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ISSNI41]·]8gX Temas em Psicologia da SBp· 2DOO. Vol ln'I.

21·34

ojuizo moral da criança com relação aos transgressores e às vitimas de injustiças:


estudo em crianças de diferentes meios sócio culturais 1
Anton io Roazzi l • M a ri a d a G r aça s.s. Dias c A b igDCS R uyb crto d a Silva
Unil'ersidade Federal de Pernamhuco

Resumo
Dois estudos foram realizados visando melhor compreender as divergências parciais entre o estudo de Miller e
Maceann (1979), sobre as reaçõcs de crianças a transgressores e a vitimas de injustiça, e wna réplica do mesmo
rculi/.aUu pur Alencare cuh.(1984). 1\0 primeiro estudo, realu.adocom 24 crianças de c>co[a pública de I'e 4'
~es, d~'f'Ois de ou\'ircrn duas histórias. as crianças eram questionadas quanto ao grau de ma[dadc do
transgressor e da recompensa a r.cr dada à vitima. O segwl\1o estudo, ulilizando o mesmo procedimento. foi
realizado com wna amostra similar de escola panicu[ar. Os re5ultados mostraram que os aIOS intencionais de
lransgressão cnlmjulgados com maior ,c\'cridade que os de cOl1diç~o acidenta I em ambas as amOSlras, Contudo,
r.cgoodo as crianças dc escola pública. ao contrário das de escola particular. as vitimas mereciam maior
compcnsaçãooacondiç,ão mtcnclOnal. Observou-se, lamb.:m, entrca,criançasmals velhasdeesco[a panicu[ar,
julgarnenws mais severos para o tr,msgressor, Enfim , os pontos de convergência c dc divergência entre os lrês
esmdoss1lodiscUlidos
PaluraHhail:juí/o moral, ju.,li<,:u, iTllcTl~inTlalidml~ na Imn'grt'."ãn. m~in sú~i ocul lural

Thechild'smoraljudgementontransgressorsand viclims ofinjuslices:


astudyin childrenfromdiflerent socialculturalBnvironmBnts
Abstnc[
Twn ,Imlie" aim~d aI bclkr undeThla"ding lhe partial di'Tr~';crl~~' bclwe~n Miller and Ma<.'Cann ' , ,tudy
(1979) about children's reaçtiuns lo transgressvns and injustice victims, and a rep [icalioll ofthe samc srudy
carried out by Alcncaretal. (1984). The firsl study has been pcrfonned wilh 24 ehildrcn studying in the 1" and
4'" gradesofa Slale schoo!. lmmedialely after\wo stor;es ha\'ing bccn read, lhe clúldren were asked abo UI lhe
dcgree ofthe transgressor's wickcdncss and lhe reward to be givcn 101lle vielim. The second study, using lhe
same procedure. were accomplished \\'ith a similar samp[e fmm a pri"al~ 'eh"o!. Th~ re ,ul t, have shm'iII thal
intentionallransgrcssion acts havc becn judgcd wilh [arger sc"erity Ihan accidml:!l ones in both samp1es
However, aecording lO the dú[drell from lhe state 5ehoo[, in contrasl to lhe ones fmm the private school, the
v;ctims fmm lhe ;ntent;e>nal condition would deserve larger eompcnsation. It has also beco observcd mure
sevcre judgemcnl on lhe transgrcssor, alno ng the oldest chi[drcll from lhe priv3le ,eho" L Finally.
convergence and d;vergencc ro ints ame>ng the thrce studies have becn discusscd.
~e, wCrll: moralju dgment.justice. intcntion and transgrcssion, social cuhum[ envÍroJ\lllent.

Estudando o desenvolvimento moral, logo nos progressão em estágios ou. ma is prec isam ente , fases
deraramos com a idéia de uma universalidade de (Piagcl, 193211965; Koh [bcrg, 1964, 1976, 1985) e,
princípios morais (Kohlbcrg, 1963; 1964), de uma espcdalmente. com a id éia de que as fases m ais

L Trahalho apre,entado no Simpõ,i o A i>ljlub>ria da,r vari<hâs sociocultllrai> >lO de,'envo/vimenlo moral, na XX IX
Reunião Anual d~ Psicologia da Sociedade Brasileira de Psiculugia. Campi na~ SI'. ournh ro de 19')').
2. Endereço para corrcs pondéncia : Antonio Roazzi, Rua Francisco da Cunha, 654/8 0 1, EM. Villa da s I' edras. Il oa
Viagem - CEI' 5 1020· 04 [ Recife - PE. fones (8!) 3271.0599 e 3271.8272 ( Un ive rsidade) . Fax (SI) 327 1. IS43
c-mail:roazzi@npd .ufpe.b r
UOUIÍ, M. G. U DiaS! oU.h

