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Xamanismo Tradicional
Apostila Aula 01
RELIGIÃO
E XAMANISMO
A religião é uma área de conhecimento, e como tal ajuda a com-
preender o ser humano. Como a arte, a filosofia, a ciência, a religião
tem todo um conjunto de elementos que fundamentam sua práti-
ca. O xamanismo é considerado por muitos teóricos, arqueólogos,
antropólogos, cientistas da religião etc., como a primeira religião,
e por isto existem traços do xamanismo em todas as religiões: no
Budismo, no Judaísmo, no Taoísmo, no Cristianismo etc.

Atualmente quando a maioria das pessoas ouvem a palavra xam-


anismo pensam em culturas indígenas americanas, outros rec-
lamam por que não pajelança se estão no Brasil. O xamanismo
não se refere apenas à espiritualidade indígena. É certo que os
indígenas foram os grandes responsáveis por manterem a cultura,
as Medicina da Floresta, mas as práticas se originaram no homem
primitivo, no paleolítico.
As raízes do xamanismo são arcaicas e alguns antropólogos
chegam a pensar que elas recuam até quase tão longe quanto a
própria consciência humana. As origens do xamanismo datam de
40.000 a 50.000 anos, na Idade da Pedra. Antropólogos têm estu-
dado xamanismo nas Américas; do Norte, Central, Sul, África, Ori-
ente etc.

Nas cavernas encontramos dezenas de imagens, de um momento


da história onde possivelmente nasceu o xamanismo. Descober-
ta em 1994, a Caverna de Chauvet, no sul da França, tem cerca
de 400 metros de extensão e guarda relíquias de mais de 30.000
anos. São verdadeiros painéis onde podemos ver os primórdios da
relação entre o ser humano e os espíritos animais. Podemos ver
até um crânio de urso num possível altar.
A figura da gruta de Les Trois Frères nos Pirineus frances-
es que foi chamada de Feiticeiro Dançador, é considerada
por alguns estudiosos como representando um xamã. Uma
criatura masculina vista de perfil olha de frente para quem
a contempla com os seus olhos muito redondos. Todas as
partes da sua anatomia parecem pertencer a um deter-
minado animal: orelhas de lobo, chifres de veado, rabo de
cavalo e patas de urso. E no entanto o efeito geral é noto-
riamente humano. Outra interpretação possível é a de que
represente um espírito Senhor dos Animais personificando
simultaneamente a essência de todas as espécies.
Também da mesma época a imagem de um homem meio humano
meio leão da montanha também é bem conhecida.1 Esculpida a
partir da presa de uma escultura gigantesca combina animal com
atributos humanos. Beastly é a cabeça do leão, o corpo alongado
e os braços na forma de corridas e patas de um gato grande, per-
nas humanas e pés e a postura ereta. Novas observações durante
a restauração sugerem que a estatueta foi identificada como do
sexo masculino. Em qualquer caso, a vista fantástica do homem
leão como uma relíquia única para o mundo espiritual do povo da
última era do gelo, mesmo se não podemos decifrar a sua visão de
mundo complexo seguro.

O primeiro tratado sobre xamanismo vem da Sibéria (altaicos, ia-


cutes, buriatas, tungues, vogul, samoiedos, etc.). Acredita-se que os
homens/xamãs teriam emigrado durante as grandes glaciações
seguindo rebanhos de renas. Eles passaram pelo estreito de Ber-
ing ou por uma ponte terrestre que ligava os dois continentes e se
espalharam pelo mundo.

1 A figura maior e mais espetacular de marfim é o leão-homem, uma criatura mítica de


animais e seres humanos. Fragmentos de escultura tinha sido descoberto na Caverna
Stadel em Hohlenstein no vale de Lone, no último dia da campanha de escavações em
1939, que foi cancelado por causa da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Apenas cerca
de 30 anos mais tarde, as peças de marfim foram identificados como partes de uma
figura, mais duas décadas se passaram até a estatueta foi restaurado profissionalmente.
No entanto, ainda carecia de partes importantes da figura.
Para Mircea Eliade, filosofo romeno, o homem se constitui no mun-
do com a simbolização da realidade circundante. Quando o homem
saí da situação de sujeito das circunstâncias dadas, em que vive
como sujeitado das condições da realidade imediata, como o caso
de alimentação, por exemplo, em que depende de um horizonte
muito pequeno de relações, que possam dar sentido para a situ-
ação dada, ele parte para a constituição da realidade a partir de
sua percepção da mesma.

Para Eliade, no momento em que o homem simboliza a realidade,


esta, ganha um sentido totalmente diferenciado, e este sentido
possibilita a temporalidade. (Eliade, 1971)

A temporalidade é um ponto fundamental deste primeiro estalo de


uma consciência nascente, pois com este momento o homem pode
planejar o futuro, a partir de uma acumulo da experiência anterior,
que de uma proto-linguagem imagética (pré-reflexiva), começa a
criar a possibilidade de investigar a sua experiência e se projetar
no mundo.
“O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais
profundos – que desafiam qualquer outro meio de conheci-
mento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações
irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessi-
dade e preenchem uma função; revelar as mais secretas
modalidades do ser” (Eliade, 2002, P. 8 E 9)

Ao simbolizar um objeto qualquer, este passa a fazer parte de um


sistema complexo, que cria uma unidade entre estados e espaços
da natureza que antes não tenham relação, a ponto de Eliade poder tra-
balhar em classes de hierofanias, e morfologias na análise com-
parada das religiões. É um sistema de significação que garante ao
homem constituir sentido, à sua existência e em consequência o
mundo.

Esta capacidade de simbolização é gênese do ser-no-mundo, do


homem propriamente dito. A este estado primordial, que é gênese
do ser/mundo Eliade da o nome de homo-religiosus. Eliade co-
menta,
“Portanto, o historiador da religião está em posição de com-
preender a estabilidade do que se tem chamado a situação
específica e existencial do homem como ‘estar no mundo’,
porque a experiência do sagrado é seu correlato. Na reali-
dade o feito do homem ter se dado conta de sua própria for-
ma de viver e assumir sua presença no mundo constitui uma
experiência religiosa” (Eliade, 1971, p. 21)

O homo-religiosus é então a chave interpretativa que pode abrir


uma possibilidade de interpretação de um humanismo viável para
a época contemporânea. E esta possibilidade de ampliar as possi-
bilidades de entendimento do homem, a partir de uma ontogênese,
é um caminho que possibilitará uma análise mais alinhada com o
fato religioso em si, em sua própria escala (Eliade, 1971, p. 20).

