Professor — Bom dia. Vamos lá a saber: que andou o menino a fazer, para vir atrasado?
Tonecas — Sim, senhor. É que... é que... Fui fazer um recado à minha mãe...
Tonecas — Fui... fui comprar um litro de vinho para temperar o carneiro branco guisado da
perna!
Tonecas — Exactamente!
Professor — Não é isso! Vem a propósito a trapalhada que fez, porque me dá ensejo de lhe
fazer algumas perguntas sobre Gramática. Como sabe, o estudo da Gramática é indispensável
a quem pretende falar e escrever com a devida correcção.
Tonecas — Sem dúvida... Mas como eu não tenho essa pretensão porque, felizmente, não sou
nada pretensioso, o melhor é não pensarmos nisso. (Ri)
Professor — Já é preciso atrevimento!... Com que então o menino põe e dispõe, sem se
lembrar que deve obediência a seus pais e respeito ao seu professor?...
Professor — Silêncio!... Não percamos tempo com controvérsias!... Ora, diga-me: sabe o que é
palavra?...Tonecas — Palavra?... Professor — Sim, Palavra! Sabe o que é?
Professor — Eu logo vi! Então o menino não se envergonha de não saber o que é Palavra?
Tonecas — Confesso que não, senhor professor. Eu não oiço senão dizer a toda a gente que
palavra é uma coisa que já não existe...
Professor — Mau! Não venha outra vez com as suas confusões!... Palavra, em Gramática, é a
sílaba ou a reunião de sílabas que, pronunciada ou escrita, forma sentido. Por exemplo:
soldado.
Professor — Silêncio, menino! Eu disse: soldado, como poderia ter dito outra palavra qualquer.
Ora, os sons duma língua são representados por sinais, não é assim?...
Tonecas — Evidentemente!
Professor — Pois claro que são letras!... E, agora, preste muita atenção: com o conjunto das
várias letras arranja-se... O quê?...
Tonecas — Arranja-se...
Professor — O alfa...
Tonecas — Sim, senhor!... O meu pai, quando me mandou fazer este fato, só arranjou alfaiate
a troco de várias letras...
Professor — E que não viesse a trapalhada do costume!... Não me refiro a essa espécie de
letras: letras de câmbio. Aludi às letras, sinais, símbolos. E é a essas que eu quero que aluda!
Tonecas — Mas...
Professor — Caluda!
Professor — Sem dúvida! E o culpado é o menino. Dizia eu que o conjunto de todas as letras
forma o alfa...
Tonecas — O alfa...
Professor — Ora, as letras dividem-se em dois grupos: umas, são vogais; as outras, são con...
Tonecas — Con...
Professor — Também eu! E cada vez me convenço mais de que não ganho nada com isso!...
Consoantes, foi o que eu disse! Ora, o menino, é capaz de distinguir as consoantes das vogais?
Professor — O quê?...
Professor — E R?
Tonecas — E quê?...
Professor — Valha-me Deus! O menino tem tal vocação para as confusões, que chega a
defendê-las com certa lógica! Preste atenção, por favor: a letra r, como todas as outras, com
excepção de a, e, i, o, u, é consoante. Percebeu?
Professor — Mas há letras que não têm sempre o mesmo valor: por exemplo, o A pode ser
aberto ou fechado, conforme a palavra em que se encontra.
Tonecas — Senhor professor: o meu gato encontra-se fechado na capoeira, porque roubou
duas postas de peixe-espada de cima da mesa da cozinha!...
Professor — Mas que tenho eu com o seu gato? Está sempre a pensar noutras coisas!... O a da
palavra gato é aberto, percebeu? Em fama, por exemplo, é que já é fechado! Ora a letra E tem
mais valores: pode ser aberto, fechado, mudo... Na palavra feliz, que valor tem?... É mudo?...
Professor — Isso sei eu! Mas é só para dizer disparates! Quando pergunto se é mudo, não me
refiro ao menino. Refiro-me ao e de feliz... É mudo, menino, é mudo!
Tonecas — Coitadinho!...
