Anda di halaman 1dari 145

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES

PRISCILA LOPES BOMFIM MUNIZ

LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO:


aplicação de estratégias básicas de aprendizagem

RIO DE JANEIRO
2012
PRISCILA LOPES BOMFIM MUNIZ

LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO:


aplicação de estratégias básicas de aprendizagem

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Música, Escola de
Música, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Música.

Orientadora: Profa Dra Miriam Grosman

RIO DE JANEIRO
2012
AGRADECIMENTOS

A Deus, criador da música, que abriu portas e arquitetou as circunstâncias


para que a habilidade da leitura à primeira vista fizesse parte da minha carreira
musical.
À Profa Dra Miriam Grosman, professora associada da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, pela dedicação com que orientou este trabalho, pelo altruísmo
demonstrado ao transmitir seus ensinamentos, por seu incentivo e pelo estímulo à
reflexão.
Ao meu esposo, Rodrigo, pelo apoio incondicional e por abrir mão de um
tempo de qualidade ao meu lado, sem me fazer sentir culpada por isso.
Ao meu pai, Oswaldo, que nunca mediu esforços para me proporcionar um
aprendizado musical de qualidade.
À minha mãe, Maria Stela, por seus conselhos, suas revisões, e por me
ajudar a não desistir.
Á minha irmã, Suzana, porque, mesmo a distância, colaborou para a
finalização deste trabalho.
Aos alunos dos cursos de música da UFRJ participantes desta pesquisa, que
foram instrumentos de valiosas experiências.
Aos pianistas especialistas entrevistados, por compartilharem sua experiência
musical e confirmarem a relevância do tema escolhido.
Aos membros da banca examinadora, por sua honrosa participação e
contribuição.
Aos amigos que me impulsionaram a prosseguir.
Uma boa leitura à primeira vista
é algo que é adquirido
e requer não somente talento,
mas também exercício e experiência.
O fator determinante é, sem dúvida,
interesse e amor pela música.
NEUHAUS
RESUMO

Este estudo tem como foco de investigação o processo de aquisição e


desenvolvimento da leitura à primeira vista ao piano, em uma perspectiva acadêmica
e profissional. Visa discutir a sua relevância, bem como as estratégias e recursos
para a aquisição e o desenvolvimento dessa habilidade. Para a conceituação da
terminologia e discussão dos critérios de avaliação de uma boa leitura à primeira
vista parte-se de uma revisão de literatura, acrescida de depoimentos de pianistas
especialistas atuantes na área de correpetição e de testemunhos acerca do uso da
leitura à primeira vista ao longo da história da música. O domínio de escalas, arpejos
e dedilhado, o estímulo visual provocado pela partitura, suas reações motoras, o
domínio espacial do teclado, o reconhecimento de padrões e unidades e a
compreensão rítmica são descritos como fatores relevantes e estratégias para a
leitura à primeira vista. A observação e a ação direta com alunos dos cursos de
piano da Universidade Federal do Rio de Janeiro serviram como aplicação das
estratégias básicas de aprendizado da leitura à primeira vista ao piano. Os
resultados verificados são apresentados, descritos e interpretados ao final desta
dissertação.

Palavras-chave: Leitura à primeira vista ao piano; padrões; chunks; domínio


espacial do teclado; compreensão rítmica; domínio de escalas.
ABSTRACT

This study’s investigation focus is the acquisition process and sight-reading


development at the piano in both academic and professional points of view. It also
has the objective to discuss not only its relevance, but also the strategies and
resources for this ability development. Terminology’s concept and discussion of the
criteria to evaluate a good first-sight reading are based on a specialized literacy
revision complemented by the speech of specialized pianists active on the co-
repetition field and testimonies about the first-sight reading across the History of the
Music. The mastery on scales, arpeggios and fingering, the visual stimulation caused
by the score and its motion reactions, the spatial dominion of the keyboard, the
recognition of patterns, units and the rhythmical comprehension are described as
relevant factors and strategies for the sight-reading. Observation and direct action
with the Federal University of Rio de Janeiro piano course students served as
application of the basic learning strategies for the sight-reading at the piano. The
obtained results are shown, described and interpreted in the end of this dissertation.

Keywords: Sight-Reading at the Piano; patterns; chunks; spatial domain of


keyboard; rhythmic comprehension, mastery of scales.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Sonata IV, c. 1-8 ........................................................................................ 34


Figura 2: Sonata IV, c. 24-40..................................................................................... 35
Figura 3: Exemplo 1 sobre a escolha do dedilhado................................................... 38
Figura 4: Exemplo 2 sobre a escolha do dedilhado................................................... 39
Figura 5: Exemplo 3 sobre a escolha do dedilhado................................................... 39
Figura 6: Exemplo 3 sobre a escolha do dedilhado................................................... 40
Figura 7: Movimentos oculares durante a leitura à primeira vista....................................... 51
Figura 8: Mikrokosmos, Vol.3, n.68, c. 1-3 ................................................................ 56
Figura 9: Mikrokosmos, Vol. 3, n. 81 ......................................................................... 56
Figura 10: Intervalos de 2ª ........................................................................................ 57
Figura 11: Intervalos de 3ª, 5ª e 7ª, respectivamente. ............................................... 58
Figura 12: Intervalos de 4ª, 6ª e 8ª respectivamente. ................................................ 58
Figura 13: a) Percepção e reconhecimento; b) Conversão mental em acordes ........ 59
Figura 14: a) Percepção e reconhecimento; b) Conversão mental em acordes. ....... 60
Figura 15: Prelúdio n.3 op.38, c. 1-4 ......................................................................... 61
Figura 16: Prelúdio n.6 op.38, c. 1-4 ......................................................................... 62
Figura 17: Mikrokosmos, Vol. V, n. 137, c. 1-10. ....................................................... 67
Figura 18: Mikrokosmos, Vol. 2, n.39 ........................................................................ 68
Figura 19: Fantasia em dó menor de J. S. Bach. c. 1-6. ........................................... 80
Figura 20: Sonatina em fá maior, Allegro, c. 1-10 ..................................................... 82
Figura 21: Gavotte em Fá Maior, a quatro mãos, c. 1-15 .......................................... 82
Figura 22: Drill A........................................................................................................ 83
Figura 23: a) Drill A, c. 11; b) gráfico representativo. ................................................ 84
Figura 24: Sonata K305 em Lá Maior, c. 1-19 ........................................................... 85
Figura 25: a) Sonata K305, c. 3-4; b) gráfico representativo. .................................... 86
Figura 26: Mikrokosmos Vol. 1, n.21.1. ..................................................................... 87
Figura 27: Mikrokosmos. Vol. 1, n.26. ....................................................................... 88
Figura 28: Primeiras pautas dos Exercícios 8-11, p.20 e 22 ..................................... 89
Figura 29: Schön Rosmarin, para violino e piano, c. 1-18 ........................................ 90
Figura 30: Prelúdio no6, c. 1-6 ................................................................................... 91
Figura 31: Liebesleid, para violino e piano, c. 1-64 ................................................... 92
Figura 32: Prelúdio no5, c. 1-8 ................................................................................... 93
Figura 33: Prelúdio no5, compasso 1 ........................................................................ 94
Figura 34: "Je veux vivre", da ópera Romeu e Julieta, c. 1-26 .................................. 95
Figura 35: Exercício n.25 .......................................................................................... 96
Figura 36: Drill A........................................................................................................ 98
Figura 37: Drill C, c. 1-20........................................................................................... 99
Figura 38: Sonata VIII, Allegro, c. 1-6. ................................................................... 100
Figura 39: Sonata VIII, Minuetto, c. 28-34 ............................................................... 100
Figura 40: Sonata VIII, Minuetto, c. 42-47 ............................................................... 101
Figura 41: Drill A, c. 14-16 ....................................................................................... 102
Figura 42: Drill C, c. 1-9 .......................................................................................... 102
Figura 43: Drill C, c. 1-2 .......................................................................................... 103
Figura 44: Drill C, compasso 5 ................................................................................ 103
Figura 45: Papillons, op.2, n.10, c. 1-16 .................................................................. 105
Figura 46: Mikrokosmos, Vol. 2, n.48 ...................................................................... 106
Figura 47: Mikrokosmos, Vol. 2, n.41 ...................................................................... 107
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO – CONCEITUAÇÃO .......................... 15


2.1 SÉCULOS XVIII E XIX ........................................................................................ 15
2.2 SÉCULOS XX E XXI ........................................................................................... 19
2.2.1 Depoimentos acadêmicos ............................................................................. 19
2.2.2 Pianistas especialistas .................................................................................. 23

3 ASPECTOS RELEVANTES PARA A LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO ........ 28


3.1 DOMÍNIO DE ESCALAS, ARPEJOS E DEDILHADO ......................................... 30
3.1.1 Escalas e arpejos ........................................................................................... 30
3.1.2 Dedilhado ........................................................................................................ 36
3.2 ESTÍMULO VISUAL: AÇÃO MOTORA E DOMÍNIO ESPACIAL DO TECLADO..................42
3.3 RECONHECIMENTO DE PADRÕES E UNIDADES ........................................... 50
3.3.1 Escalas e graus conjuntos ............................................................................ 54
3.3.2 Intervalos ........................................................................................................ 56
3.3.3 Acordes ........................................................................................................... 58
3.4 COMPREENSÃO RÍTMICA ................................................................................ 62
3.4.1 A Música de Conjunto .................................................................................... 63
3.4.2 A deficiência de leitura .................................................................................. 63
3.4.3 Os agrupamentos rítmicos ............................................................................ 65
3.4.4 O encaixe visual da partitura......................................................................... 67
3.4.5 A capacidade de sentir o ritmo ..................................................................... 68

4 AQUISIÇÃO INICIAL DE LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO – DADOS DE


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ........................................................................... 70
4.1 ESTRATÉGIAS GERAIS APLICADAS ................................................................ 70
4.2 PERFIL DOS ALUNOS ....................................................................................... 71
4.2.1 Aspectos gerais .............................................................................................. 72
4.2.2 A formação musical dos alunos ................................................................... 74
4.2.3 O uso da capacidade de memória ................................................................ 76
4.3 APLICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS ................................................ 78
4.3.1 Escalas, arpejos e dedilhado ........................................................................ 78
4.3.2 Estímulo visual: ação motora e domínio espacial do teclado .................... 87
4.3.3 Reconhecimento de padrões e unidades ..................................................... 94
4.3.4 Compreensão rítmica ................................................................................... 104
4.4 RESULTADOS OBTIDOS ................................................................................. 107
4.4.1 Resultados gerais ........................................................................................ 107
4.4.2 Resultados individuais ................................................................................ 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 112

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS DAS PARTITURAS ...................................................................... 121

APÊNDICES ........................................................................................................... 123

ANEXOS ................................................................................................................. 139