amad urecidas da mora lidade extrapolam a mera resultados com os estudos realizados cm outros
intcmalizaçiioda moral dacu ltura - corn o pretendiam, países ocidentais.
por exemplo, Durkheim (1974 a, b), Frcud (1914, Ncstadireção,procuramosnalitcraturaalguns
1915, 1929), os behavioristas, os antropólogos e estudos realizados no Brasi l que tivessem submetido
outros. Nestc sentido, todos os indivíduos passariam a verificação o paradigma piagetiano de juízo moml,
sucessivamente por uma série de fascs, indc- alIav~s da comparação simultânea das variáveis dc
pendcntemente do nível sócioeçonômico e do meio intcncionalidadc (intencional e acidental) e dano
cultural. Entretanto, existem evidências na literatura (grande e peq lleno) c que, ao mesmo tempo,
de pesquisas, realizadas em crianças ocidentais, estivesscm fundamcntadoscm estudos realizados em
apontando a importância das influências sociais, um outro país ocidental.
culturais e educacionais no desenvo lvimento moral Nessa pt:n;pectiva, encontra-se o estudo de
(e.g., Panier Bagllt, 1977, 1982, 1985; Panier Bagat e Alencar, Maciel, Fernandes e Patriota (1984). Estes
Di Gemma, 1987; Panier Bagat e ManlTcdi, 1990) e autores objetivaram, prioritariamente. replicar o
questionando ni'lo só a passagem de uma moral estudo de Miller c MacCann (1979) sobre as reaçõcs
hcteTÔnoma para woa moral autônoma, como também de crianças a transgressorcs c vitimas dc injustiças.
a hipólt:se piagetiana da existência de invariantes Nestas duas investigações requeria-se, por parte das
culturais no dominio do desenvolvimento moral. crianças, a comparação simultânea d", duas variáveis
Parece, então, que os fatores culturais podcm - intencionalidade e dano - depois de ouvirem duas
afetar a scqüência dos juízos morais de Piaget. Estes histórias: uma contendo um grande dano causado por
resultados implicam que a validade das eonclusõcs, às acidente e outra contendo um pequcno dano causado
quais Piaget chegou, pode estar delimitada no âmbito intencionalmentt:. Após ouvirem as histórias, as
da cultura ocidental. Portanto, toma-se dificil uma crianças eram questionadas a respeito do grau de
simples aceitação ou rejeição do postulado teórico maldadedotransgressor,dapuniçãoaserdadaaclce
piagetiano sobre a existência de invariantes culturais da recompensa a ser dada à vitima
no dominio do desenvolvimento do juizo moral. Miller e MacCann (1979) realizaram três
Como csscs rcsultados restringem a validade experimentos em crianças canadenses (da I' ii 6'
das conclusões de Piaget ao âmbito da cultura série) e encontraram que, não apenas o transgressor
ocidental, seria produtivo comparar-se os resultados intencional era julgado com maior severidade que o
de pesquisas idênticas realizadas em contextos aeidcntal, eomo também queaseriançasjulgavamos
sócioculturais diferentes. Nesse sentido, o Brasil atos intcncionais mais merecedores de punição que
oferece um contexto interessante para a vcrificação os acidentais. Encontrou-se. também, maior
desse paradigma, viSl0 que possibilita a comparação dispnsição das crianças mais novas em considerar a
de crianças com experiências sóeioculturais e vítima mais merccedora de recompensa. Além disso,
educacionais diferentes. De fato, pelo menos para a foram encontradas diferenças significativas na
população de nível sócioeconômico médio e alto, compensação a ser dada às vitimas dc atos inten-
podemos considerar o Brasil um país moldado de cionais ou acidentais, tendo a vítima de atos acidcn-
acordo com os parâmetros da cultura ocidental. tais menor recomendação de recompensa que a
usufruindo de bens de consumo mat~riais, culturais e vitima de atos intencionais.
educacionais st:melhantes aos encontrados no As histórias envolvendo o dano material eram
"primeiro mundo'·. Para a população pobre e julgadas com mais severidade qut: as histórias
marginalizada, o acesso aos bens de consumo, em envolvendo o dano tisico. Não obstante, as medidas
seus diferentes níveis, é reslrito. Além de compa- de punição e de recompensa eram bem menores
raçõcs intcrelasses, é possível confrontar esses quando o transgressor já tinha recebido alguma
punição pan scu ato. do que quando não tinha Essaexplicaçãoébastanteplausivel.visloqueoulros
recebido nenhuma punição. As crianças expressanlm estudos na literatura têm apontado que a saliência de
um maior desejo em punir o transgressor do que de um ato moral intencional dificulta a possibilidade de
compensar a vitima, especialmente quando os danos detecção de diferenças em outras variáveIS (por
causados Avítima eram severos. exemplo, ao comparar·se o julgamento de atos de
Alencar e eo1s. (1984). ao realizarem uma vandalismo em IUnçãode a propriedade scr pública
réplica do estudo canadcnsc, visavam, princi- ouprivada:verRoat.zi,LoureiroeMonteiro, 1996).
palmente, avaliar o grau de gencralizaçJo dos Embora não tenham sido encontradas
resultados obtidos pelos autores MIller e MacCann diferenças significativas entre os estudos de Miller e
(1979) no experimento original com cnanças de um MacCann e de Alencar e colaboradores com relação
contexto s6ciocultural diverso do originalmente ao julgamento do grau de maldade do transgressor,
investigado. A investigação foi realizada com uma nos dados referentes aOJulgamentoda compensação a
amostra de criancas de [",J·eS"séries de uma escola ser dada ii. vítima, 05 dois estudos apresentam duas
pública localizada cm uma Arca habitada por uma diferenças fundamentais. Em primeiro lugar,
populaçllo de S/aIllS sócioeconômico médio do enquantoquenocstudooriginaldcMillcrcMacCann,
Distrito Federal. Forn.m observadas similaridades c com uma amostra de crianças canadenses, foram
diferenças com o estudo original. Mais especifi- observadas diferenças em função da idade, no estudo
cam ente, coincidiram os resultados refcrentes às de Alentar e tolaboradores as trianças mais novas
medidas de maldadc do transgressor e de punição consideraram a vitima como mais merecedora de
merecida por este. Conforme o estudo original, o recompensa. Esta divergência de dificil interpretação
transgressor da condição intencional foi julgado com eagravada pelQ fato de quea tendência encontrada por
umaseveridadesignificatlvamentemaisaltaqueoda Alencar e colaboradores e exatamente oposta à
condiçllo acidental. Além disso, como no estudo de preconizada. mas nao encontrada por Milkr c
Miller e Maceann, o transgressor da condiç.1o MacCann (para esses últimos autores, a respon-
intencional foi considerado, também, mais mere- sividade da criança às necessidades de outras crianças
cedor de punição que o da tondição acidenta!; não deveria aumentar com a idade). Assim, apesar de os
obstante, as crianças mais novas consideraram a dois estudos apresentarem diferenças, em função da
vitima mais merecedora de recompensa. Entretanto, idade, no julgamento da compensação a ser dada à
cm relação ao nível de tompensação merecida pela vitima. OS dois estudos diferem quanto ii. di~ão dessa
vítima, diferentemente do estudo original, ocorreu diferença. Em segundo lugar, nllo roram entontradas
um efeito de idade e, sobretudo, não foram obser- diferenças' significativas na compensação a ser
vadas diferenças significativas na recompensa a ser atribuída às vitimas de atos intencionais ou acidentais
dada às vítimas de atos ~cidentais ou intencionais. no estudo de Alencar c colaboradores, enquanto que.
Em linhas gerais. tanto os resultados de no estudo de Miller e MatCann, as trianças
Alencar e cols.(1984)comoosde Miller c MacCann recomendaram uma recompensa menor à vitima de
(1979) indicam que,jã a panir de sete anos de idade, alDS acidentais do que à vitima de atos intencionais.
as crianças são capazes de considerar a inten- Como interpretar essas divcrgêntias relativas
cionalidade do transgressor ao avaliarem o seu ato, ao julgamento do nível de recompensa recomendada
em um periodo anterior àquele apontado por Piagel. ii vítima? Uma das características que diferenciam as
Alencar e colaboradores. interpretaram esses resul- amostras desses dois estudos é o nível s6cio-
tados como conseqüênda do fato de que, nas econômico das famílias de origem das crianças.
histórias apresentadas, a intencionalidade do ato era Enquanto Alencar e tolaboradores informam
um fator muito saliente, condição quc teria levado as claramente que a amostra era formada por crianças
crianças mais novas a considerar a intendonalidade. de escola publica, Millere MacCano não informam o
l.Iawi.IU.I.I.lguU.SiIJ