Professor — O menino não sabe nada disto! Mas o meu dever é interrogá-lo até ao fim.
Tonecas — Mas, ó senhor professor, porque é que não falta um dia ao seu dever? Uma vez não
são vezes!...
Professor — Silêncio, menino! Essa maneira de pensar define bem o seu critério de cábula
consumado!
Responda com acerto às minhas perguntas. Ora, o menino tem obrigação de saber que as
letras consoantes se dividem em vários grupos, a saber: labiais... dentais... dento-labiais... E
que mais?...
Professor — Isso era bom, era! Ora vamos: labiais, dentais, dento-labiais... e... pá...
Professor — Quais pardals! Um bom pardal me saiu o menino!... Palatais! Percebeu?... E que
mais?...
Tonecas — O quê? Ainda há mais?... Ó senhores! Com tantos ais, isto não é uma aula; é um
hospital!...
Professor — Vamos! Ainda faltam dois grupos. Quais são eles?... Linguais e guturais!
Professor — Ora, as consoantes palatais, são assim chamadas porque, para as pronunciar,
somos forçados a encostar a língua à abóbada palatina. O menino! Para onde está a olhar?...
Que foi que eu disse?...
Tonecas — Exactamente!
Tonecas — À abóbora-menina!...
Tonecas — Se calhar é algum estabelecimento novo!... Eles, agora, arranjam uns nomes tão
estapafúrdios!
(Ri)
Tonecas — Credo!... Eu tenho isso na boca?... Então, tire--me, senhor professor, tire-me
depressa! Que medo!...
Professor — Parece impossível que a sua ignorância chegue a esse ponto!... A abóbada
palatina é aquilo a que mais vulgarmente se chama céu da boca\...
Professor — Não acredito, mas enfim... E, agora, para terminar, falemos dos ditongos. Ora os
ditongos são orais e nasais, não é verdade?...
Professor — Por consequência, não pode haver trapalhada. Preste, contudo, a máxima
atenção: nas palavras pai, fugiu, mau, escarcéus, judeus, os ditongos são... São quê?...
Tonecas — São...
Professor — O...
Tonecas — O...
Professor — Bem. Vejamos agora. Nestes casos: tubarões, Guimarães, alemães, são...?
Tonecas — São...
Professor — Naz...
Professor — Basta, menino! Estou farto de aturar os seus disparates!... E para não perder o
resto da paciência que ainda tenho, dou por terminada a lição de hoje!
Professor — Pode. Mas veja lá, menino. Para a próxima vez estude um bocadinho, sim?
FIM
As Lições do Menino Tonecas
- Muito bem. Vamos passar para os verbos. Na frase: “ Hoje está muito sol.”, onde está o
verbo? - perguntou o professor.
- Ó professor, eu acho que anda a ver mal o boletim meteorológico. É que a previsão do
tempo para hoje é de céu nublado de manhã e aguaceiros à tarde! - respondeu o menino
Tonecas.
- Menino Tonecas! Pare por favor com essas piadas! Está a desconcentrar a turma! - berrou
o professor.
- Desculpe, professor, mas foi a minha mãe que me disse! Se a previsão estiver mal, é
melhor ligar à minha mãe! - esclareceu o menino Tonecas. -Ela pode depois ir verificar o
boletim!
- Acabou-se! Mais uma piada e vai para a rua! - avisou o professor. - O melhor é agora
passar para os adjetivos. Na frase: “ O João marcou um grande golo.”, qual é o adjetivo?
- O professor enganou-se! O João hoje estava a jogar à baliza! - atirou o menino Tonecas. -
Ainda por cima, o João não é lá grande avançado! Ele falha muitas vezes!
- Isso não interessa! - exclamou o professor. - O que eu quero saber é qual é o adjetivo
naquela frase!
- Está bem! - disse Tonecas, aceitando a troca. - Muito bem, na frase: “ O menino Tonecas é
aluno.”, os nomes são: aluno, menino e Tonecas. Verdadeiro ou falso?
- É que o menino Tonecas agora não é aluno! É professor! - exclamou o menino Tonecas.