos
um ramo que não feche, então o argumento será inválido. Vejamos então se a forma
argumentativa em análise é válida ou não:

Como se pode constatar, as linhas 1 e 2 são as premissas; a linha 3 é a negação da


conclusão e na linha 4 está presente a simplificação da condicional da linha 1. Agora é
importante questionar: será que todos os ramos da árvore fecham? Ou seja, será que
existe inconsistência em todos os ramos da árvore? Sim, de facto estão patentes
contradições: nas linhas 3 e 4 vemos uma contradição de P com ¬P; por isso esse ramo
pode fechar com um “X”. E nas linhas 2 e 4 existe uma contradição de ¬Q com Q; por
isso este ramo também pode fechar com um “X”. Ora, se todos os ramos da árvore
fecham, então esta forma argumentativa é válida.
Outro exemplo: será que a forma argumentativa P→Q, Q ╞ P é válida? Ao seguir-se o
mesmo método chega-se ao seguinte resultado:

Neste caso a forma argumentativa é inválida, pois nenhum ramo da árvore fechou. Mas,
basta existir pelo menos um ramo da árvore aberto para o argumento ser inválido, como
no seguinte exemplo:
Examinemos agora a validade de uma forma argumentativa mais complexa. Tentemos
determinar com o método das árvores de refutação se a seguinte forma argumentativa
é válida ou não: P ∨ Q, P→R, Q→S, ¬S ╞ P

Esta forma argumentativa é válida, pois todos os ramos da árvore fecham.

Que método o leitor prefere para analisar a validade dos argumentos: os inspetores de
circunstâncias ou as árvores de refutação? Porquê?
Um exercício para o leitor:
Formalize e teste a validade do seguinte argumento com o método das árvores de
refutação:

Temos o dever de promover o bem supremo. Se o bem supremo não


fosse possível, não teríamos o dever de o promover. Se Deus não
existisse, o bem supremo não seria possível. Logo, Deus existe.

Noções de lógica: derivações

anto os inspetores de circunstâncias como as árvores de refutação são métodos


mecânicos para se determinar a validade argumentativa. Porém, com isso não se
examina a justificação passo-a-passo para uma determinada conclusão. Ou seja, com
estes métodos o raciocínio não se exibe. Haverá então outro método que explicite todos
os passos argumentativos para se chegar a uma dada conclusão? Sim, esse método
chama-se dedução natural ou derivações. Este é um procedimento que parte das
premissas de um argumento procurando justificar cada passo de raciocínio até à
conclusão. A justificação de cada passo é feita a partir de um conjunto de regras que são
simples formas argumentativas válidas e que autorizam a realização de inferências. Só
se pode usar uma regra de inferência por cada passo. Assim, fica justificado de forma
rigorosa que a conclusão de um argumento se segue apropriadamente de determinadas
premissas. Vejamos, então, algumas básicas regras de inferência:

Nalgumas destas regras está presente o símbolo trigrama ≡ que significa que podemos
inferir a fórmula da direita para a esquerda e da esquerda para a direita; são logicamente
equivalentes. Um conjunto mais alargado de regras encontra-se aqui e aqui.

Para construir derivações vamos usar três colunas: a primeira faz a numeração dos
passos argumentativos. A segunda coluna começa por ter as premissas do argumento e
seguidamente é apresentado o que se infere das premissas e dos passos intermediários
do raciocínio até à conclusão final; este processo é feito a partir da aplicação das regras
de inferência, ao fazer-se o reconhecimento de simples padrões argumentativos. Na
terceira coluna estão patentes as justificações das inferências da segunda coluna. Para
se fazerem derivações é preciso ser criativo e pensar, por tentativa-erro, num caminho
válido que nos leve de forma gradual até à conclusão final.

Para começar a exemplificar o uso das derivações vamos utilizar a forma argumentativa
utilizada nas explicações anteriores dos inspetores de circunstâncias e das árvores de
refutação. A forma argumentativa é a seguinte: P ∨ Q, P→R, Q→S, ¬S ├ P. Nesta forma
argumentativa em vez do martelo semântico ╞ utiliza-se martelo sintático ├, uma vez
que este significa que a conclusão pode ser derivada (a partir das regras de inferência)
das premissas. A derivação é a seguinte:
1. P ∨ Q Premissa
2. P→R Premissa
3. Q→S Premissa
4. ¬S Premissa
5. ¬Q 3, 4, Modus tollens
6. P 1, 5, Silogismo hipotético
As primeiras 4 linhas são as premissas. A linha número 5 é o resultado da aplicação da
regra de modus tollens às linhas 3 e 4. E da linha 1 e 5 chegamos à conclusão final que
se pretendia demonstrar, a linha 6, com base na aplicação da regra do silogismo
hipotético.

As derivações também podem ser realizadas utilizando a estratégia de redução ao


absurdo. Para isso basta negar a conclusão da forma argumentativa e justá-la às
premissas de modo a encontrar-se uma contradição. A conclusão negada designa-se de
“premissa da redução”. Quando ao longo da derivação se chega à contradição, nega-se
a premissa da redução e deriva-se assim a conclusão final. Vejamos a derivação da forma
argumentativa anterior com recurso à redução ao absurdo:
1. P ∨ Q Premissa
2. P→R Premissa
3. Q→S Premissa
4. ¬S Premissa
5. ¬P Premissa da redução
6. Q 1, 5, Silogismo disjuntivo
7. S 3, 6, Modus ponens
8. ¬S∧S 4, 7, Introdução da conjunção
9. P 5, 8, Redução ao absurdo
Da linha 1 a 4 encontra-se as premissas. Na linha 5 está a premissa da redução com a
negação da conclusão da forma argumentativa. A partir disto tenta-se procurar uma
contradição. Para isso deriva-se alguns passos intermédios nas linhas 6 e 7 até se chegar
à contradição presente na linha 8. Ao encontrar-se a contradição constata-se que
chegamos a um absurdo, ou seja, se a conclusão do argumento fosse negada dava
origem a uma inconsistência. Portanto, para não existir inconsistência argumentativa,
temos de negar a premissa da redução derivando-se deste modo a conclusão final, o
que corresponde à linha 9.