tipo de escola frcqüentada pelas crianças. Além do zes de detenninar sistemas dico-cognitivos dife-
mais, Alencar e colaboradores., ao descreverem a renciados, isto é, as relações especificas entre a
amostra, informam que essa escola pública era compreensão e a avaliação das normas sociais?
"localizada em um setor habitado por uma população Neste sentido, esta investigação propõe-se a
de statu~· sócioeconõmico médio" (p.26). Mesmo replicar o estudo de Alencar e colaboradores que,
com a faltade informações precisas, é possível inferir por sua vez, replicaram um dos experimentos de
que as crianças do estudo brasileiro pertenciam a Miller e MacCann (1979). Visa investigar a reação
famílias de nível sócioeconômico baixo, enquanto as de crianças recifenses a transgressores e vítimas de
crianças do estudo canadense, a famílias de nível injustiças, controlando não somentc o tipo de série
sócioeconômico médio. Outros estudos na literatura (I' e 4'), o tipo de dano 3 (material e fisico) e o tipo de
têm mostrado a relação enlre o tipo de escola ato (intencional e acidental), mas também o tipo de
rreqüentada e o nível sóciocconômico (e.g .. Nunes- escola frequentada, supondo que esta reflete o nivel
Carraher e Schliemann, 1982; Roazzi, 1988). Assim, sóciocconômico da familia de origem. Vislo que
se as duas amostras dc crianças que caracterizam nenhuma diferença foi observada cm termos de
esses dois estudos diferem em termos de nível maldade e punição do transgressor, apenas a
sócioeconômico das famílias de origem, justifica-se primeira dessas variáveis foi avaliada, além,
realizar uma investigação que controle esta variável, naturalmente, do nível de recompensa, já que,
já que essa variável, cm oulros estudos, tem confonnc os estudos citados anteriormcntc, esta
variável foi a que apresentou o maior número de
desempenhadu llm impurt~nte papel nus tipos de
discrepâncias
julgamentos apresentados (e.g. Haidt. Kollere Dias,
No primeiro experimento foram entre-
1993). De fato, se o nível sóciocconômico dos
vistadas crianças de I' e 4' series de uma escola
sujeitos afeta o sistema de valores (Tamayo 1994),
pública que, tendo entllo ouvido as histórias
valores estes que, pur sua vez, podem orientar
contadas pelo experimentador, eram convidadas a
explícita ou implicitamente a conduta humana
responder, voluntariamente, duas questões: uma
(Horrocks, 1976; Kluckholm, 1951; Rokcach, 1973;
sobre o grau de maldade do transgressor e outra
Smith, 1963; Williams, 1968), é de se esperar,
sobre a recompensa a ser dada ii vítima. Nu segundo
também, que o nívcl sócioeconômico afete, de
experimt:nto, foram entrevistadas crianças de I' e 4'
alguma form~, u tipo de juízo moral e, mais série, de uma escola particular; no restante, o
especificamente, as rcaçõcs aos transgressores e
material e o procedimenlo furam idênticos ao
vítimas de injustiça. Julga-se nt:Çcssáriu csdarecer primeiro experimento.
essa questilo antes de sugerir interpretações das O tipo de escola freqüentada no Brasil bem
divergências dos estudo~ colocados acima. Alem do conllgura elou delimita o l·tatus familiar sócio
mais, uma comparação entre tais estudos possibi- cultural dos cursantes, justificando-se tomar uma
litaria uma melhor eompreensilo da controvertida escola pública por representante du NSE baixo e
hipótese piagetiana da existência de invariantes uma escola particular por representante do NSE
culturais na área do dcsenvolvimento moral. As duas médio. Por outro lado. para fim de controle das
questões que se colocam silo: as influências socio idades das crianças (crianças mais novas e crianças
culturais e educacionais são capazes de facilitar mais velhas) as séries em enfoquc foram a I' e 4'
(apressar) ou dificultar (desacelerar) a passagem da series, já que no âmbito da escola pública niln se
moral heterônoma para a moral autônoma? As observa demarcação t1l0 definida como acontece na
influências socioculturais e educacionais silo eapa- escola particular.