UM BREVE ESTUDO
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Numa leitura pós-romântica, na figura de Friedrich Schleiermarcher,
vemos uma possibilidade do sentimento do sagrado a partir da ex-
periência individual, interior, contrapondo o pensamento moderno
e positivista da época, que vi a experiência religiosa como infantil e
ultrapassada. Esta noção de interioridade é que se expande muito
na história das religiões. Schleiermarcher é o precursor da her-
menêutica e da fenomenologia da religião, sua obra é de grande
influência na ciência das religiões. Mas vamos avaliar a tendência
que leva a pensar a experiência religiosa sobre o aspecto da indi-
vidualidade.

Michel Meslin, historiador francês, professor de história compara-


da das religiões e de antropologia religiosa à Universidade de
Sorbone –Paris, comenta esta passagem da experiência religio-
sa, e lembra que no seu Discours aux gens cultives, sur la religion
(1799), Schleiermacher, está chamando a atenção para o fato que
o objetivo da religião é orientar a alma para o infinito.
“Esse primeiro ensaio corresponde totalmente à experiência
pessoal do autor, a do pietismo, que impregnou sua infância
e adolescência. É a partir desse núcleo experimental que ele
vai desenvolver a tese da imediatez da experiência de Deus,
quer dizer, do caráter existencial da revelação que o homem
recebe em sua própria existência e que não é o resultado de
um estudo longamente executado sobre idéias e conceitos
definidos por um magistério qualquer. Essa revelação pes-
soal é de fato a iluminação interior que se dá, como expli-
ca a teoria pietista, depois da conversão individual” ( Meslin,
1992, p. 93).

Como vimos, na visão de Meslin, Scheleiermacher dá um salto em


relação a chamada religião natural do iluminismo, que via esta
como um momento específico na história, e que está ultrapassada
pela razão. Schleiermacher abre a possibilidade da experiência da
religião como uma abertura para o todo, o uno, e esta experiência é
particular e parte da conversão do sujeito que se disponibiliza para
este sentimento.

Aqui a palavra sentimento é uma chave interpretativa pois Schlei-


ermacher usa esta palavra para designar esta experiência intima
da religião. Este sentimento é uma intuição do sagrado, que an-
tecede a reflexão. É pré-reflexivo, e está muito próximo com que
havíamos falado a pouco.
Esta intuição é fundamental para a vivência do sagrado. Schleier-
marcher distingui de certa forma, intuição de sentimento. Senti-
mento é uma experiência de pura fruição, passiva, enquanto que
a intuição é o processo pelo qual o sujeito apreende o objeto do
divino; “ela constitui a consciência objetiva do indivíduo” (Meslin,
1992, p. 95).

Em contraponto, um século depois, William James, Psicólogo e Fi-


losofo pragmatista, busca em sua obra The varieties of religious
experience, busca, analisando, um conjunto de relatos de conver-
tidos, principalmente metodistas, que a experiência do sagrado
só pode ser avaliada em relação com o sujeito que experimentou
a sentimento religioso. James está totalmente influenciado pela
prática pragmática e do empirismo radical, mas está certo que a
experiência religiosa só pode ser percebida nos sujeitos, e não fora
deles a certeza da manifestação divina esta no relato dos entre-
vistados, não sendo pura subjetividade, independente de qualquer
doutrina, a certeza da experiência divina é dada pela intenção da fé
do sujeito, que crê estar diante a ação divina. (Meslin, 1992, p. 103)

Estas teorias são muito importantes para a realização de uma reto-


mada da experiência religiosa que havia sido deixada de lado pelo
iluminismo, que via nestas vivências uma estagio inferior da mente
racional. Mas também temos uma entrada para uma subjetividade que
é vista por Rudolf Otto, como um problema para a experiência do
sagrado.

Rudolf Otto, alinhado com os conceitos kantianos, vê na experiên-


cia do sagrado um conhecimento apriori irracional. Para Otto,
não podemos ter acesso ao sagrado, pois a maneira kantiana,
não podemos ir as coisas mesmas, mas podemos ter acesso aos
fenômenos. A partir de um contato irracional com a realidade o
homem tem acesso ao Numinoso. O Numinoso é uma categoria de
contato com o sagrado. E aparece de várias formas:

O mistério da criatura, Mysterium Tremendum (Arrepiante,


majestas, aspecto energético e o totalmente outro), o aspec-
to fascinante, assombroso etc., são elementos que tem em
comum provocar no sujeito um sentimento de total alteri-
dade, de respeito e de reverência. O Excelsior, a experiência
que vemos nas artes, enfim, toda experiência que retira o
homem de seu cotidiano e o eleva ao estado de estranha-
mento com o desconhecido. (Otto, 2007).
Mas o numinoso, a pesar de não ser o divino em sí, é a forma do
sujeito abrir-se para o contato com o sagrado.

“O sagrado, no sentido pleno da palavra, é para nós, portan-


to, uma categoria composta. Ela apresenta componentes ra-
cionais e irracionais, Contra todo sensualismo e contra todo
evolucionismo, porém, é preciso afirmar com todo o rigor
que em ambos os aspectos se trata de uma categoria es-
tritamente a priori”

“Por um lado, não há como fazer evoluir a partir de per-


cepções sensoriais as idéias racionais do absoluto, da per-
feição, necessidade e essência [Wesenheit], tampouco a
noção do bem como valor objetivo com a validade normativa
objetiva. ‘Epigênese’, ‘heterogênia’ e todos os demais expedi-
entes terminológicos nessa área apenas encobrem o prob-
lema” (Otto, 2007, p. 150).
Otto está certo que não há como fugir da certeza de que o sagra-
do está mais além da subjetividade, ele não é fruto de nenhuma
experiência que não tenha em sai uma categoria que esta sendo
ativada. Otto cita o prefácio da Critica da Razão Pura de Kant, numa
passagem muito conhecida, que versa sobre a inversão que Kant
estabelece no empirismo, assim como no racionalismo. A pas-
sagem citada por Otto é aquela em que Kant, comenta que não há
experiência que não tenha sua formação no interior das categorias
mentais. Toda experiência nada seria se não fosse as categorias a
priori do entendimento, que moldam e dão forma as impressões
dos sentidos.

