Resumo
Estudos sobre motivação no setor público apontam que fatores motivacionais
intrínsecos, como a relevância e natureza do trabalho, seriam mais importantes para a
motivação dos servidores do que fatores motivacionais extrínsecos, como remunerações,
salários e benefícios. Assim, fatores motivacionais intrínsecos teriam papel relevante sobre o
resultado de variáveis organizacionais. Esse estudo contribui com a literatura sobre motivação
no serviço público ao analisar os efeitos que fatores motivacionais extrínsecos e intrínsecos
têm sobre os níveis de evasão e satisfação profissional dos Especialistas em Políticas Públicas
e Gestão Governamental. Os resultados confirmam as evidências apontadas pela literatura.
Introdução
Há mais de duas décadas tem havido um intenso debate acadêmico sobre o que motiva
os servidores públicos. Nesse debate, a grande maioria dos estudos tem buscado identificar
possíveis diferenças entre os fatores motivacionais presentes no setor público e no setor
privado (Frank & Lewis, 2004). Uma das conclusões mais recorrentes é que fatores
motivacionais intrínsecos, tipicamente relacionados à natureza do trabalho – como a
relevância e importância da atividade desempenhada – têm mais influência sobre a motivação
dos servidores públicos do que sobre profissionais do setor privado (Bowman, 2010;
Crewson, 1997; Houston, 2000; Perry & Hondeghem, 2008; Rainey, 1982, 1983; Schuster,
1974; Weibel et al., 2010). Fatores motivacionais extrínsecos, por sua vez – como políticas de
remuneração e de benefícios – teriam influência relativamente menor na motivação dos
servidores públicos em comparação aos profissionais do setor privado (Crewson, 1997;
Wittmer, 1991).
As evidências sobre a existência de diferentes fatores motivacionais presentes nos
setores público e privado têm levado pesquisadores a investigar, por exemplo, a eficácia da
adoção de determinadas práticas gerenciais do setor privado junto à organizações públicas.
Muitos estudos buscam compreender, por exemplo, até que ponto políticas de remuneração
variável baseada em metas de desempenho (amplamente praticadas no setor privado) têm
efeitos sobre a melhoria das organizações públicas (Assis, 2012; Bowman, 2010; Hasnain et
al., 2012; Rodrigues et al., 2014; Weibel et al., 2010). Hasnain et al. (2012) afirmam que de
forma geral, os resultados são na maioria positivos, mas ainda dividem opiniões de
acadêmicos e especialistas. Esse exemplo sugere que a simples transposição de práticas
gerenciais do setor privado para o setor público não garante seu sucesso no âmbito
governamental. A existência de diferentes fatores motivacionais nos setores público e privado
exigiria, assim, instrumentos gerenciais específicos para cada caso.
Esse estudo contribui com a literatura sobre motivação no serviço público ao analisar os
efeitos que fatores motivacionais extrínsecos e intrínsecos têm sobre dois importantes
indicadores organizacionais: os níveis de evasão e o grau de satisfação profissional dos
funcionários públicos. Para contribuir com esse debate, recorremos à análise do caso dos
Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) dos estados da Bahia,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e também do Governo Federal. Adotada nesses e em
outros estados, a carreira de EPPGG – também conhecida como gestor governamental –
possui um considerável conjunto de elementos motivadores intrínsecos, mas estudos têm
relatado níveis elevados de evasão e insatisfação na carreira em alguns estados (Andrade,
2011; Oliveira et al., 2012). Por meio de uma abordagem teórica e empírica, este estudo busca
1
I. Revisão da Literatura
haveria nas empresas privadas melhores condições para se obter maior produtividade a partir
da oferta de fatores motivacionais externos, no emprego público o trabalho seria
intrinsecamente mais satisfatório e recompensador, caracterizando assim um ambiente
organizacional cujo desempenho seria menos sensível a fatores motivacionais financeiros
(Frank & Lewis, 2004). Dessa forma, o governo teria certa vantagem na capacidade de
motivar sua força de trabalho (Perry & Wise, 1990). Mann (2006) sugere que os gestores de
instituições públicas devem aproveitar esse interesse em servir à sociedade como força
motivadora dos funcionários públicos. Para Assis (2012), tanto os fatores extrínsecos quanto
intrínsecos afetam a motivação dos funcionários públicos e privados. Para o autor, a análise
dos pesos de cada um desses fatores, caso a caso, é que irá indicar o impacto potencial que
determinadas práticas gerenciais têm sobre o desempenho de cada profissional.
