br
INTRODUÇÃO
As relações humanas, socialmente falando, são destituídas de juridicidade. Outrora
o homem assumia as obrigações dando em garantia sua palavra. Nesta época, denominada
de era da vingança privada, a inadimplência do devedor conferia poderes ao (s) credor (es)
sobre sua liberdade, sobre sua vida.
Com o passar dos tempos a complexidade destas relações, notadamente às de cunho
mercantil, fez com que o homem evoluísse, deixando de se voltar contra a pessoa do
devedor para perseguir o patrimônio deste.
No entanto, para que essas relações fossem passíveis de serem executadas fez-se
necessário o surgimento de mecanismos que desse ao credor e ao próprio devedor a
tranqüilidade e estabilidade no cumprimento das avanças acordadas.
Para que essa tranqüilidade e estabilidade se materializassem o homem desenvolveu
três institutos capazes de gerar o que se denominou de segurança jurídica, são eles: o direito
adquirido; o ato jurídico perfeito; e a coisa julgada. Mas volta e meia ocorrem situações em
que a tão almejada segurança jurídica fica fragilizada.
2
A nossa pretensão no presente trabalho é justamente falar de uma das situações que
proporcionam uma instabilidade jurídica do nosso sistema legal, que a possibilidade de uma
lei complementar ser revogada, ab-rogada ou mesmo derrogada, por uma lei ordinária, tida
de status inferior.
Será possível a revogação, lato sensu, de uma lei complementar por uma lei
ordinária no nosso sistema jurídico? Se sim, em que hipótese isso poderá ocorrer? Existe a
propalada hierarquia entre normas, como defendem alguns? Estas são as principais
indagações que nos propomos a debater, e, quem sabe, respondê-las satisfatoriamente no
presente trabalho monográfico. Alertamos, contudo, ao leitor deste, que não temos a
pretensão de esgotarmos o tema, que já vem sendo enfrentado por inúmeros e renomados
autores, mas que ainda não foi pacificado.
Procuramos, também, resistir à tentação de abordarmos a questão especifica da lei
complementar em matéria tributária, dando um enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca
da discussão encampada sobre a revogação pela lei ordinária nº 9.430/96, da isenção da
COFINS, instituída pela lei complementar nº 70/91, as Sociedades de Prestadoras de
Serviços.
1 Definição de princípios
1.1 Preâmbulo
Preliminarmente cabe-nos fazer uma análise, mesmo que incipiente, sobre os
princípios fundamentais do Direito Tributário. Sem embargo das classificações feitas por
diversos autores, nos ateremos a aqueles que, para o presente trabalho, nos afiguram como
cruciais para uma melhor compreensão do objeto deste estudo.
1.2 Definição
Definir é uma das mais árduas tarefas enfrentadas pelo estudioso. Não é à toa que
Irineu Strenger1, ao se referir a este mister, afirma que: “A definição é, portanto, meio para
fim que não consiste somente em indicar a significação de um nome, mas em precisá-lo
pela determinação de seu conceito”.
Edgar Carlos de Amorim2 explica que “Definir (do latim: definire). É o mesmo que
dizer tudo em poucas palavras. É dizer algo em forma de síntese. Não é absolutamente
tarefa fácil. Daí a razão por que as definições sempre são incompletas.”, alerta.
Tendo em vista estas palavras iniciais, procuramos o respaldo de Miguel Reale, para
quem os princípios representam as “‘verdade fundantes’ de um sistema de conhecimento”3,
e, acrescentando, conclui que: “Os princípios gerais do Direito põem-se, dessarte, como as
bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido
ético, a sua medida racional e a sua força vital ou histórica.”4
1
STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 2 ed., aum. São Paulo: RT, 1991. 1 v. p.
33.
2
AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 2 ed. rev., atual. e aum. Com o Estatuto do
Estrangeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 8.
3
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed.. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 305.
4
______. ______. p. 319.
3
Para Tércio Sampaio Ferraz não é diferente, acrescentando que os princípios gerais
do direito “São regras de coesão que constituem as relações entre as normas como um
todo.”.5
Antonio J. Franco de Campos conclui que para a doutrina os princípios gerais
“seriam supremas verdades jurídicas, comuns aos diversos povos, princípios universais”.6
De acordo com o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, todas as vezes que
a lei for omissa o juiz poderá decidir o caso concreto fazendo uso da analogia, dos
costumes e dos princípios gerais do direito, senão vejamos litteris:
“Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
7
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
Esta formula é repetida pelo Código Tributário Nacional que no art 108, abaixo
transcrito, determina que na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para
aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, a analogia, os princípios gerais de
direito tributário e de direito público e a equidade:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente
para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem
indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
8
IV - a eqüidade.”
No entanto faz a ressalva de que os princípios gerais do direito privado devem ser
utilizados para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos,
conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários, verbis:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para
pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos,
conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos
tributários.”9.
Como podemos verificar, tanto a doutrina quanto a norma atribuem uma função
integradora do direito aos princípios, uma função supletiva das lacunas da lei nos casos em
que essa for omissa.
5
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. 3 ed..
