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Titulo original: Las cabezas sin hombres

©1987 - Coquena Grupo Editor S.R.L.


Libros del Quirquincho - Argentina
ISBN 950-9732-9

Título em português: As cabeças sem homens


Capa: Oscar Díaz
Impresso na Argentina
Em co-edição com livros do Tatu
ISBN 85-335-0009-2
Primeira edição: São Paulo, 1991

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As cabeças sem homens
Vítor Iturralde Rúa
Ilustração de Elena Torres

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Aos meus prováveis leitores, com todo o respeito

3
Capítulo 1

E
sta história começou no tempo em que as maldições davam resulta-
dos. Isto é, quando alguém, invocando Belzebu, o Cão Cérbero, Te-
ofrasto e Lúcifer com chifres, desejava que seu inimigo ficasse vesgo
ou que lhe aparecessem manchas verdes por todo o corpo, ou que
tivesse comichão na orelha esquerda, e – depois de pôr em prática
os encantamentos tradicionais, como ferver uma pata de rato cinzento, adicionar óleo de
canfora e raspas de pedra de salitre (tudo isso á luz do quarto crescente) – conseguia a real-
ização de seus pedidos.
Na verdade, era outra época e as pessoas gostavam de desejar mal aos outros porque
sempre podiam contar com a colaboração efetiva de algum bruxo experiente para converter
os insultos numa sopa, em que nadasse uma viborazinha verde, ou num pesadelo com mor-
tos de olhar fixo e se desfazendo como papel queimado. Foi nesse período que um sapateiro,
talvez o pior da corporação, concertou as solas das botas de um aristocratas do povoado. Ah!
Esqueci-me de dizer: aconteceu no litoral de Fairmont, perto do golfo de Sabac, á beira do
mar Verde. O pequeno povoado era habitado por pescadores, artesãos, comerciantes, alfa-
iates e pelo sapateiro.
O aristocrata que mencionei não conseguia viver sem suas botas pretas e lustrosas, que
ressoavam na calçada da rua dos Vigias e nos ladrilhos da pousada do Imperador Valtério.
Andava de lá para cá: toc! toc! toc! E todos sabiam que estavam por perto.
Um dia, ele descobriu que suas meias estavam molhadas. Como aquilo podia aconte-
cer? Tirou a bota do pé direito e lá estava um buraquinho na sola. Havia outro igual na bota
do pé esquerdo.
– E agora? – disse. – Onde encontrar um sapateiro competente?
Percorreu a rua dos Vigias, varias ruelas laterias e chegou até o horrível cais mas... nada.
Nenhum sapateiro. Parecia que se tinha evaporado. Aquilo era demais para quem estava
acostumado a não ter problemas. Dirigiu-se para a pousada do Imperador Valtério. Caiu
sentado num banco de madeira escura.
– O que posso oferecer para Sua Excelência?
– Ora, ora .. Um sapateiro!
– Como?
O aristocrata percebeu que tinha respondido sem prestar atenção.
– Não, não, bom homem. Quero uma jarra grande de vinho tinto!
Um sorriso iluminou a cara de lua do dono da pousada.
– Além do vinho, que já vou trazer, gostaria de informar que conheço um sapateiro. Infe-
lizmente não exste outro por aqui. Adotou esse ofício porque antigamente costurava velas