Outro exemplo:
“Deus sabe antes de nascermos tudo o que faremos. Se Deus sabe antes
de nascermos tudo o que faremos, então nunca está em nosso poder
agir de outra maneira. Se nunca está em nosso poder agir de outra
maneira, então não há liberdade humana. Logo, não há liberdade
humana” (cf. Introdução à filosofia da religião, p. 247).
Interpretação deste argumento é a seguinte:
P: Deus sabe antes de nascermos tudo o que faremos.
Q: Estar em nosso poder agir de outra maneira.
R: Haver liberdade humana.
A partir desta interpretação conseguimos chegar à seguinte forma argumentativa:
P, P→¬Q, ¬Q→¬R ├ ¬R
Se recorrermos a um inspetor de circunstância ou a uma árvore de refutação
contataremos que esta forma argumentativa é válida, mas podemos explicitar os passos
do raciocínio desta forma argumentativa com a seguinte derivação:
1. P Premissa
2. P→¬Q Premissa
3. ¬Q→¬R Premissa
4. P→¬R 2, 3, Silogismo hipotético
5. ¬R 1, 4, Modus ponens
A derivação desta forma lógica pode ser realizada igualmente com recurso à redução ao
absurdo:
1. P Premissa
2. P→¬Q Premissa
3. ¬Q→¬R Premissa
4. R Premissa da redução
5. R→Q 3, Contraposição
6. Q 4, 5, Modus ponens
7. ¬Q 1, 2, Modus ponens
8. Q∧¬Q 6, 7, Introdução da conjunção
9. ¬R 4, 8, Redução ao absurdo

Um exercício para o leitor:


Formalize e demonstre a validade do seguinte argumento:
Temos o dever de promover o bem supremo. Se o bem supremo não
fosse possível, não teríamos o dever de o promover. Se Deus não
existisse, o bem supremo não seria possível. Logo, Deus existe.
O que é um monte de areia?
Quando é que temos um monte de areia? Certamente um grão de areia não é um monte
de areia. E dois grãos de areia? Também não parecem um monte de areia. E três? E
quatro? Então quando temos um monte de areia?

Ora,
(1) Um grão de areia não faz um monte de areia.
(2) Se não se pode fazer um monte de areia com n grãos de areia, então não se pode
fazer um monte de areia com n+1 grãos de areia.
(3) Logo, não se pode fazer um monte de areia com qualquer número de grãos de areia.

Podemos aceitar esta conclusão? Afinal o que é um monte de areia??? :S

É adequado interpretar “se… então…” como condicional


material?

Tendo em conta o que se passou na meia-final do Euro 2000 entre Portugal e França, podemos
formar a seguinte condicional indicativa:

(1) Se o árbitro principal não viu Abel Xavier a desviar a bola com a mão, então o árbitro
assistente viu.

As condicionais são comummente interpretadas como uma condicional material. Ou seja,


assume-se que as condicionais têm condições de verdade de tal modo que só são falsas
quando a antecedente é verdadeira e a consequente é falsa. Todas as restantes circunstâncias
são verdadeiras.

Na linguagem lógica a condicional material de (1) pode ser formulada por ¬P → Q, sendo
equivalente, como as suas condições de verdade mostram, a P ∨ Q ou a ¬ (¬P ∧ ¬Q).

Mas será um procedimento adequado interpretar a expressão da língua portuguesa “se...,


então...” como a condicional material?

Defenderei que a condicional não pode ser interpretada muitas vezes como uma condicional
material.

Considere-se uma condicional contrafactual, como:

(2) Se o árbitro principal não tivesse visto Abel Xavier a desviar a bola com a mão, então o
árbitro assistente teria visto.

As condicionais (1) e (2) parecem ter a mesma antecedente e consequente. Porém, têm
valores de verdade opostos. A condicional (1) é verdadeira, porque alguém da equipa da
arbitragem viu esse ato e ordenou a marcação de penalti contra Portugal. Todavia, a
condicional (2) é falsa, pois seria possível que Abel Xavier colocasse a mão na bola mas
ninguém da equipa de arbitragem visse esse gesto. Ora, se estas duas condicionais têm valores
de verdade diferentes, apesar de aparentarem ter a mesma antecedente e consequente,
então não podem ser ambas condicionais materiais.

Além disso, nas contrafactuais a antecedente da condicional é sempre falsa (i.e., contrafactual
é ser contrário aos factos), o que implicaria, caso seja interpretada como condicional material,
que a condicional fosse sempre verdadeira. Mas parece óbvio que nem todas as condicionais
contrafactuais são verdadeiras, como em (2). Logo, algumas contrafactuais não podem ser
interpretadas como condicionais materiais.

Mesmo no caso das condicionais indicativas é problemático aceitá-las sempre como materiais,
pois teríamos de reconhecer como condicional verdadeira que “Se Pinto da Costa é de Aveiro,
então é portuense”, porque tem antecedente falsa e consequente verdadeira. Mas é
altamente contraintuitivo aceitar isso, pois revela um erro de conexão geográfica.

Também não parece possível interpretar a condicional material em condicionais como esta:
“Se tem lesões, quantas tem?”. Trata-se de perguntas que não têm tipicamente valor de
verdade, como muitos atos de fala.

Portanto, em inúmeras situações seria inadequado interpretar o “se… então…” como uma
condicional material.
Colega, perdoe-me a minha ousadia, porque estudou certamente estas questões de um modo mais
profundo do que eu, mas tenho dúvidas em relação aos argumentos que apresenta: 1. A condicional (2) é
falsa, porque poderia acontecer que ninguém visse o gesto de Abel Xavier. Mas a (1) também poderia ser
falsa pela mesma razão, antes de ter acontecido. Aliás, como o antecedente e o consequente já estão
apurados, não vejo que em (1) exista uma implicação (apesar do "se"). Parece-me muito mais uma
conjunção: sabemos que o árbitro não viu e o fiscal viu. Se queremos colocar as coisas em termos
condicionais, temos que admitir a possibilidade de não ter acontecido desse modo. 2. Nas proposições
contrafactuais o antecedente é sempre falso? Mas o pressuposto é que, na hipótese de ser verdadeiro,
aquele consequente se verifique. Por vezes os encarregados de educação dizem-me: "se o meu filho
estudasse, ia muito longe. Ora, é falso que ele estude, mas, por vezes acontece que, se fosse verdade que
ele estudasse, poderia, de facto, ir muito longe. É disso que estamos a falar. 3. No terceiro argumento,
tenho dúvidas de que seja uma condicional, apesar do "se". "Quantas tem?" é um consequente? Terá essa
função naquele contexto? É condição necessária do antecedente? Só se a pergunta pressupuser que tem
algumas. Mas, nesse caso, já tem valor de verdade. Cumprimentos A. Montez