10

1 INTRODUÇÃO

A leitura à primeira vista é considerada uma habilidade importante para todo


instrumentista que necessita da partitura em sua atividade musical. Não é uma
habilidade apenas desenvolvida na música tradicional ocidental, mas em qualquer
cultura na qual exista a notação musical.
Nem todas as culturas dependem da notação no processo de aprendizagem
musical e por isso a capacidade de leitura à primeira vista não terá a mesma
relevância nos casos em que a música se manifesta somente de forma
improvisatória ou auditiva. Entretanto, qualquer pessoa que queira executar as obras
da música ocidental tradicional ou estilos musicais com abordagem semelhante,
deverá ter domínio da notação musical e seus significados, pois nossa cultura
musical conta com um sistema em que os símbolos são utilizados para armazenar e
ensinar estilos musicais que não são baseados na improvisação (LEHMANN,
KOPIEZ, 2009, p.344).
De acordo com Lehmann, Sloboda e Woody (2007, p.107-108), a notação
musical atual surgiu no século XVI, tendo como objetivos codificar e disseminar
música. Após a separação dos papéis desempenhados pelo artista e pelo
compositor, a memória musical escrita tornou-se um meio de preservação do
patrimônio cultural. A notação seria a forma pela qual os compositores poderiam
divulgar suas obras com a garantia de fidelidade ao texto musical original.
O pianista abordado em nossa pesquisa exerce, invariavelmente, o papel de
leitor, pois dedica seu estudo a ler uma partitura de forma automática e fluente, com
a necessidade de expressar a sua idéia musical de forma convincente.
Na leitura à primeira vista, a notação é um recurso auxiliar para a rapidez e
compreensão da intenção do compositor, pois “a notação adverte antecipadamente
a intensidade, densidade, direção, e o tipo de movimento em um simples relance de
alguns compassos à frente.” (GUIMARÃES, 1992, p.17). Lehmann e Ericsson
também atestam a relevância da notação ao afirmar que a leitura à primeira vista
está fortemente relacionada à leitura da partitura, podendo esta gerar o dedilhado
adequado e a execução de respostas motoras correspondentes. (1996, p.4).
11

Segundo Sloboda1 (2008, p.87), há três estágios principais de envolvimento


com uma partitura musical pelos quais podemos estudar a performance: o primeiro é
o que chamamos de leitura à primeira vista, não premeditada, quando o intérprete
executa uma partitura ao vê-la pela primeira vez, sem preparação ou estudo prévios.
O segundo estágio caracteriza-se pelas performances que resultam da prática e do
treinamento através de repetidas leituras da partitura, tendo como objetivo melhorar
a execução – são chamadas de ensaio ou prática. E, finalmente, o último estágio é o
que o autor chama de performance expert: um produto do ensaio, do treino, que foi
aperfeiçoada e que pode envolver a memorização total de uma partitura.
Este estudo visa ao primeiro destes três estágios apresentados, ou seja, o da
leitura à primeira vista ao piano. Pretendemos, neste trabalho, investigar o processo
de aquisição e desenvolvimento da leitura à primeira vista ao piano dentro de uma
perspectiva acadêmica e profissional. É nosso objetivo apresentar estratégias e
recursos que podem auxiliar o pianista na aquisição da habilidade da leitura à
primeira vista, partindo do princípio de que tais recursos podem, ainda, servir de
ferramentas para o seu desenvolvimento artístico-musical.
Como exposto por Faith Maydwell2 em seu “Guia para Leitura à Primeira Vista
ao Piano”, a leitura à primeira vista é uma habilidade que pode ser desenvolvida.
Pode trazer vantagens ao leitor e pianista, como, por exemplo, a rápida absorção de
repertório, a obtenção de uma visão global da obra antes de estudá-la mais
detalhadamente, a facilidade na aprendizagem de novas peças, o acesso a uma
grande variedade de obras e o conhecimento de diferentes compositores e estilos,
além da aquisição de maior autoconfiança na habilidade musical em geral.
(MAYDWELL, 2003, p.4).
A presença de lacunas na formação do aluno durante a fase inicial de
aprendizado tem sido alvo de pesquisas. Resultados de estudos mencionados neste
trabalho atestam que existe um grande número de alunos em instituições de ensino

1
John Sloboda é Professor de Psicologia da Universidade Keele, no Reino Unido. É conhecido
internacionalmente por seus livros sobre a psicologia da música, que incluem "The Musical Mind"
(1985), "Exploring the Musical Mind" (2005) e "Psychology for Musicians" (2007). Seus interesses
de pesquisa incluem o estudo da performance musical, a resposta emocional à música, as funções
da música na vida cotidiana e de aprendizagem e aquisição de habilidades na música.
2
Faith Maydwell nasceu na Austrália Ocidental, na cidade de Perth. Pós-graduada em 1982 pela
Universtity of Western Australia, sua experiência musical como pianista inclui atividades de
acompanhamento, gravações solo, piano na orquestra (West Australian Symphony Orchestra),
artigos, conferências e workshops. Leciona leitura à primeira vista, harmonia e pedagogia do piano
na West Australian Academy of Performing Arts e na Universtity of Western Australia.
12

musical que apresentam nível insatisfatório de leitura musical, tanto no curso de


piano quanto na matéria “piano complementar”. A deficiência de leitura ao piano
pode ser decorrente, em grande parte, do tipo de musicalização e formação a que o
aluno foi submetido, tal como considerado por Alencar:

Devemos ter em vista a situação do professor que, não raras vezes, recebe
alunos mal preparados que, durante a fase inicial do ensino, não foram
orientados de maneira conveniente. Isto o obriga a ministrar, mesmo a
alunos do curso superior, conhecimentos básicos que lhes deviam ter sido
transmitidos pelo primeiro mestre. (ALENCAR, 1944, p.3)

Robert Pace3 escreveu uma série de dez monografias sobre a pedagogia do


piano, na qual o primeiro trabalho da série trata da leitura à primeira vista e a
alfabetização musical. Nesta, Pace defende que os professores devem, desde o
início, desenvolver estratégias a fim de que seus alunos adquiram a habilidade de
leitura. (1999, p.4).
Sloboda aponta também para o fato de que nossa cultura exige um alto grau
de proficiência na leitura à primeira vista da linguagem, enquanto o mesmo não
acontece com a leitura à primeira vista em música. Existe um grande esforço
educacional para levar as crianças a uma fluência razoável na leitura da linguagem,
mas, em geral, não é necessário que as crianças tenham habilidade na leitura à
primeira vista para obterem sucesso em suas tarefas musicais, onde, na maioria das
vezes, há grande número de ensaios e preparação prévia. (SLOBODA, 2008, p.88).
É comum encontrarmos estudantes de piano capazes de tocar obras com
elevado nível técnico, mas que têm dificuldade em executar, à primeira vista, obras
com nível musical e técnico menos exigente. Raramente os estudantes de piano
estão aptos para ler algo à primeira vista no mesmo nível em que tocam um
repertório memorizado, não importa com quantos anos de estudo (PACE, 1999, p.1).
Por outro lado, muitos indivíduos dominam a técnica da leitura à primeira vista e
revelam que adquiriram essa habilidade sem qualquer esforço consciente.

3
Dr. Robert Pace ocupou o cargo de chefe do departamento de piano na Universidade de Columbia,
lecionando na Teachers College, Columbia University em Nova Iorque, ensinando nesta instituição
desde o início da década de 1950 até 1995. Nascido no Kansas, EUA, foi professor de muitos
autores de livros sobre pedagogia do piano. Foi diretor da National Piano Foundation de 1963 a
1977 e formou a International Piano Teaching Foundation, a fim de promover as teorias de
aprendizagem que defendia. Disponível em:<http://www.renoweb.net/LSMS/pace.html.> O “Pace
Method” inclui volumes dos livros: Theory Papers, Finger Builders, Creative Music e Music for
Piano, também editado em português.
13

Segundo Gudmundsdottir, nada na literatura indica uma forte relação entre as


habilidades de performance e a da leitura à primeira vista de partituras. “Parece que
a capacidade de leitura musical não se desenvolve, necessariamente, paralelamente
à habilidade de performance. Na realidade, pode haver uma considerável
discrepância entre essas duas atividades.” (2010, p. 333, tradução nossa).4
Por outro lado, estudos sobre o tema têm demonstrado a forte relação entre
as atividades dos pianistas correpetidores ou acompanhadores e o desenvolvimento
da habilidade de leitura à primeira vista. Estes profissionais comumente são
requisitados para tocar peças sem nunca tê-las visto anteriormente. Quanto ao
repertório comumente exigido há uma grande diversidade: reduções de sinfonias,
árias ou coros de ópera, partes de orquestra, obras com acompanhamento de piano
ou do repertório camerístico.
A capacidade da leitura à primeira vista pode e deve fazer parte do
desempenho do pianista em diversas ramificações: como solista, como professor de
piano e, essencialmente, do pianista de orquestra, camerista, acompanhador ou
correpetidor, os quais, a partir deste momento, denominaremos de pianistas
especialistas5.
Estudos têm apresentado consequências advindas da falta da capacidade de
leitura à primeira vista. O caso de desistência dos estudos de piano pelos alunos é
uma delas, apontada por Giles (apud HARDY, 1988, tradução nossa):

Provavelmente estudantes de piano de nível intermediário desistem de seus


estudos pianísticos por causa de problemas de leitura, mais do que por
qualquer outra razão. As pessoas não desistem de atividades das quais
gostam. Porém se cada peça apresentar uma perspectiva de aprendizagem
6
a ser temida, o resultado é previsível.

Quanto à metodologia adotada nesta pesquisa, iniciamos com uma revisão de


literatura em livros, teses e artigos já publicados sobre o tema. A conceituação do
termo “leitura à primeira vista” apresenta aponta diferenças e semelhanças entre

4
“It seems that music-reading skills do not necessarily develop in parallel with performance abilities. In
fact, there can be a considerable discrepancy between these two abilities.”
5
O termo pianista especialista foi adotado por André Távora Kacowicz em sua dissertação “O pianista
co-repetidor e a arte do acompanhamento: seu significado e importância no cenário musical atual"
(2011), como sinônimo de pianista acompanhador e correpetidor, expressando sua forma de
compreensão sobre o papel que desempenham estes pianistas.
6
“Probably more intermediate piano students give up their piano study because of reading problems
than for any other single reason. People don't give up activities that they enjoy. But if each piece
presents a learning prospect to be dreaded, the result is predictable.”
14

autores e textos dentro do quadro de referências teóricas encontradas. Utilizamos o


recurso de entrevistas a pianistas especialistas, todos profissionais atuantes na
cidade do Rio de Janeiro, para coleta de dados complementares sobre o conceito da
leitura à primeira vista.
Como aplicação do objeto de estudo, realizamos uma atividade de
observação com ação direta sobre alunos do curso de piano da Universidade
Federal do Rio de Janeiro7. Para tanto, foram utilizadas as estratégias cujas bases
teóricas foram coletadas ao longo deste trabalho: o domínio das escalas, arpejos e
dedilhado; o estímulo visual provocado pela partitura e suas reações motoras; o
domínio espacial do teclado; o reconhecimento de padrões e unidades e a
relevância da compreensão rítmica de uma obra. As aulas foram registradas por
escrito, em forma de relatórios. As observações descreveram o processo de leitura à
primeira vista dos alunos com base na sua competência de leitura ao piano perante
os exemplos musicais apresentados, bem como os resultados alcançados.
Quanto à organização do trabalho, o primeiro capítulo aborda a terminologia
do tema. São apontadas diferentes definições e conceitos sobre a leitura à primeira
vista por meio da revisão histórico/bibliográfica.
O segundo capítulo comenta e analisa o referencial teórico e analítico deste
estudo. Autores como Rubinstein (1950), Lehmann (1996, 2002, 2007, 2009),
Maydwell (2003, 2006, 2007) e Sloboda (2008) forneceram os subsídios principais
para a elaboração do trabalho. Este capítulo trata dos aspectos relevantes para a
leitura à primeira vista ao piano com base na pesquisa bibliográfica realizada. Indica
e defende os recursos que julgamos serem relevantes para o desenvolvimento e a
aquisição da habilidade da leitura à primeira vista ao piano.
O terceiro capítulo relata as experiências, as observações e a análise do
trabalho desenvolvido com os alunos de Graduação durante as aulas que
ministramos a alunos do curso de Bacharelado da Escola de Música da UFRJ, por
meio dos dados coletados e registrados.
Ao final, apresentamos as impressões e os resultados que foram obtidos
durante o processo da pesquisa.