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de barco e fabricava tamancos, coisa muito difícil para ele que... tenho que reconhecer, é um
pouco desajeitado.
– Não faz mal – respondeu o fidalgo. – Faça o homem vir imediatante.
– Para mim é um prazer e uma honra servir Sua Excelência - disse o bajulador, já pen-
sando na gorjeta.
Logo apareceu um homenzinho fraco, seco, insignificante, que andava curvado, sem
fazer barulho. Vestia roupas em que não cabiam mais remendos, pois já nem se conseguia
adivinhar a cor original. O mais estranho era sua cabeça enorme, de cabelos encaracolados.
A cabeça não era proporcional ao corpo mirrado. Dava impressão de uma cabeça alheia. Era
muito grande para base tão pequena. Seus olhos tristes eram pretos como azeviche. Sua
boca pequena estava sempre entreaberta e deixava escapar um ronco leve, uma espécie de
sussurro de protesto.
O cavalheiro olho-o de alto a baixo.
– Você entende de sapatos, cabeçudo? Disseram que é bastante desajeitado.
Semelhante a tatari, tatará – respondeu o sapateiro, sorrindo.
– Como? Não entendo nem importa – e o cavalheiro deitou-se no banco. – Olhe! Tire as
minhas botas e coloque solas novas.
– O senhor prefere com tatari, tatará?
– Ah! De que raio você está falando? Concerte as botas de uma vez. Vou ficar esperando,
cabeça de abóbora.
– Então vou fazer com tatari, tatará – disse o homenzinho. Deu um pulo e foi embora.
O senhor estava um pouco bêbado; rodeado de outros fregueses, contava umas piadas hor-
ríveis e todos davam risadas forçadas. Depois que acabou a primeira jarra de vinho, bebeu
mais uma, comendo pedacinhos de queijo.
Duas horas depois o sapateiro voltou. No braço direito esticado trazia as botas, mais
reluzentes do que nunca.
– Tatari, tatará! – anunciou.
– Ah, pateta! Até que enfim chegou. Já estou com os pés feridos de tanto andar por esta
pousada imunda! – exclamou o aristocrata, e todos os fregueses acolheram suas palavras
com gargalhadas exageradas. – Rápido! Pode calça-las.
O sapateiro movimentava-se com uma agilidade incrível. Parecia deslizar pelo chão
coberto de ossos, caroços e migalhas. Chegou perto do homem, fitou-o com olhinhos in-
flamados, brilhando não se sabe se de ódio feroz ou de alegria contida.
– Concertei com tatari, tartará – explicou enquanto calçava a bota esquerda, observando
ansiosamente a fisionomia do cliente soberbo.
– Ah! Como você é desajeitado! E com uma cabeça tão grande! – Calçou uma bota e
começou a colocar a outra. Observou o sapateiro e continuou a brincadeira. – O que tem
dentro dela? Cola, graxa ou pedra pomes? Depressa!
– Aí está! Com tatari, tatará! São 22 centímetros, senhor e mais um cêntimo pelo tatarí,
tatará – e esticou uma mãozinha miúda como a de uma criança.

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O homem cambaleou: as solas tinham sido costuradas de maneira tão desajeitada que
ficava difícil andar. Como já estava farto da pousada, resolveu ir embora.
– Fique quieto idiota! Cabeça de aboboras!
E pondo-se de pé, o cavalheiro ministrou um pontapé no ombro do sapateiro que estava
acocorado, sorrindo e com a mão estendida. O homenzinho rolou entre gargalhadas dos
fregueses, a essa altura bastantes bêbados.
– Você estragou minha bota. Mas, para não chorar nem falar mal de mim, tome cabeça
de bola. E atirou-lhe cinco moedas de um cêntimo. – É para o seu tatari, tatará.
Desta vez as gargalhadas explodiram.
O sapateiro recolheu as moedas e guardou-as cuidadosamente no bolso. De sua boca
saiu um leve ronco ou sussurro. Levantou-se e agradeceu, inclinando a cabeça.
O cavalheiro, já na porta, virou-se.
– Ah! Ah! Ah! – riu estrepitosamente. – Quando se mexe a cabeça parece uma bola
agitada pelo vento.
Todos riram enquanto o aristocrata se afastava.
O sapateiro levantou-se sem incomodar com os outros fregueses e apontou o cliente
com o dedinho da mão direita:
– Tatari, tatará, até que te fervam!