São Paulo: Atlas, 2001. p. 244.
6
CAMPOS, Antonio J. Franco de. Interpretação e integração da legislação tributária. in MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional – arts. 96 a 218. 3 ed.. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 124. 2 vol.
7
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Mini vade mecum 7 em 1. Coleção de Leis Rideel. São Paulo: Rideel, 2004.
p. 365.
8
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Mini vade mecum 7 em 1. Coleção de Leis Rideel. São Paulo: Rideel,
2004. p. 1150.
9
ANGHER, Anne Joyce (Org.). op. c.it. p. 1150.
4
10
REALE, Miguel. op. cit.. p. 306.
11
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito financeiro e tributário. 12 ed. atual.. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 89.
12
______. ______. p. 89.
13
______. ______. p. 89.
14
______. ______. p. 91.
15
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11 ed., rev. e atual. . São Paulo: Saraiva, 2005. p. 110.
16
AMARO, Luciano. op. cit. p. 111.
17
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7 ed. rev. e atual. de acordo com
o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 194-195.
18
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24 ed., rev., atual. e amp.. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 45.
5
b) da irretroatividade da lei tributária (art. 150, III, ‘a’, da CRFB/88) e das situações
jurídicas já consolidadas (art. 5, XXXVI, da CRFB/88);
c) da anterioridade da lei tributária (art. 150, III, ‘b’, e art. 195, § 6º, da CRFB/88);
d) do livre trânsito dos contribuintes e de seus bens (art. 150, V, da CRFB/88);
e) da isonomia tributária (150, II, da CRFB/88); e
f) do não-confisco (art. 150, IV, da CRFB/88)
Nos referiremos, no presente trabalho, a aqueles que consideramos o mais
importantes para uma melhor compreensão deste. Em que pese à importância dos demais
princípios, por ora abordaremos apenas os relacionados nas letras “a”, “b” e “c”, do rol
acima exposto.
1.5 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade pode ser dividido em dois sentidos um lato e outro stricto
sensu.
O princípio da legalidade lato sensu é de abrangência geral, e influência todos os
demais ramos do Direito.
A repercussão nas demais áreas do Direito do princípio da legalidade dá origem aos
princípios da legalidade em espécie, como temos no Direito Penal, Civil e Tributário, e
serão a seguir analisados.
José Afonso da Silva20 reconhece o princípio da legalidade, lato sensu, como “um
princípio basilar do Estado Democrático de Direito.”, sujeitando o Estado ao império da lei.
No entanto adverte que não é qualquer lei que cumprirá a função de legalizar
democraticamente as relações jurídicas, os atos dos governantes, para ele só existirá um
verdadeiro Estado Democrático de Direito se essas leis realizam “o princípio da igualdade e
da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos
socialmente desiguais.”
19
Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina Prática Processual. Porto Alegre:
Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
20
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20 ed. rev. e atual. nos termos da
Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 35 de 20.12.2001). São Paulo: Malheiros, 2002. p.
121.
6
21
FANUCCHI, Fábio. Limitações da Competência Tributária.. in MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional – arts. 1º a 95. 3 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002. 1 v. p.
76.
22
ANGHER, Anne Joyce (Org.) Mini Vade Mecum de Direito. – 7 em 1. São Paulo: Rideel, 2005. 2 v. p.
154. Esta é a atual redação do inciso I, do art. 150: Art. 150, I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça;
23
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Mini vade mecum 7 em 1. Coleção de Leis Rideel. São Paulo: Rideel, 2004.
p. 1.130 – O art. 3º do CTN possui a seguinte redação: Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
24
Ver nota de atualização em FANUCCHI, Fábio. Limitações da Competência Tributária.. in MARTINS,
Ives Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional – arts. 1º a 95. 3 ed.. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 76. 1 vol.
25
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 46.
7
26
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., 209.
27
AMARO, Luciano. op. cit., p. 111.
28
TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 107.
8
1.8 Da irretroatividade
Alerta-nos Ricardo Lobo Torres31 que “o princípio da irretroatividade é fundamental
para a segurança dos direitos individuais”, pois “a lei nova não pode atingir, no presente, os
efeitos dos fatos ocorridos no passado.”.
Recorda Hugo de Brito Machado32 que esse princípio faz parte dos princípios gerais
do Direito, sendo essencial para a manutenção da segurança jurídica.
“A lei tributária deflui da necessidade de assegura-se às pessoas segurança e certeza
quanto a seus atos pretéritos em face da lei” afirma Sacha Calmon33.
Podemos sintetizar dizendo que o princípio da irretroatividade vedada à instituição
ou majoração de tributos que alcance os fatos pretéritos, já consolidados no tempo, e
consumados sob a égide de uma determinada norma em vigor. Utilizando-se do exemplo
acima, garante-se aos atuais detentores “das grandes fortunas”, que por ocasião da
regulamentação da tributação destas, não sejam tributados caso não mais as possua.
