Resumo. O presente artigo tem por objetivo analisar as influências políticas e sociais
existentes nas obras dos três principais artistas do movimento muralistas mexicano, Diego
Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco, enfatizando a criação da identidade
nacional elaborada por Siqueiros durante a revolução mexicana, a dita “identidade indígena”;
a presença da ideologia socialista expressa nas obras dos três artistas; e a importância dada
aos murais nos âmbitos educacionais e culturais mexicano e mundial.
Introdução
Uma das áreas de estudos que envolve as ciências humanas diz respeito à busca da
identidade nacional dos países colonizados na América Latina. Identidade esta que, devido às
independências, revoluções e novas conjunturas governamentais que se apresentavam e
começavam a estabelecer-se durante o início do século XX, nos países latinos, está ligada à
identidade indígena, que fora muitas vezes negada pelas oligarquias governamentais desses
países.
Outro dado importante, no que se refere à busca da identidade nacional, está
relacionado à criação de heróis da pátria, que ajudam a dar forma ao ideal buscado pelos
1
governos republicanos da época, os quais necessitavam desvincular-se de suas amarras
oligárquicas e dos estereótipos europeus de seus colonizadores. Para contextualizar sobre a
criação do herói republicano, José Murilo de Carvalho 1, em seu trabalho A Formação das
Almas: o Imaginário da República no Brasil, retrata bem a questão da busca de um herói
nacional. Todavia, no que diz respeito ao processo de criação da identidade nacional no
México, durante a sua revolução, a busca de um herói do passado não serve como modelo
para ajudar a idealizar esta identidade, cabendo tal papel às raízes pré-colombianas existentes
e presentes na cultura do país, bem diferente do que é proposto por José Murilo, no caso da
construção identitária do Brasil.
No México, os agentes envolvidos diretamente com a revolução, que proporcionam e
ajudam a compor essa identidade nacional, são homens e mulheres que emergem do povo, na
sua grande maioria mestiços e indígenas, como Emiliano Zapata e Pancho Villa, dois
exemplos de líderes mestiços dentro do cenário revolucionário mexicano. Outro fator que
ajuda a compreender a criação desta identidade nacional está ligado diretamente ao
movimento Muralista, ocorrido já no México pós-revolucionário. Neste movimento, os
artistas buscavam a valorização da população, envolvendo-a nos processos sociais, como a
luta de classes e as teorias positivistas de identidade, as quais não se enquadravam mais na
realidade social, política e cultural do México pós-revolução.
Desse modo, como nos informa Luciana Coelho Barbosa2:
2
BARBOSA, Luciana Coelho. Muralismo e Identidades: representações pré-hispânicas em David Alfaro Siqueiros. Artigo disponível em:
http://pos-historia.historia.ufg.br/uploads/113/original_31_LucianaBarbosa_MuralismoEIdentidades.pdf.
2
com as expressões culturais e artísticas existentes nas artes pré-colombianas, misturado com
uma eminente simpatia aos ideais socialistas e certa intolerância ao avanço do capitalismo, em
um jogo de elementos que ajudavam a compor a identidade mexicana em suas obras murais.
Todavia, com o passar dos anos, enfrentando dificuldades tais quais a perda de espaço
junto às elites, conflitos diretos com seus patrocinadores estatais por expressarem seus ideais
socialistas e, no caso de alguns artistas, por terem entrado para o Partido Comunista, e em
virtude da pontual troca do secretário de Educação, ocorre a escassez de espaços murados
para os artistas poderem expressar seu desgosto contra o sistema capitalista, motivo pelo qual
surge no México o jornal “El Manchete”.
O periódico era composto, basicamente, por artistas sindicalizados que defendiam a
livre expressão das artes em locais públicos, enfatizando que estas deveriam ir para além dos
muros. Até os dias de hoje, no entanto, os murais pintados por estes grandes gênios mexicanos
refletem muito mais do que simplesmente obras de arte; eles contam a história de seu povo,
expressando nitidamente suas vitórias e conquistas, caracterizando seus heróis e algozes,
sendo estudados e valorizados no âmbito cultural como obra de arte modernista, inspirando
novos artistas e servindo como base de estudos para valorização e educação da nação
mexicana. Além disso, os murais são considerados patrimônio nacional na contemporaneidade
e ainda contêm grande importância internacional, como é mencionado por Walther
Boeslterly3, no programa Discutamos México.
3
Walther Boeslterly é um restaurador dos murais mexicanos. Ele dedica-se à preservação da arte muralista, que é afetada, muitas vezes,
pelas ações do tempo e por fenômenos naturais, como abalos sísmicos ocorridos na Cidade do México, que acabam por danificar as obras. O
trecho mencionado no parágrafo acima foi retirado da fala de Walther Boeslterly durante sua participação no programa Discutamos México,
disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=pCxmkVhxvjI&hd=1.
