Todos os dias, vemos nos meios de comunicação opiniões bastante diversas (em geral
opostas) sobre a economia. Quando o Banco Central aumenta a taxa de juros frente a uma
Esta é a motivação deste trabalho: tentar entender por quê os economistas discordam na
questão monetária. Para isso, decidimos analisar a postura dos economistas sobre dois
fundamentos da teoria econômica que, a nosso ver, se encontram no cerne das controvérsias
Na primeira seção, vamos definir e explicar o que são Lei de Say e Teoria Quantitativa da
Moeda. Na segunda seção, falaremos um pouco sobre a escola ortodoxa, aquela que aceita
da Moeda
“Os produtos são pagos por produtos”. A frase, que soa elementar, esconde raciocínios
interessantes. Blaug explica que a curva de oferta de uma indústria independe de sua curva
de demanda. Mas é incoerente (em uma economia de trocas simples) falar em excesso
A superprodução deve ser relativa a algo. Esse algo que nos falta na economia de trocas
oferta, se se considera que ele é somente uma procura excedente por moeda.
Isso indicaria que a Lei de Say não é aplicável ao mundo real, porque nele o excesso de
moeda é logicamente possível e então a “oferta não gerará sua própria demanda”. É preciso,
Isso se faz supondo que as pessoas retêm moeda sob a forma de reservas de valor, e não
vêem razão para alterar essa reserva. (O nome usual dado à essa restrição é Identidade de
Say). A primeira consequência disso é que o mercado monetário está sempre equilibrado,
porque
Independentemente dos preços, as pessoas fornecem bens apenas para “imediatamente” usarem
o dinheiro recebido na procura de outros bens. (…) Isso, por sua vez, implica que os próprios
mercados de bens não são afectados: uma alteração do nível de preço nunca leva à substituição
monetário, o que pressupõe que a quantidade de moeda disponível para o público seja
A Teoria Quantitativa da Moeda está intimamente ligada à Lei de Say, visto que ambas
MV = Py
A equação acima nada mais é do que uma identidade contábil. Mas para considerá-la como
1. Neutralidade da Moeda. Quando dizemos que a moeda é neutra, isso significa que
ela não afeta a produção de uma economia (y) de forma permanente – ou seja,
produção real no curto prazo, mas esse efeito é de curto prazo e não deixa efeitos
Trocas.
somente e integralmente no nível de preços (já que V é estável ou previsível e M não afeta
y). A hipótese 3 implica, então, que a Autoridade Monetária é responsável pelo processo
inflacionário.
O primeiro é o chamado mecanismo direto, citado por Cantillon e Hume. A idéia é simples:
demanda por fatores de produção, o que aumentará o seu preço e fatalmente aumentará o
nível geral de preços algum tempo depois. Quando os preços aumentarem, o nível geral de
A divisão entre os economistas pode ser feita de diversas maneiras. A forma que adotamos
neste trabalho para definir o que é ortodoxia e o que é heterodoxia é a aceitação ou não da
seção iremos, então, esclarecer o ponto da neutralização dos efeitos reais do mecanismo
preços, o que indicaria a não neutralidade da moeda. Mas o que os ortodoxos dizem (e os
heterodoxos depois negarão), é que este efeito é temporário e de transição, não deixando
É preciso destacar que, para os economistas ortodoxos, os agentes não se preocupam com a
quantidade nominal de moeda que possuem (M), mas sim com a quantidade real (M/P).
Assim, não importam aos agentes os preços absolutos, mas sim os preços relativos. Com
moeda nem a inflação afetam a atividade real da economia (Mollo, 2002). Um aumento da
pode não ser neutra no curto prazo, aumentando a produção. Mas essa nova repartição da
Dizemos que Marx negava a Teoria Quantitativa da Moeda porque ele negou todos os seus
supostos.
estável porque o entesouramento, naquela concepção, é irracional. Mas não foi assim que
As mercadorias, para ele, possuem dois valores: o valor de uso, que é a “utilidade”1 que
esta mercadoria proporciona, e o valor de troca. A moeda é uma mercadoria especial que
tem como valor de uso determinar os valores de troca (a função equivalente geral da
moeda).
As mercadorias não só podem ser conservadas sob a forma de ouro e prata, ou seja, na matéria
do dinheiro, como também ouro e prata já constituem a forma conservada da riqueza. Todo
valor de uso serve como tal na medida em que é consumido, isto é, na medida em que é
destruído. Todavia, o valor de uso do ouro, que serve de dinheiro, consiste em ser portador do
valor de troca, e como matéria-prima amorfa, em ser a encarnação do tempo de trabalho geral.
(Marx).
1
O termo está entre aspas para ressaltar que Marx não fala de utilidade com aquela entendida pela escola
ortodoxa.
Isso dá à moeda, segundo Marx, o importante papel de validadora social da produção
(“encarnação do tempo de trabalho geral”). A moeda representa poder social, e por isso,
O suposto nº 04 diz que a causalidade da equação vai de MV para Py. Os preços, na teoria
O suposto de neutralidade da moeda é derrubado pela idéia que se faz do papel do crédito
na economia capitalista.