3. Vari:hel nllo atendida por Miller c MacCann (1979) t: Al~ncare cols. (1984)
Estudo 1 HISTÓRlA I (Dano Fisico I Transgressão
Intencional). Um grupo de meni/Jo~' estava jogando
MiTOUU futebol. Quando foi a ve: de Guilherme chutar, ele
decidiu bater com a bofa no rosto de um menino de
qu/!m ele não gostava e que era do outro time. O
menino J"t' maL'hucau e começou a chorar.
Participaram da investigaç;Io 24 crianças, HiSTÓRiA 2 (Dano Físico I Transgressão
doze da I' série (5 meninos e 7 meninas; idade média Acidental). Um f(rupo de meninol' estava jogando
7anose6meses)edozcda4'série(6mcninose6 fu/ebol. Quando foi a vez de Guilherme chutar, ele
meninas; idade média 10 anos e 7 meses), de uma sem querer bateu com a bola na rosto de um menino
escola publica localizada em um setor 113bitado por que era do outro time. O menino se machucou e
uma população de s/atuI s6cioeconômico baixo e começou a chorar.
situada na região metropolitana do Recilc. HISTÓRIA 3 (Dano Material I Transgressão
Intencional). Pedro e BelO estavam pu;'seanda de
bicicleta, um rodando com a bicicleta do Olllro. BelO
Material viu uns cacos de vidro no chão e pôs a bicicleta por
cima deles de tal forma que ele estourou, de
Quatro históri~s. Duas dessas histórias propôs/to, os dois pneus da hicicleta de Pedro
envolviam um dano fisicoe as outras duas um dano HISTÓRIA 4 (Dano Matcrial/Transgressão
material. Tanto as duas histórias envolvendo um Acidental). Pedro e Beto estovam passeando de
dano fisieo como as duas envolvendo um dano bicicleta, um rodando com a biciclela do mitro. Beto
material eram apresentadas em duas versões. uma passou, sem qUf"rer, pur cima de uns cacos de vidro
tratando de transgressão aeidental e outra de que ele não tinha visto no chão e estourou os dois
lTansgressão intencional. Uma escala, decineopon. pneu.ç da bicicleta de Pedro.
tos, foi usada para a avaliação da maldade do Depois que () sujeito ouvia cada história,
transgressor. Uma pilha de cinco moedas dc um real pedia-se para quc a repetisse, a fim de assegurara sua
eompreensilo d~ mesma; se nllo repetisse o conteúdo
básicocorrctamente, a história era relida. Aseguirfoi
Procedimento apresentada uma escala de cineo pontos para
avaliaçllo da maldade do transgressor. As seguintes
As crianças foram entrevistadas indivi-
instruções roram utilizadas para avaliar tal aspecto:
dualmentc em uma sala da própria escola onde "Agora veja: es/alinha e~·tá dil'idida em cinco
estudavam. Depois de ter estabelecido um "rapport " purtes: ela é uma medida que vai de I a 5 pontos. Um
com a criança, o entreviswdor (E) convidava-a a ouvir é a medida menor e cinco é a medida maior. O
umasériedchistóriasatravésdasseguintcsinstruçõcs número l significa "poll'luisúma maldade". 2
"Go.\·turia que mcê oU~'isse qIUl/'O hixtó,im·. Depois "pouco maldude ", 3 '"nem muita nem pouca
de ouvi-las. quero que vu.::e me diga o que você acha maldade'. 4 "muitamaldade " e5 "wtalmentemal "
que de~'eria ser feito sobre o que acon/eC/:u na
hi.!fória". Cada sujeito ouvia. então, as quatro
histórias. Cada história era apresentada em duas
\"ersõcs, envolvendo uma transgressão intencional e
uma transgressllo acidental. A primeira história Perguntava-se a respeito da história I 'Se
en\"olvia um dano fisicoeasegundahistÓria.um dano você tivesse que meclir a quantidade de maldade que
malerial. A seqüêneia das histórias era mmlomi.rnda havia em Guilherme quando c/e mflchucou o outro
menino. que número ~vâi escolheria? "
para evitar o efeito da ordem. As histórias foram
A....,n.IU. I.I.liiuA.l.Sin

Além da medida do grau de maldade do mais severamente do que os atas na condição


transgressor, utilizou-se também uma medida de acidental. Observa-se também uma diferença mais
reçompensa. Para tal. uma pilha de cinco moedas de
marcante entre as crianças de I' e 4' séries na
RS 1,00 foi apresentada à criança através da seguinte
instrução· condição intencional doque na acidental. Em relação
HI STÓRJA A: '"Eu e~·tava pensando em dar aosatos intencionais, as crianças de 4'série sempre
julgam com maior severidade estes tipos de atas do
ao outro garoto - aquele que se machucou com II
que as crianças de l ' série. Em relaçllo à com-
bola jogada por Guilherme - lllgum dinheiro extra.
pensaçllomerecidapclavitima,asdiferençasentreos
Q/lamo (levo dar a ele: uma, duas. três. quatro ou
atas intencionais e os acidentais são menos mar-
cinco moedos de R$ J,OO?··
cantes. Além do mais. as crianças da I' série sempre
O mesmo procedimento foi empregado para
julgam que a vitima merece uma maior compensação
cada uma das histórias que o sujeito ouvia. No final
do que as de 4' sérico Enfim, é possivel observar
dasessãoexpcrimental,pediu-seaosujeitoparanada
médias mais altas na compensação da vitima na
comentar com os seus colegas acerca do procedi-
história envolvendo dano material do que naquela
mellloa que se submeteu.
que envolve dano fisico.
Para verificar estatisticamente as difcrcnças
acima observadas, os dados foram submetidos às
RESULTADOS
análiscsdevariãnciasdotipoSériel1dade(2: l' e4'
Na Tabela 1 estão apresentadas as médias e série), Tipo dc dano (2: tisico e material) e Tipo de
desvios-padrões das reações ao transgressor e à ato (2: intencional eacidental),considerandocomo
vitima de injustiça cm função da intenção do variáveis dependentes o nível de maldade do
transgressoredotipodedano,deacordocomidadel transgressor e o nível de compensação merecida
sériedascrianças.Observa-.seelaramcntequeosatos pela vitima. Na Tabela 2 estllo apresentados os
dc transgressão na condição intencional sãojulgados resultados das duas análises de variânc ia.