7
A observação participante é caracterizada, por Laville e Dionne (apud RAMOS, 2005, p. 98), como a
“técnica pela qual o pesquisador integra-se e participa na vida de um grupo para compreender-lhe o
sentido de dentro”. Nesta estratégia, o pesquisador se infiltra em uma determinada situação por
meio de uma participação direta e pessoal.
15

2 LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO – CONCEITUAÇÃO

Segundo Lehmann e Kopiez (2009, p. 345), nossa moderna tradição de


performance tem sido favorável a performances de memória. O tocar de cor pode,
ainda hoje, remeter o ouvinte à ilusão de que o intérprete é o próprio “dono” da obra;
a leitura à primeira vista, por sua vez, tem sido relegada a uma habilidade apenas
útil, geralmente não digna de atenção pública ou competição.
Procuramos, neste capítulo, destacar a relevância deste tipo de leitura ao
longo da história da música. Por meio da apresentação de depoimentos históricos,
buscamos conceituar o termo leitura à primeira vista. Diversas biografias de
pianistas revelam tal habilidade, ao lado de outras capacidades como tocar de
ouvido, improvisar e memorizar.

2.1 SÉCULOS XVIII E XIX

Em 1778, quando Mozart (1756-1791) ouviu um dos seus concertos


executado por Abt Vogler8, fez diversas declarações a seu pai sobre a leitura da
partitura. Mozart não só registrou, mas também justificou a sua definição de leitura à
primeira vista, ao tecer comentários sobre a interpretação de Vogler:

Ele tocou o primeiro movimento prestíssimo, o Andante allegro, e o Rondó


ainda mais prestissimo. Ele, em geral, tocava o baixo completamente
diferente da forma como havia sido escrita, inventando uma harmonia e
melodia totalmente diferentes. Nada é possível neste andamento: os olhos
não podem ver a música nem as mãos realizá-la. [...] E em que consiste a
arte de tocar à primeira vista? Nisto: em tocar a peça no tempo no qual
deveria ser tocada e em tocar todas as notas, appoggiaturas e assim por
diante, exatamente como elas foram escritas e com a apropriada expressão
e gosto, de modo que se poderia supor que o próprio intérprete havia
9
composto a obra. (SCHOENBERG, 1987, p.46, tradução nossa).

8
Georg Joseph Vogler, também conhecido como Abbé Vogler (1749 - 1814), foi um compositor
alemão, organista, professor e teórico. Inventou um sistema de dedilhado para o cravo, uma forma
de construção para o órgão e um sistema de teoria musical fundada sobre a de teoria de Valotti.
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Georg_Joseph_Vogler>. Acesso em: 22 ago. 2011.
9
“He took the first movement prestissimo, the Andante allegro, and the Rondo even more prestissimo.
He generally played the bass quite differently from the way it was written, inventing now and then
quite another harmony and melody. Nothing else is possible at such a tempo, for the eyes cannot
see the music nor the hands perform it. […] And wherein consists the art of playing prima vista? In
this: in playing the piece in the tempo in which it ought to be played, and in playing all the notes,
appoggiaturas and so forth, exactly as they are suppose that the performer had composed it
himself.”
16

Segundo Mozart, portanto, a leitura à primeira vista deve ser fiel à partitura no
que diz respeito ao andamento, às notas escritas da melodia e do acompanhamento.
Acrescenta que a leitura à primeira vista, como arte, deve estar atrelada à
expressividade e ao “bom gosto”, de modo que a execução soe como se o próprio
intérprete fosse o autor da obra.
Outros depoimentos nos possibilitam compreender a importância atribuída a
essa capacidade de leitura, como o encontro entre W. A. Mozart e Hummel. Para
Mozart, era importante saber se Hummel, seu futuro aluno, possuía essa aptidão:

Aos oito anos de idade, Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) fez uma
audição para Mozart. Após Hummel ter tocado algumas peças de Bach,
Mozart colocou diante dele uma composição própria para testar sua leitura à
primeira vista. O pai de Hummel disse que “ele se saiu muito bem”. Logo
depois Nepomuk mudou-se para a casa de Mozart, tornando-se seu aluno e
sendo tratado como uma criança da família. (SCHENK apud MAYDWELL,
10
2003, p.3, tradução nossa)

As habilidades de leitura à primeira vista e improvisação do próprio Mozart


foram a causa da admiração e comentários entre seus colegas músicos. Ambrose
Rieder, compositor austríaco, escreveu:

Eu não posso descrever meu assombro e felicidade quando ouvi o imortal


Wolfgang Amadeus Mozart tocar perante um grande número de pessoas.
Ele não só modificava com grande habilidade o que tocava, mas também
11
improvisava muito bem. (SCHOENBERG, 1987, p.47, tradução nossa).

F. Liszt (1811-1886) foi conceituado um dos melhores leitores à primeira vista.


Sua notável habilidade de leitura ao piano foi testemunhada por músicos do século
XIX e talvez tenha sido o pianista virtuose mais citado como um excelente leitor à
primeira vista. (SLOBODA, 2008, p.288). Segundo Schoenberg (1987, p.175), não
há dúvidas de que Liszt foi um dos dois melhores leitores à primeira vista que já
existiram (o outro foi Camille Saint-Saëns), com seus “miraculosos poderes”
testificados pelos músicos do século XIX.

10
“When Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) was eight he auditioned for Mozart. After he had
finished a few pieces of Bach, Mozart put before him a composition of his own to test his sight
reading. Hummel’s father said, “It came off quite well”. Shortly after Nepomuk moved into Mozart’s
home becoming a student and treated like a child of the family.”
11
“I cannot describe my astonishment when I happened to be so fortunate as to hear the immortal
Wolfgang Amadeus Mozart playing before a large company of people. Not only did he vary with
great skill what he was playing, but he extemporized very as well.”
17

Foi em 1822 que a família de Liszt mudou-se para Viena e o compositor


começou a ter aulas com Carl Czerny (1791-1857), cujas memórias nos revelam que
Liszt foi o seu aluno “mais ávido, genial e diligente”:

[...] Eu fui surpreendido pelo talento com o qual a natureza o havia


equipado. Eu lhe dei algumas coisas para ler à primeira vista, as quais ele
leu puramente por instinto, mas por isso mesmo de uma maneira que
revelara que a própria natureza havia criado um pianista... [...] Desde que o
fiz aprender cada peça muito rapidamente, ele finalmente tornou-se um
especialista tal em leitura à primeira vista, que era capaz de ler, à primeira
vista, composições de considerável dificuldade e tão perfeitamente, que se
12
podia pensar que ele já as havia estudado por um longo tempo.
(SCHOENBERG, 1987, p.163, tradução nossa).

Durante as aulas, Czerny ensinara a Liszt todas as escalas, o rigor rítmico, a


beleza de articulação e sonoridade, dedilhado apropriado e a declamação correta
através das sonatas de Clementi. Entretanto, deu igual importância ao
desenvolvimento das qualidades já pertencentes ao seu aluno, como a leitura à
primeira vista e a improvisação (DEAVILLE, 2008, p.57). De fato, o próprio Czerny
relata uma ferramenta usada para o desenvolvimento da sua capacidade de leitura à
primeira vista: o estudo contínuo de novas obras:

Meu pai não tinha qualquer intenção de tornar-me um virtuose superficial,


mas, ao contrário, se esforçou para desenvolver a minha capacidade de
leitura à primeira vista por meio do estudo contínuo de novas obras, a fim de
13
desenvolver a minha musicalidade. (apud TOWNSEND, 2008, p.159-160,
tradução nossa).

Outros episódios podem ilustrar a habilidade de Liszt em ler à primeira vista,


como, por exemplo, o episódio em que Mendelssohn mostrou-lhe seu manuscrito do
Concerto em sol menor, cuja legibilidade não era boa. Apesar disto, Mendelssohn
disse que Liszt leu-o à primeira vista “da mais perfeita maneira, melhor do que
qualquer um poderia fazê-lo.” Ferdinand Hiller, a quem Mendelssohn contou tal
história, não se mostrou surpreso. Ao contrário, acrescentou que Liszt lia e tocava
melhor a maioria das peças na primeira vez, por que estas lhe davam o suficiente

12
“I was amaze by the talent with which nature had equipped him. I gave him a few things to sight-
read, which he did, purely by instinct, but for that very reason in a manner that revealed that Nature
herself had here created a pianist... [...] Since I made him learn each piece very rapidly, He finally
became such a great sight reader that he was publicly capable of sight-reading even compositions
of considerable difficulty; and so perfectly as though He had been studying them for a long time.”
13
“My father had no intention whatever of making a superficial virtuoso out of me; rather, He strove to
develop my sight-reading ability through continuous study of new works and thus to develop my
musicianship.”
18

para fazê-lo; ao passo que, da segunda vez, ele sempre adicionava algo para sua
própria satisfação. (SCHOENBERG, 1987, p.176).
Além de Mendelssohn, Grieg também escreveu depoimentos acerca da
leitura à primeira vista de Liszt, quando o ouviu tocar, à primeira vista, o manuscrito
de seu Concerto para Piano em lá menor. O primeiro encontro de Grieg com
Mendelssohn foi em 1868, quando Grieg levara consigo uma de suas Sonatas para
violino e piano:

Você deve ter em mente [Grieg escreveu] que, em primeiro lugar, ele nunca
tinha visto nem ouvido a sonata e, em segundo lugar, que era uma sonata
com uma parte de violino, ora acima, ora abaixo, independente da parte do
piano. E o que Liszt fez? Ele tocou tudo, da raiz ao ramo, violino e piano.
[…] A parte de violino estava no meio da parte do piano. Ele estava,
literalmente, em todo o piano, sem perder uma nota, e como tocava! Com
imponência, beleza, como um gênio, com uma compreensão singular. Eu
14
acho que ri como uma criança. (apud SCHOENBERG, 1987, p.176,
tradução nossa).

A habilidade de leitura à primeira vista ao piano também foi aspecto relevante


na biografia de outros pianistas menos citados, como, por exemplo, Josef Lipavsky
(1772-1810), compositor, organista e pianista tcheco. Lipavsky foi mencionado por
Czerny em suas memórias musicais em Viena: “verdadeiro virtuose e excelente
organista, bem como um compositor genial, particularmente de fugas. Sua
impressionante leitura à primeira vista tornou-o extraordinariamente famoso, nada
parecendo impossível ou tão difícil para ele.”15 (apud BOTTEGAL, 2008, p.45,
tradução nossa).
Camille Saint-Saëns (1835-1921) foi outro reconhecido e hábil leitor à
primeira vista. Segundo Richard Wagner, Saint-Saëns combinou sua capacidade de
memória a uma incomparável firmeza e rapidez de olhar sobre até mesmo a mais
complexa partitura de orquestra. Ele podia até mesmo tocar de cor as suas
partituras orquestrais. (SCHOENBERG, 1987, p.282).