Muito obrigado A. Montez pela sua resposta e esclarecimentos pertinentes que ajudam a esclarecer
melhor as coisas. Deixo aqui alguns comentários breves para clarificar o texto sobre as condicionais: [1]
Refere que a condicional “(1) também poderia ser falsa pela mesma razão, antes de ter acontecido”. Sim…
porém, aí já não seria a condicional (1) mas teríamos uma nova condicional; por exemplo (1’): «Se o
árbitro principal não vir Abel Xavier a desviar a bola com a mão, então o árbitro assistente irá ver». As
condicionais (1) e (1’) são condicionais diferentes, uma refere-se a acontecimentos passados enquanto a
outra a futuros. De qualquer forma, situados no dia de hoje [ou, utilizando a linguagem da modalidade, no
mundo atual] a condicional (1) é claramente verdadeira, enquanto que (1’) é falsa, uma vez que nem
sequer o Abel Xavier presentemente joga ou irá jogar na seleção. Salienta também que (1) lhe parece
mais uma conjunção. Mas, como saberá, podemos fazer essa equivalência lógica sem problemas. Pois, ‘¬P
→ Q’ é logicamente equivalente a ‘¬ (¬P ∧ ¬Q)’ e vice-versa. Porém, não é por isso que deixa de ser
condicional. No entanto, defende que “Se queremos colocar as coisas em termos condicionais, temos que
admitir a possibilidade de não ter acontecido desse modo”. Sim, esse acontecimento foi contingente e não
necessário, portanto houve uma possibilidade de as coisas terem acontecido de outra forma. [2] “Nas
proposições contrafactuais o antecedente é sempre falso?” Sim, pois os condicionais contrafactuais
seguem a seguinte estrutura: «se P tivesse acontecido, Q teria acontecido», onde a suposição de que P
contradiz o facto sabido de que não-P. Portanto, o antecedente é falso. É só isto que se está a dizer – que
no mundo atual – a proposição expressa em P é falsa. Mas é claro que pode haver mundos possíveis em
que P é verdadeira – no entanto, nesse mundo P já não seria antecedente de uma contrafactual. [3] A
questão condicional “se tem lesões, quantas tem?” é muito parecida aquela que costuma aparecer nos
formulários “se tem filhos, quantos filhos tem?”. Isto parece uma condicional, pois basta não ter filhos
para não preencher esse campo do formulário. A questão interessante é saber se condicionais como esta
têm valores de verdade. Normalmente supõe-se que as condicionais têm valores de verdade e que podem
ser lidas como condicionais materiais; porém, isto é seriamente questionável. Recomendo alguma
bibliografia introdutória que pode ajudar a aprofundar este grande tema das condicionais: Edgington,
Dorothy (1995), “On Conditionals” in Mind, Vol. 104, 414, April. Priest, Graham (2008), An Introduction to
Non-Classical Logic, New York: Cambridge University Press. Santos, Pedro (2006), “Teoria das
Condicionais”, in Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, São Paulo: Martins Fontes.

Temos um paradoxo quando supostamente partimos de um argumento dedutivamente válido


e com premissas verdadeiras, mas que dão origem a conclusões inaceitáveis ou contraditórias.

Isto tem interesse filosófico, pois traz à discussão dificuldades lógicas e filosóficas que não se
conheciam e que são bastante desafiadoras.

Na Bíblia, na carta de São Paulo a Tito (1, 12-13), encontramos um exemplo de um paradoxo:

“Foi mesmo um desses, que era tido entre eles como profeta, que afirmou: «Os de Creta só
dizem mentiras. São animais perigosos e comilões preguiçosos». E esta opinião é bem verdade.
Portanto, tens de os repreender com firmeza para que eles vivam com fidelidade”.

Paradoxo do mentiroso na Bíblia

Tomemos atenção à expressão “Os de Creta só dizem mentiras” e chamemos M a esta


expressão. Além disso, consideremos que “mentir” é dizer falsidades e só falsidades. Tendo
isto em conta, podemos constatar que a pessoa P (a qual se chama Epiménides) que proferiu a
elocução M é um habitante de Creta. Ora, se é verdade que os de Creta são mentirosos, então
a pessoa P que proferiu a elocução M também é mentirosa. Assim, todos os habitantes de
Creta só dizem mentiras; P é habitante de Creta; logo, P só diz mentiras. Portanto, se P está a
dizer a verdade quando profere M, então P está a mentir.

Porém, vamos supor que P é o único habitante de Creta e que P só diz mentiras. Se P só diz
mentiras, inclusive com respeito a M, então P afirma que “agora estou a mentir”. Mas se P
afirma que está a mentir agora, então ele não está a mentir; pois está a dizer uma verdade.
Logo, se está a mentir, está a dizer a verdade. Então, P está a dizer a verdade ou a mentir?
Paradoxo: Se mentir, diz a verdade; e se diz a verdade, mente. Como resolver isto?

Tendo em conta este paradoxo (que é uma das versões do paradoxo do mentiroso) podemos
discutir o seguinte:

(1) Se considerarmos que Creta tem mais do que um habitante, será que este paradoxo
continua a gerar-se? Porquê?

(2) Será que este é um paradoxo genuíno? Porquê?

(3) Será que podemos bloquear este paradoxo? Se sim, de que forma?

(4) Considere a frase “Esta frase é falsa” e construa um argumento explícito para gerar um
paradoxo. Será que podemos resolver este paradoxo? Se sim, de que modo?

Lógica proposicional: outro método para determinar a


validade

Utilizar inspetores de circunstâncias é muito útil para testar a validade de argumentos. Mas
já imaginou tentar examinar a validade de um argumento com 8 variáveis proposicionais
(que corresponderia a um inspetor de circunstâncias com 256 linhas)? Seria certamente
uma tarefa pouco prática, demasiado fastidiosa e morosa.