3
conquistas durante a revolução mexicana. Com o mecenato do Ministério da Educação e da
elite econômica mexicana, estes artistas conseguiram propagar e popularizar sua arte, não
somente dentro do México, mas também em nível internacional.
David Alfaro Siqueiros nasceu na cidade de Chihuahua, México, em 1898. Obteve sua
formação na academia São Carlos, na Cidade do México, e na Escola de Pintura ao ar Livre,
em Santa Anita, entre os anos de 1911 e 1913. Siqueiros permaneceu no México até 1919,
quando viajou para Europa e, em Paris, travou contato com Diego Rivera e os movimentos
modernistas franceses. Retornou ao México em 1922, quando começou a dedicar-se à arte
mural na Escola Nacional Preparatória. Juntamente com Diego Rivera, organizou diversos
sindicatos e assumiu a direção do jornal “El Manchete”, através do qual deixou expresso seu
ideário político. Foi Siqueiros quem iniciou a busca da identificação nacional baseada na
identidade indígena, dada a constante presença indígena em seus murais. Na maioria das obras
murais de Siqueiros, os nativos são representados como tiranizados pelos colonizadores
europeus, refletindo assim a presença da opressão entre as diferentes classes componentes do
México pós-revolucionário.
Diego Rivera, por sua vez, é presença marcante no movimento muralista, por ser
considerado o expoente-mor dessa nova expressão da arte modernista na América. Através de
seus anos de estudos nas escolas de belas artes europeias, Rivera trouxe consigo a experiência
das técnicas renascentistas italianas e a modernidade da expressão cubista. Todavia, ao
deparar-se com a questão indígena na busca da construção da identidade nacional, Rivera
optou por mesclar suas técnicas modernistas com a arte pré-colombiana. Como Siqueiros,
Diego Rivera possuía um cunho socialista fortemente expresso em suas obras. Rafael
Quinsani4 analisa esta expressão em seu artigo dedicado à obra El hombre controlador del
universo5, de 1934, executada no Palácio de Belas Artes, na Cidade do México. Este mural,
que apresenta diversas características da opressão capitalista existente pela presença dos
Estados Unidos na sociedade mexicana e no mundo, ajudou a configurar o caráter
revolucionário de sua obra. Além de enfatizar e destacar grandes figuras da ideologia
socialista da luta de classes, como Karl Marx e Lenin, Rivera deixa expressamente claros os
seus posicionamentos políticos, iniciando assim um conflito ideológico com os mecenas do
movimento muralista.
4
Rafael Hansen Quinsani é doutorando da UFRGS e autor do artigo A Revolução na encruzilhada: uma análise da arte revolucionária do
muralismo mexicano a partir da imagem: O homem controlador do universo, de Diego Rivera. Outubro/2010, disponível em:
http://www.historiaimagem.com.br/edicao11outubro2010/muralismo.pdf
5
El hombre controlador del universo é o nome rebatizado da obra original Man at the crossroads looking with hope and high vision to the
choosing of a new better future, realizada no Rockfeller Center, em New York, entre os anos de 1932 e 1933, porém sendo desconstruída por
conter a imagem de Lenin, motivo pelo qual representava uma ameaça comunista para as famílias norte-americanas de bem.
4
José Clemente Orozco, como os outros dois artistas, possuía um cunho socialista
muito forte em seus trabalhos, nos quais expressava e enfatizava um desagrado moral pela
sociedade capitalista e opressora existente no México. Seus trabalhos apresentam um caráter
bem mais pessimista e descrente da sociedade, possuindo um tom mais combativo do que os
trabalhos de Rivera e Siqueiros.
Como é analisado por Quinsani6, as obras criadas por Orozco carregam uma agressão
direta à burguesia e ao sistema imperialista que implantava-se no México no período pós-
Revolução. Outra presença marcante na crítica que Orozco fazia à sociedade capitalista e
opressora estava ligada à religião católica, a qual foi responsável pela dizimação da identidade
nacional indígena, identidade esta que ele, Orozco, e seus companheiros, Siqueiros e Rivera,
tentavam resgatar em suas obras.
As obras de Orozco que envolviam direta ou indiretamente as temáticas religiosas
causaram grande desconforto para alguns membros mais conservadores da sociedade
mexicana. Como resultado disso, o mestre mexicano sofreu diversas perseguições e teve
algumas de suas obras depredadas. Para ilustrar a situação de Orozco, note-se o mural Cristo
destruindo a cruz, de 1943, no qual se apresenta a polêmica temática envolvendo elementos
religiosos mesclados com ideologias socialistas de opressão de massas:
Fig. 1: OROZCO, José Clemente. Cristo destruindo sua cruz, 1943. Óleo sobre tela. Museo de Arte Alvar y Carmen T. de Carrillo Gil.