14
“Now you must bear in mind [Grieg wrote] that in the first place he had never seen nor heard the
sonata, and in the second that it was a sonata with a violino part, now above, now below,
independent of the piano part. And what does Liszt do? He plays the whole thing, root and branch,
violin and piano. [...] The violin part got its due right in the middle of the piano part. He was literally
all over the whole piano at once, without missing a note, and how he played! With grandeur, beauty,
genius, unique comprehension. I think I laughed - laughed like a child."
15
“… true virtuoso and excellent organist, as well as ingenious composer, particularly of fugues. His
impressive sight-reading made him extraordinarily famous, nothing appearing impossible or too
difficult for him.”
19

Não foi apenas Wagner que declarou palavras elogiosas a respeito das
notáveis habilidades musicais de Saint-Saëns. Hans Von Büllow classificou-o como
a maior mente musical do seu tempo e um leitor e músico superior a Liszt. Após
ouvi-lo tocar à primeira vista o manuscrito de Siegfried, de Wagner, Büllow declarou
que nunca tinha ouvido tal leitura de partituras à primeira vista. Relatou que
dificilmente um efeito havia sido perdido e que Saint-Saëns parecia, intuitivamente,
compreender a estrutura completa da obra, reproduzindo-a sem um segundo de
hesitação sequer. (SCHOENBERG, 1987, p.282).

2.2 SÉCULOS XX E XXI

Assim como os depoimentos históricos sobre a capacidade de leitura à


primeira vista atestam a sua relevância e características, buscamos conceituar o
termo leitura à primeira vista através de referências teóricas e experiências atuais,
apontando de que forma os conceitos se assemelham, completam ou diferem.

2.2.1 Depoimentos acadêmicos

Atualmente, quando os músicos falam sobre leitura à primeira vista, nem


todos têm a mesma concepção em mente, conforme apontam Lehmann 16 e
McArthur17 (2002):

Alguns podem considerar que somente a primeira vez em que uma peça
desconhecida é lida ou tocada seja de fato uma leitura à primeira vista,
enquanto outros podem permitir que a definição de leitura à primeira vista
18
englobe também certas passagens após uma preparação mais extensiva.
(LEHMANN e McARTHUR, 2002, p.135, tradução nossa).

16
Andreas C. Lehmann é doutor em musicologia com especialização em educação musical e
professor, desde 2000, de Musicologia Sistemática na Hochschule für Musik, em Würzburg,
Alemanha. Trabalhou como associado de pesquisa no Instituto Psicológico da Universidade
Estadual da Flórida e foi professor de psicologia na Escola de Música de Música na mesma
Universidade.
17
Vitoria McArthur é PhD em Educação Musical com ênfase na pesquisa em pedagogia do piano,
pela Florida State University. Prossegue seu trabalho em biomecânica (ciência do movimento) e
psicologia motora.
18
“Some might consider only the very first time one reads or plays through an unfamiliar piece to be
true sight-reading, while others would allow the definition of sigth-reading to encompass play-
throughs after more extensive preparation.”
20

No artigo de Gudmundsdottir, professora de Educação Musical na Escola de


Educação da Universidade da Islândia, o termo “leitura musical” (“music reading”) é
usado para o ato de decodificar, em um instrumento musical, os símbolos da
notação na pauta. Segundo a autora, este ato é, na literatura, também chamado de
“sight-reading” (leitura à primeira vista). Alguns pesquisadores usam os termos
alternadamente, enquanto outros fazem claras distinções entre os dois termos:
“music reading” e “sight-reading”. Em seu artigo, Gudmundsdottir opta pelo termo
“music reading” porque “a definição de ‘sight-reading’ tende a ser mais restrita,
incluindo somente leituras à primeira vista, como é comum em exames de
graduação em escolas de música, enquanto ‘music reading’ é um termo mais
abrangente”. (GUDMUNDSDOTTIR, 2010, p. 332). “Music Reading é um processo
complexo que envolve pelo menos duas habilidades distintas: a habilidade de leitura
e a habilidade mecânica.” (WOLF apud GUDMUNDSDOTTIR, p.332, tradução
nossa.)
Andreas Lehmann (2004, 2006, 2009) sempre faz menção ao andamento
aceitável na hora da execução, quando define a leitura à primeira vista em seus
diversos trabalhos. Além disso, aborda aspectos como a expressão e a fluência
musicais.
Thompson19 e Lehmann argumentam que “a habilidade da leitura à primeira
vista envolve a capacidade de tocar a música acurada e fluentemente (isto é, sem
interrupções ou rupturas na fluência musical) e em um andamento aceitável e com
uma expressão musical adequada.”20 (2004, p.145, tradução nossa).
Para Lehmann e Ericsson, a leitura à primeira vista é uma habilidade
complexa, que “depende fortemente da leitura da partitura, gerando dedilhado
adequado, e execução de respostas motoras correspondentes de modo uniforme,
próximo ao tempo de performance.” (1993, apud ZHUKOV, 2006, p.2, tradução
nossa).21

19
Sam Thompson é professor titular de psicologia na University of East London (UEL). É mestre em
psicologia da música pela University of Sheffield e PhD em psicologia pela Royal Holloway,
University of London. Contribuiu para a realização de pesquisas sobre experiências subjetivas em
ouvir música e abordagens psicológicas para ansiedade de desempenho. Mantém grande
interesse na relação entre o envolvimento com a música e os aspectos de bem-estar psicológico.
20
“Ability at sight-reading involves the capacity to play the music accurately and fluently (i.e. without
pauses or breaks in the musical flow) at an acceptable tempo and with adequate musical
expression.”
21
“[...] relies heavily on reading the score, generating adequate fingering, and executing
corresponding motor responses in a smooth fashion at or near performance tempo.”
21

Juntamente com Kopiez, Lehmann reafirma sua opinião quando chama de


leitura à primeira vista “a execução – vocal ou instrumental – de longos trechos de
uma música não – ou quase não – ensaiada, num tempo aceitável e com adequada
expressão. Algumas pessoas também a denominam ‘playing by sight’ ou ‘prima
22
vista’.” (LEHMANN e KOPIEZ, 2009, p.344, tradução nossa).
As condições “aceitáveis” com que as peças devem ser executadas pelo
intérprete, próximas ao original da partitura e do pensamento do compositor, são um
ponto comum entre essas definições.
Observa-se, porém, a opinião de Rubinstein (1950) quanto ao aspecto da
fidelidade total ou não à partitura:

A leitura à primeira vista não pressupõe nem deve proporcionar uma


performance rica em detalhes; portanto, tal performance não deve ser o
objetivo do leitor à primeira vista. [...] O objetivo do leitor à primeira vista
23
deve ser o de proporcionar uma idéia geral da peça que está sendo lida.
(RUBINSTEIN, 1950, p.9, tradução nossa)

O autor defende que a idéia geral da obra não deve ser prejudicada em
detrimento da atenção aos detalhes. Tal pensamento está vinculado ao último dos
cinco fatores apontados pelo autor como “essenciais para se levar em conta e
manter sempre em mente” (RUBINSTEIN, 1950, p.9):
1) O tom na qual a peça está escrita e sua relação com o teclado;
2) O compasso em que a peça está escrita;
3) O tempo/andamento indicado na peça;
4) Fidelidade ao que os olhos vêem, sem suposições;
5) Manter o movimento sempre à frente (forward motion),
independentemente de quaisquer erros que possam ser cometidos.

Ana Consuelo Ramos, autora da dissertação “Leitura Prévia e Performance à


Primeira Vista no Ensino de Piano Complementar”, escreveu:

22
“We will call sight-reading the execution — vocal or Instrumental — of longer stretches of non - or
under-rehearsed music at an acceptable pace and with adequate expression. Some people also
label this ‘playing by sight’ or ‘prima vista’.”
23
“Sight-reading is not supposed nor expected to offer a performance finished in all details; therefore,
a finished performance should not be the objective of the sight-reader. [...] The objective of the
sight-reader should be to give a general Idea of the piece that is being read. While the attention to
musical details is of utmost desirability in sight-reading, such details should not be paid for by the
sacrifice of general outline.”
22

A expressão leitura à primeira vista remete-nos à idéia de que o intérprete


deverá tocar uma partitura que ainda não tenha visto. Entretanto, o que
acontece na prática é um pouco diferente, pois se sabe que, normalmente,
o executante tem alguns minutos para olhar a partitura antes de tocá-la ou
cantá-la. Esse tempo, normalmente, seria suficiente para efetivar-se a
leitura prévia. (RAMOS, 2005, p.50)

A autora defende a idéia de que o tempo que o intérprete investe e os


procedimentos usados por ele em qualquer atividade relativa à partitura antes de
tocá-la, seja para analisar suas estruturas, extensão, tonalidade, padrões rítmicos ou
posição da mão no teclado, deve denominar-se “leitura prévia”. Este procedimento
não faria parte do que se entende por leitura à primeira vista, partindo-se da
premissa de que “se há um breve exame da partitura, antes de tocá-la pela primeira
vez, já se efetivou um tipo de leitura, a leitura prévia”. (RAMOS, 2005, p.56).
Ramos corrobora tal pensamento com os de Solomon (2002), Sloboda (1999),
e professores por ela entrevistados, que declararam pedir a seus alunos que
observem determinados detalhes da partitura antes de executá-la ao piano.
Para Solomon (apud RAMOS, 2005, p.50), o termo sight-reading (leitura à
primeira vista) é definido como “tocar, por partitura, música desconhecida”. No
entanto, o autor afirma que é preciso olhar e analisar a partitura antes de tocá-la ou
cantá-la pela primeira vez.
Nem todos os pesquisadores fazem separação entre essa primeira e rápida
análise da partitura (feita antes da sua execução) e a leitura e execução da partitura
propriamente dita. Em seu método, Maydwell define a leitura à primeira vista (“sight-
reading”) como “a habilidade de executar música à primeira visualização (at the first
sighting) de uma partitura.” Nesta definição também inclui músicas lidas algumas
vezes no passado, pois “quanto menos uma música for estudada assiduamente e
por um longo período, mais difícil será reter muitos dos detalhes.” (2003, p.2).
Em sua monografia sobre a leitura à primeira vista e a literatura musical,
Robert Pace (1999) usa a definição de sight-reading encontrada no Harvard
Dictionary com pequena modificação. O Harvard Dictionary a define como “a
habilidade de ler e executar música à primeira vista, isto é, sem um estudo
preparatório da peça.”24 Por sua vez, o autor a define como a habilidade de ler e
executar uma partitura musical à primeira vista sem contato ou prática preliminares

24
“the ability to read and perform music at first sight, i.e., without preparatory study of the piece.”
23

no teclado (grifo do autor). Isso permitiria uma breve análise visual sem qualquer
reforço auditivo ou tátil antes da real execução. (PACE, 1999, p.1).

