INTRODUÇÃO
Para Ramos,
Com a aplicação desse decreto, foi reforçado o dualismo entre a formação geral e a
formação profissional, característico da educação profissional brasileira, mantendo em sua
estrutura a separação entre a formação geral - propedêutica - destinada a preparar para o
ingresso no ensino superior, e a formação técnica, dedicada a preparar para o mercado de
trabalho imediato. Para Cêa (2007, p. 164), a partir da implementação do Decreto Nº
2.208/97, tal dualidade tornou-se, legalmente, “[...] uma prescrição oficial a ponto da
“educação profissional” configurar-se, predominantemente, como um subsistema no interior
do próprio sistema público de educação, voltado para a formação do trabalhador, sem a
promoção da elevação dos níveis de escolaridade [...].” A educação profissional passou a
funcionar como artifício compensatório alternativo aos ensinos regulares, em especial como
contensão ao ensino superior. Este, juntamente com a educação profissional de nível técnico
teve sua oferta fortemente articulada com o setor privado.
Junto com a separação dos ensinos médio e técnico foi lançada, no contexto da
reforma, a modularização dos currículos, tendo em vista que, segundo as novas diretrizes
curriculares, a possibilidade de itinerários formativos diferenciados libertaria os estudantes da
rigidez encontrada até então, nas habilitações mais extensas, vinculadas ao Ensino Médio.
Nesse contexto, até 1999 a Unidade Florianópolis ainda ofereceu vagas para os cursos
técnicos integrados; porém, no ano 2000, efetivou-se a separação dos cursos, com a oferta do
Ensino Médio propedêutico e de cursos técnicos apenas nas modalidades sequencial e com
concomitância interna, ou seja, para alunos do próprio Ensino Médio da instituição, embora
com poucas vagas para esta modalidade.
A manutenção dos cursos integrados até 1999 constituiu-se um dos pontos
determinantes de resistência da instituição à reforma, ainda que tenha se verificado um
decréscimo significativo no número de vagas disponibilizadas pela escola aos egressos do
Ensino Fundamental, ocasionado pela separação obrigatória dos cursos. Os projetos dos
novos cursos foram elaborados por comissões instituídas por portarias institucionais e, mesmo
durante esse período, se constatou o descontentamento de parte dos educadores, pois, para
além da extinção dos cursos integrados, passava a existir o desenvolvimento de um curso de
Ensino Médio propedêutico, dentro de uma instituição de educação profissional, o que
descaracterizava sua identidade.
“Uma das coisas que me preocupava muito, até por ter vivenciado aqui a
questão do ensino integrado, [...] eu via a preocupação nessa mudança, de
fazer uma coisa que a gente achava que fazia bem feito e que tinha tradição,
para uma outra, que não sabia exatamente quais seriam as consequências.
Então, hoje, eu tenho certeza de que a gente estava certo de ficar com o pé
atrás.”
“A visão que a gente tinha era de que o governo queria diminuir custos,
isso era forte! Era uma coisa muito de que queria enfraquecer a educação
profissional. [...] Era um tipo de política que tinha um viés de enfraquecer
as instituições públicas. [...] Como não consegue terminar com as escolas
técnicas federais, então era uma maneira de fragilizar.”
Não obstante alguns entrevistados afirmarem que a maioria do corpo docente tinha
consciência do panorama político-ideológico da reforma, outros reconhecem que parte do
corpo docente se mostrou um tanto ausente do processo, em termos de compreensão do
contexto.
Acerca das posturas adotadas diante da reforma infere-se que se nos primeiros
momentos a ETF-SC posicionou-se de forma intensamente adversa à sua implementação, em
nova situação de gestão o discurso transportou-se para o imperativo da reforma, atribuindo ao
MEC a determinação pela efetivação de seus preceitos e, trazendo para o contexto da escola, a
reforma como possibilidade exclusiva para a educação profissional desenvolvida na Rede
Federal. Lima Filho (2003) refere-se a esse processo de aderência às medidas da reforma
como um processo de “adesão negociada.” Essa linha de argumentação foi destacada por
alguns entrevistados referindo-se à fragilidade da direção em acatar os direcionamentos
reformistas do MEC: “[...] essa foi a política adotada e, por incrível que pareça, nesse
momento, pela fragilidade, a direção [...] efetivamente se aninhou, sem nenhum processo de
enfrentamento, com a equipe da SEMTEC, a Secretaria de Educação Média e Tecnológica.”