6
Capítulo 2

A
qui termina a primeira parte dessa história verdadeira. Mas tenho
que acrescentar que o cavalheiro não foi muito feliz na vida. Pouco
depois, desafiado para um duelo, morreu com um tiro de pistola. Foi
enterrado bem longe da costa de Fairmont, porque não queriam ter
por perto um homem que havia morrido de morte violenta e que,
conforme constava, fora enfeitiçado pouco tempo antes. A verdade é que seu corpo acabou
num terreno que anos depois seria transformado numa chácara enorme. Um dia a pro-
priedade foi dividida em duas partes, e o morto ficou na chácara de dona Carmela. Mais
precisamente, no lugar em que ela começou uma plantação de abobrinhas.
"É uma terra boa", pensou dona Carmela. "O terreno e pequeno, mas enquanto puder
ir vendendo o que colher talvez consiga ganhar dinheiro para viver melhor, comprar uns
porcos e depois um par de vacas leiteiras, e..."
E continuou a sonhar.
A primeira colheita foi abundante, incrivelmente abundante. As abobrinhas eram car-
nudas, viçosas e grandes. Tinham crescido muito depressa. Ainda que a cor – ou manchas
coloridas – fosse estranha, quando dona Carmela as provou, achou-as deliciosas.
Convém explicar esse caso das manchas coloridas. As abobrinhas podem ser verdes,
pardas ou verdes pardacentas. Podem ter risquinhos escuros paralelos ou na posição de
meridianos. Raras vezes têm manchas regulares ou sardas. Isso acontece quando perto da
sementeira existem abóboras, e as abobrinhas cruzam e degeneram. Mas o fato de todas
as abobrinhas de uma chácara, TODAS, entendam bem, terem o aspecto de uma cabecinha
redonda, com olhinhos pretos e boca pequena...
Assim eram as abobrinhas de dona Carmela. E tornaram-se famosas no mercado, porque
pareciam bonequinhas dentro de caixotes.
Dona Carmela as vendia muito bem. E teve a sorte de poder fornecer durante meses
porque as plantas continuavam a crescer e frutificar fora de época.
– Uma boa terra, com certeza – comentava a mulher.
Passou-se quase um ano.
Dona Carmela morava sozinha na chácara. Tinha ficado viúva pouco tempo antes, mas
como sempre morou na região, não quis mudar-se para o povoado, onde tinham umas pri-
mas. Continuou na quinta que seu marido havia comprado antes de morrer. Cuidava das
plantas, das galinhas e de uma pata com ninhada.
A sua única companhia era Alemão, um cachorro orelhudo e corredor, que de vez em
quando pegava uma perdiz e a trazia para casa.
Depois do pôr-do-sol, tendo regado a plantação e guardado as aves, cobria com uma
lona seu caminhãozinho Ford. Sentava-se na porta, junto a uma trepadeira, e perdia-se

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em recordações do passado. Ás avezes cantarolava uma melodia de sua juventude, porque
Carmela não queria ter rádio nem televisão, bastava-lhe seu mundo interior. Alemão levan-
tava os olhos sonolentos, fitava-a e voltava a apoiar a cabeça nas patas dianteiras. Parecia
sonhar, mas de vez em quando dava uma moradia certeira e engolia um inseto que tinha
vindo investigar a geografia de suas orelhas.
Neste ano de que estou falando, dona Carmela baixinho para poder ouvir o coaxar dos
sapos da chácara e o canto noturno de alguns pássaros aninhadas na palmeira.
Muito docentemente, como um eco distante, pensou ouvir uma vozinha que cantava
mais ou menos assim:
– Tatari, tatará!
Dona Carmela interrompeu sua cancão e só ouviu o canto dos pássaros e o barulho dos
sapos.
"Que coisa, não?", pensou.
Continuou cantarolando. De repente, bem baixinho, uma espécie de coro de criancin-
has voltou a acompanhar o murmurio:
– Tatari, tatará!
Alemão levantou-se, farejou aqui e ali e olhou dona Carmela, consultando-a. A viúva
continuou a cantarolar e o cachorro recuou-se, queria ir embora, mas não sabia para onde.
Dona Carmela calou-se e o coro também.
Disse ao cachorro bem baixinho:
– Procure, Alemão! Procure!
– Buf – respondeu o animal e saiu correndo pela chácara.
Percorreu as plantações, chegou até a estrada, cheirou por baixo do caminhão, latiu para
as as sombras. Voltou, insatisfeito, para perto de dona Carmela; virava a cabeça de vez em
quando.
– Buf! Buf! – acrescentou sem convicção.
Pararam as cantorias.
– Melhor ir me deitar. Amanhã tenho que levar o carro com seis caixotes de abobrinhas
– disse a mulher para o cachorro. Arrastou a cadeira para dentro da casa. Nessa noite, talvez
meio inquieta, fechou a porta com tranca.
No dia seguinte, as abobrinhas tinham se desenvolvido tanto que dona Carmela ficou
espantada. Preocupou-se, pensando que talvez não estivessem saborosas. Provou uma:
"Deliciosa!". Só que teve de usar nove caixotes e não seis para a colheita do dia. Foi então
para o povoado.
Alemão ficou muito inquieto toda manhã. Quando percebeu dona Carmela estava chegando,
foi encontra-la na encruzilhada da estrada principal com o desvio que levava à chácara, isto
é, a três quilômetros de distância.
– Esta bem, esta bem, Alemão – a viúva acalmou-o. Estava alvoroçado, saltando e latindo.
O cachorro a seguiu pela chácara, continuando a latir, correndo na frente e virando a
cabeça, como se quisesse mostrar-lhe o caminho. Ainda que dona Carmela tivesse chegado

