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Histórias de cemitério

Quem diz que nunca pensou em alma penada quando passou por um cemitério está mentindo.
Impossível não achar estranho quando um gato surge no seu caminho (se for preto, então...), ou
sentir uma angústia inexplicável com aquele pesado silêncio nos ouvidos. O lugar, apesar de ser
pacífico, tem toda uma aura sinistra - embora essa talvez não seja a intenção. Andar por aquelas
ruazinhas intrincadas é perder-se em um labirinto de histórias e rostos, que parecem ainda estar
ali olhando aqueles estranhos (!) visitantes.

Estranha talvez possa ser a primeira impressão que as pessoas têm do coveiro Osmair Camargo
Candido - "Fininho", como é conhecido no Cemitério do Araçá, seu lugar de atuação. Com
"quarenta e poucos anos" de idade, vinte de profissão, ele carrega consigo uma variada gama de
histórias que presenciou nessa inusitada profissão. Estudante do terceiro ano de Filosofia e fã
incondicional de Nietzche, Osmair está compilando seus casos (verídicos) em um livro, que
pretende publicar assim que conseguir apoio de uma editora (ainda em vida, se possível).

A história a seguir aconteceu mesmo. Osmair a contou enquanto passeava com a reportagem
pelas lápides do Araçá, mostrando um pouco das curiosidades da silenciosa vizinhança.
Nenhum deles quis dar uma entrevista para contar a versão póstuma dos fatos (ainda bem!),
mas confiamos no que os vivos têm a dizer. Se você também, continue lendo. E fique em paz.

A Corda

Quando o coveiro Osmair Camargo Candido pegou o Diário Popular daquela manhã, viu na
primeira página a história da mulher encontrada morta no apartamento de um figurão da alta
sociedade paulistana. Gostava do jornal, que, segundo ele, "trazia notícias das pessoas de
verdade, não tratava só de Higienópolis e redondezas".

Naquele dia, no entanto, Osmair estava decepcionado com o periódico. Comentou com os
colegas do cemitério do Araçá:

- Pô, não fala nada sobre como a mulher morreu. Aposto que o figurão tem alguma coisa a ver!

A manhã estava cinzenta. O pouco trabalho do dia se resumira, até ali, a cobrir algumas covas
recém abertas para que não se enchessem de água da chuva.

Por volta de meio-dia, o encarregado geral de serviços funerários, Henrique Peixoto, avisou a
Osmair:

- Tem um enterro às quatro. Tu tá escalado. Sabe aquela mulher do jornal? Tá vindo pra cá.

- Tudo bem, seu Henrique - respondeu o coveiro.

Pouco depois, quando o encarregado já ia saindo do cemitério, Osmair lembrou de perguntar:

- Seu Henrique, do que a mulher morreu?

- Sei não. Ainda não mandaram o laudo do IML pra gente.

Era por volta de três e quinze da tarde quando o corpo chegou. Depois que os funcionários da
funerária o colocaram na capela de velório e saíram, Osmair ficou sozinho com a defunta. Sem
parentes e sem amigos. Tampouco aquele a quem os jornais chamavam de amante estava
presente: o figurão apenas pagara as despesas do sepultamento.

Na função de coveiro, Osmair não podia abandonar o corpo. Por isso, ficou aguardando durante
meia-hora, até ter certeza de que ninguém apareceria para velar a mulher. Saiu com o caixão
sobre o carrinho de transporte e parou à porta da capela, praguejando:

- Merda de chuva!

Aguardou, mas a água não parava de cair. Decidiu sair assim mesmo; achou preferível se
molhar a chegar tarde em casa após aquele último serviço.

Enquanto subia com o caixão até o lado leste do cemitério, próximo ao muro, a chuva aumentou.
Quando chegou ao túmulo, o coveiro estava completamente encharcado.

Descer o caixão até o fundo da cova não era tarefa fácil; Osmair fazia sozinho um serviço que
normalmente exige o trabalho de dois homens. Por isso, utilizava-se de um sistema de cordas
que prendia o caixão pelas duas extremidades, enquanto uma polia dividia o peso total e tornava
o serviço um pouco menos sacrificante.