Tabela 1. Média e ± dcsvio-padrllo (DP) das reaçôes ao transgressor e ii vitIma de mjustiça em função da imcnção do
transgressor e do tipo de dano de acordo coma idade/série das crianças de escola públiea,considcrando a VDnivelde
maldade do transgressor (maldade) e o nível de compensação mereçida pela vítima (recompensa).

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TIMI. 2. Análises de Variâncias (2 x 2 x 2: série, aio, dano) considerando como VD maldade e compensação para as
crianças de e$Colapública.

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Constatou-se que o transgressor da condição merecedor de uma maior compensaç1lo por pW1C da
intencional foi ju lgado com uma severidade vitima (média 4. 18) do que o tipo de ato envoh 'endo
significativamente maisaha (média 4.25) do que na dano fisico [média 3.72; F(1.22) - 4.74;p<.041].
condição acidental [média 1.89; F(1,22) - 148.95; O único efeito interativo que ocorreu foi entre
p<.OOI]. Ao mesmo tempo, a compensação merecida série e tipo de ato, considerando a vari ável dependente
pela vítima foi julgada maior na condição intencional nivel de maldade do transgressor [F(1,22) - 5.14;
(média 4.27) do que na condição acidental [média 1'<.033; Figura I]. Análise a posteriori das diferenças
3.65; F(1,22) - 5.56; p<.028]. Observa-se também cntrc as médias, através do teste de Tukey, indicou
queotipode ato envolvendo dano material foi julgado haver uma compensação maior da vitima na condiç1lo
Uouri, lU. I. I. Din. H,SiR

estudo de Alencar c coI5.(1984), ncm no estudo de


Miller e Maceann (1979). Estes últimos autores

r:=.":
encontraram uma diferença no mesmo sentido ao ser
julgado o nivel de maldade do transgressor.
Apesar das diferenças observadas entre os
resultados dos estudos de Miller e MacCann (1979) c
dcAlcncarccols.(1984),edasdifcrençasentreesses
dois estudos c os resultados aqui apresentados, em
seu conjunto, todos estes resultados indicam, de
fonna clara, que crianças a partir de sete anos de
idade são capazes de considerar a intenção do
transgressor ao avaliar o seu ato. Embora de forma
menos acentuada, estes estudos apontam também
que as crianças consideram relevante no seu
Figura I.Médiadcavaliaçõcsdamaldadedolransgrcsm. julgamento a intenção do transgressor (intencional
ou acidental),para recompensara vitima do dano.
Assim, é possivel afinnar que a reação da criança a
imencional tanto nas crianças dc la como de 43 série
uma vitima de injustiça é realmente afetada pela
(p< .OI). Nenhuma diferença significativa foi
naturez.adaaçloquelevaaumnivelde sofrimento
observada entre crianças de la e 43 série tanto na
vivificado por parte da vitima.
condição intencional como na condição acidental.