Diferenças motivacionais entre funcionários públicos e privados explicam, ao menos em
parte, porque certas práticas gerenciais privadas podem ter eficácia limitada na administração
pública. Um bom exemplo refere-se à intensa discussão sobre a adoção de remuneração
variável por desempenho no setor governamental. Hasnain, Manning and Pierskalla (2012),
após um extenso levantamento de estudos teóricos e empíricos sobre o assunto, apontam um
cenário favorável à adoção de remuneração variável por desempenho no setor público, mas
reconhecem que esse instrumento funciona melhor sob certas condições, como por exemplo
em setores da ação governamental cujos produtos, serviços e resultados são mais facilmente
mensuráveis, como na educação e saúde. No caso brasileiro por exemplo, Assis (2012)
conclui que a implementação de metas e remuneração por desempenho na segurança pública
mineira geraram mudanças significativas em algumas de suas instituições, com aspectos
positivos sobre a qualidade dos serviços. Porém, reconhece que o sucesso do modelo depende
muito da forma como tais instrumentos são implementados.
mostrando que muitas das hipóteses comumente aceitas sobre quais são os fatores que afetam
a evasão não se verificam na prática. Dentre as evidências mais reveladoras e que contradizem
o senso comum, duas merecem destaque: i) níveis salariais e satisfação salarial têm efeito
relativamente fraco sobre as decisões de evasão (Griffeth, Hom, & Gaertner, 2000); ii) a
insatisfação com o trabalho aparece como a principal razão para sair do emprego em menos
da metade dos casos (Lee et al.,1999). Os autores apontam que apesar de fatores associados à
compensação serem claramente importantes, eles perdem relevância quando outros fatores
envolvidos na decisão individual de sair do emprego são também considerados. Em relação à
insatisfação, os autores explicam que, embora em alguns casos funcionários deixem seus
empregos por que estão insatisfeitos, em outros abandonam um trabalho mesmo quando
sentem-se relativamente satisfeitos, por exemplo quando oportunidades melhores surgem.
Esses exemplos indicam que evasão e satisfação estabelecem entre si, no máximo, uma
relação de correlação, mas não necessariamente de causalidade.
Segundo Allen et al. (2010), algumas das principais variáveis relacionadas à evasão são,
em primeiro lugar, aquelas associadas ao processo que envolve a decisão de evasão, como a
intenção de sair ou de mudar de emprego (evasão potencial futura). Outras variáveis
importantes são o comprometimento organizacional, clareza de papeis, satisfação com o
trabalho e oportunidades de promoção. Aspectos como salário e satisfação salarial teriam
importância relativamente inferior a essas outras sobre as taxas de evasão. Os autores não
explicam quais são os fatores e variáveis que geram as intenções de evasão. De qualquer
modo, reconhecem que muitos dos estudos por eles levantados consistem em simples
correlações entre variáveis, limitando a capacidade de se extrair conclusões firmes sobre
causalidade entre elas e evasão. Nesse ponto, sugerem que pesquisas futuras abordem os
antecendentes da intenção de sair de emprego com o uso adequado de controles. Uma análise
efetiva baseada em evidências deve usar múltiplas informações num contexto particular, para
que então sejam compreendidas as causas da evasão em cada caso analisado (Allen et al.,
2010; Briner et al., 2009). Taxas de rotatividade variam muito entre setores e lugares, e por
isso demandam uma cuidadosa consideração de contexto (Allen, 2008).