A jurisprudência consolidada do STF é no sentido de que no nosso ordenamento
jurídico a legislação infraconstitucional, mesmo que de ordem pública, não pode retroagir
para alcançar ato jurídico perfeito. Esse entendimento foi recentemente reafirmado pela
Min. Ellen Gracie, que ao julgar o RE-AgR 263161/BA, assim se pronunciou, litteris:
“LEI Nº 8.030/90 – EFEITOS RETROATIVOS SOBRE CONTRATOS
ANTERIORES A SUA EDIÇÃO – ART. 5º, XXXVI, DA CF/88 –
OFENSA DIRETA – 1. O controle de constitucionalidade exercido em
hipóteses de ofensa ao princípio da irretroatividade das Leis (art. 5º,
XXXVI, da CF/88) pressupõe a interpretação da Lei ordinária, cuja
29
Repositório oficial de legislação: Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina
Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
30
Repositório oficial de legislação: Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina
Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
31
TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 111.
32
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. 49.
33
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 209.
9
1.9 Da anterioridade
Segundo Sacha Calmon35 esse princípio expressa à idéia de que a lei tributária seja
conhecida pelo contribuinte com antecedência de sua entrada em vigor.
Por força desse princípio “a criação ou aumento do tributo devem ocorrer antes do
início do exercício no qual é cobrado”, como leciona Hugo de Brito.36
A Emenda Constitucional nº 42/03 introduziu a vacatio legis de 90 dias para a
cobrança de tributo nos moldes da nova norma, essa “medida se justificou diante dos
abusos do legislador, que, não raro, modificava a legislação nos últimos dias do exercício,
ferindo a segurança jurídica do contribuinte.”, justifica Ricardo Lobo Torres37.
Luciano Amaro38 chama a atenção para o fato de que a incidência de tal princípio só
ocorre “Para alguns tributos”, já que para a “maioria dos tributos a Constituição exige que a
lei criadora ou majoradora do tributo, sobre ser anterior à situação descrita como fato
gerador.”
Para Fábio Fanucchi39 o princípio da anterioridade em matéria tributária visa proibir
a cobrança de tributos instituídos ou majorados por lei de vigência coincidente com o ano
de publicação, já que por força do dito princípio se suspende, “temporariamente, a
operosidade fundamental da lei tributária, submetida que fica a vacatio legis constitucional,
quando menos em relação às obrigações principais cujos fatos geradores descreva.”.
2. A LEI
34
Repositório oficial de legislação: Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina
Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
35
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 209.
36
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 48.
37
TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 114.
38
AMARO, Luciano. op. cit. p. 120.
39
FANUCCHI, Fábio. Limitações da Competência Tributária.. in MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional – arts. 1º a 95. 3 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002. 1 vol.
p. 108.
10
Para que isso fosse possível fez-se necessário o surgimento de uma ferramenta que
garantisse ao cidadão que os atos praticados pelo soberano seriam pautados não por sua
vontade, mas pela norma positivada.
Neste desiderato surgiu o princípio da legalidade, norteador do Estado Democrático
de Direito, fazendo com que o cidadão tivesse conhecimento, na maioria das vezes, prévio
de seus direitos e de suas obrigações, tanto nas suas relações privadas, como nas suas
relações com o Estado.
Nesta ordem de idéias Maria Helena Diniz40 consigna que:
“No Estado moderno há uma supremacia da lei ante a crescente tendência
de codificar o direito para atender a uma exigência de maior certeza e
segurança para as relações jurídicas, devido à possibilidade de maior
rapidez na elaboração e modificação do direito legislado, permitindo sua
adaptação às necessidades da vida moderna e pelo fato de ser de mais fácil
conhecimento e de contornos mais precisos, visto que se apresenta em
textos escritos. Grande é a importância da lei no Estado Democrático de
Direito. Hodiernamente, ela vem adquirindo um predomínio crescente,
obtendo amplitude e desenvolvimento que nunca teve em épocas
passadas.”
Outra não é a posição de André Franco Montoro41 ao afirmar que: “Nas sociedades
modernas, alei é indiscutivelmente a mais importante das fontes formais da ordem jurídica.
Ela é a forma ordinária e fundamental de expressão do direito.”
Pois bem, é a respeito desta ferramenta essencial para o Direito que pretendemos
explanar, notadamente sobre a peculiaridade existente entre a possibilidade re revogação de
isenção, estabelecida em lei complementar, por lei ordinária como ocorreu com a revogação
da isenção da COFINS das Empresas Prestadoras de Serviços, revogada pela lei 9.430/96.
40
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 10 ed., adaptada à Lei n.
10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 43.
41
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25 ed., 2 tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 237.
11
que a matéria disciplinada pela lei complementar deve receber uma atenção maior do
legislador (art. 69).
Outra prova da existência da supremacia da lei complementar, desta feita, em
relação à lei delegada é encontrada no parágrafo 1º, do art. 68, parte final, onde consta que
não será objeto de delegação do Congresso Nacional a matéria reservada à lei
complementar, entre outras.
Encontramos em Miguel Reale42 a lição pela qual se estabelece que por lei, stricto
sensu, se entende a norma capaz de inovar o sistema jurídico vigente. Descreve o mestre
que:
“O nosso ordenamento jurídico se subordina, com efeito, a uma gradação
decrescente e prioritária de expressões de competência de todo o sistema
normativo. Nesse quando, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz
de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária,
pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que
todos devemos respeitar.”