Um método diferente, bastante simples e rápido, para examinar a validade dos


argumentos é o método das árvores de refutação, também designado por árvores
lógicas ou demonstrações em árvore (tree proofs).
A principal característica deste método é proceder por redução ao absurdo (em que se nega
uma proposição que se quer provar mostrando, por conseguinte, que isso dá origem a uma
inconsistência ou absurdo). Assim, o primeiro passo, quando temos uma determinada forma
lógica, é negar a conclusão e juntá-la às premissas. Seguidamente procura-se analisar se o
conjunto de proposições (as premissas e a negação da conclusão) é inconsistente ou não. Se
for inconsistente, então a forma lógica do argumento é válida. Se não for inconsistente, então a
forma lógica do argumento é inválida.

Para se examinar se existe inconsistência ou não, é preciso fazer a simplificação das fórmulas
complexas. Por exemplo, (P ∨ Q) é uma forma complexa que precisa ser simplificada. Só existe
uma maneira correta de simplificar as fórmulas complexas: seguir as regras das árvores de
refutação. Este método termina quando se encontra uma inconsistência (i.e., contradição como
P e ¬P) ou quando não existem mais fórmulas para simplificar. As regras de
simplificação das fórmulas são as seguintes:
Tendo em conta estas regras e o que já se elucidou sobre as árvores de refutação, tentemos ver se a
seguinte forma argumentativa é válida ou não:

(P → Q), ¬Q ∴ ¬P

Para isso, começa-se por escrever a primeira premissa; na linha abaixo escreve-se a segunda
premissa e na linha seguinte escreve-se a negação da conclusão. Por uma questão de
orientação, cada linha (ou passo de raciocínio) que se escreve deve ser numerada com o ponto
(1., 2., 3., etc.).

O passo seguinte é simplificar a fórmula (P → Q), devendo escrever-se entre parênteses, ao


lado do resultado da simplificação, o número de onde esta resulta. Com isto já simplificámos a
fórmula complexa existente. Agora resta questionar se existe inconsistência ou não. Isto é,
temos que procurar contradições. Quando encontramos uma contradição num determinado
ramo da árvore, o ramo fica fechado; por isso, assinalamos com um “X” por debaixo do ramo
onde existe tal contradição e escrevem-se entre parênteses as linhas onde ocorre essa
contradição. A forma argumentativa só é válida se todos os ramos da árvore fecharem. Se
existir pelo menos um ramo que não feche, então o argumento será inválido.

Vejamos, então, se a forma argumentativa em análise é válida ou não:


Como se pode constatar, as linhas 1 e 2 são as premissas; a linha 3 é a negação da conclusão e
na linha 4 está presente a simplificação da condicional da linha 1. Agora é importante
questionar: será que todos os ramos da árvore fecham? Ou seja, será que existe inconsistência
em todos os ramos da árvore? Sim, de facto estão patentes contradições: nas linhas 3 e 4
vemos uma contradição de P com ¬P; por isso, esse ramo pode fechar com um “X”. E nas
linhas 2 e 4 existe uma contradição de ¬Q com Q; por isso, este ramo também pode fechar
com um “X”. Ora, se todos os ramos da árvore fecham, então esta forma argumentativa é
válida.

Outro exemplo: será que a forma argumentativa (P → Q), ¬Q ∴ P é válida? Ao seguir-se o


mesmo método chega-se ao seguinte resultado:

Neste caso, a forma argumentativa é inválida, pois há pelo menos um ramo da árvore que não
fechou.

O que pensa o leitor sobre este método? Em lógica proposicional, que método prefere para
analisar a validade dos argumentos: os inspetores de circunstâncias ou as árvores de
refutação? Porquê?
Já agora deixamos um desafio: utilizando o método das árvores de refutação será que a
seguinte fórmula argumentativa é válida ou inválida?

(P ∨ Q), (P → R), (Q → S), ¬S ∴ P

Inspetores de circunstâncias ou tabelas de verdade


O Exame Nacional de Filosofia não refere “inspetores de circunstâncias”, mas “tabelas de
verdade”. O caso é que, se um inspetor é uma tabela, uma tabela não é necessariamente
um inspetor.

E passo a explicar a razão de isto ser assim.

Chama-se inspetor de circunstâncias, pois é exatamente isso que fazemos com um


inspetor – inspecionamos as circunstâncias em que ocorre verdade e falsidade num
determinado argumento e queremos ver se, nessas circunstâncias, há alguma em que a(s)
premissa(s) seja(m) verdadeira(s) e a conclusão falsa. Se tal existir, o argumento é
dedutivamente inválido.

Vamos supor um argumento simples com duas variáveis proposicionais, P e Q. Para P e Q há


quatro circunstâncias possíveis de ocorrência de verdade. Quando digo “ocorrência de verdade”
quero dizer que pode ser verdadeiro ou falso. É isso que significa ocorrer verdade numa
proposição. Assim, ou P e Q são ambos verdadeiros, ou P e Q ambos falsos. Ou P é verdadeiro e Q
falso, ou o contrário, isto é, P é falso e Q verdadeiro. Não existe mais nenhuma circunstância
possível onde ocorra verdade para P e Q. Ora, é perante estas quatro circunstâncias possíveis que
vamos aplicar o inspetor, indicando nele as premissas e as conclusões.

Utilizando num exemplo simples:

P – O João gosta de gelados


Q – A Ana gosta de amendoins

Argumento:

Se o João gosta de gelados, então a Ana gosta de amendoins


A Ana gosta de amendoins
Logo, o João gosta de gelados

Este argumento simples, ficará assim:

P, então Q
Q
Logo, P

Fazendo o inspetor:

P Q P→Q Q ╞P

V V V V V Válido

V F F F V Válido

F V V V F Inválido
F F V F F Válido

E chama-se inspetor de circunstâncias a este pequeno conjunto de tabelas de verdade


precisamente pela forma como o argumento é disposto na tabela, que nos permite ver se
é válido ou inválido.

O argumento lê-se da seguinte forma: na circunstância em que P é falso e Q verdadeiro,


o argumento é inválido, pois as premissas são todas verdadeiras e a conclusão falsa.
Como se vê, estou a falar da terceira circunstância. Em todas as outras circunstâncias, o
argumento passa o teste da validade dedutiva.