“o sentimento do numinoso é desse tipo. Ele eclode do ‘fun-


do d’alma’, da mais profunda base da psique, sem dúvida
alguma nem antes nem sem estímulo e provocação por
condições e experiências sensoriais do mundo, e sim nas
mesmas e entre elas. Só que não emana delas, mas através
delas. Trata-se de estímulo e ‘desencadeamento’ para que a
sensação do numinoso se ative, ao mesmo tempo em que,
inicialmente de forma inadvertida e imediata, se entrelace
e entreteça com o mundano-sensorial, para então em-
preender gradativa purificação, afastando de si este último
e colocando-o como oposto a si próprio” (Otto, 2007, p. 151).
A pesar de ter algumas críticas à Otto, Eliade tem aqui uma gênese
de sua teoria de heterogeneidade do espaço, que compõe a dialéti-
ca entre o sagrado e o profano.

Estas manifestações do sagrado, que podemos ver tem uma


relação direta com a modernidade, pois vemos como o sujeito tem
a experiência do numinoso a partir de seu aparato mental, com
suas categorias, que como pudemos ver é individual, é analisado
de forma mais abrangente, quando vemos que a fenomenologia
vê nestas vivências intencionais formas de constituição do mundo,
que para Eliade são fundamentais.

Este caráter individual da experiência do sagrado, aqui superada,


pois aponta para um dado mais coletivo, pois em Otto, a pesar de
termos uma noção totalmente kantiana, podemos observar que o
sagrado não é só uma vivência subjetiva, mas uma experiência que
tem uma base em comum, de elementos exteriores que provocam
este sentimento primeiro, de espanto e assombro.

Mircea Eliade vai superar esta posição de Otto, de que a análise do


sagrado deve ser vista sobre o ponto de vista irracional, propondo
que o sagrado é fruto de uma dialética entre o sagrado e o pro-
fano, como que em contraste ao criar o mundo, ao quebrar a ho-
mogeneidade do espaço, o homem cria o sagrado como espaço de
criação, de repetição do primeiro momento do homem no mundo,
e em seu contraste, o restante, que é o profano.

O profano então como dialeticamente constituído a partir sagrado


é uma força criadora de sentido. O sagrado ao aparecer, epifânia,
pode conduzir todos os presentes ao numinoso, como vimos em
Otto.
Voltando ao sentido de ontogênese do homo-religiosus, é justa-
mente quando o homem se desvela diante da realidade, criando a
si mesmo e ao mundo, que ele estabelece o símbolo, e este dialetica-
mente cria o homem. Este símbolo, que pode estar ligado às forças
da natureza, e que serve como eixo de ligação com a dimensão
primeira, é que determina o que podemos chamar de heterogenei-
dade do espaço.

Esta heterogeneidade do espaço garantiu ao homem seu primei-


ro contato com o sagrado, e como isso a criação do mundo pro-
fano. Sendo assim o homem busca nos ritos restabelecer o tempo
primeiro, e estabelecer a partir da repetição da criação do mundo
os espaços sagrados propriamente ditos.
“Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o es-
paço apresenta roturas, quebras; há porções de espaço qual-
itativamente diferentes das outras. ‘não te aproximas daqui,
disse o senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o
lugar onde te encontras é uma terra santa.’ (Exodo, 3:5) Há, portan-
to, um espaço sagrado, e por consequência ‘forte’, significa-
tivo, e há outros espaços não-sagrados, e por conseqüência
sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos. Mais
ainda: para o homem religioso essa não-homogeneidade espa-
cial traduz-se pela experiência de uma oposição entre o espaço
sagrado – o único real, que existe realmente – e todo o resto, a
extensão informe, que o cerca.” (Eliade, 2001, p. 25)

Mas Eliade argumenta que este espaço sagrado é em geral uma


construção, um local sagrado (templo, clareira, arvore, caverna, rio
etc.) fisicamente constituído ou eleito para este fim, que é com-
posto a partir da narrativa de fundação do mundo, este lugar é o
centro do mundo. Eliade explica que este local é sinalizado pela
hierofonia, por um sinal da divindade, e mesmo quando este não
aparece o homem o causa, “provoca-o, pratica, por exemplo, uma
espécie de evocatio com ajuda de animais: são eles que mostram
que lugar é suscetível de acolher o santuário ou a aldeia” (Eliade,
2001, p. 31)
E quando este sinal se faz presente o homem edifica templos
repetindo o nascimento do mundo, e no caso dos povos nômades
“instalar-se num território equivale, em última instância, a consa-
grá-lo. Quando a instalação já não é provisória, como no caso dos
nômades, mas permanente, como no caso dos sedentários, impli-
ca uma decisão vital que compromete a existência de toda a comu-
nidade” (Eliade, 2001, p. 36).

No caso de um povo não permanecer fixo em uma localidade, Eliade,


tem alguns exemplos de povos que carregam consigo o símbolo sagra-
do, que, esteja onde estiver ele vai representar o centro do mundo, o
local de onde emana o espaço real, em oposição ao homogêneo.

Este simbolismo do centro é trabalhado exaustivamente em vários


ensaios de Eliade, e sempre aparece como coluna central de con-
tato entre o céu e o mundo inferior. Este eixo central é responsável
pelo dialogo entre os homens e os mundos das divindades. A tal
ponto que á relatos de povos que se deixaram morrer, ao perder o
poste sagrado. (Eliade, 2001)

Este axis-mundi é um símbolo consagrado para este fim, para


manter a ordem do cosmo, e combater o caos.
Esta capacidade do homem de repetir estes símbolos originários
é fruto de uma base, ainda não superada, do homo-religiosus. Pois
o homem, mesmo nos dias de hoje, não perdeu em nada sua bus-
ca pelo sagrado, e mesmo que tenhamos um dado histórico que
pode em certos momentos querer superar estas pequenas mani-
festações locais de uma religiosidade popular, que hibridizando as
grandes correntes históricas, mantém como já falamos, uma estru-
tura pré-reflexiva.