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muito contente pela excelente venda do dia, não conseguia esquecer a apreensão que havia
sentido diante dos acontecimentos inexplicáveis da véspera.
Guardou o caminhãozinho, mas não conseguiu cobri-lo com a lona porque Alemão cor-
ria em volta, agitando a cauda, grunhindo, aborrecendo com sua impaciência. No fim, como
a mulher não entendia sua língua, bateu nele.
– Fora, Alemão! Chega! – mas foi inútil, o animal estava muito excitado e chegou a agar-
rar seu vestido com os dentes. – Terá visto alguma doninha?
– Ei, bicho, fique quieto, caramba!
Mas Alemão deu um puxão, mostrando que não estava disposto a ceder.
Dona Carmela era robusta e alta, mas teve que se agarrar no batente da porta do celeiro
para não ser arrastada pelo cão.
– O que quer esse animal? Fora! Largue-me!
– Ameaçou bater-lhe, mas Alemão continuou agarrado seu vestido e levantando um
pouco os olhos, reclamou com um ganido.
– Meu Deus! Não consigo segura-lo... Será que está com raiva?
Resolveu segui-lo, já que não podia fazer mais nada. Alemão soltou seu vestido e começo
a correr na direção da plantação de abobrinhas. Chegando lá, correu em volta e latiu várias
vezes.
"Ah! Então é aí que está a coisa!", pensou dona Carmela. E, antes de ir atrás dele, pegou
uma lanterna. "Vamos ver!"
Percebeu que estava acontecendo algo extraordinário quando começou a andar entre
as fileiras da plantação.
Iluminou as abobrinhas e recuou, sobressaltada.
– Não! – exclamou.
O cachorro estava com seus pelos eriçados e gania com fúria.
As abobrinhas haviam crescido exageradamente. Estavam com quinze até mais de vinte
centímetros de diâmetro. Mas o que era mais surpreendente: TODAS PARECIAM ESTAVAM
OLHANDO PARA ELA. Dava até para distinguir um sorriso.
– O que é isso, Senhor? O que é isso? – gaguejou ela, enquanto iluminava as fileiras de
legumes.
Alemão estava a seu lado, ganindo e reclamando. De repente, houve algo que a fez es-
tremecer de medo. Foi quase imperceptível, mas quando se repetiu pode ver claramente e
assim atingiu o auge do terror.
Quando o facho de luz da lanterna se deslocou das fileiras mais distantes, UMA ABO-
BRINHA SE MOVEU PARA CONTINUAR ILUMINADA.
– Ah, não! O que é isto Bruxaria! –e fugiu correndo, seguida do cachorro.
Entrou em casa como um raio, fechou-se, trancou a porta e encostou uns caixotes. Fe-
chou as duas venezianas e tapou-as com dois armários. Afastou a cama da porta e se deitou
vestida.

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Aquela noite não conseguiu pegar no sono. Lá pelas três horas da madrugada, Alemão
começou a gemer. Depois latiu sem parar durante quase meia hora. Ouviu-o correndo no
pátio. Começo a uivar; parecia estar lutando com um exercito.
– Pobrezinho! Que o Senhor o ajude! – murmurou.
Os latidos silenciaram, mas nenhum movimento lá fora.
Logo que amanheceu, dona Carmela, armada de uma vassoura, chamou o cachorro.
Ninguém respondeu. Timidamente, empurrou os caixotes e abriu a porta. Alemão estava
perto das plantações, estendido e imóvel. Rodeando por dezenas de abóboras despedaçadas.
O animal estava coberto por uma baba verde.
A mulher não esperou nem mais um minuto. Apanhou uma bolsa com as coisas indis-
pensáveis, amarrou um lenço na cabeça, guardou o dinheiro no bolso e fugiu com o carro.
No povoado, alguém a hospedaria.
Entretanto, na chácara a acena modificou-se rapidamente. Havia abobrinhas enormes
por todos os lados. Ramificações incríveis haviam invadido as outras plantações. Ninguém
poderia imaginar que uma planta pudesse crescer três, quatro ou sete metros a cada quatro
horas. E menos ainda que uma abobrinha pudesse nascer da flor, crescer e amadurecer em
APENAS SEIS HORAS.
E ninguém, absolutamente ninguém, podia imaginar que na chácara de dona Carmela
apareceriam abobrinhas que SE DESPRENDIAM DA PLANTA E ANDAVAM GRAÇAS A UNS
TALOS RUDIMENTARES, REUNIAM-SE E CANTAROLAVAM MAIS OU MENOS ASSIM:
– Tatari, tatará! Tatari, tatará!