Agora vamos dar atenção à definição de validade dedutiva:

Um argumento é dedutivamente válido se for


impossível uma circunstância de verdade em que a(s)
premissa(s) seja(m) verdadeira(s) e a conclusão falsa.

No nosso exemplo, na terceira circunstância é o que acontece: as premissas são


verdadeiras e a conclusão falsa; logo, o argumento é inválido.

Falamos em circunstâncias de verdade pois queremos testar a validade formal dos


argumentos. E quando queremos fazer esse teste, temos de avaliar o argumento
supondo todas as condições de verdade possíveis.

Neste sentido, parece mais ajustado falar em inspetores de circunstâncias e não somente
em tabelas de verdade. E é por isso também que, se um inspetor de circunstâncias é um
conjunto de tabelas, um conjunto de tabelas não é necessariamente um inspetor.

Observação final: não é inteiramente correto ensinar no 10.º ano esta regra da validade,
já que os alunos não estão preparados para realizar inspetores. Assim, a forma mais
interessante de a ensinar, que tenho encontrado em bons manuais, é a seguinte:

Um argumento é válido quando é impossível, ou pouco


provável, que exista uma circunstância em que as
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.

Estou em crer que desta forma se aplica a definição tanto a argumentos dedutivos como
a não dedutivos.

A forma como queremos dizer, quer seja inspetores quer tabelas de verdade, não é,
contudo, consensual. Há quem pense tratar-se somente de ajuste de termos. A razão
que me faz pensar que “inspetor” é mais adequado é didática, isto é, entende-se melhor
o que se pretende com o conjunto de tabelas a partir das quais conseguimos inspecionar
a ocorrência de verdade.

Gerador de Tabelas de Verdade

http://blog.domingosfaria.net/2015/07/gerador-de-tabelas-de-verdade.html
Sistema dedutivo aristotélico

Aristóteles foi o primeiro a empreender um estudo sistemático de inferências dedutivas, sendo por isso
considerado o fundador da lógica. No coração da sua teoria lógica reside a silogística assertórica, que está
presente nos capítulos 1.1-2 e 1.4-7 do livro "Analíticos Anteriores". A silogística assertórica lida com
proposições não-modais tais como "Todo homem é mortal" ou "Alguns homens não são gregos". Normalmente
Aristóteles representa estas proposições por meio de uma certa construção artificial usando o verbo "pertence
a". Por exemplo, ele usa a frase "A pertence a todo B" em vez de "Todo B é A", e "A não pertence a algum B"
em vez de "Algum B não é A". Aristóteles foca-se em quatro tipos de proposições assertóricas, que são
habitualmente identificadas pelas letras "a" (universal afirmativa), "e" (universal negativa), "i" (particular
afirmativa) e "o" (particular negativa). Além disso, costuma-se usar a letra "X" para indicar que uma proposição
é não-modalizada. (Para indicar proposições modalizadas necessárias utiliza-se a letra "N", para indicar a
modalidade do que não é impossível utiliza-se a letra "M", e para o que não é necessário nem impossível utiliza-
se a letra "Q"). Assim, utilizando a notação de Marko Malink (2013) e de outros especialistas, podemos escrever
as quatro proposições da lógica assertórica da seguinte forma:

AaxB = A pertence a todo B = Todo B é A


AexB = A não pertence a nenhum B = Nenhum B é A
AixB = A pertence a algum B = Algum B é A
AoxB = A não pertence a algum B = Algum B não é A

Nesta notação, "A" representa o termo predicado, "B" o termo sujeito, e expressões como "ax", "ex", etc,
representam a cópula. Nos primeiros sete capítulo do livro "Analíticos Anteriores" desenvolve-se um sistema
dedutivo dessas proposições baseado nas regras de conversão e nos silogismos perfeitos da primeira figura.
Mas ainda no princípio, em 1.1-22, Aristóteles evidencia as três figuras de silogismo, as quais se podem
representar usando "x", "y" e "z" como símbolos para serem substituídos por uma cópula:

Primeira Figura: AxB, ByC ∴ AzC


Segunda Figura: Bxa, ByC ∴ AzC
Terceira Figura: AxB, CyB ∴ AzC

Para Aristóteles só existiam estas três figuras (vale a pena salientar que a quarta figura, bem com as regras
tradicionais de validade silogísticas, ou a distribuição dos termos, etc, são invenções posteriores a Aristóteles,
sobretudo medievais). Ora, ao substituirmos "x", "y" e "z" por cópulas concretas, obtemos os chamados
“modos” do silogismo. E alguns desses modos são válidos de acordo com Aristóteles, enquanto outros são
inválidos. Na lógica assertórica os modos válidos da primeira figura são os seguintes:

Barbara: AaxB, BaxC ∴ AaxC


Celarent: AexB, BaxC ∴ AexC
Darii: AaxB, BixC ∴ AixC
Ferio: AexB, BixC ∴ AoxC

Nos "Analíticos Anteriores", em 1.4, Aristóteles não só considera que estas quatro formas são válidas mas
também perfeitas. Ou seja, ele considera a sua validade como evidente, não sendo preciso qualquer prova para
mostrar a sua validade. Todavia, os modos que ele identifica como válidos na segunda e na terceira figura não
são perfeitos e, por isso, precisam de prova. De forma a provar a sua validade, Aristóteles faz uso dos silogismos
perfeitos da primeira figura e das seguintes regras de conversão:

Conversão-ex: AexB ∴ BexA


Conversão-ix: AixB ∴ BixA
Conversão-ax: AaxB ∴ BixA

Através desse método, nos capítulos 1.5-6 dos "Analíticos Anteriores", Aristóteles prova a validade dos
seguintes modos:

Segunda figura: Cesare, Camestres, Festino, Baroco.