organização consiga manter os funcionários em seus quadros (baixa evasão), uma vez que os
fatores extrínsecos elevados seriam atraentes e suficientes para reduzir as fontes de
insatisfação e desconforto relacionados com o trabalho (expressado pela primeira seta
ascendente para satisfação). Porém, como o trabalho desenvolvido é pouco interessante e
relevante, ausente portanto dos elementos simbólicos que segundo Herzberg mobilizam o
indivíduo rumo a um maior desempenho e envolvimento com o trabalho, os profissionais
nessa organização não estariam satisfeitos profissionalmente (situação expressa pela segunda
seta descendente para satisfação). Nesse equilíbrio, note que não há insatisfação quanto aos
fatores higiênicos de Herzberg (1964,1968), pois a alta compensação supre as necessidades
mais fundamentais dos funcionários. Porém, a satisfação profissional é baixa quanto aos
fatores motivadores e simbólicos associados ao desenvolvimento pessoal e profissional. No
quadrante III, que resume o pior dos equilíbrios, se a organização adota baixos níveis de
fatores extrínsecos e intrínsecos, fatalmente terá alto índice de evasão e baixo grau de
satisfação. Finalmente, no quadrante IV, se a organização reduz os fatores extrínsecos,
oferecendo por exemplo baixos salários e benefícios, mas em contrapartida propicia o
desenvolvimento de atividades prestigiosas e relevantes, o resultado provável seria uma alta
satisfação profissional dos funcionários quanto aos fatores simbólicos e intrínsecos do
trabalho (segunda seta ascendente em satisfação), mas em função da reduzida oferta de
fatores extrínsecos, denotando a insuficiência dos fatores higiênicos, haveria uma situação
constante de desconforto e insatisfação, o que tenderia a aumentar os índices de evasão.
Alto Baixo
(I) (II)
Alto ↓ Evasão ↓ Evasão
↑ Satisfação ↑↓ Satisfação
Fatores Extrínsecos
(IV) (III)
Baixo ↑ Evasão ↑ Evasão
↓↑ Satisfação ↓ Satisfação
Elaboração própria
Da hipótese H1 decorre:
Se os fatores extrínsecos são altos (baixos), a evasão é baixa (alta).
Da hipótese H2 decorre:
Se os fatores extrínsecos são altos (baixos), a insatisfação é baixa (alta).
Se os fatores intrínsecos são altos (baixos), a satisfação é alta (baixa)
H3: no setor público, fatores intrínsecos têm maior peso sobre a satisfação profissional
dos servidores do que fatores extrínsecos.
Nos modelos acima, o termo P(y = 1|x) refere-se à probabilidade de que a variável
dependente y (evasão ou satisfação) assuma valor igual a 1 (um) – pretende sair ou sente-se
satisfeito – condicionada às variáveis explicativas x. Assim, o efeito marginal de cada variável
explicativa x sobre y será dado pelos respectivos coeficientes β, γ e δ, que são parâmetros da
população a serem estimados com base em nossa amostra.
Para mensurarmos a probabilidade de evasão, criamos uma variável binária que assume
valor igual a 1 (um) para os indivíduos propensos à evasão (atribuído aos indivíduos que
responderam ter intenção de participar de algum concurso ou processo seletivo, público ou
privado, nos próximos 6 a 24 meses) e 0 para os indivíduos com baixa probabilidade de
evasão (aqueles que responderam não ter intenção de participar de qualquer concurso ou
processo seletivo nos próximos 24 meses). A variável satisfação foi construída da seguinte
forma: a partir de uma escala de 1 (Totalmente insatisfeito) a 5 (Totalmente satisfeito)
atribuída à pergunta sobre o grau de satisfação geral com o trabalho como EPPGG, foi
construída uma variável binária que assume o valor 1 (um) para os respondentes que
marcaram 4 ou 5 na escala (satisfeitos) e o valor 0 (zero) aos demais respondentes
(insatisfeitos).
O termo αi é a constante para todos os indivíduos i da amostra. Já o termo εi refere-se ao
erro da regressão, compreendendo outros fatores não observados e não considerados no
modelo e que podem afetar a probabilidade de evasão ou satisfação.