42
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed.. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 163.
43
REALE, Miguel. op. cit. p. 163.
44
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. op. cit. p. 232.
45
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. op. cit. p. 232.
46
MONTORO, André Franco. op. cit. p. 335-336.
47
Neste sentido são as palavras de José Afonso da Silva, in SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das
normas constitucionais. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 234.
12
Para José Afonso da Silva49 a distinção entre uma norma complementar e uma
ordinária reside no “procedimento de formação das leis ordinárias na exigência do voto da
maioria absoluta das Casas para sua aprovação (art. 69), sendo, pois, formadas pro
procedimento ordinário com quorum especial.”
José Afonso da Silva50, com sob o pálio da lição de Paulo Sarasate, diz que estas leis
visam “completar ou desenvolver princípios consubstanciados no sistema normativo
fundamental da Constituição, (...), razão por que (sic) as entendemos como leis
complementares fundamentais.”
O próprio Paulo Sarasate, apud José Afonso da Silva51, informa que as leis
complementares “têm por objetivo regular os preceitos constitucionais cuja aplicação delas
depende expressamente.”
José Afonso da Silva52 refuta a tese do Prof. Hugo de Brito Machado, que afirma ser
uma posição isolada, vez que “a generalidade da doutrina, que entende que a lei
complementar só é tal na medida em que disciplina matéria especificamente prevista na
Constituição a ser vinculada por essa categoria normativa.” Desta forma, a condição de lei
complementar ou ordinária surge através da competência que lhe é atribuída pela
Constituição Federal de 1988, assim sendo, “à lei complementar compete tão-só disciplinar
a matéria expressamente a ela reservado por dispositivo constitucional.”
Aduz a seu favor a existência de “normas e princípios que autorizam a conclusão de
que a lei complementar somente pode cuidar das matérias a ela reservadas pela
Constituição.”53
O insigne Prof.54, concluindo explica que se se proceder da forma defendida por
Hugo de Brito Machado “estaríamos banalizando o conceito, podendo até supor uma
situação radical em que viríamos a ter apenas leis complementares, e aí não seriam mais do
que leis ordinárias, bem ordinárias.”
Ora não há texto de lei inócuo, principalmente quando a lei em questão é a
Constituição Federal, se o constituinte inseriu no rol de normas a lei complementar (art.
59), se exigiu sua aprovação por quorum qualificado, só inferior às emendas constitucionais
(art. 69), se deu poderes, entre outros, para regular as limitações constitucionais ao poder
tributante (art. 146, II), e etc., é porque , convenhamos, quis ele que a lei complementar
funcionasse em casos específicos, e não que fossem utilizadas em questões corriqueiras
reservadas, estas sim, às leis ordinárias.
Não podemos qualificar uma lei como complementar apenas pelo quorum
qualificado efetivamente votante, haja vista, que muitas leis ordinárias, na prática, serem
aprovadas com quorum até superior ao exigido para as leis complementares.
48
MONTORO, André Franco. op. cit. p. 335-336.
49
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
528-529.
50
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. op. cit. p. 243.
51
Ibidem.
52
Idem. p. 248-249.
53
______. ______, p. 249.
54
______. ______, p. 250.
13
Para Celso Ribeiro Bastos56 não é diferente. É o que podemos extrair de sua
doutrina, senão vejamos:
“A hierarquia pode dar-se no campo formal e no campo material. A
hierarquia formal ocorre quando uma norma superior impõe apenas os
pressupostos de maneira que a norma inferior fica obrigada a respeitá-la.
A hierarquia material ocorre quando a norma superior estabelece os
conteúdos de significação da norma inferior.”
Neste diapasão Walber de Moura Agra57 explica que o requisito material resulta da
previsão expressa na Constituição da utilização da lei complementar para dispor sobre
determinado assunto. Com relação ao requisito formal, por seu turno, aduz que se refere ao
quorum previsto no art. 69, da CF/88.
Para Vittorio Cassone58 pondera que “a lei complementar não poderá invadir campo
material constitucionalmente reservado á lei ordinária estadual.”
Realmente parece-nos que não há divergência doutrinária sobre os requisitos
caracterizadores da lei complementar, e para ilustrarmos transcrevemos a lição do Prof.
Sacha Calmon Navarro Coelho, para quem a lei complementar do ponto de vista formal “é
aquela votada por maioria absoluta (quorum de votação de metade mais um dos membros
55
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 205.
56
BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p. 73.
57
AGRA, Walber de Moura. op. cit. p. 394.
58
CASSONE, Vittorio. Lei complementar e lei ordinária: hierarquia. in MARTINS, Ives Gandra da Silva.
Comentários ao código tributário nacional. Op. cit. p. 429.