Terceira figura: Darapti, Disamis, Datisi, Felapton, Ferison, Bocardo.
A prova desses modos válidos é feita por Aristóteles por deduções diretas ou por deduções indiretas (i.e. com
recurso à redução ao absurdo). Este sistema dedutivo aristotélico baseia-se em sete regras de dedução,
nomeadamente: as três regras de conversão e os quatro silogismos perfeitos da primeira figura. Neste sistema,
as deduções diretas começam com as proposições que são as premissas de um dado argumento, e cada uma
das proposições subsequentes é derivada a partir das proposições precedentes por meio de alguma das sete
regras de dedução. A última proposição será a conclusão da dedução. Por exemplo, em 1.5 27a9-14 dos
"Analíticos Anteriores" existe uma dedução direta de Aristóteles para provar a validade do modo Camestres da
segunda figura. Ou seja, quer provar-se que da premissa maior "BaxA" e da premissa menor "BexC" se pode
concluir validamente "AexC". Assim,

1. BaxA (premissa maior)


2. BexC (premissa menor)
3. CexB (de 2, por conversão-ex)
4. CexA (de 3 e 1, por Celarent)
5. AexC (de 4, por conversão-ex)

Portanto, como se pode ver, a validade de Camestres foi provada, pois a partir das premissas 1 e 2, e utilizando
as regras de dedução do sistema aristotélico, conseguimos chegar à conclusão da linha 5. No entanto, entre os
vários silogismos válidos da lógica assertórica, existem dois em que não se consegue provar a sua validade por
redução direta: o Baroco e o Bocardo. Apesar disso, Aristóteles consegue provar a validade desses silogismos
por deduções indiretas, ou seja, utilizando o método de redução ao absurdo. Deste modo, nas reduções
indiretas depois de se escreverem as premissas coloca-se logo de seguida a negação da conclusão, ou seja, a
contraditória da conclusão. Por exemplo, "AaxB" é contraditória de "AoxB" e vice-versa; do mesmo modo,
"AexB" é a contraditória de "AixB" e vice-versa. A esse passo de se colocar a contraditória da conclusão chama-
se "suposição". A partir daí procede-se a várias derivações, utilizando algumas das sete regras de dedução, até
se encontrar duas proposições que são contraditórias ou incompatíveis. Deste modo, se derivamos a partir da
suposição inicial proposições contraditórias ou incompatíveis, então essa suposição é falsa e por isso devemos
concluir a negação da suposição. Vejamos, então, por exemplo a prova para Baroco (da segunda figura) em que
se tenta mostrar que as premissas "BaxA" e "BoxC" implicam a conclusão "AoxC":

1. BaxA (premissa maior)


2. BoxC (premissa menor)
3. AaxC (suposição; negação da conclusão de Baroco)
4. BaxC (de 1 e 3, por Barbara)
5. ⊥ (2 e 4, contraditórias)
6. AoxC (de 3 e 5, por reductio)

Nesta prova, na linha 3, começou-se pela suposição para a redução ao absurdo. Por conseguinte, a linha 4 é
justificada por Barbara (que é uma das regras de dedução deste sistema). Depois encontramos proposições
contraditórias nas linhas 2 e 4; por isso, a suposição inicial é falsa e, assim, concluímos no final a negação dessa
suposição. QED! Mostramos dessa forma que a conclusão "AoxC" se segue validamente das premissas; portanto
Baroco é válido. Com este sistema de deduções diretas e indiretas consegue-se provar todos os restantes
silogismos válidos da lógica assertórica. É fantástico ver como é que Aristóteles inventou todo este sistema
dedutivo para a lógica assertórica silogística (sobretudo se pensarmos que este sistema tem mais de 2300 anos
e ainda hoje mantém a sua relevância). Mas, além disso, no campo da lógica Aristóteles também criou o seu
sistema de lógica modal silogística deixando em aberto alguns problemas que ainda hoje continuamos a tentar
resolver. Uma das mais recentes respostas a esses problemas encontra-se no excelente livro "Aristotle’s Modal
Syllogistic", de Marko Malink, que foi publicado no ano passado. A lógica aristotélica continua bem viva!

Um desafio para o leitor: tente resolver as restantes deduções (diretas ou indiretas) que provam os silogismos
válidos da lógica aristotélica e deixe a sua resolução nos comentários a este texto.

Paradoxo da Cognoscibilidade e a Doutrina da Encarnação

Um dos paradoxos mais interessantes em lógica epistémica (ver aqui apontamentos sobre esta lógica) é
o paradoxo da cognoscibilidade. Esse paradoxo resulta da prova de Frederic Fitch (1963) de acordo com a qual
um princípio aparentemente modesto da cognoscibilidade (PC), de que cada verdade é em princípio conhecível,
implica uma alegação absurda de que somos omnisciente (O), de que de facto sabemos todas as verdades. Ou
seja, o paradoxo da cognoscibilidade mostra que se segue da afirmação de que todas as verdades são
cognoscíveis que todas as verdades são conhecidas. Ou de um modo mais formal:

∀p(p→◊Kp) ├ ∀p(p→Kp)

A prova é relativamente simples:

(PC) ∀p(p→◊Kp) [princípio da cognoscibilidade]


(¬O) ∃p(p∧¬Kp) [princípio de que não somos omniscientes]
(1) ∴ p∧¬Kp [instância de ¬O]
(2) ∴ (p∧¬Kp)→◊K(p∧¬Kp) [instância de PC, substituindo a linha 1 pela variável p em PC]
(3) ∴ ◊K(p∧¬Kp) [de 1 e 2, por modus ponens]

Contudo, pode ser mostrado independentemente que é impossível saber esta última conjunção. Ou seja, a
linha 3 é falsa. Para isso considere-se o seguinte:

(4) K(p∧¬Kp) [suposição para a redução ao absurdo]


(5) ∴ Kp∧K¬Kp [de 4, dado que o conhecimento de uma conjunção implica o conhecimento dos seus conjuntos]
(6) ∴ Kp∧¬Kp [de 5, dado que o conhecimento implica verdade (aplicado ao conjunto do lado direito)]
(7) ∴ ¬K(p∧¬Kp) [de 4 a 6, por redução ao absurdo]
(8) ∴ □¬K(p∧¬Kp) [de 7, pela regra de necessitação]
(9) ∴ ¬◊K(p∧¬Kp) [de 8, dado que proposições necessariamente falsas são impossíveis]

Tal como se pode constatar, a linha 9 contradiz a linha 3. Assim, segue-se de PC e ¬O uma contradição. Por isso,
o defensor de PC, de que todas as verdades são cognoscíveis, deve negar ¬O, i.e., negar que não somos
omniscientes:

(10) ∴ ¬∃p(p∧¬Kp)

E daqui se segue que todas as verdades são efectivamente conhecidas:

(11) ∴ ∀p(p→Kp)

Portanto, o defensor de PC, de que todas as verdades são cognoscíveis (ou possíveis de conhecer), é forçado
absurdamente a admitir que todas as verdades são conhecidas, i.e., que somos omniscientes.