O termo Exti é um vetor de variáveis relacionadas a fatores extrínsecos. São elas: a faixa
de remuneração, a percepção quanto à compatibilidade da remuneração, e atratividade do
quadro da carreira (tempo para promoção e progressão).
O vetor Inti compreende variáveis relacionadas aos fatores intrínsecos do trabalho,
sendo elas: relevância das atividades para a organização e/ou sociedade, e percepção da
compatibilidade das atividades com as atribuições do cargo.
Finalmente, o termo Conti refere-se ao vetor de variáveis utilizadas como controles
adicionais na regressão. A inclusão de controles adequados garante a robustez dos resultados,
de forma que os efeitos observados para as variáveis de interesse (β e γ) aproximem-se
estatisticamente dos seus efeitos reais. Os controles utilizados incluem atributos individuais e
organizacionais. Os atributos individuais são: sexo, estado civil, se possui filhos ou não,
experiência profissional (anos), tempo para aposentadoria (anos), se local de trabalho é o
mesmo que o local de nascimento, se possui pós-graduação ou não, e se exerce atividade
complementar ou não. Já os atributos organizacionais usados como controles são: se exerce
cargo em comissão ou não, e se existem incentivos à formação e capacitação.
A Tabela 1 traz a descrição completa das respostas obtidas para a carreira de gestor
governamental (EPPGG) nos estados analisados, destacando fatores extrínsecos e intrínsecos,
além de dados sobre evasão e satisfação. Pela tabela, é fácil perceber que nos estados onde os
fatores extrínsecos e intrínsecos são mais elevados, menores tendem a ser a evasão e maiores
os níveis de satisfação.
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Fatores Extrínsecos
Remuneração Baixa (≤ R$4.000, em %) 0 0 10 52,11 100
Remuneração Média (> R$4.000 e ≤ R$7.000, em %) 0 16 90 39,44 0
Remuneração Alta (> R$7.000, em %) 100 84 0 8,45 0
Remuneração Compatível com o cargo (%) 75 58,67 5 14,08 9,8
Quadro de carreira atrativo (%) 90,63 26,67 2,5 5,63 0
Média Geral da Remuneração Declarada em 2010 (R$) R$ 10,469 R$ 8,527 R$ 4,975 R$ 4,324 R$ 3,461
Fatores Intrínsecos
Atividades compatíveis com as atribuições (%) 59,38 70,67 47,5 77,46 5,88
Atividades relevantes (%) 62,5 77,33 57,5 85,92 7,84
Média Geral (%) 60,9 74,0 52,5 81,7 6,9
Variáveis de Controle
Cargo em comissão (%) 43,75 33,33 0 74,65 0
Formação continuada incentivada (%) 59,38 8 17,5 15,49 0
Idade (anos) 35,84 42,59 29,67 29,04 30,2
Experiência (anos) 13 18,81 6,85 4,94 6,57
Sexo Masculino (%) 65,63 50,67 60 53,52 58,82
Casados (%) 59,38 61,33 35 28,17 21,57
Tem filhos (%) 46,88 65,33 25 16,9 11,76
Especialização (%) 31,25 74,67 42,5 29,58 21,57
Mestrado (%) 31,25 14,67 42,5 21,13 39,22
Doutorado (%) 12,5 1,33 0 1,41 1,96
Pós doutorado (%) 9,38 1,33 0 2,82 0
Atividade Complementar (%) 6,25 9,33 15 14,08 9,8
Evasão
Fez concurso nos últimos 6 meses (%) 3,13 4 27,5 45,07 47,06
Fez concurso nos últimos 12 meses (%) 0 5,33 32,5 12,68 23,53
Fez concurso nos últimos 24 meses (%) 34,38 6,67 27,5 22,54 17,65
Não fez concurso nos últimos 24 meses (%) 62,5 84 12,5 19,72 11,76
Pretende fazer concurso nos próximos 6 meses (%) 9,38 8 30 40,85 49,02
Pretende fazer concurso nos próximos 12 meses (%) 12,5 12 25 23,94 19,61
