André Pasti
andre@pasti.art.br
Doutorando na Universidade de São Paulo (USP)
Resumo
Neste trabalho, busca-se contribuir para o entendimento das transformações e permanências
na organização espacial da comunicação no território argentino a partir das políticas de
comunicação baseadas no marco normativo da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual
(LSCA) de 2009 – conhecida como “Lei de Meios”. Analisa-se especialmente o Programa Polos
Audiovisuais Tecnológicos, uma das experiências de efetivação de parte da LSCA que diz
respeito à promoção de produções audiovisuais descentralizadas, com base nos lugares, a
partir de um processo participativo de múltiplos agentes de cada “nó” de uma rede
descentralizada e regionalizada em nove “Polos”. O texto pretende verificar, sobretudo, se
essas políticas apontam, ainda que de modo incipiente, para a ampliação da produção e
circulação de “informações ascendentes” – como se refere Adriana Bernardes da Silva aos
círculos de informações com dinâmicas horizontais, a partir dos lugares.
Palavras-chave: globalização, informação, comunicação, Argentina, políticas de comunicação,
Programa Polos Audiovisuais Tecnológicos.
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Introdução
O território argentino é marcado historicamente por uma intensa monopolização no
setor de comunicação, que acompanha uma grande concentração geográfica da produção de
informações na cidade de Buenos Aires (MARINO; MASTRINI; BECERRA, 2010). A globalização
neoliberal acentuou essa tendência à centralização do comando da informação, com a
formação de conglomerados globais e nacionais de comunicação e a ampliação do poder
dessas empresas (MORAES, 2010). Por isso entende-se a configuração de uma “violência da
informação” como uma característica do período atual, conforme aponta Milton Santos
(2000). Essa violência caracteriza-se pela presença e dependência crescentes da informação
nas atividades econômicas e na vida cotidiana, ao mesmo tempo em que a produção e
circulação dessas informações está fortemente monopolizada.
Nas últimas décadas do século XX, as políticas de comunicação na Argentina estavam
baseadas em um marco normativo de 1980, imposto pela ditadura militar. Essas políticas
propiciaram uma internacionalização parcial do setor e a conformação de conglomerados
nacionais de mídia – em 2000, os quatro maiores desses conglomerados atuantes no país
controlavam 84% do mercado de mídia no país (MASTRINI; BECERRA, 2006). Esse marco
normativo, vigente até 2009, desenhou um sistema de comunicação centralizador e privatista
(MARINO; MASTRINI; BECERRA, 2010).
As lutas sociais pela democratização da comunicação na América Latina e no país
desenvolveram-se por décadas, até que encontraram um contexto político favorável, durante
o governo nacional da presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Em 2008, o governo estava
em um intenso conflito com os conglomerados de mídia, devido a atuação dos principais
agentes midiáticos do país em oposição ao governo durante a chamada “crise do campo”.
Esse contexto possibilitou o avanço da agenda de democratização da comunicação,
posteriormente assumida como pauta do governo federal (PICCONE, 2015). Assim, após
amplos debates nacionais, foi aprovado e sancionado um novo marco normativo do
audiovisual argentino em 2009: a Lei n. 26.522/2009 de Serviços de Comunicação Audiovisual
(LSCA), conhecida como “Lei de Meios”.
Esse marco normativo acompanhou diversas políticas que buscavam criar novas
condições para o desenvolvimento do setor audiovisual e novos usos do território no que
tange à comunicação. Entre as prioridades desse marco normativo estavam a regionalização
da produção audiovisual, a democratização do acesso a meios e canais e o combate à
monopolização da informação.
Este texto busca analisar a dimensão dessas políticas de comunicação ligada à
ampliação da produção e circulação de informações ascendentes. Para tanto, inicialmente
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percorremos brevemente o debate sobre circulação de informações a partir do território,
para, em seguida, realizar a análise das políticas propostas para a ampliação da produção e
circulação da informação ascendente no território argentino nesse marco normativo,
discutindo sobretudo uma das políticas que buscou efetivar essa demanda: o Programa Polos
Audiovisuais Tecnológicos.
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comunicação que produziu as transformações normativas baseadas na Lei de Serviços de
Comunicação Audiovisual (LSCA) de 2009.
Para isso, a LSCA prevê, entre outras medidas, a capacitação dos setores envolvidos na
produção audiovisual, em busca da promoção de diversidade cultural; promoção da
federalização da produção, estimulando conteúdos locais das diferentes províncias e regiões
do país; desenvolvimento do setor audiovisual de modo que este possa ter sustentabilidade
econômica; desenvolvimento de estratégias e coproduções internacionais que permitam
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produzir mais radiodifusão de caráter educativo, cultural e infantil; e implementação de
medidas para a inserção de produções audiovisuais locais no exterior (ARGENTINA, 2009).