2.2.2 Pianistas especialistas

Ao pesquisarmos os conceitos concernentes ao tema, podemos detectar a


relação existente entre a capacidade de leitura à primeira vista e o trabalho
específico dos pianistas especialistas, assim nomeados na introdução deste
trabalho. Para estes, esta habilidade de leitura é parte de sua experiência musical.
(THOMPSON e LEHMANN, 2004, p.145).
O pianista pode desempenhar diversas funções no meio musical profissional,
conforme o quadro de Kurt Adler (diagrama 1) em seu livro “The Art of
Accompanying and Coaching” (1976, p.4, tradução nossa). A representação de Adler
exemplifica as ramificações que constituem a genealogia dos pianistas do meio
erudito:

Pianista Solista
Camerista
Pianista de Conjunto
Pianista de
Orquestra

Vocal

Instrumental

Pianista Acompanhador
Coral

Dança

Vocal
Correpetidor

Instrumental
Professor

Diagrama 1: Diagrama da “Árvore Genealógica” do Pianista


Fonte: ADLER, 1976, p. 4 (tradução nossa).
24

Estas três classificações: o pianista de conjunto (camerista e de orquestra), o


acompanhador e o correpetidor, delimitam a área de atuação do pianista especialista
neste trabalho.
Embora a capacidade de leitura à primeira vista possa fazer parte do conjunto
de habilidades de qualquer pianista, aqueles que exercem as funções de um pianista
especialista dependem essencialmente desta habilidade para o exercício de suas
funções. Lehmann e Ericsson ressaltam que “embora a performance musical em
público, após extensiva preparação, possa ser a mais importante atividade no meio
musical profissional, há diversas outras atividades nas quais a preparação prévia é
muito mais limitada.”25 (1996, p.1, tradução nossa).
O fato é que pianistas solistas, por exemplo, ocupam seu tempo de estudo
com ênfase em um repertório específico, preparando-o para uma posterior
apresentação, na maioria das vezes apresentado de memória; em contraste,
pianistas especialistas são constantemente obrigados a lerem obras sem preparo
prévio, executando-as quase instantaneamente, conforme descrevem Lehmann,
Sloboda e Woody:

Na leitura à primeira vista, que geralmente acontece no contexto do


acompanhamento, a preparação específica para a performance é mínima,
quando não inexistente. Assim, a leitura à primeira vista acontece “on line”
[sic], um fato que o artista tem de enfrentar por meio de estratégias próprias.
Em contraste, performances por memória são amplamente treinadas “off
line” [sic], permitindo ao intérprete um tempo maior para otimização da sua
26
performance e desempenho. (2007, p.107, tradução nossa).

Lehmann e Ericsson coletaram dados de pesquisa feita com dezesseis


estudantes de piano em nível avançado da Florida State University. Metade dos
estudantes exerciam funções de pianistas acompanhadores, correpetidores, ou
assistentes graduados e a outra metade era composta por pianistas solistas. Ao
avaliar a habilidade de leitura à primeira vista dos sujeitos analisados, os autores
acreditaram que seria possível identificar e mensurar um conjunto de práticas
25
“Although the performance of extensively prepared music in public may be the most important
activity in the musical profession, there are a number of other activities in wich opportunities for
prior preparation are much more limited.”
26
“When sight-reading, the musician can get away with some mistakes and a rather sketchy
interpretation, whereas a memorized performance usually is note-perfect and conveys a unique
interpretation. In sight-reading, which often takes place in the context of accompanying, the specific
preparation for the performance is minimal, if not absent. Thus sight-reading happens ‘online’, a fact
that the performer has to cope with by using appropriate strategies. In contrast, memorized
performances are extensively rehearsed ‘offline’, allowing the performer more leisure to optimize
the performances.”
25

benéficas que promoveriam o desenvolvimento desta habilidade. Com esta


finalidade, os participantes da pesquisa foram arguidos sobre o tempo gasto com as
atividades de acompanhamento ao piano. Os resultados demonstraram que os
melhores leitores à primeira vista despendiam maior tempo em atividades de
acompanhamento e acumulavam um repertório mais amplo nessa área do que os
leitores menos hábeis. Os testes apontaram que existem grandes diferenças
individuais numa performance sem preparo prévio e que o melhor desempenho foi a
do grupo de pianistas acompanhadores. (LEHMANN & ERICSSON, 1996, p. 3, 4, 8).
Pela comprovada ligação existente entre a prática de pianistas
acompanhadores e a leitura à primeira vista, fizemos contato com nove pianistas
especialistas, todos profissionais atuantes na cidade do Rio de Janeiro: cinco da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dois da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO), um do Teatro Municipal do Rio de Janeiro
(TMRJ) e um pianista não vinculado a nenhuma destas instituições. No presente
trabalho os pianistas serão denominados por números.
Foram feitas duas perguntas em entrevista aos pianistas, por meio de correio
eletrônico:
1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?
2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou seja, o
que caracteriza uma boa Leitura à Primeira Vista (ao piano)?
As respostas também foram dadas por correio eletrônico, com exceção do
pianista 8, que respondeu às perguntas por meio de contato telefônico.
Como pode ser comprovado nas suas respostas (cf. apêndice B), os
profissionais entrevistados colaboraram para a definição do tema na medida em que,
além de defini-la, abordaram as estratégias usadas no uso da sua habilidade de
leitura à primeira vista. Os pianistas especialistas basearam-se em suas próprias
experiências, visto que nenhum deles declarou possuir um método próprio de leitura
à primeira vista; o desenvolvimento dessa habilidade, portanto, ocorreu de forma
empírica, impulsionado pelas circunstâncias a que os pianistas foram submetidos.
Três pianistas defenderam a necessidade de fidelidade à partitura, em uma
execução na qual o intérprete procura expor da melhor maneira possível a idéia
musical ali notada. “A leitura à primeira vista é feita sem o intérprete ter lido ou
sequer ouvido a música antes, sendo este o seu primeiro contato com a partitura”,
afirmou o pianista 1. Além disso, definiu: “Leitura à primeira vista é a capacidade do
26

músico poder tocar ou cantar a música pela primeira vez o mais próximo possível da
sua execução ‘realística’, o que exige bagagem técnica do executante.” Por outro
lado, os pianistas 4 e 9 definiram a leitura à primeira vista como uma interpretação
que não precisa, necessariamente, obedecer a todas as indicações e notas escritas
na partitura, devendo expressar com clareza os elementos mais importantes da
composição, de forma a ser o mais fiel possível às indicações do compositor.
Acrescentaram que se deve identificar o que é mais importante dentro da música
para que o ouvinte tenha uma noção da música que está escrita, o que será possível
por meio do conhecimento e da vivência musical do intérprete. “A compreensão do
caráter, frases, dinâmicas e respirações devem ser mais importantes do que tocar
todas as notas”, esclarece o pianista 6, que definiu a leitura à primeira vista como: “a
compreensão e realização musical de uma partitura num curto espaço de tempo”.
Os pianistas 1 e 4 ressaltaram ser importante uma vivência prévia. Pode-se
observar a relação entre as opiniões dos teóricos de base e as respostas fornecidas
pelos pianistas entrevistados: os dois lados consentem que existe relação entre o
conhecimento adquirido, a vivência musical do intérprete e o desenvolvimento e a
proficiência da capacidade da leitura à primeira vista.
Assim como em Ramos (2005), foram encontradas, nos depoimentos,
referências a uma análise ou leitura prévia feita imediatamente antes da leitura da
partitura no instrumento: “... após a leitura mental da partitura antes de emitir
qualquer som, executar o mais acuradamente possível a maior quantidade de
detalhes da obra” (pianista 1); “a leitura interna ocorre antes da leitura sonora
durante toda a execução” (pianista 3); “a leitura prévia da partitura deve ser utilizada
como recurso para reconhecimento do gênero musical e priorização dos aspectos
melódicos, harmônicos e rítmicos.” (pianista 7).
O pianista 8 relatou que quando “olha a partitura já sente como deve soar”. E
para o pianista 9, numa boa leitura à primeira vista o intérprete deve perceber,
reconhecer e realizar internamente os elementos musicais sem o uso do
instrumento, ou seja, deve tomar decisões interpretativas no contato visual antes
mesmo de tocar as notas e imaginar, também internamente, o resultado sonoro
antes de ser produzido. Observa-se, portanto, que esses pianistas associam a
leitura da partitura a um trabalho mental.
Sob outro aspecto, os pianistas 4 e 5 ressaltaram uma relação
intérprete/ouvinte, cuja compreensão musical refletiria o nível de execução por parte
27

do intérprete, tal como se pode perceber nesta frase do pianista 5: “uma boa leitura
à primeira vista é a realização de um texto musical desconhecido para o pianista que
se torna compreensível ao ouvinte.”
O contato por entrevista com esses profissionais e suas respostas foi
relevante para nossa pesquisa, uma vez que, além de fornecerem suas próprias
definições sobre o tema, mencionaram suas estratégias no emprego da habilidade
de leitura à primeira vista.
28

3 ASPECTOS RELEVANTES PARA A LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO

A proficiência na leitura à primeira vista inclui uma série de habilidades que


podem estar relacionadas umas às outras, conforme escrevem Lehmann e
McArthur: "[...] leitura à primeira vista não é uma habilidade unitária, mas deve,
antes, ser considerada como uma coleção de “subcompetências” que podem ser
discutidas e estudadas separadamente.” 27 (2002, p.138, tradução nossa).
Seymour Fink apresenta uma série de aptidões que julga não apenas fazerem
parte da formação do leitor à primeira vista, mas sim da formação mais completa do
músico:

A formação de um verdadeiro músico compreende o ouvir, o cantar e o


28
movimento. Inclui o ouvido interno e a “audiação” , as capacidades de
discernimento, memória, continuidade dos movimentos e controle rítmico,
reconhecimento de padrões rítmicos, melódicos e harmônicos,
compreensão cognitiva e consciência da tonalidade. A verdadeira formação
promove a imaginação musical, a improvisação, tomada de decisões e
contentamento na performance, inspirando assim um envolvimento
29
altamente pessoal com a música.” (FINK apud MAYDWELL, 2007, p.1,
tradução nossa).

Sloboda ressalta que a descoberta de que os leitores fluentes costumam olhar


mais adiante na partitura do que os maus leitores não nos leva automaticamente a
recomendar a estes últimos que se exercitem em simplesmente olhar mais à frente.
É possível que a capacidade crescente de antecipar seja resultado de alguma outra
habilidade, tal como a habilidade de detectar um padrão ou estrutura na partitura.
(SLOBODA, 2008, p. 89)
A habilidade de leitura pode ser desenvolvida, porém é pertinente ressaltar
que, em grande parte, a aquisição da habilidade de leitura à primeira vista se dá de
forma empírica, por meio de “experiências relevantes”, tal como citam Lehmann e

27
“[...] sight-reading is not a unitary skill but should rather be regarded as a collection of subskills that
can be discussed and studied separately.”
28
“’Audiação é a tradução de “audiation”, termo criado por Edwin Gordon em 1980, que consiste na
capacidade de ouvir e compreender musicalmente o som, quando ele não está fisicamente
presente’ (CASPURRO, 2007: 6). Dar sentido ou significado a uma peça que estamos lendo é, por
conseguinte, audiar as alturas e durações que são essenciais à nossa compreensão musical.”
(RISARTO e LIMA, 2010, p.49)
29
“The training of a true musician concerns listening, singing and moving. It includes inner hearing
and audiation skills, discrimination, memory, continuity in movement and rhythmic control,
recognition of rhythmic, melodic and harmonic patterns, cognitive understanding, and awareness of
tonality. Trully superior training promotes musical imagination, improvisation, musical decision-
making, and joy in perfomance; thus inspiring a highly personal involvement with music.”
29

McArthur. Tomemos como exemplo as exigências do meio profissional e a falta de


formação acadêmica específica, que fazem com que os pianistas especialistas se
adaptem a determinadas situações em um curto espaço de preparação. (MUNDIM,
2009, p. 17). Criando os seus próprios mecanismos, cada pianista que se
especializa desenvolve, ao longo do tempo, habilidades que influenciam e definem
sua carreira musical.
Exemplo disto é Wilhelm Keilmann30, autor do método “Introduction to Sight-
Reading at the Piano or other Keyboard Instrument”, que desenvolveu sua
metodologia com base em suas próprias vivências pessoais enquanto pianista,
professor de piano e pianista correpetidor. Assim escreveu no prefácio de seu livro:
“O presente método, baseado na prática e na experiência, oferece ao professor e ao
aluno uma orientação minuciosa para adquirir a capacidade de ler à primeira vista
precisa e corretamente no decorrer de aulas regulares.”31 (KEILMANN, 1972, p.4,
tradução e grifo nossos).
Thomas Wolf (1976)32 entrevistou quatro pianistas experts em leitura à
primeira vista com o objetivo de entender “os mistérios da leitura à primeira vista.”
Embora os pianistas entrevistados tenham fornecido informações relevantes sob
diversos aspectos e pontos de vista, Sloboda constatou que tais informações
denunciavam processos que eram, em grande escala, inconscientes e automáticos.
(SLOBODA, 2008, p.106). Assim ocorre com a maioria dos pianistas especialistas 33
e proficientes na leitura à primeira vista: adquirem esta capacidade por meio da
prática, na quantidade de experiências musicais que pressupõe esta habilidade
específica.