10
Capítulo 3

ona Carmela, apavorada, morta de sono e de medo, contou o que

D
aconteceu em sua chácara. Era ouvida com respeito, todos achando
que por ter passado por um mau momento era incapaz de racioci-
nar.
– Está bem, está bem, dona Carmela – diziam. – Agora tome um
pouco de leite quente e descanse. Por que não se deita? Vai fazer
bem, pode crer. Passaram-se oito dias. A viúva já considerava os acontecimentos distantes,
absurdos, impossíveis; mas não queria voltar. Na realidade, não havia nenhuma urgência.
Ainda não era época de semear, e o que se perdera por falta de rega estaria compeçado pelos
lucros obtidos das ultimas vendas. Dona Carmela continuou quieta, descansando, conver-
sando com a gente do povoado, que a tratava de maneira muito afável.
Passaram-se quinze dias.
Um caminhoneiro que vinha do interior desviou pela estrada que ia para a chácara de
dona Carmela. As noticias que trouxe para os habitantes do povoado eram alarmantes.
Nesse dias estavam todos preparando uma romaria.
Ele tocou a buzina e brecou, levando uma quantidade tremenda de pó. Foi rodeado por
verdureiros, açougueiros, a professora, o ferreiro e mais tarde, por todo o povo. Viram as
manchas no caminhão.
– Que aconteceu, amigo? Por onde andou?
O homem saiu da cabine. Transpirava e tinha o roso desfigurado.
– Eu vi... – começou a contar, mas foi interrompido. – Tome, vai fazer bem.
Bebeu um copinho de aguardante. Respirou fundo e caiu sentado no banco da praça
Quando percebeu a presença de um policial animou-se e começou:
– Olhe, senhor, estou dizendo: é urgente que as autoridades constatem o que está acon-
tecendo no atalho dos ciprestes.
Todos prestavam atenção. De repente houve uma ligeira comoção: dona Carmela chegou
e deixaram que ficasse bem na frente. O homem reconheceu-a.
– A senhora, dona Carmela! Pensei que estive-se lá. Pelo menos está salva! – voltou a
sentar no banco do qual se tinha levantado ao avistar a viúva. – Não sei como cheguei até
aqui!E não sei como as autoridades podem permitir que aconteçam essas coisas em lugar
onde mora gente.
Bebeu outro copinho de aguardante.
– Vinha trazendo uns caixotes de frutas e vários sacos de batatas. Saí da estrada para
cumprimentar dona Carmela, mas notei que o caminho estava coberto de coisas verdes que
se moviam e faziam barulho. No princípio pensei que eram galinhas, ou qualquer coisa as-
sim, mas era tamanha a quantidade que resolvi brecar. Aí então ouvi o barulho. Era um