Cidade do México. Versão posterior do mural destruído em 1924. Disponível em: http://img310.imageshack.us/img310/5453/cristo.jpg.
Acesso em: 08 dez 2013.
6
Ibid. p. 4.
5
Dentre todas as revoluções nacionais ocorridas durante o século XX, nas Américas e
no mundo, a revolução mexicana, sem dúvida alguma, está entre as mais importantes do
cenário mundial. Além disso, o processo revolucionário mexicano encontra seu espaço dentro
do conceito de conflito político, o que envolve a construção do ideal de nação. A busca dessa
construção está ligada diretamente às lutas travadas pela população envolvida no evento
histórico, juntamente com os acontecimentos que antecederam a revolução, os quais dizem
respeito à Independência mexicana e colaboraram para fundamentar a ideia de Estado-Nação
no México. Nas palavras de Rojas (apud QUINSANI, 2010; 5), esta construção operada com
a memória histórica coloca-se em constante atualização e conforma o presente vivido em
favor da legitimação das categorias sociais que dominam os processos produtivos econômico,
cultural e político.
Ao analisar as afirmações de Rojas, que caracterizam a legitimidade da construção da
identidade nacional e destacam os processos culturais, econômicos e políticos que permeiam o
âmbito histórico, chega-se à análise proposta por este artigo, ou seja, investigar os interesses e
as influências, tanto nas esferas do Estado e da burguesia quanto as extensões políticas do
movimento, além da identificação dos artistas pertencentes ao movimento muralista com o
intuito de tentar recriar uma identidade nacional baseada no passado histórico do povo
indígena mexicano.
Luciana Barbosa vale-se também das palavras de Maria Helena Capelato (apud
BARBOSA; 3), ao dizer que toda e qualquer identidade é construída e a construção dessa
identidade utiliza-se de fontes de diversos setores, sejam eles científicos ou não. E mais:
7
Fig. 2: SIQUEIROS, David Alfaro. Cuauhtemoc contra o Mito, 1944. In: Gênios da Pintura. Abril Cultural: São Paulo, 1968.
Fig. 3: SIQUEIROS, David Alfaro. La Nueva Democracia, 1945. Fachada do Palacio de Bellas Artes. Cidade do México. Disponível em:
http://elhurgador.blogspot.com.br/2012/01/manos-la-obra-iii-siqueiros-escher.html. Acesso: 09 dez 2013.
8
Outra obra que expressa a ideologia socialista e a luta contra o capitalismo e contra a
conformidade relativamente ao Imperialismo norte-americano é O homem controlador do
universo, de Diego Rivera, cuja ilustração segue:
Fig. 4: Rivera, Diego. El hombre controlador del universo (Man at the crossroads looking with hope and high vision to the choosing of a
new better future), 1934. Fachada do Palacio de Bellas Artes, Cidade do México. Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/_k-HDh0IzxMw
/THiF6kY3CJI/AAAAAAAAAAc/QTQDQx7vboU/s1600/mural.jpg. Acesso: 08 dez 2013.
Todavia, a presença desse viés político-social nas obras do movimento mural deixou
sua importância tanto para as artes quanto para a educação no México e também no resto do
mundo. Segundo Peter Burke7, as obras patrocinadas pelo governo do México pós-
revolucionário proporcionaram ao povo mexicano e ao mundo uma reflexão sobre os males
do capitalismo, sobre a importância do trabalho e sobre a dignidade dos indígenas – ou seja, a
honra e o orgulho da identidade mexicana criada pelos artistas do muralismo. Por meio desses
murais, os autores enfatizavam o papel da arte como forma de incentivo à “educação e luta”
para o povo.
É importante salientar que a construção da identidade nacional diz respeito a todos os
fatores mencionados acima, nos quais encontramos resistência política e ideológica frente a
uma sociedade capitalista e injusta para com as populações mais carentes, que se importa
apenas com o acúmulo de riquezas por parte de uma pequena elite e esquece a importância
real de sua população. Outro dado que deve ser mencionado é a importância da busca dessa
identidade no passado, a fim de construir no presente o orgulho de ser mestiço e de dar o
devido valor a suas raízes indígenas. Entretanto, como mencionado por Burke, o movimento
7
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
9
muralista, além de possuir um importante cunho político-social, continha em suas amarras o
fator educacional que perdura até a contemporaneidade e abre discussões e reflexões sobre o
tema abordado neste trabalho, como pode ser observado no programa Discutamos México8,
produzido pelo governo mexicano no ano de 2010.
Conclusão
8
Ibid, p.3
10
incentivar o povo mexicano rumo a este ideal, além, é claro, de embelezar e enriquecer a
cultura latino-americana.
Referências
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil.
São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
11