DlSCUSSAo Estudo 2
Apesar das similaridades encontradas no
Esses resultados coincidcm com os de Alencar
Estudo I com os estudos de Miller c MacCann (1979)
ecols.(1984) somente no que se refere às diferenças
e de Alencar e cols.(1984), foi encontrada também
entreosdoistiposdeatoquandosemedeamaldadedo
uma série de diferenças. Uma importante variável que
transgressor. Em relação a esta última variável
caracteril.ll esteseSludos é oNSEdossl.ljeitos,ql.le,no
dependente, foi também a intcração Série x Tipo de
C3SO do Nordeste do Brasil, tem correspondência com
ato que apontou para uma tcndência em julgar com
o tipo de escola freqüentada pelos alunos. Nesse
maior severidade atos imencionais à mcdidaquea
sentido, postula-se que o nível s6cioeconÔlllico das
criança toma-se mais adulta, e a tendência oposta
pessoas areta o seu sistema de \·alores (Tamayo,
quando o ato é acidental. Esta interação não foi
1994), que, por sua vez, pode orientar explícita ou
observada nem no estudo de Alencar e colaboradores,
implicitamente sua conduta (Horrocks, 1976;
nem no estudo de Miller e MacCann (1979). Kluckholm, 1951; Rokeach, 1973; Smith, 1963;
Considerando a variàvel dependente recompensa,
Williams, 1968). Desse modo, seria de espe rarque as
também-se observou, como no estudo de Miller e classes sociais mais baixascnfatb:assem os valores
MacCann, uma diferença entre os dois tipos de atos s6cioeconômicos culturais mais prementes de seu
Outra importante diferença em relação aos cotidiano. Neste caso as crianças investigadas
dois estudos acima citados, refere-se ã diferença lTeqOentavam uma escola pública, cujos alunos eram
encontrada entre os dois tipos de Instórias. A história oriundos de farni1ia~ de um NSE baixo. No estudo de
envolvendo um tipo de dano material foi julgada Alencar c colaboradores., as cnanças freqOentavam
como merecendo um tipo de recompensa m:.ior do também uma escola pública, mas "localizada em um
que a história envolvendo um tipo de dano fisico. setor habitado por uma população de l"talUS
Também esta diferença não foi encontrada nem no sócioeconômico médio do Distrito Federal". Portanto,
a amostra de Alencar e cols nilo pode ser equiparada à M ate~al e procedimento
nossa por causa da diferença do tipo de escola
freqücntada. Por último, preswnimos que a amostra Idêntico ao apresentado no Estudo I .
investigada por M iller e MacCann seja de uma escola
pública no Canadá (os autores nào fornecem este tipo
de informação). Inúmeros estudos na área cognitiva
RESUlTADOS
tém mostrado que ~rianças atendidas cm escolas Na Tabela 3 estàoapresentadas as médiaseos
públicas de pa ises do "primeiro" mundo são dcsvios-padrõcsdasreaçõcsaotransgressoreàvitima
facihnente comparáveis com crianças atendidas em de injustiça, em função da intençllo do lransgressore
eseolas paniclllares de países do "terceiro" mundo, dotipodedanodeacordoeomidadclsériedaserianças
como é o caso do Brasil (e.g., Roazzi, 1988). Consi- de escola partieular.
derando as diferenças entre as amostras ac ima Como visto, para as crianças dc escola pública,
aponta das, antes de tirar conclusões definitivas, observa-semuitoclaramcntequeosatosdctransgrcssão
julga-se importante replicar o estudo em uma amostra
na condição intencional são julgados mais severamente
de crianças de escola particular, cujoo alunos silo
do que os atos na condição acidental. Observa-se
oriundos de familias de NSE médio
também wna diferença mais marcante enlrC as crianças
de I' e 4' série na condição intencional do que na
METOOO acidental. Em relação aos atos intencionais, as crianças
de 4' série sempre julgam com maior severidade esses
Participantes tipos de atos do que as crianças de l'série.
Em rclação à compensação merecida pela
Participaram da investigação 24 crianças, vítima, as diferenças entre os atos intencionais são
doze da I" série (5 meninos e 7 meninas; idade média muito menos acentuadas. Além do mais, ao contrário
6.4) e doze da 4' série (8 meninos e 4 meninas; idade das erian\4s de escola particular, as crianças da \' série
média 9.5), de uma escola particular localizada em julgam que a vítima merece uma menor compensação
um bairro habitado por uma população de NSE doqucasde4'série, com exccçilo da condição acidcn-
médio, situada na região metropolitana do Recife tal com dano material

TI~la J. Média ± dcsvio-padrlio (DP) das rcaçôc:s ao lransgressor c à vít ima de injustiça cm fWlçlo da intenção do
transgressor c do tipo de dano de aeordo com idadclsérie das crianças de /!Scola parficular coru;iderando a VO nível de
maldade do transgressor (maldade) e o nível de compensaçao merecida pela vitima (r"compen~a)

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I~ A - Imcnci<>ol~ Acidcmal; f + M
UnuiM.U.I.liu.A.I.SiIn

Para verificar estatisticamente as diferenças Constata-se que o transgressor da condição


acima observadas, os dados foram submetidos a intencional foi julgado com uma severidade
análises de variâncias tipo Série/ldade (2: I" e 4" signifieativamente mais alta (média 4.24) do que na
série), Tipo de dano (2: tisico e material) e Tipo de condição acidental [média 1.89; F(I,22) - 55.32;
ato (2: intencional e acidental), considerando como p<.OOI]. Ao contrário do que foi observado para as
variáveis dependentes o nível de maldade do crianças de escola pública, a compensação merecida
transgressor e o nível de compensação merecida pela pela vítima nllo foi significativamente maior na
vitima. Na Tabela 4 estão apresentados os resultados condição intencional (média 4.43) do que na
das duas análises de variância. condição acidental [média 4.16; F(I,22) = 2.00;

Tabeta 4. Análises de Variâncias (2 x 2 x 2: série. ato. dano) considerando como VD maldade e compensação par.. as
crianças de escola panicular