Para efetivar a política prevista na LSCA em alinhamento com essa concepção, foi criado o
Programa Polos Audiovisuais Tecnológicos.
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Inicialmente, quatro planos basearam a conformação desses Polos e o
estabelecimento, posterior, dos “Nós” da rede de produção federal: (1) pesquisa e
desenvolvimento, para identificar as capacidades instaladas, recursos humanos e
necessidades; (2) capacitação, a partir das demandas levantadas; (3) adequação técnica, com
atualização tecnológica; e (4) plano piloto para produção de conteúdos (CARBONI; LABATE,
2012). Assim, foram criados dezoito Centros Públicos de Produção Audiovisual (CEPAs),
estúdios com equipamentos de gravação em alta definição para televisão digital.
Um aspecto fundamental do Programa Polos para a promoção da produção de
informações ascendentes é sua metodologia centrada em um processo participativo. As
reuniões dos “Nós” eram realizados por chamadas aos agentes locais. Havia uma
metodologia própria para o encaminhamento dos debates, decisões e ações, e eram
produzidas atas dos encontros. Alguns dos avanços indiretos já visíveis do Programa dizem
respeito justamente à reunião dos agentes locais para o desenvolvimento do audiovisual –
como no caso da na província de Misiones, onde os agentes reunidos produziram Fóruns
Locais de Políticas Públicas para o Audiovisual, que culminaram na aprovação de uma lei
provincial do audiovisual de Misiones e na criação de um Instituto de Artes Audiovisuais de
Misiones (IAAvIM), que é, em parte, organizado de maneira participativa, semelhante aos
“Nós”.
Todas as etapas do Programa Polos envolveram pressupostos da formulação de uma
política de comunicação que possibilitasse a criação de condições para a descentralização da
produção de informações no território argentino. O primeiro deles é um papel ativo do
Estado para essa descentralização, por meio do subsídio, da capacitação, da montagem de
estúdios equipados, em busca da criação de condições técnicas, normativas e financeiras para
desenvolver – no médio e longo prazo – a produção audiovisual dos lugares menos centrais.
Em segundo lugar, a necessidade de buscar financiamentos que garantam que a produção se
sustente economicamente – fontes alternativas, mas que não implicam na retirada do Estado.
O Programa Polos desenvolveu um amplo estudo sobre o financiamento dos meios na
Argentina, para subsidiar essas políticas (ARGENTINA, 2013). Outra questão fundamental é a
necessidade de pensar novos formatos para o audiovisual, que se relaciona com o
entendimento de que as alternativas à mídia concentrada não passam por uma “imitação” de
suas práticas, como afirma Suárez (1996, p. 51):
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alternativos que combinem esforços e que permitam obter vantagens recíprocas
dos resultados de cada um.
Considerações finais
A possibilidade de produzir uma outra globalização (SANTOS, 2000) passa por ações
capazes de criar condições para uma ampliação das “vozes” dos agentes e dos lugares. Na
Argentina, as políticas de comunicação no marco da Lei de Serviços de Comunicação
Audiovisual (LSCA) apontaram para uma ampliação das vozes dos de baixo e da produção de
informações a partir dos lugares. Apesar de seus limites – discutidos em Becerra (2015), entre
outros –, houve, no pouco e conturbado tempo de vigência desse marco normativo,
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diretrizes para ampliar a quantidade e a diversidade dos produtores de audiovisual e dos
lugares e regiões com capacidade de produzir e fazer circular informações.
O Programa Polos Audiovisuais, particularmente, tornou-se uma referência
importante das potenciais transformações na produção de informações ascendentes. Com
todos os desafios abertos, o Programa Polos é uma experiência importante que, em conjunto
com as outras medidas então em curso para a democratização da comunicação no território
argentino, buscou ampliar a produção de informações a partir dos espaços opacos (SANTOS;
SILVEIRA, 2001, p. 264) – ou “silenciosos” (ROJAS, 2014) – da globalização. Sua efetividade
não pode ser medida apenas nos termos do alcance dessas informações, mas em relação ao
processo e os pressupostos que o fundamentam, que podem contribuir para o avanço de
futuras políticas e ações que busquem a regionalização da produção audiovisual e a
ampliação das condições que propiciam a produção e a circulação de informações
ascendentes, com participação efetiva dos agentes dos lugares.
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Referências bibliográficas
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