Resumo da obra
Argumento da obra
O auto representa o julgamento das almas humanas na hora da morte.
No cais estão dois arrais, um conduz à Barca da Glória e outro à Barca do Inferno, por
onde vão passar diversas almas que terão de enfrentar uma espécie de tribunal, defender-
se e enfrentar os argumentos do Anjo e do Diabo que surgem como advogados de
acusação.
Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas
ordens sociais e denuncia a “podridão” da sociedade. Assim, a grande maioria das almas
são condenadas ao Inferno.
Personagens
Na didascália inicial também nos é apresentado todas as personagens que vão passar
pelo cais sendo elas: o fidalgo, o onzeneiro, o parvo, o frade, a alcoviteira, o judeu, o
Corregedor e Procurado e por último os quatro cavaleiros, e aquelas que as vão julgar o
Diabo mais o seu companheiro e o Anjo.
Podemos observar que o Diabo encontra-se muito alegre e confiante, pois certamente já
saberá que irá ter muitos remadores, por essa razão promove a sua barca, com
chamamentos e interjeições. Para que tudo esteja perfeito o Diabo vai dando uma série de
ordens ao companheiro, podemos ver assim que é autoritário, pois praticamente todos os
verbos estão no modo imperativo.
Elementos alegóricos
O cais onde se encontram as barcas - Fim da vida terrena. O local de passagem para a
outra vida.
Fidalgo
Símbolos cénicos
Paje - Simboliza a tirania e opressão que exercia sobre o seu povo.
Resumo da cena
O Fidalgo apresenta-se com toda a sua vaidade e presunção, ricamente
vestido.
Habituado a gozar de privilégios especiais, não coloca a hipótese de ir
para o Inferno, assim para justificar o seu direito a entrar na Barca
celestial, apresenta-se apenas ao Anjo na sua condição social, “ Sou
fidalgo de solar/ é bem que me recolhais.”
É acusado de viver a seu prazer, ou seja, fazer tudo o que queria, ser
tirano, vaidoso, materialista… Além disso, fora infiel à sua mulher, mas
Gil Vicente, na boca do Diabo denuncia também a corrupção da mulher
da corte. São satirizados, caracterizando a sociedade do seu tempo, a
hipocrisia, a falsidade, o fingimento, a infidelidade da mulher da corte.
O Fidalgo ao longo da cena vai mudando o seu estado de espirito, de acordo com a
evolução do seu julgamento. Começa por ficar surpreendido, incrédulo passando
por momentos de ingenuidade, acabando por se resignar à sua sorte.
Os dois arrais utilizam argumentos de acusação e o fidalgo contrapõe com
argumentos de defesa. Gil Vicente condena toda uma classe social, através desta
personagem tipo, visível na fala do Diabo quando este afirma que o pai do Fidalgo já
tinha embarcado na sua barca.
Como sentença final, o fidalgo embarca na barca do Inferno e o paje não entra em
nenhuma das barcas pois representa um elemento do povo, a principal vítima da
opressão da nobreza.
Onzeneiro
Símbolos cénicos
Resumo da cena
Apresenta-se com um bolsão que ocupa quase toda a Barca, mas
informa-nos que vai vazia. Roga ao Diabo que o deixe voltar ao
Mundo para ir buscar os seus bens, mostrando assim o
materialismo, a ganância, a ambição que povoa o seu coração.
No entanto, apresenta-se em cena tão pobre que nem sequer tem
dinheiro para pagar ao barqueiro.
Símbolos cénicos
A personagem não transporta símbolos cénicos, pois tudo o que fez foi sem
consciência alguma.
Resumo da cena
Apresenta-se com toda a sua simplicidade, ingenuidade e graça,
autocaracteriza-se perante o Diabo como tolo. Queixa-se por ter
morrido mas há descontração nas suas atitudes e apenas se irrita
quando percebe que o Diabo o quer levar para o Inferno. Os
insultos que profere revelam o seu caráter de pobre de espírito. Ao
apresentar-se perante o Anjo sintetiza toda a sua simplicidade ao
afirmar que é “Samica alguém”.
Sapateiro
Símbolos cénicos
Avental e as formas de sapatos - Representam os anos que enganou os seus
clientes.
Resumo da cena
O Sapateiro é acusado pelo Diabo de roubar o povo, este não nega e
começa a citar em sua defesa, o cumprimento de preceitos religiosos:
É o Diabo quem o elucida que tudo isso nada abona em sua defesa, uma
vez que praticava o mal.
A crítica desta cena está na verdade que os preceitos devotos só ajudam os que levam uma
vida honesta.
Frade
Símbolos cénicos
Resumo da obra
Chega ao cais a dançar e a cantar, mostra-se alegre e amigo de se divertir.