30
Wilhelm Martin Keilmann (1908-1989) foi pianista, mestre-capela, regente e compositor, além de ter
estudado violino. Nasceu na Alemanha e, como professor, desenvolveu intenso trabalho
pedagógico. Criou uma notável classe de piano, fato que lhe deu grande notoriedade, a ponto de
ser chamado para lecionar piano e composição no Conservatório Richard Strauss, em Munique,
onde trabalhou de 1959 a 1975. Nesse período escreveu seu método de leitura à primeira vista
para piano e outros instrumentos de teclado, traduzido do alemão para o inglês por Kurt Michaelis,
em 1972. (RISARTO e LIMA, 2010).
31
“The present method, based on practical experience, affords to teacher and pupil thorough
guidance in acquiring the faculty to sight-read precisely and correctly in the course of regular
lessons.”
32
Thomas Wolf: flautista e psicólogo. Motivado por sua dificuldade em ler à primeira vista as peças
que repentinamente eram colocadas à sua frente na orquestra onde trabalhava, entrevistou quatro
pianistas experientes sobre as suas habilidades de leitura à primeira vista. Os resultados e a
análise da pesquisa foram registrados em artigo citado neste trabalho. (WOLF, 1976).
33
A denominação “pianista especialista” neste trabalho, como já citado, representa o pianista de
orquestra, camerista, acompanhador ou coach (preparador).
30

Não foi diferente com a autora deste trabalho: as exigências da profissão


como pianista especialista, bem como as atividades como pianista acompanhadora
e camerista exercidas desde tenra idade, fizeram com que fossem criadas,
intuitivamente, estratégias próprias de leitura à primeira vista ao piano, para suprir a
falta de tempo hábil para uma preparação prévia do repertório a ser executado. Além
disto, o embasamento musical teórico e o incentivo à leitura de repertório novo
desde o início de seu estudo pianístico, colaboraram para aquisição desta aptidão.
Durante este processo de pesquisa, as habilidades que eram empíricas se
transformaram em estratégias e dados concretos, com base nas experiências e
estudos de pianistas, professores e pesquisadores de diferentes áreas, como as
áreas musical, psicológica e cognitiva.
A percepção (decodificação de padrões), a cinestesia (execução de
programas motores), a memória (reconhecimento de padrões), e a habilidade para
resolução de problemas (improvisação e suposições) são, portanto, capacidades
englobadas pela leitura à primeira vista. (LEHMANN e MCARTHUR, 2002, p.135).

3.1 DOMÍNIO DE ESCALAS, ARPEJOS E DEDILHADOS

3.1.1 Escalas e arpejos

Muitos estudantes de piano são capazes de tocar, em uma prova, repertório


de nível avançado tecnicamente, porém, quando lhes é exigido tocar uma
determinada escala não o conseguem fazer, tanto porque não têm o conhecimento
de que dedilhado usar, quanto por não conhecerem a estrutura da tonalidade
requerida.
O professor pode desempenhar papel importante no desenvolvimento do
aluno na prática de escalas, quando reconhece que estas podem propiciar o senso
da tonalidade ao aluno. Assim Rubinstein adverte:

A tendência do professor é confinar o aluno àquelas tonalidades que


contêm somente um pequeno número de sustenidos ou bemóis, pelo menos
nos primeiros anos de estudo. Há justificativa até certo ponto para essa
tendência, mas, em muitos casos, é levada muito além dos limites
da necessidade e é mais um ditar de um dogma do que uso de sabedoria.
[...] Por uma questão de senso prático, um tom envolvendo seis sustenidos
ou bemóis não é mais difícil que um tom envolvendo nenhuma alteração. A
31

facilidade de leitura consiste no senso da tonalidade e no reconhecimento


34
do tom. (RUBINSTEIN, 1950, p. 19, tradução nossa).

Segundo o autor, esta tendência por parte do professor geralmente resulta em


um sentimento de estranheza e medo quando o estudante é, finalmente,
apresentado aos tons que envolvem grande número de sustenidos e bemóis –
sentimentos que por vezes necessitam de anos para serem superados. O
reconhecimento do tom, sua estrutura e o sentimento de “estar em casa” em todas
as tonalidades maiores e menores, é de indispensável importância na leitura à
primeira vista porque induz o pianista e aluno a um ajuste natural e espontâneo à
progressão harmônica e modulação. Note-se que o autor não cita a prática das
escalas como mero “tecnicismo”, mas a fim de propiciar uma familiaridade com os
tons e escalas que porventura sejam a base para a execução de uma obra musical,
o que implica em um “conforto mental”:

Com a prática, pode-se aprender a tocar uma peça em qualquer tom, mas
uma leitura à primeira vista fluente implica em um conforto mental no que
diz respeito à audição, à visão e ao tato, ao ir de um acorde para outro, ou
de uma tonalidade para outra; implica em ações tomadas corretamente sem
um esforço deliberado, sem um cálculo laborioso, e sem hesitação.
35
(RUBINSTEIN, 1950, p. 20, tradução nossa)

Lembramo-nos do que assinalou Pace quando se referiu à responsabilidade


dos professores na formação musical inicial dos alunos de piano: “Estar apto para ler
em qualquer tonalidade é um componente essencial de uma boa leitura, e a analogia
aqui pode ser a de ensinar crianças a nadar antes que desenvolvam medo da água.”
36
(PACE, 1999, p.4, tradução nossa).
Quanto à familiarização com a tonalidade, acordes e outros aspectos da obra
a ser executada, Solomon (2002, apud RAMOS, 2005, p.50) recomenda que antes
do pianista tocar a peça pela primeira vez, deverá tocar a escala e as progressões

34
“The tendency of the teacher is to confine the student to those keys that contain only a small
number of sharps or flats, at least in the early years of study. There is justification up to a point for
this tendency, but in many cases it is carried far beyond the bounds of necessity and is more the
dictate of dogma than of wisdom. […] As a matter of practical common sense, a key involving six
sharps or flats is no more difficult than one involving none, the basis is facility in all of them
consisting of a sense of tonality and a recognition of key.”
35
“With practice one may learn to play a piece in any key, but fluent sight-reading implies mental
comfort with regard to the aural, the ocular, and the tactile in going from one chord to another, and
from one tonality to another; it implies action taken correctly without conscious effort, without
ponderous calculation, and without hesitancy.”
36
“Being able to read in any key is an essential component of good reading, and the analogy here
might be that of teaching children to swim before they develop a fear of water.”
32

de acordes comuns à tonalidade, como recurso para identificação dos materiais


sonoros. O autor chama a atenção para o reconhecimento imediato da tonalidade,
dos padrões rítmicos e melódicos, acordes, mudança da posição da mão e das
notas de menores durações. Rubinstein (1950, p.16) considera os reconhecimentos
da tonalidade e da sequência de notas derivadas dessa tonalidade de extrema
importância visual, auditiva e tátil. Afirma que é importante para o leitor à primeira
vista saber em que tonalidade ele vai ler, porque a tonalidade define o padrão das
teclas do piano que deverão ser tocadas.
Citando nossa experiência pessoal mais uma vez, recordamo-nos também
que nossos professores de piano exigiam sempre a execução das escalas
referentes à tonalidade da música, aos tons relativos e homônimo, antes de
executarmos qualquer que fosse a obra. Além disto, para cada escala deveria haver
a finalização com o seu encadeamento harmônico básico: I-IV-V-I, com
aproveitamento das notas comuns aos acordes. O objetivo exposto era o da
familiarização com a tonalidade e a estrutura harmônica da obra.
O conhecimento prático e básico da técnica pianística, segundo Rubinstein,
consiste na percepção das distâncias físicas entre os sons, seja em formação
fechada como em escalas, em formação aberta, como em arpejos, ou acordes
formados por grupos de notas:

A facilidade em tocar notas próximas umas das outras [graus conjuntos]


exige um conhecimento profundo de escalas; a facilidade em tocar notas na
formação aberta exige um conhecimento íntimo da tríade, sétima da
dominante, sétima diminuta e outros acordes de sétima no estado
37
fundamental e suas inversões. (RUBINSTEIN, 1950, p. 28, tradução nossa.)

O “conhecimento profundo” ao qual Rubinstein se refere reflete-se na leitura à


primeira vista de obras como a Sonata IV de Francisco Xavier Baptista38, cuja escrita
linear é baseada em arpejos e escalas. O reconhecimento das escalas e arpejos na

37
“Facility in playing notes in close formation requires an intimate knowledge of scales; facility in
playing notes in wide formation requires an intimate knowledge of the triad, dominant seventh,
diminished seventh and other seventh chords in root positions and inversions. Such facility is the
result not only of tonal knowledge, but also of its essential physical counterpart, fingerings. Without
correct and automatic finger reaction, tonal command is left hanging in the air by a tenuous thread.
[…] Pianistic knowledge can be acquired only by learning which fingers belong on certain keys in
certain tonalities, and being consistent in applying that knowledge.”
38
Francisco Xavier Baptista, compositor português que viveu durante a segunda metade do séc. XVIII
em Lisboa. Não há dados sobre a data de seu nascimento, porém documentos mencionam a sua
morte no dia 10 de outubro de 1797. (Das obras impressas que dele se conhecem, foram
impressas somente doze sonatas e uma modinha para duas vozes e cravo.)
33

partitura permite que o leitor já presuma os desenhos ou as notas que vêm a seguir,
evitando que o mesmo leia “nota por nota”. Dessa forma, o leitor passa a enxergar a
partitura priorizando os desenhos formados pelas notas, e não isoladamente cada
nota que os compõe.
A seleção dos compassos 1-8 e 24-40 dessa Sonata pode ser observada nas
figuras 1 e 2:

Figura 1: Sonata IV, c. 1-8


Fonte: BAPTISTA, 1981, p.23
34

Figura 2: Sonata IV, c. 24-40.


