Cinco moradoras de pensão que pode ser demolida para construção do novo
hospital de referência em saúde das mulheres foram à Promotoria de Habitação
e Urbanismo, no Ministério Público, na sexta-feira (10/11). Elas procuram
informações sobre o projeto que ronda suas casas desde 2013, e também ajuda
para não terminarem na rua.
Uma de suas vizinhas, Silvana, tem sentido fortes dores de cabeça todos os dias
desde que ouviu dizer que o despejo estaria próximo. Ela vive há 10 anos na
mesma pensão, no Largo Coração de Jesus, em Campos Elíseos. Todos os 19
“quartos” do pequeno prédio estão ocupados, com uma média de três pessoas
por cômodo e um total de cinco crianças. O último aluguel que pagou foi em
novembro de 2016, quando o responsável pela cobrança sumiu. Agora, chegam
cobranças de IPTU que se acumulam e estão com medo de cortarem luz e água.
Ela sabe pouco sobre o projeto para o terreno onde mora. Lembra apenas que
por volta de 2013 homens de calça e camisa social entraram na sua casa, tiraram
fotos e fizeram perguntas do tipo “quantas pessoas vivem aqui”, “quanto você
ganha”. Não anotaram nada, foram embora e nunca mais ouviu falar deles.
Depois, tudo o que soube sobre o projeto foi fofoca. Acha que o imóvel foi
vendido pelo proprietário ao governo do estado em março de 2016. Mesmo
assim, o responsável pela cobrança dos aluguéis, que não era o dono do imóvel
mas possivelmente o locatário oficial, continuou cobrando aluguel dos
moradores até o fim daquele ano. Como o maior proprietário da quadra, uma
empresa que representa fabricantes internacionais de pneus, vai tirar os
equipamentos e esvaziar o lote na próxima sexta-feira (17/11), Silvana teme que
os caminhões também parem na sua porta para levar tudo o que ela tem.
O documento indica que seu imóvel foi desapropriado por “utilidade pública” e
que o valor do bem determinado pela Fazenda do Estado está depositado em
juízo. Ele diz que este dinheiro não é suficiente para resolver a moradia da
família inteira e que para comprar outra coisa é preciso ter dinheiro na mão e
não depositado numa conta inacessível. “Agora é assim, o que é nosso não é
nosso. Tem que sair sem querer, tem que aceitar o dinheiro que eles [o governo]
pagarem”.
Medo
O decreto de utilidade pública de sua casa foi emitido pelo governador em 2013
(nº 59.217 de 21 de maio). A primeira vez que Fernando ouviu falar desta
ameaça foi há dois anos, depois mais nada. Agora está bastante preocupado.
“Diz que chega um caminhão, encosta e começa a tirar tudo. Acho que isso é
uma crueldade muito grande, chegar e tirar as coisas assim e botar as pessoas
na rua. A gente fica de mãos atadas. 30 dias não dá nem pra encontrar uma
casa”.
Um pouco mais perto da esquina é o bar do Seu José que está na mira dos
tratores. Ele está nesta quadra há apenas sete meses. Antes, seu bar ficava ali
perto, na Al. Dino Bueno, até ser emparedado pela prefeitura junto com todos os
comércios e quase todas as pensões nas imediações depois da operação policial
contra a “Cracolândia”. “Agora vou viver como passarinho, de galho em
galho?”, comenta no balcão do novo endereço.
Encontramos mais moradores apreensivos na Al. Glete. Renata, que mora ali há
seis anos, se surpreendeu com a ordem para abandonar sua casa junto com os
oito filhos e todos os vizinhos que ocupam os nove cômodos de um edifício
antes abandonado. “Eu achava que ia ser um pouco mais pra frente, mas,
infelizmente, parece que veio atingindo todo mundo, né”. O documento
recebido por ela, no entanto, não determina um prazo para desocupação do
imóvel.
Até quem não recebeu os documentos está preocupado. É o caso de Cássia, que
vive com filhos e marido num barraco dentro de um antigo galpão ocupado, na
Av. Rio Branco, por ex-moradores da Favela do Moinho. Tudo que é novo ali é
feito de tapume, tábuas e ripas de madeira, e o pé-direito é tão alto que só tem
teto individual quem cedeu o espaço sobre seu barraco para outra família.
Quando isto acontece, tábuas de madeira fazem o piso e uma escada simples no
corredor permite acesso independente ao que poderia ser considerado um
mezanino. Este ainda não é caso de Cássia – deitada em sua cama ela vê as
telhas de barro e o madeiramento do telhado do sobrado, ainda chamuscado
pelo último incêndio. No prédio vivem hoje 77 famílias. Apesar de não terem
recebido nenhuma notificação oficial, foram ao batalhão policial mais próximo
para se certificar de que não existe reintegração agendada. O inquilino do bar
que ocupa o térreo do prédio foi ao Fórum e também não encontrou nada.