Pelos depoimentos, verificou-se que os atores institucionais interagiram com a reforma
por diferentes mediações, uns mais ativamente, outros de forma menos perceptível e outros
até de não envolvimento, assinalando as saídas construídas pela instituição para materializar a
reforma em função de suas características.
“O Decreto N° 2.208/97 veio com força, não porque houve um aceite a suas
concepções, mas ele veio com força porque veio acoplado a um sistema de
financiamento do PROEP. [...] Não houve alternativas para os
coordenadores de curso, senão, entrarem com projetos para abrirem cursos
do PROEP [...]. Ou aderem ou fecha o curso, ou não amplia. Essa era a
perspectiva da nossa rede. [...] o PROEP deixava claro que os cursos para
serem implantados tinham que ser sequenciais.”
É importante enfatizar que a base para a escolha dos projetos institucionais a serem
beneficiados pelos recursos do PROEP era diretamente vinculada à adesão à reforma, isto é,
os projetos que apresentassem proposições relacionadas ao ensino médio eram rejeitados.
“Nós fizemos por nós mesmos. Entramos nos grupos que elaboraram os
novos currículos e fomos aprendendo a fazer juntos. Trocávamos ideias com
pessoas de outros grupos e fomos fazendo como achávamos que deveria ser.
Sempre nos baseávamos nas legislações e na experiência acumulada dos
envolvidos. Só alguns meses depois, veio do MEC um documento
apresentando os itens que deveriam compor os planos de curso.”
Essa liberdade a princípio foi mal recebida entre os educadores por ter gerado muita
insegurança, porém, num momento posterior agradou por possibilitar que cada equipe
elaborasse os planos de cursos em conformidade com as expectativas e experiências dos
grupos de professores que comporiam o corpo docente de cada curso. Entretanto, depois que
os cursos começaram a ser desenvolvidos, a instituição percebeu toda a diversidade
pedagógica que compunha seu espaço. Sobre essa questão, um dos educadores assim se
expressa: “[...] você já não tinha mais uma escola, mas quatro, cinco escolas.”
Considerações finais
Referências bibliográficas
CÊA, Georgia Sobreira dos Santos (Org.). O estado da arte da formação do trabalhador
no Brasil. Pressupostos e ações governamentais a partir dos anos 1990. Cascavel:
EDUNIOESTE, 2007.
______. Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo: Cortez, 2000
LIMA FILHO, Domingos Leite. Impactos das recentes políticas públicas de educação e
formação de trabalhadores: desescolarização e empresariamento da educação profissional.
PERSPECTIVA, Florianópolis/SC, v.20, n.02, p. 269-301, jul./dez. 2002.
Notas
1 Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Linha de Pesquisa História e
Historiografia da Educação. Servidora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.
2
Qualidade, excelência, produtividade, competência, eficácia e eficiência foram alguns conceitos incorporados
às ações educativas/pedagógicas a partir da lógica empresarial assumida pela educação pública no contexto da
reforma, particularmente a educação profissional.
3
A socióloga Helena Hirata define o trabalho precarizado como “o trabalho que não tem proteção social, não
tem garantias como aposentadoria, seguro-desemprego, seguro-saúde. Outro indicador é que ele tem poucas
horas de trabalho o que significa uma renda menor. Um trabalho com pouca renda não pode ser um trabalho
seguro. Um terceiro indicador do trabalho precário é a falta de qualificação que também gera baixa
remuneração.” (MARIUZZO, 2006).
4
A Rede Federal de Educação Tecnológica no momento da Reforma da Educação Profissional era composta
pelas Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs).
5
Dada a primazia do BM no atendimento ao ensino fundamental, o BID passou a ocupar o lugar daquela agência
no financiamento da educação profissional brasileira a partir dos anos 1990. (LIMA FILHO, 2004).
6
Fonte: MEC/Inep.