Pretende fazer concurso nos próximos 24 meses (%) 3,13 20 17,5 14,08 21,57
Não pretende fazer concurso nos próximos 24 meses (%) 75 60 27,5 21,13 9,8
Satisfação
Satisfeito com o trabalho (%) 65,63 52 42,5 35,21 0
Número de Observações 32 75 40 71 51
Elaboração Própria
9
ALTO BAIXO
GF
ALTO R$ 10.000
BA
R$ 8.000
Fatores
Média: R$6.350,00
Extrínsecos
R$ 6.000
RJ
MG
BAIXO R$ 4.000
SP
R$ 2.000
Elaboração Própria
IV. Resultados
Os resultados das regressões probit estão descritos na Tabela 2. As colunas (a) e (c)
apresentam os resultados para “Evasão” como variável dependente, enquanto as colunas (b) e
(d) apresentam os resultados para “Satisfação”. Abaixo dos coeficientes, em parênteses, são
reportados os valores do erro-padrão. Todas as regressões incluem o rol completo de variáveis
de controles relacionados às características individuais, não reportadas por questões de
espaço. Por outro lado, fizemos questão de destacar os controles organizacionais (cargo em
comissão e incentivos à formação continuada).
Começando pelos efeitos sobre “Evasão” reportados na coluna (a), vemos que somente
as variáveis relacionadas aos fatores extrínsecos da motivação têm efeitos positivos e
estatisticamente significativos sobre a intenção de sair, conforme podemos observar pelos
coeficientes positivos das variáveis Remuneração Baixa e Remuneração Média, indicado que
estas aumentam a probabilidade de um indivíduo deixar a carreira. Dito de outra forma,
relativamente aos indivíduos que recebem remuneração classificada como alta (acima de R$7
mil, considerado aqui como o grupo de referência), os que recebem remuneração baixa (até
R$4 mil) terão no salário a causa destacadamente mais forte para evadir. Aqueles que
recebem remuneração média (entre R$4 e R$7 mil) também apresentam maior probabilidade
de evasão relativamente aos que possuem remuneração alta, ainda que essa seja ligeiramente
menor do que aquela observada para os que recebem remuneração baixa, conforme esperado.
As demais variáveis não afetam a evasão: a baixa significância estatística de seus coeficientes
impede rejeitarmos a hipótese de que essas variáveis possuem efeito nulo sobre a
probabilidade dos gestores públicos abandonarem seus postos. Conclui-se, por esses
resultados, que a evasão parece depender fundamentalmente dos fatores higiênicos
extrínsecos associados à remuneração, não sendo, entretanto, afetada pelos fatores
motivadores intrínsecos, como a relevância das atividades para a organização e/ou sociedade e
também a compatibilidade das atividades com a descrição do cargo.
Vejamos agora os efeitos dessas mesmas variáveis sobre “Satisfação” (coluna b). Todas
as variáveis, com exceção de Cargo em Comissão, têm efeitos altamente significativos e
apresentam sinais consistentes com as hipóteses teóricas. Vê-se que a satisfação profissional
dos gestores governamentais depende tanto das variáveis relacionadas aos fatores extrínsecos
quanto dos fatores intrínsecos da motivação. Vemos que quanto mais baixas são as
remunerações, menores são os níveis de satisfação profissional (conforme podemos observar
pelos coeficientes negativos das variáveis Remuneração Baixa e Remuneração Média).