Fonte: BAPTISTA, 1981, p.24

Ao escrever a introdução do livro que contém as 12 Sonatas de F. X. Baptista,


Gerhard Doderer (1981) compara a forma, a escrita e o estilo das sonatas com as
obras de outros compositores de seu tempo ou anteriores a ele, como Seixas,
Scarlatti e Haydn:

Nos primeiros andamentos das suas sonatas, F. X. Baptista consegue [...]


englobar a muito importante evolução da sonata para cravo ou piano do
séc. XVIII: o caminho leva da simples sonata bipartida à maneira de Carlos
Seixas e de Domenico Scarlatti com muitas sequências e frequentes ecos,
até à perfeita forma da sonata clássica do estilo de Haydn. [...] Na
linguagem musical das ‘Dodeci Sonate’ reconhce-se frequentes vezes o
espírito galante e preclássico caracterizado pela vontade de marcar
contrastes entre tonalidades maiores e menores e também pelo uso de
tonalidades afastadas entre si, originando efeitos sonoros inesperados.
(BAPTISTA, 1981, p. IX)
35

O fato de o leitor conhecer e estar familiarizado com o repertório do mesmo


estilo faz com que ele possa reconhecer e prever padrões em diversos níveis:
estéticos, rítmicos, melódicos e até mesmo sonoros, ilustrados na expressão “muitas
sequências e frequentes ecos”, de Doderer. Esse comentário serve de reforço à
importância da leitura de um amplo repertório, defendida por autores como Dirkse:
“Sem a habilidade da leitura à primeira vista, os alunos precisam re-decifrar a
notação musical em cada nova peça, frequentemente resultando em incontáveis
horas de fatigante repetição.” 39 (DIRKSE, 2009, p. 2, tradução nossa)
Em seu “Guia para Leitura à Primeira Vista ao Piano”, Maydwell apresenta
uma série de sugestões de exercícios a fim de que o aluno obtenha uma orientação
segura no teclado e trabalhe suas habilidades motoras. O quarto exercício do
método consiste na prática de escalas e arpejos em diversas variantes, com ênfase
na orientação no teclado, e não no virtuosismo puro. A autora sugere que se toque
diversas variantes de escalas, sem olhar para o teclado: escalas maiores e menores
em movimentos direto e contrário, escalas cromáticas em movimento direto, arpejos
maiores, menores, de sétima da dominante e diminuta, escalas maiores e menores
em oitavas, escalas cromáticas em oitavas, arpejos em oitavas, etc. Além disto,
indica o trabalho com tríades e suas inversões, saltos e acordes invertidos e acordes
com notas comuns. (MAYDWELL, 2003, p. 17-19).
Sá Pereira (1964) já sugeria o mesmo procedimento, além da utilização do
ouvido como guia para localização no teclado: a de não olhar para o teclado durante
a leitura, principalmente se esta fosse à primeira vista.

O tempo que se gasta transportando o olhar, da página de música para o


teclado, e deste novamente para a peça em estudo, todo o tempo gasto
neste duplo percurso é tempo roubado à leitura, fatalmente mutilada por
inúmeras repetições, surpresas e hesitações. [...] Se, durante o estudo, o
aluno se prevaleceu apenas da vista em vez de consultar o ouvido, este, por
falta de função, não se desenvolve. [...] Todo o órgão privado da
oportunidade de funcionar, não só não se desenvolve, como acaba por se
atrofiar. (SÁ PEREIRA apud CORVISIER, 2009, p. 128)

Em seu trabalho sobre o tratado musical de Sá Pereira, Corvisier (2009,


p.130) cita que o autor estabelece como norma o aluno olhar só para a música e não
para o teclado durante a leitura de uma peça; e que durante as repetições de uma

39
“Without an ability to sight-read, students must re-decipher the musical notation with each new
piece, often resulting in countless hours of laborious repetition.”
36

passagem musical, o aluno deve olhar para os dedos e nunca para a música.
Segundo Sá Pereira, desta forma corrige-se a leitura e desenvolve-se fortemente o
senso de localização no teclado e a percepção auditiva.
Neste mesmo sentido, durante a leitura à primeira vista, o ouvir a música
parece fornecer um tipo de mecanismo de verificação. A audição permite ao músico
ter a certeza de que a transferência da informação dos olhos para os dedos foi
suave e precisa, e assim o olho fica liberado para passar para o próximo cluster
significativo. (WOLF, 1976, p.154).

3.1.2 Dedilhado

O dedilhado tem sido assunto de interesse por parte dos instrumentistas de


teclado, por este afetar significativamente as qualidades técnicas e expressivas de
uma performance. Raramente há um “melhor” dedilhado, pois alguns dedilhados
propiciam maior precisão e velocidade, outros melhores fraseado, articulação e
dinâmica, e outros, a memorização. Pianistas experientes tendem a enfatizar o papel
da interpretação musical na escolha do dedilhado, e não a decisão sob aspectos
técnicos ou ergonômicos. (PARNCUTT et al., 1997).
No caso de muitos instrumentos musicais, a principal interação entre o músico
e o instrumento são as mãos e os dedos. No entanto, “a prática pianística representa
um caso particularmente interessante no domínio físico da performance, porque um
grande número de dedilhados alternativos podem existir para praticamente qualquer
passagem da música.”40 (PARNCUTT et al., 1997, p.342, tradução nossa). Devido
até mesmo ao seu formato, como por exemplo, os instrumentos de sopro, alguns
instrumentos não possuem tantas opções de dedilhado como no piano, em que
qualquer um dos dez dedos pode ser eleito para executar uma nota ou pressionar
uma tecla. Segundo Parncutt e outros, não há um dedilhado padrão para uma nota:
o melhor dedilhado depende, quase inteiramente, do contexto físico (no teclado) e
musical (como expresso na partitura) em que ele aparece.
Last (1981, p. 88-89) aborda duas questões concercentes à escolha do
dedilhado: a primeira é que o aluno deve considerar a música como uma série de
grupos que são moldados para se adequar à mão; e a segunda questão é que, para

40
“Piano performance represents a particularly interesting case in the physical domain of performance
because very large numbers of alternative fingerings may exist for virtually any passage of music.”
37

uma boa leitura à primeira vista, o aluno deve aprender a olhar sempre adiante para
poder tomar decisões corretas acerca do dedilhado, já que este poderá estar
relacionado ao fraseado e às notas subsequentes. O autor fornece alguns exemplos
musicais que ilustram estas abordagens (figuras 3-6):

Figura 3: Exemplo 1 sobre a escolha do dedilhado


Fonte: LAST, 1981, p.88

O exemplo da primeira pauta da figura 3 consiste em dois grupos formados


por cinco notas, na posição dos cinco dedos. Em graus conjuntos, com o dedilhado
de cinco dedos da mão para cinco teclas consecutivas, esses grupos são
denominados por Last de “five-finger groups”. A identificação destes torna a escolha
do dedilhado uma escolha simples. Em contraste, o exemplo da segunda pauta da
mesma figura mostra as mesmas notas agrupadas em uma única frase, o que
acarreta na mudança de dedilhado, porém mantendo o reconhecimento do “five-
finger group”, desta vez a partir da segunda nota da frase.
O autor apresenta mais um exemplo (figura 4) que, semelhantemente ao
anterior, demonstra que a escolha do dedilhado depende do fraseado e da
continuidade da música, reforçando a idéia de que é necessário o pianista olhar e
compreender o que vem à frente para tomar esse tipo de decisão. As frases terão
dedilhados diferentes a partir do fraseado identificado.
38

Figura 4: Exemplo 2 sobre a escolha do dedilhado


Fonte: LAST, 1981, p.88

O terceiro exemplo de Last demonstra a importância da decisão de qual dedo


passará por baixo do polegar, em três passagens musicais com finalizações
diferentes, nas quais o “x” assinala o dedo que passará por cima do polegar:

Figura 5: Exemplo 3 sobre a escolha do dedilhado


Fonte: LAST, 1981, p.89

Os três exemplos (figuras 3-5) corroboram o conceito de que a prática das


escalas pode auxiliar o aluno de piano a automatizar dedilhados que serão utilizados
no seu repertório pianístico, bem como na leitura à primeira vista.
Olhar adiante pode determinar a escolha do dedilhado não só em passagens
com escalas, mas também com acordes quebrados e encadeamentos (figura 6):
39

Figura 6: Exemplo 3 sobre a escolha do dedilhado


Fonte: LAST, 1981, p.88

A escolha do dedilhado para este acompanhamento realizado pela mão


esquerda (figura 6) reside na forma dos acordes quebrados, seja nos acordes
precedentes ou posteriores.
Parncutt41 et al. (1997) desenvolveram uma pesquisa cujo objetivo foi o de
investigar as estratégias de dedilhado de pianistas de diferentes graus de
especialização, em diferentes contextos de performance, por meio de um modelo de
opções de dedilhado. Sua intenção era explorar as diferenças entre as previsões e
os dados, e “lançarem uma luz” sobre os condicionamentos cognitivos42 e músico-
interpretativos que não constassem do modelo. Dentre as conclusões citadas em
seu trabalho, encontramos a de que o condicionamento cognitivo facilitaria o
armazenamento (memória), a recuperação, e o processamento dos padrões de
dedilhado, aplicando dedilhados semelhantes em passagens musicais semelhantes.
(PARNCUTT, et al., 1997).
Justificando a importância do domínio do dedilhado de escalas, destacamos
aqui quatro maneiras de alcançar eficiência cognitiva inerente ao dedilhado
(CLARKE et al. apud PARNCUTT et al., 1997, p. 374-376):

41
Richard Parncutt é professor de Musicologia Sistemática na Universidade de Graz, na Austria.
Ensina e atua como pesquisador em musicologia e psicologia da música.
42
Cognição: Cognitione, que significa a aquisição de um conhecimento através da percepção. É o
conjunto dos processos mentais usados no pensamento e na percepção, também na classificação,
reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de
determinados sistemas e soluções de problemas. De uma maneira mais simples, podemos dizer
que cognição é a forma como o cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação
captada através dos cinco sentidos. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cogni%
C3%A7%C3%A3o.>
40

1. Pianistas podem aplicar um dedilhado padrão para escalas e arpejos,


sempre que padrões semelhantes às escalas e arpejos ocorrem na música.
2. Pianistas podem escolher dedilhados que lhe são familiares a partir de
outras peças do seu repertório. Tendo resolvido um problema de dedilhado em uma
peça, é possível transferir a solução do problema para uma passagem semelhante
que ocorra em outra peça.
3. O mesmo dedilhado ou um dedilhado semelhante pode ser usado quando a
mesma ou uma passagem semelhante ocorre dentro de uma mesma peça. Isto
acontece, por exemplo, quando o material temático da exposição de um movimento
de sonata acontece em um diferente tom no desenvolvimento ou reexposição. 43
4. Padrões de dedilhados podem estar relacionados às descrições estruturais
na música. Ou seja, os dedilhados podem, por exemplo, ser influenciados pelos
limites de frase, pela métrica, harmonia e acentos melódicos, um procedimento que
envolve não só a interpretação musical, mas também a cognição.
Destacamos os quatro pontos mencionados por Clarke porque se a música é
baseada em escalas e arpejos, como defende Keilmann (1972), qualquer padrão de
dedilhado de escalas e arpejos adquirido por meio de exercícios ou da prática de
repertório que se repita em peças ou situações semelhantes, pode ter relação com
uma das quatro abordagens citadas. Parncutt et al. também afirmam que todos os
pianistas têm, à sua disposição, um vasto repertório de dedilhados associados a
padrões musicais específicos de obras musicais, exercícios técnicos ou
improvisações. É provável que, principalmente a partir deste repertório, os
dedilhados sejam elaborados durante a sua execução e prática. (PARNCUTT, et al.,
1997, p. 377-378).
Sanna Ronkainen e Tuire Kuusi, do Departamento de Composição e Teoria
Musical da Sibelius Academy, na Finlândia, investigaram o papel do teclado com
respeito aos processos visual, auditivo e cinestésico requeridos na leitura à primeira
vista ao piano. A pesquisa envolveu cinco pianistas os quais leram duas
composições em diferentes estilos, à primeira vista: uma era tonal e a outra, atonal.
Com a coleta dos resultados e dados da pesquisa, Ronkainen e Kuusi (2009, p. 453)
concluiram que a escolha do dedilhado feita por pianistas na leitura à primeira vista é