14
do Congresso Nacional), a teor do art. 69 da CF.” O aspecto material, por sua vez, é,
segundo o insigne Prof.,
“a que tem por objetivo (conteúdo) a complementação da Constituição,
quer ajuntando-lhe normatividade, quer operacionalizando-lhe os
comandos, daí se reconhecer que existem leis complementares normativas
e leis complementares de atuação constitucional.”59
Ao final conclui que “A matéria das leis complementares é fornecida pela própria
CF expressamente.”60
No caso da lei complementar regular matéria reservada a lei ordinária, “ao invés de
inconstitucionalidade incorre em queda de status, pois terá valência de simples lei ordinária
federal.” Adverte Sacha Calmon.61
Nesta ordem de idéias Antonio Carlos Rodrigues do Amaral62 argumenta que “se lei
complementar regular matéria fora dos parâmetros constitucionais, terá, nesse caso, apesar
do nomen iuris que lhe foi atribuído, eficácia de lei ordinária, podendo, conseqüentemente,
por esta última ser alterada ou revogada.”
Não podemos olvidar as palavras do Prof. Ricardo Lobo Torres63 que nos lembra
que “Quando a Constituição exige lei para regular certas situações (ex: art. 150, IV, c; 153,
§§ 1º e 4º), sem adjetivá-la, bastará a lei ordinária.”
59
COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 100.
60
Ibidem.
61
COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 103.
62
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Lei complementar. in MARTINS, Ives Gandra da Silva.
(Coord.). Curso de direito tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 69.
63
TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 45.
64
Neste sentido temos André Franco Montoro, in. op. cit. p. 337.
65
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. op. cit. p. 233.
66
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
395.
67
AGRA, Walber de Moura. op. cit. 395.
15
Para o insigne Prof. Walber de Moura Agra69 o que diferencia a lei ordinária das
medidas provisórias e das leis delegadas é a sua origem e, explicando informa que:
“a lei ordinária nasce da atuação do Congresso Nacional, a medida
provisória da atuação imediata do Presidente da república, a lei delegada
da atuação conjunta do Congresso Nacional e do Presidente da
República.”
68
BASTOS, Celso Ribeiro. Lei complementar: Teoria e comentários. 2 ed, rev. e ampl. São Paulo: Celso
Bastos: Instituto brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 72.
69
AGRA, Walber de Moura. op. cit. 395.
70
Lecionam José Afonso da Silva, in SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. Op.
cit. p. 234; Walber de Moura Agra in AGRA, Walber de Moura. op. cit. p. 393. Antonio Carlos Rodrigues do
Amaral. Lei complementar. in MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Curso de direito tributário. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2001. p. 65, ensina que “A lei complementar, no País, encontra seu arcabouço normativo
na Constituição de 1891, quando, apelidada de lei orgânica 9art. 34), deveria ser decretada pelo Congresso
Nacional para dar completa execução ao texto supremo. No mesmo sentido foi hospedada no art. 39 da Carta
de 1934. Na Constituição de 1946 vem aparecer no texto pelas emendas n.4 e 18. Esta última introduzindo
finalmente a expressão ‘lei complementar’.”
71
BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p. 72.
72
BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p. 72-73.
16
Nestes termos explica José Afonso da Silva73 que a atual Carta Política de 1988
rompeu com a tradição mantida nas Constituições anteriores que não atribuía nenhuma
situação especial em nosso ordenamento jurídico às lei complementares. No entanto, com a
vigente Constituição Federal “as leis complementares adquiriram superioridade formal
relativamente às outras leis, num status intermédio entre leis complementares e leis
ordinárias.”
O Prof. Paulo de Barros Carvalho74leciona que esta propagada hierarquia entre leis
complementares e leis ordinárias não é sempre que ocorre, tendo em vista que:
“em alguns casos, a lei complementar subordina a lei ordinária, enquanto
noutros descabem considerações de supremacia nos níveis do
ordenamento, uma vez que tanto as complementares como as ordinárias
extratam seu conteúdo diretamente do texto constitucional.”
73
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. op. cit. p. 234.
74
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 204-205.
75
OLIVEIRA, Yonne Dolacio de. Os princípios consagrados no art. 97 do CTN. in MARTINS, Ives Gandra
da Silva. Comentários ao código tributário nacional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 16.
76
AGRA, Walber de Moura. op. cit. p. 394.
17
Podemos concluir que a lei para ter eficácia de lei complementar não basta apenas o
cumprimento do requisito formal, quorum qualificado, mas sobre tudo do preenchimento
do requisito material, pois caso tenha preenchido apenas o primeiro terá apenas o nomen
iuris de complementar, mas será essencialmente lei ordinária.
Pois bem, hodiernamente esta questão não suscita mais discussões como outrora já
despertou. Como ficou claro, as isenções são fruto de norma infraconstitucional, podem ser
instituídas por lei ordinário ou complementar, que atuam como regras excepcionadora da
obrigação tributária.
77
AGRA, Walber de Moura. op. cit. p. 395.
78
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed., atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio
de Janeiro: Forense, 2001. p. 113-114.
79
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Imunidades. Contra impostos na Constituição anterior a sua disciplina mais
completa na Constituição de 1988. 2 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 26.
18
80
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24 ed., rev. , atual. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 219.
81
CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit. p. 182.