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2
Razão de Verossimilhança (χ ) 86,65 152,18 96,37 167,75
Prob > χ2 0,00 0,00 0,00 0,00
Esse resultado confirma a hipótese H2, segundo a qual a remuneração baixa seria fonte
de insatisfação. Esses resultados espelham as ideias de Herzberg (1964,1968), para quem
fatores higiênicos frágeis (como por exemplo remunerações baixas ou médias) causam
insatisfação. Dado que nossa variável dependente reflete um índice de satisfação geral (que
varia de totalmente insatisfeito a totalmente satisfeito com o trabalho), nossa interpretação é
que os coeficientes negativos confirmam a hipótese de que baixa remuneração está
relacionada à maior insatisfação geral. Ao olharmos os resultados das variáveis associadas aos
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fatores intrínsecos (relevância e compatibilidade das atividades), vemos que seus efeitos sobre
a satisfação são equivalentes ou superiores àqueles relacionados à remuneração. Por exemplo:
a variável Relevância Atividades apresenta um coeficiente de 1.34, enquanto a variável
Remuneração Baixa apresenta um coeficiente de magnitude ligeiramente inferior (-1.0671).
Vale notar que Relevância Atividades não é significativa na regressão de “Evasão” (coluna
“a”). Isto indica que o nível de percepção de relevância das atividades determina o nível de
satisfação dos integrantes da carreira, mas não determina a decisão de evasão, que por sua vez
depende predominantemente dos fatores extrínsecos ligados à remuneração.
Ainda na coluna (b), vemos que os resultados para a variável Compatibilidade
Atividades são também bastante fortes. O coeficiente positivo e superior a 1 (um) indica que
quando os integrantes da carreira percebem suas atividades como compatíveis com as
atribuições descritas para o cargo, a probabilidade deles se declararem satisfeitos aumenta.
Destaca-se que essa variável não apresenta coeficiente significante na regressão “Evasão”, o
que indica que realizar atividades compatíveis com aquelas descritas para o cargo parece não
influenciar a decisão de permanecer ou não na carreira.
Em relação às variáveis de controle Cargo em Comissão e Incentivos à Formação,
vemos que a primeira não parece afetar os níveis de evasão e satisfação dos gestores
governamentais, enquanto Incentivos à Formação aumenta a probabilidade dos funcionários
sentirem-se satisfeitos (coluna b), mas não tem efeitos sobre a evasão. Uma explicação
possível para esses resultados é que a oferta de cargos em comissão no Brasil geralmente
segue uma lógica personalista, discricionária e muitas vezes instável e temporária. Por não ser
uma designação institucionalizada, segundo padrões meritocráticos ou baseadas em
desempenho por exemplo, acabam não servindo como um instrumento de motivação
extrínseco efetivo e valorizado pelos servidores. Já no caso de incentivos à formação, tal
prática segue formatos e modelos institucionais variados, podendo ou não refletir benefícios
pecuniários, podendo ou não exigir contraprestação por parte dos funcionários, podendo ou
não ser baseada em desempenho e assim por diante. Sendo grande a variação de práticas
relacionadas a políticas de apoio à formação continuada, essa variável acaba perdendo
relevância estatística. Em resumo, essas variáveis demonstram ter pouco efeito sobre evasão e
satisfação.
Até que ponto os resultados acima descritos para as colunas (a) e (b) se mantém quando,
ao invés de utilizarmos as medidas objetivas de compensação (utilizando as faixas de
remuneração), utilizamos em seu lugar a percepção dos funcionários em relação à equidade
da remuneração e à atratividade do quadro da carreira (tempo para promoção e progressão)?
É isso que pretendemos observar nas colunas (c) e (d). Esses testes são importantes, pois
capturam aspectos ligados à percepção de equidade em relação à compensação atual, assim
como refletem as expectativas em relação à remuneração futura, trazendo para a análise um
aspecto subjetivo e avaliativo fundamental. Conforme sugerem as teorias da equidade
(Adams, 1965; Carrell & Dittrich, 1978) e das expectativas (Vroom, 1964), a decisão de
abandonar um emprego, assim como a possibilidade de extrair motivação e satisfação
profissional, dependem das expectativas e das avaliações da equidade do sistema de
recompensas por parte dos funcionários.