Incerteza
Ilegalidades
Basta atravessar a rua para ver uma história um pouco diferente. As quadras 36
(do hospital), 37 e 38 fazem parte da mesma ZEIS. No entanto, em julho foi
eleito um conselho gestor restrito apenas as últimas duas quadras. A intenção
de prefeitura é desapropriar os imóveis, demolir todas as construções que não
forem consideradas patrimônio histórico e entregar os terrenos para o governo
do estado construir prédios habitacionais. O Conselho Gestor das quadras 37 e
38 foi constituído por exigência do Ministério Público após uma ação
desastrada e violenta por parte da prefeitura, que feriu pelo menos três pessoas
dentro de seus quartos numa pensão enquanto demolia o imóvel vizinho.
Agora, antes de qualquer nova demolição ou remoção na região da
“Cracolândia”, moradores e conselheiros discutem como será a transformação
da área e como será o atendimento habitacional das famílias que vivem ali.
Uma opção seria constituir um único conselho gestor de toda a ZEIS, para que
todos os moradores pudessem participar da discussão sobre o destino do seu
bairro. Conselheiros tem insistido nisto desde o início. O Ministério Público
também já protocolou Ação Civil Pública neste sentido. A prefeitura, mesmo
assim, se recusa a ampliar o conselho gestor de Campos Elíseos, e agora vemos
o efeito na vida dos moradores. Inclusive de mulheres como Silvana que,
ironicamente, já sofre com enxaquecas pelo medo de perder sua casa para a
construção de um hospital público referência em cuidados com a saúde da
mulher.
13 de novembro de 2017 / Campos Elíseos, Posts, São Paulo / cracolândia, fluxo, observando de
perto, pesquisa-ação, violação de direitos / Leave a comment
Participantes adicionam adesivos no mapa que representa parte de Campos Elíseos, Santa Efigênia, Luz
e Bom Retiro.
A primeira parte da atividade foi uma conversa com a professora Beatriz Kara
José, que ao longo de sua apresentação traçou a trajetória das intervenções
estatais no território desde os anos 1970. Sua fala evidencia que não é de hoje
que grandes projetos de transformação do centro da cidade de São Paulo se
apoiam nas supostas degradação e esvaziamento da região, uma narrativa que
justificou planos e intervenções nas últimas décadas que ao invés de resolver
problemas reais da região, aprofundaram o descaso com a população pobre que
vive, trabalha e circula por lá. Para ouvir a fala completa acesse o link.
A professora de planejamento urbano Beatriz Kara José fala sobre projetos de intervenção na área
central nas últimas décadas.
Desenhão coletivo
Ainda assim, como Paulo Rogério, morador de uma pensão na Al. Dino Bueno,
disse ao Observatório logo após uma reunião com a prefeitura no fim de junho,
“O problema de lá se reflete aqui. Tanto é que o policiamento tá tudo ostensivo
aqui por causa daqueles dois quarteirões. O problema é só aqueles dois
quarteirões [onde está a cracolândia], mas a região toda tá sofrendo, a região
toda sofre”.
“Não. Agora tá chegando em mim. Se eu mudar pra outro quarteirão, que seja
neste perímetro, amanhã eu vou ter outro problema de novo. Ou seja, tá
trabalho de formiguinha, onde eu tô indo eles tão indo, onde tô eles tão. Então
tem que ir pra longe daqui. Daqui a pouco tá tudo no chão. E você tem que ir, e
você tem que ir. E o problema tá indo atrás de você.”
Tempo de violações
Uma das ações vinculadas ao Nova Luz foi a “Operação Limpa Cracolândia”,
que dispersou os usuários e demoliu uma série de imóveis em uso. A antiga
rodoviária foi demolida neste contexto, quando já havia virado um shopping.
Após a demolição, o grande terreno permaneceu vazio por cerca de sete anos.
MAPA 2005-2008
Durante a tentativa de implantação do projeto Nova Luz, a Favela do Moinho
também sofreu uma série de incêndios. Ali residem inúmeras famílias em
situação precária, apesar da área ser uma Zona Especial de Interesse Social
(ZEIS 3) desde 2004.
MAPA 2009-2012
O ano de 2012 é marcado pela“Operação Sufoco” e a consequente “procissão do
crack”. Quando policiais militares e guardas civis metropolitanos reprimiram
violentamente o “fluxo”, usuários foram obrigadosa circular pela região para
conseguir fazer uso da droga. A partir de então, verifica-se um deslocamento
das ações de repressão para o entorno da Rua Helvetia. Foi ali onde o fluxo se
instalou depois das operações policiais do Nova Luz.
MAPA 2017
Nota metodológica:
“Agora é assim, o que é nosso não é nosso. Tem que sair sem querer, tem que
aceitar o dinheiro que eles [o governo] pagarem”, diz um homem de 60 anos
que vive e trabalha no mesmo imóvel desde que nasceu, na Al. Barão de
Piracicaba. Seu bar e sua casa, que divide com irmãos, filhos e netos,
aproximadamente 22 pessoas, devem ser demolidos pela PPP do novo hospital.
Ele, no entanto, não pôde participar da eleição do Conselho Gestor. Apesar de
viver na mesma Zona Especial de Interesse Social (Zeis) das quadras 37 e 38, a
prefeitura entende que o conselho deve ser constituído apenas pelos moradores
atingidos pela PPP Habitacional.
15 de agosto de 2017 / Campos Elíseos, São Paulo / cracolândia, fluxo, observando de perto /
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