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canto estranho, desses de igreja, assim mais ou menos: "Tattari, tatará!". Tenho certeza de
que nunca em minha vida vi coisa semelhante. Sabe o que era as coisas verdes?!
As pessoas se debruçaram para ouvir melhor as palavras do cachaceiro.
– Abobrinhas! Milhões de abobrinhas! Que andam, cantam e têm cara de gente!
– NÃÃO! Exclamaram.
Alguns acharam que o pobre homem estava com insolação, dizendo disparates. Mas
dona Carmela trouxe-os para a realidade.
– Estão vendo Não tinha dito? É incrível! Eu contei tudo dias atrás! Disse tudo! – e procu-
rava aprovação dos rostos atônitos. – E vocês pensando que estava louca não é?
– Deixe-o falar, dona Carmela – interrompeu a professora.
– Ainda não contei o pior – comentou o recém chegado. – Quando as abobrinhas me
viram, porque elas me fitaram com seus olhinhos pretos, começaram a rolar na direção do
caminhão. Fiquei paralisado de susto. Não sabia se era brincadeira ou se estava sonhando
acordado. Mas, quando vi que a estrada estava repleta, dei marcha ré e comecei a recuar.
a abobrinhas perceberam que eu estava fugindo e gritaram : "Tatari, tatará! Amigos!". Do
acostamento da estrada, de todos as chácaras, PULANDO CERCAS, vinham milhares e mil-
hares de cabecinhas verdes. Algumas vinham rolando, outras quicando como bolas. E todas
sorrindo, isto era o mais horrível!
Quando terminou de falar, apertou as têmporas e abaixou a cabeça, vencido. Evidente-
mente tinham atravessado uma enorme crise emocional. Todo o mundo comentava em vos
alta o depoimento do cachaceiro. Um cético duvidou, mas foi duramente repreendido por
dona Carmela, que parecia ser a proprietária do fenômeno inédito e terrível.
– O que fazer? – perguntou o ferreiro.
– Agente devia se defender – acrescentou uma prima de dona Carmela.
– Mas como? Aí está o problema, como? – replicou alguém.
Um latido de longe chamou a atenção de uma mulher.
– É o meu Sultão! Escapou da corda! – Exclamou.
Segui-se um uivo e todo o mundo procurou a origem daquele ruído. Novo uivo, dessa
vez de dor. Depois, silencio.
Os homens se entreolharam. Estavam pálidos. Ninguém entendia nada, mas o perigo
estava perto, tangível.
Ouviu-se o revoar de asas e por todo o povoado aparaceram galinhas e patos que fugiam
apavorados Juntaram-se a eles porcos, cachorros, gatos um cavalo e mas atrás, duas crianças
que corriam gritando e tropeçando.
– Filhinhos! – gritou a mãe, abraçando-os. Olhou na direção de onde vinham fugindo.
– O que está acontecendo, meu Deus?
Logo depois viram com os próprios olhos: um tapete verde, movediço, ondulante de
trinta ou mais metros de larguras, que avançavam como um ser humano cantarolando ale-
gremente "Tatari, tartará!". Ia invadindo as casas, de onde saiam gritos. Ouvia-se o barulho
de vidros quebrando e móveis derrubados. Um homem apareceu num terraço pedindo so-

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corro. Ouviram-se tiros, mas o tapete continuavam seu caminhão, impetuoso. Por trás,
integrando-se no tapete, milhões de abobrinhas empurravam.
– Elas me seguiram! – urrou o caminhoneiro em pânico.
– Estão chagando!
– Temos que ataca-los com paus! Passar com aos automóveis por cima delas!
– Cuidado – gritou o policial. Sacou a arma e disparou sete tiros.
Lamentos, gritos alvoroço, correria. O tumulto tomou conta do povoado! Um homem
pulou no automóvel deu partida e investiu com toda a velocidade sobre a massa verde. O
carro derrapou e rodopiou. Viu se o motorista manobrando desesperadamente para sair do
tapete de abobrinhas, mas a direção não lhe obedecia. O automóvel rodopiava e, imediata-
mente, abobrinhas intactas, substituindo as que tinha sido despedaçadas, pularam pelas
janelas. O homem as espancou e atirou-as para fora, mas novamente o carro foi invadindo
por mais centenas. Gritos de horror foram ouvidos. O automóvel parou, com o motor fun-
cionando, e dentro do veículo só se via uma massa verde irrequieta.

13
Capítulo 4

a realidade tenho que contar uma coisa a respeito desse povoado:

N
é sobre uma essa pessoa que morava na rua principal, junto ao
cemitério, numa casa abandonada que nada mais era que um
quarto com teto de zinco.
Era a velha bruxa local. A feiticeira sabia ferver melhor que qualquer
outra pessoa lagartixas com molho de cacto para fabricar um remé-
dio contra o azar. E com um espelho podia saber como estavam parentes distantes. E com
água da chuva, recolhida num dia 29 de fevereiro, conseguia fazer crescer cabelo em pedra.
Essa velha vivia afastada de todos porque a policia não permitia que fizesse bruxarias; mal
tinha como viver. Não se preocupava muito com as pessoas do povoado, ainda que se en-
tendesse com os chacreiros, vendendo algum chá apara tirar dores ou um pedrinha para dar
sorte na colheita. Em troca, eles lhe traziam verduras batatas e, de vez quem quando uma
galinha.
Por essa razão a velha não tinha participado da romaria, nem aparecia no povoado havia
quase dois meses. Não soube da chegada de dona Carmela e nem ouviu o relato do camin-
honeiro. Mas a comoção infernal, complicada com tiros, preocupou-a. Tomoi seu espelho e
perguntou:
– Por Belzebu, Cão Cérbero, Teofrasto e Lúcifer com chifres, que brulho é esse?
O espelho como uma tela de televisão em cores, mostrou a rua do povoado, todos cor-
rendo assustados, tropeçando e sendo alavancados pela onda verde. A velha arregalou os
olhos e pediu as espelho para ver mais detalhes, o tapete verde era formado de pequenas
abobrinhas que cantarolavam "Tatari, tartará!".
– Mas é uma maldição antiga! – exclamou sabiamente, reconhecendo tratar-se de um
caso de bruxaria tradicional.
Olhou fascinada. Já lhe haviam contado casos semelhantes, mas nunca pensou poder
presenciar um pessoalmente! Reagiu imediatamente. Sua cassa também estava no cam-
inho das milhares de cabeças de abobrinha que procuravam corpos para poder viver.
A bruxa pegou uma panelinha. Encheu com água, colocou dentro um abobrinha, ao
qual pintou com carvão dois olhinhos e uma boca entre aberta, abanou o fogo e começou a
murmurar:
– Até que te fervam! Até que te fervam!...
Abanou o fogo recitou a litania dando olhadas rápidas no espelho. A invasão tinha atingido
o meio do povoado. Dois automóveis estavam tombados, cobertos por alegres abobrinhas.
Na esquina, o tanque de gasolina de uma caminhonete arrebentou e surgiram labaredas,
que envolviam o tapete verde. O fogo apagou-se logo.
"Falta bem pouco", pensou, e continuou sem descanso: – Até que te fervam! Até que te

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fervam!...
Uma bolha surgiu na panelinha e transformou se num fio de bolinhas, como se fosse
um colar. A bruxa continuou seu pedido monótono:
– Até que te fervam! Até que te fervam!...
A água fervia, fervia violentamente. A abobrinha saltava, subia, descia, girava como um
acrobata.
Um clamor sobe do povoado. São milhões de abobrinhas que se queixam, choram, uivam.
A maré verde é estancada. A abobrinha da panela amolece, cozinha. No povoado as cabecin-
has verdes perecem fechar os olhos, caem e ficam inertes, murchas. Morrem às centenas,
milhares, milhões. Um vapor verde sobe da massa vegetal. O povo que havia se refugiado
em sacadas, terraços e postes de telefone, trancando portas das casas com armários, as venezianas
com trancas de fero, olham e não acredita. Um milagre ali, na frente de todos. A velha
continua exorcizando, anonima, sem esperar recompensa. Trata-se de uma ciência secreta,
transmitida oralmente.
– Até que te fervam! Até que te fervam!...
A panelinha continua em ebulição. A abobrinha está pronta. A bruxa pega um garfo e
com ele retira a abobrinha, coloca-a no prato, abre-a, põe sal nela e vai comendo aos poucos.

15
Capítulo 5

N
unca mais se viram abobrinhas coma as de dona Carmela. Mas
ninguém mais teve ideia de oferecer abobrinhas ou verduras simi-
lares no povoado. Diria mais: acho que lá os vegetarianos não tem
vez. Todos comem frangos, aves, leite, patos,... mas hortaliças...
nunca!
De minha parte e por mera curiosidade às vezes vejo abobrinhas nas quitandas, procuro
algumas com olhinhos e boca, mas nunca encontrei. E mais ainda, quando alguém em casa
está cozinhado abobrinhas, cantarolo disfarçadamente:
– Até que te fervam! Até que te fervam!
Às vezes ouvem e me perguntam:
– Que te fervam? Oque?
– Nada, a abobrinha claro, porque estou como fome.
De qualquer forma não há motivo para preocupação, porque o que acabo de contar só
acontece quando bruxos e bruxas se encontram em boas condições físicas e quando não es-
tão transformados em espectros como hoje e dia. E nem tenho certeza de que ainda existam
bruxas vivas.
Não é verdade?

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Este livro foi impresso en gráficos Pablo Paoppi e Hijos, Santo Domingo 2265, Buenos
Aires, no Mês de Julho de 1991. Tiragem 3.000

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