Aceleração, por meio do crédito, das distintas fases de circulação ou da metamorfose das
1) Enorme expansão da escala de produção e das empresas, que era impossível para capitais
qual a Autoridade Monetária não tem poder de controle. É claro que ações da mesma na
taxa de juros, por exemplo, podem interferir nas decisões de entesouramento e crédito, mas
não as controlam.
2
O valor de uma mercadoria, para Marx, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário
(aquele que é realizado nas condições médias da sociedade) para a sua produção.
Embora os marxistas aceitem, como já visto, a não neutralidade da moeda, em meados da
década de setenta surge o debate sobre a inflação por dinheiro extra. A idéia é de que
criam discrepâncias entre a oferta e a demanda de moeda que, em alguns casos, podem
gerar inflação. Em essência, isto pode acontecer se uma injeção de dinheiro extra (ou
circulação, sem que esta relação seja subseqüentemente restaurada pelo crescimento do
produto ou pela retirada do dinheiro extra de circulação. (Mollo e Saad Filho, 2001)
1. O caso “keynesiano”, onde o aumento de moeda permite que as empresas aumentem a sua
produção, o que, após um intervalo de tempo, restituirá a relação entre moeda e valor a um
2. O caso “monetarista”, que ocorre quando esse aumento de moeda vai para setores saturados
quando não se pode importar ou finalmente quando ela for insuficiente para atender à
Apesar desta teoria de inflação admitir a hipótese familiar de “P aumentando devido à aumentos de
M”, é preciso destacar que esta teoria é incompatível com a Teoria Quantitativa da Moeda.
Em primeiro lugar, porque o dinheiro extra é endógeno (vide nota abaixo). A moeda não é neutra, e
os efeitos da criação de moeda adicional não podem ser antecipados, não se podendo, então, culpar
3
O dinheiro extra surge do desentesouramento, do crédito, de intervenções governamentais em instituições
com problemas de insolvência (como no caso do PROER no Brasil), etc. A injeção pode ser insuficiente
devido à descentralização das decisões.
Keynes, os pós keynesianos e a preferência pela liquidez
A diferença entre Keynes e os clássicos, como em Marx, começa pela concepção de moeda.
Keynes acreditava que vivíamos em um mundo de incerteza radical, onde as decisões dos
agentes eram tomadas de forma descentralizada e as decisões que tomamos hoje não apenas
afetam o futuro, mas dependem das nossas expectativas em relação a ele. A moeda, então,
não tem somente (ou principalmente) a função de meio de transação. Sua função mais
importante, enquanto ativo mais líquido da economia, é servir de garantia frente à incerteza.
Ela passa então a ser desejada por si mesma, ou seja, o entesouramento é visto como
O surgimento do crédito servirá como base para a negação dos três outros supostos. O
em que a renda nominal Py é financiada por aumentos de empréstimos, o que leva residualmente
Numa economia onde o sistema de crédito foi bem desenvolvido, a poupança não
associação com a poupança. As rendas que este investimento vai gerar é que vão garantir a
investimento são decisões subjetivas tomadas por agentes distintos, e não há nenhum fator
que garanta ex-ante a igualdade. Na verdade, a decisão de poupar, para Keynes, não é uma
decisão verdadeira, mas sim resíduo da decisão de consumir. Como não é possível para os
poupança ex-ante não faz sentido. A decisão de investir é feita a partir da comparação da
rentabilidade marginal do capital com a taxa de juros. Se a primeira for maior do que a
títulos.
1. O investimento sendo financiado pelo crédito sem que haja poupança suficiente.
Como já vimos, não existe razão para que poupança e investimento sejam iguais ex-
ante.
caso de preferência pela liquidez generalizada. A preferência pela liquidez pode ser
encarada como uma resistência à ceder o empréstimo, por parte dos bancos, e/ou à
compra de títulos por parte dos consumidores, face a uma situação de expectativas
É claro, então, que a moeda aqui não é neutra, já que a decisão dos bancos de conceder ou
não crédito e a dos demais agentes de preferência pela liquidez impacta a produção real de
forma permanente.
A noção de preferência pela liquidez também nos permite derrubar o último suposto da
afeta diretamente a oferta de crédito. A Autoridade Monetária não tem como interferir neste
processo, visto que a preferência pela liquidez é uma posição subjetiva de cada agente.
Conclusão
oferta de moeda e (como visto na primeira seção), controlar a inflação via ajustes na taxa de
não tendo efeitos reais permanentes – ou seja, o custo social dos mecanismos de ajuste é
visto como baixo ou até mesmo (para os mais ortodoxos) como inexistente.
posicionam de forma favorável a políticas de regulação via taxa de juros. Isso porque eles
moeda, a Autoridade Monetária não tem poder de controle sobre a oferta monetária e não