82
O Prof. Luciano Amaro, in AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11 ed., rev. e atual. . São
Paulo, 2005. p. 280-282., leciona que a isenção atua sobre a definição da incidência do tributo, explicando que
a isenção é o resultado da exclusão legal da atuação da norma sobre aquela situação, pois “se a lei exclui a
situação, subtraindo-a da regra de incidência estabelecida sobre o universo de que se faz parte, temos a
isenção.” De acordo com a lição de Geraldo Ataliba, in ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência
tributária. 6 ed., 5 tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 76, a hipótese de incidência consiste numa “descrição
legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica
de determinar o nascimento da obrigação tributária.”
83
BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2 ed. Sugestões literárias, 1980. p. 78. Explica que a
isenção não passa de “um expediente técnico de liberação do ônus tributário que se torna efetivo por
modalidades diversas”
84
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24 ed., rev. , atual. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 219.
85
CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit. p. 487.
86
TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 306.
87
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 222.
19
derrogações da lei. Apesar disso, temos para nós que, havendo a justa
indenização advinda dos prejuízos do inadimplemento contratual, também
as concedidas por prazo certo e mediante condições podem ser revogadas
totalmente (ab-rogação) ou de forma parcial (derrogação).”
Conclui o insigne Porf. que nos casos em que a isenção é resultado de um ato
bilateral entre o Estado e o particular “a regra da revogabilidade esbarra diante do direito
adquirido ao gozo da isenção enquanto persistirem as condições e os requisitos em função
dos quais esta foi outorgada.”
Corroborando com esta assertiva Roque Antonio Carraza93 informa que as vantagens
decorrentes da isenção transitória e condicional ingressam no patrimônio do beneficiário,
passando a ter o direito adquirido de continuar gozando da isenção, até que sobrevenha o
termino do prazo determinado na norma isentiva.
Hugo de Brito Machado94 advoga a irrevogabilidade da norma isentiva nos casos em
que esta foi concedida por prazo pré-determinado e por condição. A adverte o Prof. que a
revogação de lei que concede a isenção corresponde a instituição de um tributo, obrigando
a observância ao princípio da anterioridade, mas reconhece a posição contrária do STF
esposada no RE nº 99.908/RS.
Temos que assiste razão em parte ao Magistrado aposentado, pois a revogabilidade
como defendida por Paulo de Barros Carvalho e Luciano Amaro, pode ser aplicada para as
isenções condicionadas e de prazo pré-estabelecido, pois como escrito acima, o beneficiário
da isenção poderá se enquadrar em duas situações, repito, continuar isento até que se expire
o prazo e que se consuma a condição ou, então, haver uma indenização dos prejuízos
suportados pela revogação, total ou parcial, da benesse fiscal.
5 DA DESNECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR PARA A
COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE
SOCIAL.
contribuição para a Seguridade Social, por ela instituída, entre outras, as sociedades civis de
92
BORGES, José Souto Maior. Op. cit. p. 78 e 80
93
CARRAZA, Roque Antonio. 13 ed., rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional n. 21/99. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 552-553
94
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 220.
21
A quaestio juris surgiu com o advento da Lei Ordinária nº 9.430/96, que em seu art.
56, derrogou expressamente a isenção prevista no inciso II, do art. 6º, da LC nº 70/91,
acima referida.
casu, nº 9.430/96.
95
COELHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 103.
96
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues. op. cit. p. 69.
22
O Prof. Luciano Amaro97 vai além e diz que “ A lei complementar, nos casos em
que exerce essa atribuição excepcional de instituir tributo, nega o brocardo nomina sunt
consequentia rerum, pois, nessas situações, a lei terá nome, ma não a natureza de lei
complementar.”
Pois bem, a nossa vigente Lei Maior não reservou a lei complementar a
determinação das hipóteses de incidência das contribuições sociais, já constantes de seu
texto, nem tão pouco de suas respectivas bases de cálculo, sujeito passivo, etc. Na previsão
do art. 146, inciso III, alínea ‘a’, é, diga-se de passagem, bem elucidativo ao informar que
compete a lei complementar, entre outras coisas, estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem
como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;”
Desta forma fica claro que se exige lei complementar para a instituição, portanto de
Tais contribuições são previstas nos arts. 195, I, III, e 239 da nossa Carta Magna, e
como não são reservadas a lei complementar pela Constituição, podem ser disciplinadas por
lei ordinária. Ressalte-se que a Carta Política de 1988, vedou, apenas, a instituição de nova
contribuição social por lei ordinária, é a exegese do artigo 195, § 4o, que combinado com o
artigo 154, inciso I, dão esta ilação. Na hipótese da revogação da contribuição social as
sociedades prestadoras de serviços, não há nenhuma inconstitucionalidade, haja vista não
ter a Constituição reservado, repita-se, a matéria à lei complementar.
Temos, portanto, que neste particular – revogação da isenção prevista no art. 6º da
Lei Complementar nº 70/91 pelo art. 56 da Lei Ordinária nº 9.430/96, houve a utilização
equivocada da espécie normativa complementar, quando poderia ter sido utilizado a lei
ordinária.