FENÔMENO RELIGIOSO
ENTRE OS INDÍGENAS
O conhecimento do fenômeno religioso nas tradições indígenas
sugere um repensar sobre o nosso conceito acerca desses povos
e sua milenar sabedoria e cultura. Desde a colonização, os povos
indígenas têm sido explorados e excluídos ao longo da história do
Brasil. Vamos ver um exemplo, os Kariri-Xocó estão localizados na
região do baixo São Francisco, no município alagoano de Porto Real
do Colégio, cuja sede fica em frente à cidade Sergipana de Propriá.

Representam, na realidade, o que resta da fusão de vários grupos


tribais depois de séculos de aldeamento e catequese. Seu cotidi-
ano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa ren-
da que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades
agro-pecuárias da região. Contudo, pode-se dizer que é um grupo
que tem sua indianidade preservada pela manutenção do ritual do
Ouricuri (ritual religioso secreto).

A denominação Kariri-Xocó foi adotada como conseqüência da


mais recente fusão, ocorrida há cerca de 100 anos entre os Kariri
de Porto Real de Colégio e parte dos Xocó da ilha fluvial sergipana
de São Pedro. Estes, quando foram extintas as aldeias indígenas
pela política fundiária do Império, tiveram suas terras aforadas e
invadidas, indo buscar refúgio junto aos Kariri da outra margem do
rio.
A população Kariri-Xocó esta estimada em 2.500 pessoas em sua
maioria crianças, ao tratar da demografia Kariri-Xocó é preciso le-
var em conta que entre as pessoas que se auto-identificam como
índias e como tal são identificadas pelo grupo e pelos não índios,
há negros, loiros de olhos azuis e biotipos ameríndios. Ser índio
em Porto Real do Colégio significa ser filho da aldeia e conhecer o
segredo do Ouricuri, desde a primeira infância.

Denomina-se Ouricuri o complexo e secreto ritual e o local onde


se realiza. É praticado por vários grupos do nordeste. Em Colégio
as festividades duram 15 dias, nos meses de janeiro-fevereiro. A
fartura faz parte da festa e para lá é levado sob a forma de ali-
mentos, tudo o que se consegue acumular durante o ano. Na mata
cerrada há uma clareira, o “limpo”, onde ocorre o ritual. Em volta
do “limpo” há construções de tijolo para alojar as pessoas durante
sua permanência. É uma outra aldeia, a taba, construída para fins
religiosos.2

2 MOTA, Clarisse Novaes da. e ALBUQUERQUE, Ulysses P. de. (ORGs). As Muitas


Faces da Jurema – de espécie botânica à divindade afro- indígena. Ed. Bagaço. Reci-
fe/PE, 1996 ver também LANGDON, E. Jean Matteson. Xamanismo no Brasil: novas
perspectivas. Florianópolis: UFSC, 1996.

O que podemos aprender com a sua rica cultura e tradição? Como
podemos contribuir para que os índios se integrem na sociedade
sem perder a sua identidade? Muitas vezes a mídia apresenta-os
como ingênuos e incapazes; povos condenados à desintegração
social.

Porém, apesar do preconceito, discriminação e exclusão de que


são vítimas, existem comunidades indígenas que têm mostrado o
seu valor e habilidade para conviver na sociedade de hoje, bus-
cando resgatar e preservar a sua história e cultura, sem perder
o seu referencial. Um exemplo disso são as várias comunidades
indígenas do Xingu, no Mato Grosso. O Parque Indígena do Xingu
engloba, em sua porção sul, a área cultural conhecida como Alto
Xingu, integrada pelos Aweti, Kalapalo, Kamaiurá, Kuikuro, Matipu,
Mehinako, Nahukuá, Trumai, Wauja e Yawalapiti.

A despeito de sua variedade lingüística, esses povos caracterizam-se


por uma grande similaridade no seu modo de vida e visão de mundo.
Estão ainda articulados numa rede de trocas especializadas, casa-
mentos e rituais inter-aldeias. Entretanto, cada um desses grupos
faz questão de cultivar sua identidade étnica e, se o intercâmbio
cerimonial e econômico celebra a sociedade alto-xinguana, pro-
move também a celebração de suas diferenças.
Os índios querem continuar sendo índios e têm esse direito asse-
gurado na Constituição do nosso país. “São reconhecidos aos índi-
os sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocu-
pam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.” (Constituição Federal – Art. 231).

Conhecer as expressões religiosas dos povos indígenas permite


compreender melhor a sua cultura e superar o preconceito que
muitos ainda têm em relação ao índio e seu modo de vida. As in-
fluências da cultura do branco e das religiões, principalmente de
matriz cristã, impregnaram suas crenças e costumes, na maioria
das vezes de forma negativa, levando muitos índios a perderem
sua identidade. Cabe hoje a todos os cidadãos conscientes defender
os direitos de liberdade e dignidade dos povos indígenas do Brasil.

As sociedades indígenas são organizadas a partir dos princípios


de solidariedade, partilha e generosidade entre os membros da
tribo. Essas atitudes éticas abrangem a todos e em muitos ca-
sos até mesmo os inimigos. Com certeza, esse é um exemplo a ser
aprendido e seguido pela nossa sociedade marcada pelo individualis-
mo, ganância, competição e consumismo desenfreado.
Os índios eram vistos como o “outro diferente”, que representava
ameaça, por isso, na visão dos colonizadores deviam ser converti-
dos, catequizados e dominados. Pelo fato de se recusarem a aceitar
as condições impostas foram perseguidos, escravizados e muitos
foram mortos com crueldade. Nações inteiras foram dizimadas,
sua cultura, tradição e sabedoria perdidas para sempre.