FiaI.
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p-n.s.J. Qbscr-ou-se também que o grau de maldade son~s e toda a scrie de agentes socializadores da
atribuído ao \r.lnSgressor variou slgIllficatlvamente criança (Boehm, 1957), lnelusive05 v'nos6rg1os
segundo a série das crianças, isto~, as crianças mais de infonnaçllo e mais especificamente. televislo
novas, de I' sêne, o Julgaram menos se\iel1lJl1ente (Peterson, Pelet'SOn e Seeto, 1983), levanam em
(médi.2.85)doqueasmaisvelhM,de4'sénelmcdia conta, em seus julgamentos e no n'vel de inten-
3.28;F(I,22)-11.05;p-.OO3] sidade da repreensllo. o rato de o aio ter sido
realizado intencionalmente ou nllo. O fato desses
agenles socializadores considerarem a varillvel
DlSCUSSÃD inlencionalidadetenderiaaserprontamenteperce--
o que seobscr-a em comum entre os Estudos bido desde pequena por parte da criança que, dessa
1 e 2, neste artigo, e os estudos de MIller e Maceann forma, assimilaria os mesmos critérios de julga-
(1979)e de Alencarecols.(1984) éojulgamentodo
transgressor de fonna mais severa na condição Nilo obstante as similaridades aelma des-
intencional do que na condição aCidentaI. Esses critas enlIe os vll.rios estudos analisados, várias
diferenças foram lambêm observadas especial-
resultados apontam no mesma direçAo de uma série
de outros estudos encontrados na literatura (e.g., meote entre o grupo de crianças de escola publica e
Annsby, 1971; l3erg-Cross, 1975; Keasey, 1977; particular.
Antcs de tudo,observou·se que as crianças de
Gruen. Doherty e Cohen, 1979; Feldman, Klosson,
escola publica julgaram a vitima de danos materiais
Parsoos, Rho les e Ruble, 1976; Nelson, 1980;
mais merecedora de recompensa (4.18) do que a de
Rybash c Kmin, 1978) sugerindo que as crianças
danos flsicos (].72), ao contrário das crianças de
consideram a intencionalidade do ato em seus
escola particular. Essa difet"CT1ça nlo foi observada
Julgamentos cm um perlodo anterior IIquele que hll
no estudo de Alencar e coI5.(1984). Por outro lado,
maia tempo era ressaltado. Discute assim, a
no eSludo de MIller c MacCann (1979), uma dife-
tendênCIa descrita por Pt.get (193211965) de que a
rença na mesma direçlo foi encontrada entre 05 dois
criança, iii medida que se desen ... olve, ê capaz de
tipos de histórias (tipo de danos) em termos de
considerar com mais assiduidade a intençAo do
maldade do transgressor e nlio em termos de
transgressor do que as conseqUências do aiO,
recompensa da .. itima. Ou stJa, o trans&f"CSSOT da
julgando as açõc5 com base na r<'sponsabilidade história envol\iendo dano material (3.07) foi Julgado
subjetiva, isto é, com base n0(5) moti ... o(s) que com uma severidade sigmficativamente mais alta do
orienlou(-aram) a transgress~o, supernndo, dessa que o transgressor da história en\iolvendo danos
forma. o estágio do obJcÜ ... ismo moral ou realismo fisicos(2.75).
moral. Este quadro dIvergente entre os diferentes
Esta similaridade entre os eSludos realizados estudos precisa scr investigado no fUluro com mats
com grupos de crianças tão heterogêneos possivel- cuidado. Além do maIS, visto que a diferença em
mente reflete, como anolado por Alencar e cols. nossocstudo foi encol1trada SOllltnte nas erianças de
(1984, p.29), alguns valores enfatizados, tanto na escola publica, é possfvcl que este grupo de crianças
famllio como na escola durante o processo desocia- julgue merecedores de uma menor recompensa
linçlio da criança, e queparecenl ser semelhantes danos de tipo fisieo do que danos de tipo material.
em difcrentes eontell.tos culturais investigados. É Nas crianças de escola particular ambos os tipo~ de
pro ... lIvel que, independente do NSE correspon· danos foram julgados de fonna similar (fisico 4.]5
dente, exista uma tendência em avaliar os atosda "'5. material 4.24). Ponanto, é preciso que, nas futuras
criança a partir do nível motivacional da mesma investigações, se dê maior atençlo a esle llpo de
(inlencional versus acidental). Os pais, os profes· varill.vel, especialmente em eomparaçOes trans-
A.RUZlUI.G.llliiSlA.I.Sil"

culturais. E interessante observar que essas dife- sido acidental, mas não 110S exime da necessidade de
renças o entre dano tisico c o dano material, earac- compensar o dono do outro carro
terizando as histórias A e B, respectivamente, não Em terceiro lugar, confinnou-se, no grupo de
foram exploradas no estudo de Miller e MacCann crianças de escola particular, que as crianças mais
(1979). Nesse sentido, sugere-se que outros tipos de velhas consideraram o transgn:ssur com maior
danos sejam avaliados como, por excmplo, os scveridade que as mais novas. Apesar desta
psicológicos. ~unrlITIlaçil.o em nosso estudo envolvendo crianças
Em segundo lugar, apcsarde o transgressor de escola particular, este fenômeno nllo foi
intencional ter sido julgado com maior severidade observado no estudo de Alencar e cols. (1984). Estes
que o acidental, em ambos os grupos de crianças, últimos autores encontraram exatamente o oposto
observou-se que as crianças julgaram os atos considerando o nível de recompensa da vítima
intencionais como merecedo res de uma maior (crianças mais novas julgando a vitima mais
recompensa que as acidentais somente para o grupo merecedora de recompensa que as mais velhas).
de crianças de escola pública (e nllo de escola Dado que a extenslloda faiJla etária neste estudo era
particular). Enquanto Alencar e coI5.(1984) não menor do que no estudo de Alencar c colaboradores,
encontraram esta diferença, a mesma foi observada e possivel sugerir-se que esta tendência ocorra com
no estudo de Miller e MacCann (1979). Alencar e mais facilidade em crianças de escula p~rticul~r (a
colaboradores, ao discutircm estas diferenças entre variável que diferenciava a presente amostra do
os resultados, levantam a possibilidade de o tipo de estudo de Alencar e colaboradores). Por outro lado,
dano sofrido pela vítima ter sido relativamente leve, estc fenômeno tem sido sugerido por Miller e
ou o tipo de recompensa utilizada (o dinheiro) ser MacCann (1979) quando afirmam, com base em
uma fonna adcquada de compensação. Dado quc no investigações sohre o comportamento pró-social,
presente estudo as histórias eram idênticas, cstcs q~c a disposição da criança para responder às
questionamentos não procedem e levam a acreditar exigências e às necessidades dos outros deveria
que as diferenças possam estar relacionadas a ampliar-se com a idad~.
experiencia s6cioculturaldas crianças. Enquamoas Ao consideraras difcrcnças cncontradas entre
crianças de escola pública mostraram uma maior criançasdeescolapúblicaeparticulareaoconsiderar
preocupação em recompensar a vitima de um ato que estas duas amostras pertencem a estratos
intencional (4.27) do que a de um ato acidental sócioeconômicos diferentes, pode-se levantar a
(3.65), as crianças de escola particular nilo apre- hipótese de que tais discrepâncias sc devam a fatores
sentaram esta diferença e tenderam a recompensar da relativosãclassesocialeãexperiênciasociocultural
mesma forma tanto a vílima de aIOS intcncionais c educacional diferenciada que as caracteriza.
(4.43) como a vítima de atos acidentais (4.16). As Diferenças nllo somente em termos da classe social
crianças de escola particular, desta forma, respon- de origem (e.g., Boehm e Nass, 1962; Kohn, 1969;
deram de acordo com a norma-padrão vigente em Roaui e Dias, 1992), da cultura (e.g., Fonseca, 1987;
nossa sociedade, a qual nomom~ntodejulgaronível Panier BagaI, 1985) como também do estilo
de maldade do transgressor considera a inten- educacional (c.g., McKinlcy, 1964; Panicr Bagat,
cionalidade do sujeito mas, ao mesmo tempo, no 1977,1991) nào sào novidades na literatura, apon-
momento de recompensar as vítimas de ato tando para a necessidade de ulteriores aprofun-
acidentais não considera a intencionalidade das damentos.
pessoas. Por exemplo, o fato de bater sem querer no Concluindo, o principal objetivo do presente
carro de OUlra pessoa nos exime de eventuais estudo foi investigar o julgamento feito por crianças
responsabilidades morais pelo fato de a batida ter de diferentes níveis s6ciocconômicos de transgres-
sores e vitimas de injustiças. visando mdagar as Anmby, R. E. (1971). A ~ination or lhe deve·
loprnenl or monl Jlldgemenl!l ln children. Child
divergências e o grau de generalizaçlo dos resultados
fX>.elopmel1l,41.241.248.
encontrado nos estudos realizados por MIller e
Berg·Cross. L. G. ( 1915). Inlcnlionallty, dcgree or
MaeCann ( 1919), com uma amostra canadense, e
damage, and moral judgemenl!l. Child Del't!:lopnu!m,
Alencar e cols. (1984), com uma amostra brasileIra. 46.910·914.
Observou-se que os resultados encontrados, com
(Joehm. l.. (1951). Thc dc~elopmenl or independence: A
uma amostra de crianças brasileu as de escola pública comparatlve Sludy. Child ()e.-elopmenl. 18. 85-92.
e particular. foram. só em parte. parecidos com
Boehm, L.eNILU,M L.(1962).Socialclas.sdilTermcesin