Walber de Moura Agra98 ao se referir ao art. 192, da Constituição federal, que
dispõe sobre a regulação por lei complementar do sistema financeiro nacional, observa que
“A lei complementar regulará esse artigo porque isso foi expressamente firmado no texto;
caso contrário, se não houvesse, taxativamente, essa estipulação, poderia o ertigo ser
regulamentado por lei ordinária, lei delegada ou medida provisória.”
97
AMARO, Luciano. op. cit. p. 170.
98
AGRA, Walber de Moura. op. cit. p. 394.
23
Trazemos à baila, algumas das recentes decisões do STJ, responsável pela harmonia
infraconstitucional do nosso ordenamento jurídico.
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 557, §1.º DO CPC.
COFINS. SOCIEDADES PRESTADORAS DE SERVIÇO. ISENÇÃO.
LC N.º 70/91. LEI N.º 9.430/96. REVOGAÇÃO. SÚMULA 276/STJ. 1.
Lei Ordinária não pode revogar determinação de Lei Complementar,
revelando-se ilegítima a revogação instituída pela Lei n.º 9.430/96 da
isenção conferida pela LC n.º 70/91 às sociedades prestadoras de serviços,
por colidir com o Princípio da Hierarquia das Leis. (Precedentes da
Primeira e Segunda Turmas do STJ). Sob esse enfoque foi editada a
Súmula 276 deste Tribunal, que assim dispõe: ‘As sociedades civis de
prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o
regime tributário adotado.’
2. Ressalva do entendimento do Relator, em observância ao novel
posicionamento do STF, intérprete maior do texto constitucional, que no
julgamento da ADC n.º 01/DF, assentou que a LC n.º 70/91 possui status
de lei ordinária, posto não se enquadrar na previsão do art. 154, I, da
Constituição Federal. Em conseqüência e consoante o princípio da lex
posterius derrogat priori, consagrado no art. 2.º, § 1.º, da LICC, não
padece de ilegalidade o disposto no art. 56, da Lei n.º 9.430/96, pelo que,
em razão de a lei isencional e a revogadora possuírem o mesmo status de
lei ordinária, legítima seria a revogação da isenção anteriormente
concedida, pelo que estão obrigados ao pagamento da COFINS as
sociedades civis prestadoras de serviços. Destarte, a aplicação de norma
supralegal, in casu, a Lei de Introdução ao Código Civil, torna
desnecessária a análise de
matéria de índole constitucional.
3. Agravo regimental improvido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, José Delgado e Francisco
Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o
Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.”99
99
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp 724743/RS. Relator Ministro Luiz Fux.
Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma. Data do Julgamento 04 de agosto de 2005; Diário da Justiça de 29 de
agosto de 2005, p. 207. Disponível em
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=lei+complementar+revoga%E7%E3o+lei+ordin%E
1ria&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=1. Acessado em 06 de agosto de 2005.
24
Observem que ficou consignado pelo ilustre relator, Ministro Luiz Fux, que o
entendimento do Supremo Tribunal Federal é divergente do consolidado naquele Superior
Tribunal de Justiça.
Neste sentido foi, também, o decisum do Agravo Regimental no Recurso Especial nº
733211/PR, cujo dispositivo decisório a seguir se reproduz, verbis:
Acórdão
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental, na forma do relatório e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado. Os Srs. Ministros LUIZ FUX, TEORI ALBINO
ZAVASCKI, DENISE ARRUDA e JOSÉ DELGADO votaram com o Sr.
Ministro Relator.”100
Podemos citar, entre outros, os seguintes arestos de igual teor, aos acima
colacionados, proferidos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tas como: AgRg no Ag
660879/MG: Relator Ministro José Delgado; Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma; Data
100
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp 733211/PR. Relator Ministro Francisco
Falcão; Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma; Data do Julgamento: 14 de junho de 2005; Diário da Justiça
de 29 de agosto de 2005. p. 218. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=lei+complementar+revoga%E7%E3o+lei+ordin%E
1ria&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=2. Acessado em 06/09/2005.
25
101
BRASIL. Supremo Tribunal Federa. Processo: ADC nº 1-1/DF: Relator Ministro Moreira Alves; Diário da
Justiça de 16 de junho de 1995; Ementário nº 1.791-1, p. 18.213; Ement Vol-01791-01, p-00088; Órgão
Julgador: Pleno; votação unânime. Disponível em: http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=SJUR&n=-
julg&s1=(1.NUME.+OU+1.ACMS.)+E+PLENO.SESS.&l=20&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Juris
p.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=SJURN&p=1&r=9&f=G. Acessado em
16 de setembro de 2005.
26
recursos especiais interpostos por este fundamento, como ficou assente no decisum
proferido no AGResp nº 639081/RS, que teve como relator o Min. José Delgado,
verberando que:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MATÉRIA DE
CUNHO CONSTITUCIONAL EXAMINADA NO TRIBUNAL A QUO.
IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DO APELO EXCEPCIONAL.
1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao Especial da
agravante por ter o acórdão local tratado de matéria de cunho
predominantemente constitucional.