A estrutura das religiões indígenas é sólida e muito bem elabo-


rada, permitindo a equilibração do homem com o meio intra e ex-
tra psíquico. A harmonia deste com a Mãe Terra é condição bási-
ca para sua sobrevivência e é, portanto, elemento inseparável de
seus ritos e encontro com a transcendência. A sabedoria dos ante-
passados é preservada através da oralidade. Honrar os ancestrais
constitui-se o centro da ética religiosa indígena. O texto sagrado
é transmitido na forma oral. São histórias míticas que os sábios
anciões contam oralmente para toda a tribo, preservando assim a
sabedoria e a tradição.

Os mitos falam geralmente da origem e transformação do univer-


so, da vida, das outras nações indígenas, dos fenômenos de ordem
espiritual ou sobrenatural que acontecem com as pessoas na al-
deia. Contam como os homens aprenderam a cultivar a terra, a
fabricar os instrumentos, qual a posição de sua sociedade tribal
em relação às outras, quem instituiu as suas regras sociais e ritos
religiosos, o que acontece com as pessoas depois da morte, etc.
Atualmente, porém, algumas comunidades indígenas utilizam a
escrita.
É sabido que estas tradições matem muito da sua cultura pelos
cantos. Assim como vemos nos textos da tradição homérica, que
foram transmitidos pelos cantores. Só séculos depois é que tor-
nou-se escrita em Iliada e Odisséia.

Precisamos conhecer a realidade indígena para não termos uma


visão romântica e irreal sobre os povos indígenas, como se fossem
seres perfeitos ou o inverso disso, como seres selvagens e maus.
Os índios, como todos os seres humanos, têm suas limitações, di-
ficuldades e conflitos na convivência grupal.

Mas, também existem algumas tribos, como os Yanomâmis no Alto


Xingu, Mato Grosso, que já encontraram a forma de sobreviver ao
contato com a civilização moderna sem perder o seu referencial
cultural. Segundo pesquisadores, há ainda algumas poucas tribos
no Brasil vivendo nas selvas da Amazônia que não tiveram contato
com o homem civilizado.

Importante notar que os cantos estão inseridos nas festas, que ac-
ontecem na época de abundância de colheita do milho ou da caça
e pesca. Há também festas relacionadas aos rituais de iniciação e
aos heróis fundadores do povo. Nestas festas, as variadas formas
de pintura do corpo, os enfeites com penas, os cantos e as danças
têm grande importância. As cores mais usadas são o vermelho, o
preto e o branco, cujas tintas são extraídas do urucum, jenipapo,
carvão, barro e calcário.
Conforme a tradição de cada tribo, a música é executada pelos
homens e mulheres. Os instrumentos são construídos de ma-
deira, casca de frutas, bambu, entre outros materiais disponíveis
para isso. A música está presente em todos os espaços e tem-
pos, na história pessoal e coletiva dos grupos. É fonte de cultura e
aprendizagem, lazer e prazer, arte e educação.

A MENTE NA CAVERNA

“Finalmente, numa noite em 1982 eu me aproximei da en-


trada da caverna sozinho, em silêncio, invocando os espíritos
para ter compaixão para mim e para conferir maior poder
para o meu trabalho na cura de outros. Eu usei uma lanter-
na para descer para um recesso remoto interior profundo a
caverna, que levou cerca de um quarto de hora. Lá eu apaguei
a luz. A escuridão era espessa e silenciosa. em seguida, de
acordo com o que eu tinha aprendido, eu deveria dormir até
o meio da noite, acordar, comer uma pequena quantidade de
alimento, e não voltar a dormir até que algo aconteceu.”
Michael Harner

Cave e Cosmos, do capítulo 1: Spirit Power and the Cave


Em 1980, Michael Harner abriu o caminho para o renascimento em
todo o mundo do xamanismo com o seu seminal clássico O Camin-
ho do Xamã. Neste livro Cave and Cosmos fornece nova evidência
da realidade dos espíritos e dos céus. Desenho de uma vida inteira
de experiências xamânicas pessoais e mais de 2.500 relatos de
experiências dos ocidentais durante a ascensão xamânica, Harner
destaca as semelhanças marcantes entre as suas descobertas e
os relatórios por xamãs não-ocidentais em outras sociedades, in-
cluindo coros celestiais e música celestial, indicando que os céus
que eles encontraram de fato existem.

Esta idéia da caverna é muito importante quando falamos do xamanis-


mo nos primórdios, onde a caverna, dentro de um aspecto mental, seria
capaz de induzir os estados alterados de consciencia. Certamente que
os novos estudos da neuroteologia podem lidar com estas temáti-
cas, assim como as ciencias cognitivas, aliadas as descobertas ar-
queológicas.
A caverna povoa nosso imaginário, e podemos ver sua descrição
em diversos casos, tomamos um exemplo bem conhecido, o mito
da caverna, do filósofo grego Platão:

“Seres humanos que, acorrentados no interior de uma caver-


na desde sua infância, apenas podem contemplar as sombras
que são projetadas na parede, tendo como realidade, apenas
aquela visão. Entretanto, um deles (o filósofo) consegue se
libertar, seguindo o caminho que leva para fora da caverna.
Contempla então a realidade, as idéias puras. Retorna para
o interior da caverna a fim de mostrar aos outros que as
sombras não são tudo que existe. No entanto, os demais,
acostumados às sombras e acreditando que elas são toda
a realidade, não dão ouvidos ao filósofo. Mais do que isso:
acabam por “maltratá-lo.”3

3 PLATÃO - A República -Editora Martin Claret- 2ª Edição


Platão referia-se às crenças e tradições de seus contemporâne-
os, demonstrando como os homens dentro da caverna estão sendo
condicionados a acreditar que só existe aquela realidade, e o homem
que escapa seria aquele capaz de livrar-se das amarras dessas
falsas crenças, seguindo então em busca da verdade. Ao falar
dessa verdade aos homens que eram fiéis as antigas tradições e
crenças pessoais, não seria ele aceito e nem compreendido. Essa
metáfora demonstra a condição humana perante o Mundo; em ter-
mos de conhecimento, educação, ética, política e desejo de vencer
nossa própria ignorância, a fuga do senso comum para uma visão
mais organizada, lógica e verdadeira do Universo que nos cerca.
Vejamos este texto de Frédéric Belnet

Antes mesmo de aparecer em rochas ao ar livre por volta de 10.000


a.C., a arte pré-histórica já era exprimida nas profundezas das cavernas
desde aproximadamente 32.000 a.C. Em 1880, o arqueólogo amador es-
panhol Sanz de Sautuola, o primeiro a decifrar a natureza das pinturas
pré-históricas na caverna de Altamira, na Espanha, foi ridiculariza-
do num primeiro momento. Mas a sua ideia ganhou terreno e, em
1901, a revelação das 180 gravuras e pinturas da caverna de Font-
de-Gaume, na França, explodiu.