Para escapar a essa conclusão absurda em vez de se negar ¬O pode-se negar PC, defendendo-se que não é o
caso que todas as verdades sejam cognoscíveis ou possíveis de conhecer. Um dos problemas é que o Cristão
tradicional em princípio não poderá enveredar por essa manobra, tal como defendido por Jonathan Kvanvig
(2010), dado que entra em conflito com a doutrina da encarnação.

Para se ver isso, suponha-se que a solução de Thomas Morris (1986) para o puzzle lógico sobre a encarnação é
a mais plausível e, do mesmo modo, que a doutrina da encarnação exige que não haja conflito nas propriedades
essenciais da divindade e nas propriedades essenciais da humanidade plena (ver aqui). Ora, se Morris tem
razão, então uma propriedade essencial de qualquer ser plenamente humano é que todas as verdades são
cognoscíveis, ou possíveis de conhecer, para um tal ser. Mas porquê? Isto porque Deus é essencialmente
omnisciente; mas a propriedade essencial de ser omnisciente é incompatível com a propriedade essencial de
haver verdades incognoscíveis - desse modo, nada poderia ser divino e plenamente humano, tal como Cristo,
sem que haja uma propriedade essencial de seres plenamente humanos de que todas as verdades são
cognoscíveis por eles. Deste modo, o Cristão tradicional aparentemente não pode escapar ao paradoxo da
cognoscibilidade ao negar PC. Como resolver, então, esse paradoxo?

Um puzzle filosófico sobre a encarnação de Deus

No Natal celebra-se a encarnação de Deus. Ora, a doutrina cristã da encarnação é a alegação de que Jesus Cristo
foi Deus encarnado. Tal como é tradicionalmente entendida, isto não significa que Jesus foi um profeta especial
nomeado por Deus ou que ele foi adotado por Deus. Pelo contrário, a doutrina da encarnação é a alegação de
que o ser humano Jesus de Nazaré foi e é Deus. Esta doutrina foi defendida no concilio de Niceia (no ano de
325), e está bem explícita no credo que aí surgiu, onde se evidencia a divindade de Cristo e igualmente a sua
humanidade. Mais tarde no concílio de Calcedónia (no ano de 451) procurou-se defender que Jesus Cristo é
inteiramente Deus e inteiramente humano, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

No entanto, esta doutrina da encarnação é suscetível a interessantes paradoxos ou puzzles filosóficos. Por
exemplo, pode-se argumentar que é uma verdade necessária que Deus é omnipotente e omnisciente. Esta
verdade advém do próprio conceito de Deus, ou seja, um ser que não tenha esses atributos não pode ser
qualificado como divino. Ora, também parece uma verdade necessária que nenhum ser humano pode ter
conhecimento e poderes infinitos; ser humano é ser finito. Com isto pode-se ver por que razão parece
impossível haver um ser que é inteiramente divino e simultaneamente inteiramente humano. Pois, ser
inteiramente divino é reunir todas aquelas condições necessárias para a divindade, tal como ser omnipotente
e omnisciente. Mas, por outro lado, ser inteiramente humano exige que uma pessoa seja limitada no poder e
conhecimento. Deste modo, uma pessoa que é inteiramente divina e inteiramente humana será, por um lado,
um ser omnipotente e omnisciente e, por outro lado, será simultaneamente um ser limitado em poder e
conhecimento. Ora, esta é uma descrição logicamente inconsistente. Portanto, daqui parece que se pode
concluir que a doutrina da encarnação nem sequer é possivelmente verdadeira; por outras palavras, esta
doutrina representaria, se este raciocínio estiver correto, uma impossibilidade metafísica. Seguindo Thomas
Senor (2007), para se ver melhor o puzzle que está aqui em causa vale a pena formalizar explicitamente o
argumento:

(1) Suposição: É possível que Jesus Cristo seja simultaneamente divino e humano. [Suposição para a reductio].
(2) Necessariamente, qualquer coisa que é Deus (i.e. divina) é omnipotente. [Premissa]
(3) Necessariamente, qualquer coisa que é humana não é omnipotente. [Premissa]
(4) É possível que Jesus seja simultaneamente omnipotente e humano. [De 1 e 2]
(5) É possível que Jesus seja simultaneamente omnipotente e não omnipotente. [De 3 e 4].
(6) Mas não é possível que Jesus seja simultaneamente omnipotente e não omnipotente. [Premissa]
(7) Logo, não é possível que Jesus Cristo seja simultaneamente divino e humano. [De 1, 5 e 6].

Este é um argumento válido. Mas será sólido? As premissas (2) e (3) parecem verdades necessárias que derivam
respetivamente dos conceitos de Deus e humanidade. Pode-se conceder que tais premissas têm pelo menos
uma certa plausibilidade “prima facie”. Quanto à premissa sobrante, a premissa (6), pode-se justificar que não
expressa nada mais do que a “lei da não-contradição” que diz que nada pode ser simultaneamente verdadeiro
e falso; numa linguagem lógica ¬(P∧¬P). Assim, se Jesus Cristo é inteiramente Deus e inteiramente humano, e
se ser Deus implica ser omnipotente e ser humano implica não ser omnipotente, então a doutrina da
encarnação está comprometida com uma contradição (Jesus é omnipotente e Jesus não é omnipotente),
violando assim uma regra básica da lógica clássica: a lei da não-contradição. Deste modo, esta doutrina da
encarnação seria inconsistente. Como resolver este puzzle?