2. Acórdão a quo segundo o qual: a) ‘as montadoras vendem veículos
novos para as concessionárias em perfeita operação de compra e venda
mercantil, não operando ela como mera intermediante. Na revenda dos
veículos e serviços à terceiros, o produto alcançado integra seu
faturamento’; b) ‘não se pode inferir que a só distinção entre “conta
alheia” e “nome próprio’ é capaz de excluir, da receita bruta das
concessionárias de automóveis, parte do faturamento da impetrante, por
ser apurado em nome destas mas dirigir-se à conta lheia (da concedente)’;
c) ‘em que pese o art. 3º, § 2º, III, Lei 9.718/98, determinar que as receitas
transferidas de uma pessoa jurídica para outra seriam abatidas do lucro
bruto para, então, ter-se a base de cálculo do PIS e da COFINS, a norma
não gozava de auto-aplicabilidade, e foi revogada pela MP 1991-
18/2000.’
3. Não se conhece de recurso especial quando a decisão atacada basilou-
se, como fundamento central, em matéria de cunho eminentemente
constitucional. Apesar de haver fundamento infraconstitucional e dissídio
jurisprudencial a respeito, não prevalecem estes em detrimento da
abordagem central de natureza constitucional.
4. Este Tribunal Superior tem reiteradamente decidido que a matéria
referente à ampliação das bases de cálculo do PIS e da COFINS e à
elevação da alíquota desta última realizada pela Lei nº 9.718/98 é de
natureza predominantemente constitucional, competindo, apenas, à
colenda Corte Suprema o seu exame.
5. Agravo regimental não provido.”102 (destacamos)
CONCLUSÃO
Podemos concluir que a lei complementar que verse sobre matéria reservada pela
Constituição para sua regulação possui uma superioridade material, que aliada a formal,
impossibilita que outro veículo normativo discipline a matéria, seja no todo, seja em parte.
102
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AGRSP 639081/RS: Relator Ministro José Delgado;
Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma; Data do Julgamento: 21/09/2004; Diário da Justiça de 08.11.2004. p.
00183. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=agresp+639081&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=
1. Acessado em 16 de setembro de 2005.
27
REFERENCIAS
Livros
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. 640 p.
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Lei complementar. in MARTINS, Ives Gandra
da Silva. (Coord.). Curso de direito tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11 ed., rev. e atual. . São Paulo: Saraiva,
2005. 512 p.
AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 2 ed. rev., atual. e aum. Com o
Estatuto do Estrangeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1992. 385 p.
ANGHER, Anne Joyce (Org.). Mini vade mecum 7 em 1. Coleção de Leis Rideel. São
Paulo: Rideel, 2004. 1933 p.
______. Mini Vade Mecum de Direito. – 7 em 1. São Paulo: Rideel, 2005. 2 v. 1919 p.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed., 5 tir. São Paulo: Malheiros,
2004. 209 p.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed., atual. por Misabel Abreu
Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.
103
BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da constituição – fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 266.
104
______. ______, p. 267
28
BASTOS, Celso Ribeiro. Lei complementar: Teoria e comentários. 2 ed, rev. e ampl. São
Paulo: Celso Bastos: Instituto brasileiro de Direito Constitucional, 1999. 266 p.
BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2 ed. Sugestões literárias, 1980. 281 p.
CARRAZA, Roque Antonio. 13 ed., rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional
n. 21/99. São Paulo: Malheiros, 1999. 672 p.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13 ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2000. 538 p.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7 ed. rev. e
atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 933 p.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 10 ed.,
adaptada à Lei n. 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2004. 479 p.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24 ed., rev. , atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2004. 511 p.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25 ed., 2 tir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. 620 p.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed.. São Paulo: Saraiva, 2000. 393 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20 ed. rev. e atual. nos
termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 35 de 20.12.2001). São
Paulo: Malheiros, 2002. 878 p.
______. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 277
p.
STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 2 ed., aum. São Paulo:
RT, 1991. 1 v. 456 p.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito financeiro e tributário. 12 ed. atual.. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. 460 p.
Multimídia
______. Superior Tribunal de Justiça. Processo AGRSP 639081/RS: Relator Ministro José
Delgado; Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma; Data do Julgamento: 21/09/2004; Diário
da Justiça de 08.11.2004. p. 00183. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=agresp+639081&&b=JUR2&p=t
rue&t=&l=20&i=1. Acessado em 16 de setembro de 2005.
______. Supremo Tribunal Federa. Processo: ADC nº 1-1/DF: Relator Ministro Moreira
Alves; Diário da Justiça de 16 de junho de 1995; Ementário nº 1.791-1, p. 18.213; Ement
Vol-01791-01, p-00088; Órgão Julgador: Pleno; votação unânime. Disponível em:
http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=SJUR&n=-
julg&s1=(1.NUME.+OU+1.ACMS.)+E+PLENO.SESS.&l=20&u=http://www.stf.gov.br/Ju
30
risprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=SJU
RN&p=1&r=9&f=G. Acessado em 16 de setembro de 2005