Historiadores divergem sobre o objetivo do homem das cavernas


ao pintar como “uma enorme bomba no mundo pré-histórico”, de
acordo com o abade Breuil, que participou do achado arqueológico.
A ideia foi então aceita de forma definitiva e unânime em 1902, com
o mea-culpa feito pelo arqueólogo Émile Cartailhac: o homem pale-
olítico foi, de fato, um artista!

A fauna é o tema dominante em 90% das obras desse período


histórico: mamutes, bisões, cavalos, cervos, cabritos, muito bem
proporcionados e detalhados a ponto de interessar os zoólogos so-
bre o aspecto de certas espécies extintas. Mas não há nem cenário
natural nem vegetação que mostrem esses animais em seu meio
natural. Eles eram pintados lado a lado, ou se sobrepunham nas
paredes, muitas vezes sem que se levassem em conta seus respec-
tivos tamanhos.

As figuras humanas — homens quase sempre com o pênis ereto,


mulheres e às vezes híbridos, meio homem, meio animal — são
muito raras e eram esboçadas ingenuamente, de maneira simples.
As mãos, no entanto, aparecem com frequência: mãos chamadas
positivas, cobertas com corante e em seguida carimbadas na pare-
de, ou mãos ditas negativas, aplicadas como um estêncil, sobre as
quais se assoprava um jato de tinta. Às vezes, a mão parece am-
putada, faltando um ou mais dedos — estes estavam provavel-
mente dobrados, como nas cavernas de Gargas, nos Pireneus, onde
144 pinturas desse tipo aparecem. Alguns defendem a ideia de um
“código”...

Símbolos da feminilidade também são observados nas imagens:


triângulos pélvicos, chamados de “vulvas”, ou glúteos de perfil. Fi-
nalmente, outros sinais mais misteriosos apareceram a partir do
período aurignacense (40.000 a.C. a 25.000 a.C.) e multiplicaram-se
no período magdaleniano (17.000 a.C. a 10.000 a.C.): círculos, retân-
gulos, linhas, pontos, às vezes misturados com as figuras de ani-
mais.

Apenas duas cores eram utilizadas, isoladamente ou combinadas:


o preto e o vermelho. A primeira era obtida do carvão de madeira
ou de osso. A segunda era produzida a partir de ocre, uma argi-
la vermelha ou castanho-amarelada. Aplicados em pontos gros-
sos, justapostos para formar o desenho, esses pigmentos podiam
também ser lançados na parede pelo sopro, após serem dissolvidos
e colocados na boca. Os artistas utilizavam de forma inteligente as
paredes, rachaduras e saliências para dar profundidade às obras.

Na caverna de Chauvet, na França, imagens descobertas em 1994


mostram que homem de Cro-Magnon utilizava outras técnicas. Ele
raspava a parede antes de pintá-la, para obter uma “tela” branca, e
esfumaçava as cores. Ainda mais surpreendente é o fato de essas
400 pinturas datarem de 32 mil anos: são as mais antigas conhe-
cidas no mundo. Perto de Marselha, a caverna Cosquer, descoberta
em 1985, mostra, entre as 177 representações animais de 19 mil
anos, focas, peixes, pinguins e um ser humano com cabeça de foca.
Em Lascaux, finalmente, a “Capela Sistina da pré-história”, como
disse Breuil, o homem realizou há 17 mil anos uma obra monumen-
tal — mais de 2 mil temas —, que continua a impressionar até os
dias de hoje.

Como interpretar essas representações? O Homo sapiens sim-


plesmente reproduziu seu meio ambiente pelo prazer da arte?
Essa explicação está hoje abandonada: as obras, produzidas cui-
dadosamente à luz de tochas nas profundezas de cavernas, pouco
acessíveis, permanecem invisíveis sem que haja uma fonte de luz
externa. Tratava-se de um bestiário sagrado? Mas, se um animal
tem um valor de totem, por que pintar tantas espécies no mesmo
local? E o que dizer das lanças perfurando, às vezes, esses animais?
Simbolização mágica da caça, para garantir uma boa caçada? Era o
que o abade Breuil chamava de magia simpática. Mas esses animais
“feridos” não correspondiam aos ossos fossilizados das espécies
consumidas. E, ainda, como explicar os signos abstratos? Extrema-
mente matemática, a abordagem dita estruturalista, defendida por
André Leroi-Gourhan, vê em cada uma dessas cavernas decoradas
uma mensagem simbólica global, organizada de forma espacial
— uma mensagem que permaneceu sem ser decifrada, apesar da
adesão de um bom número de historiadores da pré-história a essa
hipótese. Mas, depois das recentes descobertas como a da caverna
de Chauvet, tal hipótese já se sustenta.

A explicação mais recente é a do xamanismo, levantada por Jean


Clottes. Ele vê as cavernas como santuários religiosos, decorados
para criar um ambiente mágico; as formas geométricas seriam frutos
das visões dos xamãs durante os transes. Essa teoria não é unânime.
De qualquer forma, essas obras corroboram, finalmente, a definição
de arte dada pelo dicionário Larousse: “Criação de objetos ou en-
cenações específicas, destinadas a provocar no homem um estado
particular de sensibilidade, mais ou menos relacionado ao prazer
estético”. 4

A caverna representa um elo primeiro de formação do xamanis-


mo, por sua vez da própria experiência religiosa.