Para se tentar resolver o puzzle e, assim, para se defender a coerência da doutrina da encarnação pode-se
recorrer a várias estratégias. Uma dessas estratégias é negar a premissa (2). Por exemplo, o filósofo católico
Peter Geach (1973) defende que “um cristão não deve acreditar que Deus pode fazer tudo: pois ele não pode
acreditar que Deus poderia possivelmente quebrar a sua própria palavra. Nem sequer pode um cristão acreditar
que Deus pode fazer tudo o que é logicamente possível; pois quebrar a sua própria palavra é certamente um
feito logicamente possível”. A ideia de Geach é substitui o atributo de “omnipotente” (omnipotent) pelo
atributo de “todo poderoso” (almighty), pois enquanto o primeiro atributo significa habilidade para fazer tudo
e é suscetível a paradoxos, o segundo atributo significa o poder de Deus sobre todas as coisas e aparentemente
não tem tais consequências paradoxais. Outra via de negar a premissa (2), que é conhecida na teologia como
“kenosis”, pode consistir em argumentar-se que de modo a se torna humano, Deus teria de abandonar (pelo
menos temporariamente) aquelas qualidades da divindade que são inconsistentes com a sua encarnação
humana. Deste modo não seria uma verdade necessária que Deus é sempre e em todas as circunstâncias um
ser omnipotente ou omnisciente. Ora, isto parece que vai ao encontro do que São Paulo afirma na carta aos
filipenses (2, 6-7): “Ele [Jesus Cristo], que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual
a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo, tornando-se semelhante aos
homens”. Assim, uma vez apropriadamente «esvaziado» de certos atributos, parece que já não há
inconsistência em Deus assumir a natureza humana. Agora a questão interessante é argumentar em que
medida ao «esvaziar-se» ou ao abandonar (ainda que temporariamente) certas qualidades paradigmáticas
divinas, Jesus continuaria a ser “inteiramente divino”.
Uma outra alternativa para se tentar solucionar o puzzle é negar a premissa (3). Por exemplo, filósofos como
Thomas Morris (1986) e Richard Swinburne (1994) procuram argumentar que “não se ser omnipotente” é
extremamente comum entre os seres humanos, mas daí não se segue que isso é uma propriedade essencial da
humanidade, da mesma forma que ser “o líquido incolor, inodoro e insípido, que enche os rios e os oceanos,
que serve para matar a sede” é extremamente comum entre as coisas que são água, mas daí não se segue que
isso é uma propriedade essencial da água. Além disso, argumentam que aquilo que atualmente sabemos sobre
a natureza humana não pode excluir de forma óbvia a possibilidade da natureza humana torna-se intimamente
associada com uma natureza divina e com tudo o que isso envolve. Outra via diferente de argumentação de
Morris e Swinburne, igualmente para negar a premissa (3), consiste em defender a possibilidade de “duas
mentes” em Jesus Cristo, ou seja, Jesus Cristo tem uma mente humana e uma mente divina (embora a primeira
tivesse primazia). Ora esta perspetiva parece que pode explicar como Cristo poderia ser ignorante em algumas
coisas (Cf. Mt 24, 36) e noutras coisas omnisciente; assim, a ignorância seria uma função de uma mente humana
consciente enquanto a omnisciência seria uma função da mente divina consciente. Porém esta perspetiva da
dualidade de mentes tem as suas dificuldades: de acordo com a definição de Calcedónia não há senão uma
única pessoa na encarnação; ora, a questão interessante é a de saber se duas mentes podem ser uma só pessoa.

De forma a se tentar resolver o puzzle da encarnação de Deus pode-se ainda procurar negar a premissa (6). Tal
como vimos acima, esta premissa está fundamentada numa das mais importantes regras da lógica clássica: a
lei da não-contradição. Então, como se poderá negar esta premissa? Uma hipótese seria rejeitar a própria lei
da não-contradição, tal como faz p.e. Graham Priest (2000), ao adotar-se uma perspetiva dialeteísta e uma
lógica paraconsistente, mostrando-se que é melhor do que a lógica clássica. Segundo o dialeteísmo uma
afirmação e a sua negação são por vezes ambas verdadeiras, ou seja, algumas contradições são verdadeiras, o
que permite tentar resolver entre outros o “paradoxo do mentiroso”. Ora, se esta perspetiva lógica for
plausível, talvez se possa negar (6) nessa base. Uma outra hipótese seria continuar a aceitar a lei da não-
contradição, bem como a lógica clássica, e ainda assim negar a premissa (6). Mas como fazer isso? Para se fazer
isso pode-se argumentar que Jesus Cristo difere do resto da humanidade num aspeto muito importante: ele
tem duas naturezas, uma divina e outra humana. Assim, quando dizemos que Jesus é omnipotente, o que
estamos realmente a afirmar é que Jesus Cristo, enquanto natureza divina, é omnipotente; e quando dizemos
que Jesus não é omnipotente, o que estamos realmente a dizer é que Jesus Cristo, enquanto natureza humana,
não é omnipotente. É verdade que se Jesus Cristo tivesse uma única natureza, então a afirmação que ele é
simultaneamente omnipotente e não omnipotente violaria a lei da não-contradição. Todavia, não há
contradição ao dizer que enquanto natureza divina Jesus Cristo é omnipotente e enquanto natureza humana
ele não é omnipotente, tal como não há contradição ao dizer-se p.e. que uma maça é vermelha enquanto casca
e não é vermelha enquanto parte interior. Esta linha de argumentação foi desenvolvida por filósofos como
Eleonore Stump (2004) e Brian Leftow (2004) que conceberam, com inspiração em Tomás de Aquino, um
modelo composicional da encarnação no qual Deus encarnado é uma entidade composta de propriedades
divinas e propriedades humanas. No entanto esta perspetiva composicional também tem os seus desafios, pois
na doutrina da encarnação afirma-se que embora Jesus Cristo tenha duas naturezas, não há senão uma única
pessoa e, portanto, um único sujeito de predicação. Ora, mesmo que concedamos que a parte divina é
omnipotente e a parte humana não é omnipotente, a questão interessante é a de saber se o “Deus
composicional encarnado” é ou não omnipotente.

Neste post não é possível explorar todas as tentativas de solução do puzzle da encarnação de Deus, bem como
as suas objeções e contra objeções, com todo detalhe e rigor que elas merecem. De qualquer forma, para quem
tiver curiosidade de entrar neste debate recomendo a leitura atenta do livro “The Metaphysics of the
Incarnation”, de 2011, editado pelos filósofos Anna Marmodoro e Jonathan Hill. Neste livro vários filósofos
exploram, a partir de diferentes pontos de vista, como um modelo rigoroso e coerente da encarnação de Deus
pode ser filosoficamente defendido nos dias de hoje. Portanto, aqui fica o meu desafio para o natal: que
tentativa de solução do puzzle da encarnação lhe parece mais plausível? Ou, pelo contrário, considera o puzzle
insolúvel?

VIDE http://www.pucsp.br/~logica/

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