Quando terminou de descer a defunta, Osmair soltou a corda e abrigou-a dentro de uma
pequena saliência na parte inferior da sepultura; era uma espécie de buraco na terra em que as
pessoas deixavam flores e vasos.

Após selar a tumba com uma tampa de mármore e cimento, o coveiro guardou suas ferramentas
e retornou à administração do cemitério. Estava completamente molhado e com frio. Tomou
banho, pegou um copo de café e já se preparava para ir para casa quando viu, sobre a mesa da
secretária, o laudo do IML. Não disfarçou sua surpresa ao lê-lo:

- Se enforcou. Que mulherzinha covarde! - disse, saindo em seguida.

Só quando já estava a meio caminho de casa, no segundo ônibus, Osmair lembrou-se de uma
coisa que considerava importantíssima:

- A corda! Esqueci na sepultura. Droga! Vai apodrecer com toda essa chuva - pensou.

Decidiu que só se preocuparia com isso no dia seguinte. Estava cansado e com fome. Chegou
em casa, comeu o jantar que sua mulher preparara, assistiu ao Fantástico e, morrendo de sono,
foi para a cama. Adormeceu em dois minutos.
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Osmair não tinha problemas em acordar cedo. A rotina se encarregara de adaptar seu corpo ao
horário. Além disso, para espanto da maioria das pessoas, o coveiro gostava de seu trabalho, e
dizia, embora sem explicar:

- Não há nada melhor para conhecer a vida do que lidar com a morte.

O sol ainda não tinha nascido quando Osmair chegou ao cemitério, às quinze para as seis da
manhã, horário de verão. Depois de tomar o habitual copo de café, preparou-se para a primeira
tarefa do dia: recuperar sua corda.

Enquanto Osmair percorria o trajeto até o local do enterro do dia anterior, uma fina garoa
começou a cair. A escuridão limitava o campo de visão a poucos metros. Passou por uma lápide
que sempre lhe chamava a atenção. Trazia escrito:

"Ítalo

Era um garoto que amava


A vida e os carros reluzentes
Um ponto oito
Um ponto seis
Um ponto três
Um ponto zero
... Um ponto final ..."

Ainda se lembrava do enterro do garoto, um universitário bem de vida que morrera num acidente
de automóvel. Achara patética a atitude das colegas de sala que se desesperavam enquanto o
caixão de Ítalo era baixado. Gritavam e choravam como se aquilo fosse também o fim da vida
delas.

O coveiro via apenas contradição em tais demonstrações. Se, de acordo com a fé que diziam ter,
as pessoas iam para o paraíso após a morte, qual seria o problema em abandonar esta vida?

- A moral cristã é tão palpável e compreensível quanto Ki-suco - deduziu o coveiro.

Afastou essas reflexões e continuou o trajeto até a sepultura em que tinha esquecido sua corda.
A chuva aumentou e Osmair apertou o passo. Parecia que, ao invés de clarear, o dia estava
ficando ainda mais escuro. Olhou para o céu, onde nuvens negras e carregadas se ajuntavam,
anunciando uma tempestade que não tardaria.

Ao se aproximar da ladeira que levava ao túmulo da mulher enterrada no dia anterior, Osmair
lembrou-se do laudo do IML.

- Se enforcou. Decidiu que queria retornar ao pó mais cedo - pensou, e um breve calafrio
percorreu sua espinha.

Quando chegou perto do túmulo, o coveiro, que não acreditava em fantasmas, assombrações,
almas penadas e macumbas, sentiu seu sangue gelar: a corda que havia deixado na parte
inferior do túmulo desaparecera. Olhando com mais atenção, Osmair logo a localizou: estava
agora na parte superior, onde ficaria a cabeça do morto, amarrada em perfeito formato de nó de
forca.
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Osmair foi embora sem levar a corda. Procurou não pensar no assunto. Somente dois dias
depois um colega o abordaria, chamando-o pelo apelido:

- Fininho, isso aqui não é seu, não? - e entregou-lhe a corda, enrolada dentro de um saco
plástico.

- Não. Nunca vi isso - respondeu Osmair, que saiu dali a passos rápidos, deixando a corda no
chão.

Nunca mais soube dela.

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