4 http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/homem_das_cavernas_pintu-
ra_rupestre.html
CONCEITO DE
XAMANISMO
Desde o início do século, os etnólogos se habituaram a utilizar
como sinônimos os termos xamã, medicine-men, feiticeiro e
mago (e também pajés e curandeiros) para designar certos in-
divíduos dotados de prestígio mágico-religioso encontrados em
todas as sociedades “primitivas”. Por extensão, aplicou-se a
mesma terminologia ao estudo da história dos povos “civiliza-
dos” e falou-se, por exemplo, em xamanismo indiano, iraniano,
germânico, chinês e até babilônico para referir-se aos elemen-
tos “primitivos” encontrados nas respectivas religiões. Por vári-
as razões, tal confusão só pode prejudicar a compreensão do
fenômeno xamânico em si.

Se por “xamã” se entender qualquer mago, feiticeiro, medi-


cine-men ou extático encontrado ao longo da história das re-
ligiões e da etnologia religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mes-
mo tempo extremamente complexa e imprecisa, cuja utilidade é
difícil perceber, visto já dispormos dos termos “mago” e “feiticeiro”
para exprimir noções tão díspares quanto aproximativas, como as
de “magia” ou “mística primitiva”.

Consideramos útil o uso dos vocábulos “xamã” e “xamanismo”,


justamente para evitar equívocos e enxergar com clareza a própria
história da “magia e da “feitiçaria”. Pois - é preciso deixar claro - o
xamã é, ele também, um mago e um medicine-man: a ele se atribui
a competência de curar, como aos médicos, assim como a de op-
erar milagres extraordinários, como ocorre com todos os magos,
primitivos e modernos.

Na massa indiferenciada e “confusionista” da vida mágico-religiosa


das sociedades arcaicas considerada em seu conjunto, o xamanis-
mo - tomado em seu sentido estrito e preciso - já apresenta uma
estrutura própria e revela uma “história” que é da maior utilidade
esclarecer.

O xamanismo strictu sensu é, por excelência, um fenômeno religi-


oso siberiano e centro-asiático. A palavra chegou até nós através
do russo, do tungue saman. Nas outras línguas do centro e do norte
da Ásia, os termos correspondentes são o iacuto ojun, o mongol
bügä, bögä (buge, bü) e ugadan (cf. também o buriate udayan e o
iacuto udoyan, a “mulher-xamã”), o turco-tártaro kam (altaico kam,
gam; mongol kami etc.). Tentou-se explicar o termo tungue a partir
do páli samana.

Em toda essa área que compreende o centro e o norte da Ásia, a


vida mágico-religiosa da sociedade gira em torno do xamã. O que
não quer dizer, evidentemente, que ele seja o único manipulador
do sagrado, nem que a atividade religiosa seja monopolizada pelo
xamã. Em muitas tribos, o sacerdote-sacrificante coexiste com o
xamã, sem contar que todo chefe de família é também chefe do
culto doméstico. Contudo, o xamã é sempre a figura dominante,
pois em toda essa região, onde a experiência extática é considera-
da a experiência religiosa por excelência, é o xamã, e apenas ele, o
grande mestre do êxtase.
Uma primeira definição desse fenômeno complexo, e possivel-
mente a menos arriscada, será: xamanismo = técnica do êxtase.

Se tomamos o cuidado de diferenciar o xamã de outros “magos” e


medicine-men das sociedades primitivas, a identificação de com-
plexos xamânicos em determinadas religiões adquire de saída um
significado bastante importante. Magia e magos há praticamente
em todo o mundo, ao passo que o xamanismo aponta para uma
“especialidade” mágica específica como o “domínio do fogo”, o vôo
mágico, etc.

Por isso, embora o xamã tenha, entre outras qualidades, a de mago,


não é qualquer mago que pode ser qualificado de xamã. A mesma
precisão se impõe a propósito das curas xamânicas: todo medi-
cine-man cura, mas o xamã emprega um método que lhe é exclu-
sivo. As técnicas xamânicas do êxtase, por sua vez, não esgotam
todas as variedades da experiência extática registradas na história
das religiões e na etnologia religiosa; não se pode, portanto, con-
siderar qualquer extático como um xamã: este é o especialista em
um transe, durante o qual se acredita que sua alma deixa o corpo
para realizar ascensões celestes ou descensões infernais.

Na Sibéria e no nordeste da Ásia, as principais vias de recruta-


mento dos xamãs são: 1) transmissão hereditária da profissão
xamânica e 2) vocação espontânea (o “chamado” ou “escolha”). Há
também casos de indivíduos que se tornam xamãs por vontade
própria (como, por exemplo, entre os altaicos) ou por vontade do
clã (tungues, etc.).
Mas estes últimos são considerados mais fracos do que aqueles
que herdam a profissão ou atenderam ao “chamado” dos deuses
e dos espíritos. Qualquer que tenha sido o método de seleção, um
xamã só é reconhecido como tal após ter recebido dupla instrução:
1) de ordem extática (sonhos, transes, etc.), 2) de ordem tradicional
(técnicas xamânicas, nomes e funções dos espíritos, mitologia e
genealogia do clã, linguagem secreta, etc.). Essa dupla instrução,
a cargo dos espíritos e dos velhos mestres xamãs, equivale a uma
iniciação.
MÉTODOS
DE RECRUTAMENTO
Segundo Mircea Eliade uma pessoa torna-se xamã por:
1) vocação espontânea (chamamento ou eleição);
2) transmissão hereditária da profissão xamânica e
3) por decisão pessoal ou, mais raramente pela vontade do clã.

Mas independentemente do método de seleção, um xamã só é


reconhecido como tal no fim de uma dupla instrução:
1) de ordem extática (sonhos, visões, transes, etc.) e
2) de ordem tradicional (técnicas xamânicas, nomes e funções dos
espíritos, mitologia e genealogia do clã, linguagem secreta, etc.).

É sobretudo a síndrome da vocação mística que nos interessa.


O futuro xamã singulariza-se por um comportamento estranho;
procura a solidão, torna-se sonhador, adora vaguear nos bosques
ou lugares desertos, tem visões, canta durante o sono, etc

O despertar do xamã tradicional para o seu trabalho pode aconte-


cer através de três caminhos: “transmissão hereditária da profissão
xamânica, vocação espontânea através da escolha da tribo ou de
sonhos, vontade própria” (ELIADE, 2002, p. 25).
XAMANISMO
E PSICOPATOLOGIA
A psicopatologia ramo da medicina que tem como objetivo fornecer
a referência, a classificação e a explicação para as modificações
do modo de vida, do comportamento e da personalidade de um
indivíduo, que se desviam da norma e/ou ocasionam sofrimento e
são tidas como expressão de doenças mentais.
Existem muitos casos em que o xamanismo está interrelacionado
com estados psicopatológicos. Mas em geral esta relação é ap-
enas uma má interpretação do fenômeno.