Começa por se assumir como “cortesão”, frequentador da corte o que revela
o seu lado mundano e pouco dado a clausuras próprias da sua condição de
frade. Essa sua característica é confirmada quando afirma saber dançar e
esgrimir, atributos de jovens galantes nobres. Não é um frade que tivesse
cumprido os votos de pobreza e castidade como se comprova pela moça que traz. Parece
ter se limitado a fazer o que os outros frades faziam, com a arrogância de quem pensava
que tudo lhe era permitido só por ser membro da Igreja.
Em suma, a intencionalidade crítica desta cena é apontar a devassidão do clero, o
materialismo e a corrupção dos valores da Igreja; o caráter artificial das orações e a cópia
dos costumes da Igreja.
Símbolos cénicos
Hímenes postiços, arcas de feitiços, armários de mentir, furtos alheios, joias de vestir, guarda-roupa
de encobrir, casa movediça, estrado de cortiça, coxins e moças - Estes elementos representam a
exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro e a sua atividade de alcoviteira ligada à
prostituição.
Resumo da Obra
Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular.
Brízida caracteriza-se a si própria, pois fala tanto sobre a sua atividade que não é
necessário lembrar-lhe dos pecados que cometeu.
Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer ir
para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito
martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e
até que as vendia aos cónegos da Sé, argumentando que servia a igreja, deveria
ir para o Paraíso.
Esta cena tem a intencionalidade crítica de denunciar a corrupção dos valores, criticar o lenocínio e
depravação do clero.
Judeu
O Judeu representa a religião e pretende salientar como os Judeus eram mal considerados
pelos cristãos.
Símbolos cénicos
Bode- Representa o apego à sua religião.
Resumo da Obra
O Judeu apresenta-se em cena com o bode às costas, símbolo do apego
à sua religião. Dirige-se ao Diabo, pois ao contrário das outras
personagens ele sabe que é condenado, que lhe recusa a passagem,
tentando o Judeu entrar através do seu dinheiro, o que revela outro
caráter dos Judeus – o apego ao dinheiro.
Corregedor e Procurador
O Corregedor e o Procurador aparecem juntos em cena, para
por um lado quebrar a monotonia e por outro para alargar a
crítica a todos os que trabalham com leis. Representam, assim a
classe dos magistrados, criticando o funcionamento da justiça.
Símbolos cénicos
Corregedor
Procurador
Resumo da Obra
Esta cena forma um amplo quadro de justiça humana, que Gil
Vicente opõe à justiça divina.
O Corregedor é quem se apresenta primeiro em cena, no diálogo com o Diabo, mostra-se
convencido de que a sua posição social o irá salvar. Seguidamente aparece o Procurador,
que vem auxiliar o Corregedor, mostrando assim a cumplicidade que existia nos membros
da justiça.
Ambos dialogam com o Diabo em latim deturpado, que tem função cómica e
caracterizadora. A principal acusação que o Diabo lança ao corregedor e a de não ter sido
imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até de Judeus.
O principal argumento de defesa dos dois é a sua posição social, argumentando também
com o facto de dizerem que agiram sempre segundo a justiça e quando o Diabo acusa o
Corregedor de aceitar as dádivas dos Judeus, este desculpa-se com a sua esposa,
afirmando que ele não tinha nada a ver com isso.
Gil Vicente também foca a confissão das almas, pouco antes de falecerem: o Corregedor
confessou-se, mas ocultou todos os seus pecados e o Procurador, nem sequer se
confessou.
Ambos são condenados ao Inferno e no fim o Corregedor fala com Brízida Vaz (Alcoviteira),
pois conhece-a dos problemas com a justiça.
Enforcado
O Enforcado representa as vítimas da justiça.
Símbolos cénicos
Baraço ao pescoço – Este elemento representa a sua vida terrena vil e corruptível. A
forma como morreu.
Resumo da Obra
O Enforcado trata-se de alguém que em vida preso e condenado à morte.
Foi enganado por Garcia Moniz que o teria convencido que iria para o
Paraíso visto ter-se já purificado, na prisão do Limoeiro, dos pecados
cometidos. Assim podemos dizer que esta personagem nos aparece aqui
como vítima, quem será verdadeiramente criticado é Garcia Moniz por
ter induzido em erro o enforcado sabendo que não havia solução possível para ele.
Gil Vicente põe-nos face a uma personagem de responsabilidade que enganava os mais
fracos, como o enforcado, personagem sem vontade própria que se deixa enganar.
Quatro Cavaleiros
Os Quatro Cavaleiros representam aqueles que combatiam pela fé cristã.
Símbolos cénicos
Cruz de Cristo – Simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.
Resumo da Obra
Aparecem em cena apregoando uma cantiga que lembra ás pessoas
que ficaram em Terra a necessidade de passarem por aqueles barcos e
como a vida é uma passagem. Nesta cantiga está contida a moralidade
da peça, que é o facto de a vida ser uma transitoriedade e de termos de
ser julgados ao chegar aquele cais.