,....
aqueles encontnldos nos estudos origmals. Dessa consciente de..-cJormtnl. Child ~\Vdopmenl, JJ,
forma. tanto as crianças canadenses como as crianças
brasIleIras julgaram o transgressor da condição
Durkbc:im. E. (1974a). L "educotionmoro/e. Paris: PUF
Intencional com maior severidade que o da condiçAo
Dw"khclm. E. (1974b). Saci%gie el philosophle. Pari,:
acidental.
PUF.
Entrctanto. no presente estudo. foi encon-
Fcldman. N. S.; Klosson, E. c,; Parsol1S, J, E; Rholes, W.
tradllliuma série de discrepáncias com 05 estudos de
S. e Ruble. O N (1916). Order of information
Millcre MacCann (1919) e Alencar c cols.(1984) pre~ntal,on and childrcn's moral judgcmcnts. Child
relativas ao tipo de dano tisico e material, ao tipo dc Developmem, 47, 556-S59.
recompensa de atos intencionais e acidentais, e ao
Fonseca. A C. (1987). Um estudo sobre o desen-
nlvel de severidade emjulgar o ato transgressor em volVImento monal da criança. R~mu Partl/gIIua de
funÇlO da idade. Tais discrepâncias nos resuhados Pedugogla. 11. 503-521.
dos estudos analisados sugerem a n«essidade de Freud, S. (1914) On /IlU{'uslSm Em CoIl«led _tr
continuar com replicaçõcs com grupos sociais (V0I. 15). t.ondon Ilog.arth
diferentes, como no presente estudo. le\ando em Freud. S (1915). lnslltrclS unJ lheir m,iulludu. 1:.'",
cont. um maior controle das histórias apresentadas, CoIl«l~ .."{/#"b (1'01 /5). London: Hoganh.
em te""os. tanto do tipo de dano envolvido (tisico. Freud, S. (1929). C;~lIlSo/ion ond i/II dlSconlen/1I Em
material, psicológico etc.), como do nlvel do dano Colleeledworb (Vai 1/). LondOl\: Ilogarth
(pequeno e grande) e do nlvel de sali~ncia da
Gruen, G. E.; Doherty, J. cCohcn.A. S. (1979). Thc mom]
intencionalidade do transgressor Enfim, como judgemcnts ofprc.sehool childn.:n. Thc Jo","ol 01
sugerido por Alencar e colaboradores. visto que em Prychology,IOI,281·291
nossa sociedade existe a tendência a preocupar-se Ila,dl,J.; Koller.S.II. eOias.M G. 8. B. (1993). AfTrcL
mais em punir o tnms· gressordo que cm compensar cultun:. and monhlY, OC' is ii wmng to eat your dos
as vitimas de injustiça, seria também de extrema -'-mal uf Pemmohry anil .rocwl PlIJ'CltoJogy, 6$,
Importlncia que fosse também comparado. mais 613-628
diretamente, o nível de gnlvidade da transgresslo Horrocks. J. E. (1976). The psycltology olodoluu/ICC
com o n["el de recompensa a serofcn..'Cida' vítima, Bo.Ilon;HoughlonMlmin.
visando explorar qual destes dois aspectos ê mais Keasey. C. B (1917). Voung ch1ldrcn', at1nbuuon of
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