Como comenta Wagner Frota:


Trava-se entre os estudiosos um persistente debate sobre se o
xamanismo é ou não uma vocação culturalmente atribuída às pes-
soas mentalmente perturbadas, em particular os esquizofrênicos.
Embora esta posição constituísse o ponto de vista antropológico até
meados do século passado, hoje ela tem poucos partidários. En-
tre os mais freqüentemente citados, estão Devereux, que sustenta
com firmeza que não há motivo para não considerar os xamãs neu-
róticos, e até mesmo psicóticos; e Silverman, que associa o estado
xamânico de consciência à esquizofrenia aguda. Por outro lado, Jil-
ek acha o rótulo de patologia “absolutamente insustentável”, após
seus anos de experiência com xamãs na América do Norte, África,
Haiti, América do Sul, Tailândia e Nova Guiné. Ele tem formação em
psiquiatria e antropologia, e acredita que a opção pela patologia
será progressivamente refutada, à medida que se expandir o cam-
po da psiquiatria transcultural.

Um artigo da autoria de Richard Noll, recapitula as colocações dos


dois pólos da controvérsia e conclui que metáfora da esquizofrenia
de um fracasso em discriminar diferenças fenomenológicas entre o
estado xamânico de consciência e o estado esquizofrênico de con-
sciência. Ele afirma que a distinção mais importante é pertinente
à violação: o xamã, como “mestre do êxtase”, entra e sai conforme
deseja do estado alterado; o esquizofrênico não tem controle al-
gum sobre esta atividade e é uma infeliz vítima da desilusão, com
uma notável deterioração no desempenho dos papéis. Harner en-
fatiza que o xamã deve comportar-se de modo apropriado tanto na
realidade ordinária, como no estado xamânico de consciência para
ser uma pessoa em que se possa acreditar e manter seu status na
comunidade. Distinguir conteúdos dos diferentes níveis de realidade
é impossível para o esquizofrênico, mas, conforme coloca Noll, “a
validade de ambos os reinos é reconhecida pelo xamã, cuja mestria
deriva de sua capacidade de não confundir os dois”.5

De certa forma existe a propensão para uma relação entre os dois


estados pra quem está olhando sem compreensão do fenômeno, o
que era comum desde o inicio das pesquisas etnológicas no século
dezenove. Como comenta Eliade, alguns teóricos chegam mesmo
“a fazer a distinção entre um xamanismo ártico e um subártico,
dependendo do grau de doença mental de seus representantes.”
(ELIADE, 2002, p. 37 e 38).

Entre tribos australianas e os esquimós é comum o caso de mem-


bros que tenham epilepsia sejam direcionados para se tornarem
xamãs. Isto pelo fato que têm de entrar num estado de consciência
alterado.

Os sinais de vocação espontânea podem surgir em qualquer


5 http://www.xamanismo.com/universo%20xamanico/o-xamanismo-e-a-esquizofre-
nia-2/
idade e, em geral, são acompanhados de alguma doença´físi-
ca ou mental ou de ambas. Quando criança, é muito provável
que o candidato tenha sido nervoso, retraído e pensativo. Ele
ou ela pode apresentar alguma deformidade ou deficiência
física. Em algumas culturas, notavelmente a africana e a
dos esquimós, a epilepsia é considerada como sinal de vo-
cação xamânica. Entre os Shona, quando uma doença não
responde as formas convencionais de tratamento (geral-
mente herbário), a família convoca um nganga (xamã). Se
este declarar ser a doença um sinal de vocação, intercederá
em nome do espírito que está tentando possuir a pessoa, e
se ele ou ela concordar em atuar como médium a aceitação
da vocação será acompanhada de recuperação. A recusa é
interpretada pela maioria das sociedades xamânicas como
grave erro que quase certamente findará em morte. 6

6 http://www.xamanismo.com.br/Teia/SubTeia1191316319It001
Por serem figuras que transitam entre os dois mundos, e em geral
permanecem neste estado de ambiguidade durante a vida toda,
tendem a se assemelham a pessoas antissociais, introvertidos etc.
Casos de transe também são comum como atos histéricos, onde
eles saem pela aldeia as vezes imitando o animal guardião, se
aprofundam na mata etc.

O xamã não é um doente. É um curador, que primeiro curou a si


mesmo. Quando, me muitos casos ocorre o ataque epilético, é sinal
que a iniciação teve inicio. Muitas vezes o xamã tenta ser tratado
por outros xamã e curandeiros da aldeia, mas não têm resultado,
ele precisa curar a si mesmo como parte do processo iniciático.

Isso pressupõe que ele passe a ter domínio sobre a doença, ou seja,
passa a ter controle sobre os maus, e sobre espíritos malignos. As
doenças por vezes iniciadas por espíritos malignos logo que são
tratadas pelo empenho do xamã passam a serem seus aliados.

A singularidade da doença xamânica já evidencia o fato do sujeito


ser um vocacionado para esta finalidade.

Neste sentido podemos dizer que o xamã se torna um mestre das


enfermidades. Ele conhece muito bem a doença, e tem domínio
sobre ela.
Por isso se fala do conceito do curador ferido, ou seja, aquele que
teve o corpo dilacerado para que pudesse ter o conhecimento e
o domínio sobre este conhecimento. O que na psicologia contem-
porânea vamos chamar de arquétipo de Quiron. Quiron foi um
centauro conhecido na mitologia grega. Grande sábio e um exímio
médico teve durante toda sua vida uma ferida incurável. Por sua
vez ele doou a própria vida para salvar Prometeu que se encontra-
va ferido. Este exemplo se equipara ao do xamã, que neste proces-
so doença, acaba por curar os outros, sendo que doou sua própria
sanidade e bem estar para ser um portal de tratamento dos mem-
bros da comunidade.

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