Os resultados das colunas (c) e (d) nos contam uma história consistente: quanto mais
positivas são as percepções dos integrantes da carreira de EPPGG em relação à
Compatibilidade Remuneração e Atratividade da Carreira (tempo para promoção, progressão
e evolução salarial), menores são as probabilidades de evasão e maiores as probabilidades dos
indivíduos sentirem-se satisfeitos no trabalho. Destaca-se que a principal determinante da
evasão, neste caso, é a variável Atratividade da Carreira, conforme podemos ver pelo seu
coeficiente de -0.7511, que apresenta a maior magnitude e significância estatística dentre os
demais coeficientes. A variável Compatibilidade Remuneração é a segunda mais importante.
12
A comparação dessas duas variáveis sugere que a propensão à evasão pode estar mais
associada à expectativa futura de evolução salarial da carreira (que por sua vez depende dos
critérios de progressão e promoção) do que com a percepção sobre a remuneração atual. Os
resultados para as demais variáveis são muito semelhantes àqueles obtidos para as colunas (a)
e (b), mostrando que fatores intrínsecos como relevância e compatibilidade das atividades têm
forte influência sobre os níveis de satisfação, mas não afetam a evasão.
Em resumo, os resultados da Tabela 2 apontam a um cenário claro: a probabilidade de
evasão do integrante da carreira de EPPGG nos estados considerados é determinada quase que
exclusivamente pelos fatores monetários extrínsecos, como a remuneração do cargo e a
percepção dos gestores em relação à compatibilidade da remuneração com as atribuições do
cargo, contrariando as evidências apontadas por Allen et al. (2010) mas confirmando a
hipótese H1. Por outro lado, a probabilidade de um funcionário sentir-se satisfeito nesta
carreira depende, além desses fatores extrínsecos e monetários, também – e às vezes ainda
mais – de fatores intrínsecos e não-monetários, como a relevância das atividades
desempenhadas e a compatibilidade dessas à descrição do cargo. Esses resultados confirmam
as três hipóteses teóricas apresentadas na subseção 2.1. Os resultados aqui apresentados dão
suporte à ideia de que a satisfação dos servidores públicos depende fortemente dos fatores
intrínsecos associados à natureza do trabalho, que se mostram mais importantes do que os
fatores extrínsecos associados à remuneração (hipótese H3), sugerindo que estes profissionais
são motivados não apenas pelos salários, remunerações e benefícios, mas também – e
significativamente – pelos valores sociais do trabalho, aqui expressos, por exemplo, na
variável Relevância das Atividades.
1965; Rainey, 2001; Vroom, 1964) e no setor público em particular (Bowman, 2010;
Crewson, 1997; Frank & Lewis, 2004; Houston, 2000; Perry & Hondeghem, 2008; Rainey,
1982, 1983; Schuster, 1974; Weibel et al., 2010), passando por uma discussão sobre evasão e
rotatividade nas organizações (Allen, 2008; Allen et al., 2010; Briner et al., 2009; Griffeth e
Hom, 2001; Lee et al.,1999), desenvolvemos uma análise teórica e empírica que como fatores
extrínsecos e intrínsecos afetam os níveis de evasão e satisfação dos funcionários públicos.
Tendo como base o caso específico dos EPPGGs, os resultados mostram que a evasão é
fundamentalmente determinada por fatores extrínsecos ligados à remuneração, enquanto a
satisfação é determinada não apenas por fatores extrínsecos, mas também – e ainda mais – por
fatores intrínsecos ligados à natureza do trabalho. Esses resultados dão suporte à ideia de que
os profissionais do setor público são motivados não apenas pelos salários, remunerações e
benefícios, mas também – e significativamente – pelos valores sociais do trabalho.
Como contribuição para uma agenda de estudos futuros, reforçamos a importância de
que se adote a lógica institucional das carreiras públicas como base para construção de
hipóteses sobre as dinâmicas motivacionais que afetam as decisões e percepções profissionais
dos servidores públicos. Esta estratégia permitiria descortinar os aspectos específicos e
prioritários de cada carreira, sobre os quais incidiria o planejamento estratégico de recursos
humanos. Acreditamos que a análise teórica e empírica aqui apresentada possa servir como
referência para futuros estudos preocupados em identificar como distintos fatores
motivacionais afetam importantes variáveis organizacionais, levando em conta as
especificidades de cada caso.
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