43
Pianistas como Busoni e von Bülow adotaram ao extremo esta ideia, recomendando que peças
inteiras, em diferentes tonalidades, fossem tocadas com o mesmo dedilhado. (PARNCUTT, 1997,
p. 375)
41

um dos aspectos que dizem respeito às ações cinestésicas ou motoras. Os


dedilhados são dependentes, por exemplo, de condicionamentos cognitivos, que
incluem a habilidade de codificar e ponderar soluções de dedilhado relacionadas ao
contexto. O resultado do estudo mostrou que pianistas experientes utilizam
dedilhados aprendidos, ou seja, padronizados, que são consequência da percepção
de modelos visuais familiares, como escalas ou arpejos.
O conhecimento da clave e armadura, assim como o reconhecimento da
tonalidade, deveriam estimular no aluno a “reconstrução” de formas da mão já pré-
conhecidas e estabelecidas, o que justifica a necessidade do domínio das escalas,
arpejos e acordes derivados das suas funções harmônicas principais. O estímulo
visual deve provocar um resultado físico, mas a existência desse reflexo depende do
condicionamento e da “reconstrução” de movimentos pré-concebidos, como expõe
Rubinstein:

Tal habilidade é resultado não só do conhecimento tonal, mas também de


sua contraparte física essencial, o dedilhado. Sem uma reação correta e
automática do dedilhado, o comando tonal fica suspenso no ar por um fio
tênue. [...] O conhecimento pianístico só pode ser adquirido através da
aprendizagem do dedilhado certo para determinadas teclas e tonalidades,
e na medida em que se aplica este conhecimento. (RUBINSTEIN, 1950,
44
p.28, tradução nossa).

3.2 ESTÍMULO VISUAL: AÇÃO MOTORA E DOMÍNIO ESPACIAL DO TECLADO

Segundo Wolf (1976, p. 143), a leitura à primeira vista é um complexo


processo que parece envolver pelo menos duas habilidades distintas: a da leitura – o
músico precisa examinar e decodificar visualmente a notação musical – e a
habilidade mecância – o músico precisa posicionar seus dedos nos devidos lugares
no seu instrumento exatamente no momento certo. Ao explicar o por quê da amostra
para as suas entrevistas ter sido feita com a participação de quatro instrumentistas
pianistas, ressaltou que na leitura à primeira vista ao piano, o músico lê duas pautas
de música simultaneamente; outros instrumentistas, em contraste, lêem uma só por
vez, enquanto o maestro lê várias ao mesmo tempo. Desta forma, o pianista executa
uma tarefa visual que se situa entre os dois extremos da leitura à primeira vista.

44
“Such facility is the result not only of tonal knowledge, but also of its essential physical counterpart,
fingerings. Without correct and automatic finger reaction, tonal command is left hanging in the air by
a tenuous thread. [...] Pianistic knowledge can be acquired only by learning which fingers belong on
certain keys in certain tonalities, and being consistent in applying that knowledge.”
42

Como o maestro, ele deve ler mais que uma pauta ao mesmo tempo; mas, como
outro instrumentista, precisa coordenar o movimento dos dedos a partir do material
lido na partitura. (WOLF, 1976, p. 145).
Boris Goldovsky, que à época tentava implantar um método de ensino de
leitura à primeira vista, acreditava que ao lado do conhecimento dos padrões, havia
fatores mais importantes que levavam o pianista a ser ou não um bom leitor à
primeira vista. Afirmou que era preciso mudar o foco: para chegar ao cerne da
questão, a preocupação deveria estar voltada menos para o que o músico via na
partitura e dedicar-se mais atenção ao processamento cognitivo, que permite ao
intérprete transformar a imagem visual em um ato muscular. (WOLF, 1976,
p.152,163).
Palmer (1997, p.116) também explana sobre a habilidade motora/performance
sob o ponto de vista psicológico. Defende que falar, escrever e executar música
estão entre as formas de habilidades mais complexas de ação serial produzidas pelo
ser humano. Acrescenta que teorias seminais sobre o controle motor geralmente
usam a performance musical como o maior exemplo de habilidade motora.
Quando questionados sobre os detalhes de como é conhecer uma peça e
tocá-la bem, os músicos profissionais, em sua maioria, contam que “experimentam
uma mistura de tipos diferentes de imagens mentais, antecipatórias dos movimentos
físicos feitos por eles. Ouvem notas nas imagens mentais auditivas, vêem notas em
termos de vários desenhos abstratos, sentem as notas como antecipações
musculares.” Jourdain aponta que, para a maioria dos músicos, parece que o lugar
de maior destaque é ocupado pelas imagens mentais cinestésicas – “um desfile
fantasmagórico de antecipações musculares.” (JOURDAIN, 1998, p. 291-292).
Sloboda (2008, p.111-115) relaciona o processo da aplicação de variações
expressivas na leitura à primeira vista com três estágios principais:
1) a formação da representação mental da música a partir do exame da
partitura, a qual identifica os elementos que devem ser marcados de forma
expressiva durante a execução, como a repetição de padrões, a subdivisão de
unidades ou a estrutura métrica representada;
2) o acesso a um “dicionário” de variações expressivas, análogas às
marcações estruturais identificadas na peça;
43

3) a programação motora, que consiste na “montagem de uma sequência de


comandos aos músculos responsáveis pela execução, que revelarão na forma de
sons os dispositivos expressivos selecionados do ‘dicionário’”.
Apoiado em Schaffer (1982), Sloboda escreve que o comportamento motor
fluente resulta em alcançar objetivos previamente especificados mentalmente e não
em executar movimentos específicos. Da mesma forma, os comandos motores são
decorrentes de estímulos e objetivos que, no caso da leitura à primeira vista, são
originados pelos símbolos musicais contidos na partitura:

A execução humana hábil é raramente uma sequência rígida de


movimentos na qual cada movimento particular é disparado de forma
inflexível pelo movimento precedente, e nos fazem tomar consciência de
que a execução resulta de uma interação entre um plano mental que
especifica elementos intencionais do output e um sistema de programação
flexível “que aprendeu, pela experiência, a computar os padrões de
contração muscular que atingirão os objetivos em uma grande variedade de
condições iniciais.” (SLOBODA, 2008, p.115).

Sobre este conceito, Sloboda conclui que uma leitura à primeira vista fluente
exige duas sub-habilidades: um grau elevado de habilidade de representação, para
que o músico seja capaz de rapidamente construir um plano apropriado de
execução, e um grau elevado de habilidade em programação motora – para que o
músico seja capaz de executar uma sequência motora fluentemente, por inteiro, na
velocidade apropriada. (SLOBODA, 2008, p.117).
Com relação à associação entre a partitura e os movimentos motores gerados
por ela, Ronkainen e Kuusi (2009, p. 454) descreveram os resultados da sua
pesquisa que abordava o teclado e suas conexões com os processos visual, auditivo
e cinestésico45. Alguns dos pianistas participantes disseram que podiam ver e
reconhecer os acordes da partitura tonal apresentada. Este reconhecimento incluía o
acorde associado às teclas no teclado e, em conjunto com o padrão significativo

45
Cinestesia: “Conjunto de sensações pelas quais se percebem os movimentos musculares.”
Disponível em:<http://www.dicio.com.br/cinestesia/>; “É o sentido do movimento corporal e da
tensão muscular, provocados pelas forças mecânicas que influenciam os receptores nos músculos,
nos tendões e nas articulações. A cinestesia - literalmente, "sensibilidade ao movimento" - é um
dos nossos sentidos fundamentais. [...] informa, em suma, a respeito de todas as ações motoras.
Além disso, é responsável pela sensação de tensão e de esforço muscular. Os estímulos físicos
para as sensações cinestésicas são forças mecânicas que atuam sobre os receptores localizados
nos músculos, nos tendões e nas articulações do corpo. À medida que os músculos funcionam,
modificando as posições das partes do corpo, diversos padrões de pressões, nesses receptores,
fornecem a informação essencial para a orientação da ação motora. Há uma grande interação
entre essas sensações cinestésicas e outros aspectos de nossa experiência perceptual.”
Disponível em:<http://www.portaldapsique.com.br/Dicionario/C.htm.>
44

encontrado na partitura, o acorde remetia os intérpretes a certos movimentos


motores da mão e dos dedos.
A perfomance das duas peças (uma tonal e outra atonal) lidas pelos cinco
pianistas participantes do estudo de Ronkainen e Kuusi apresentou diferenças. De
acordo com os pianistas, era desnecessário olhar para o teclado durante a execução
da obra que era tonal, por causa da familiaridade com o estilo musical. Ao ler a peça
tonal, recorriam ao domínio espacial do teclado, além dos movimentos e dedilhados
pré-concebidos que lhes permitiam uma leitura à primeira vista fluente. Na partitura
atonal, entretanto, as notas pareciam dispersas na pauta e pareciam não conter
acordes ou qualquer outra característica que lhes fosse familiar. Por esta razão, os
pianistas sentiam a necessidade de olhar mais vezes para o teclado.
De modo geral, os comentários dos pianistas com relação à performance da
composição tonal fizeram referência a aspectos que envolviam a utilização implícita
de informações fornecidas pelo teclado, ao invés do feedback visual. Também
sugeriram que estes aspectos implícitos indicavam a formação de imagens nas
quais as três modalidades - visual, auditiva e cinestésica - estavam envolvidas.
Leschetizky,46 pianista e professor polonês, preocupava-se mais com
questões de musicalidade e interpretação do que com meios técnicos. Embora
insistisse em dizer que não tinha um método de ensino e nem teria um, declarou
certa vez que se ele tivesse um método, este seria baseado na delimitação mental
de um acorde. Newcomb47 explica o que Leschetizky quis dizer:

Muitas vezes, Leschetizky pedia ao aluno para fazer uma lista de todos os
acordes, bem como de grupos de notas, a fim de criar uma imagem deles
em sua mente, estudá-los e, ao mesmo tempo, moldar a mão de acordo
com esta imagem, antes de tocar as teclas. Ele chamava isso de “fisionomia
da mão”. (NEWCOMB, 1921, p.128, tradução nossa.)

Assim como podemos ouvir internamente, podemos também sentir os


movimentos. Por meio da partitura, o pianista imagina o formato da mão antes

46
Theodor Leschetizky (1830-1915) nasceu na Polônia e era pianista, professor e compositor.
Aprendeu com o pai as primeiras lições de piano e estudou em seguida com Czerny, em Viena.
Aos 18 anos era um virtuoso conhecido em Viena e além dela. A convite de seu amigo Anton
Rubinstein, foi para St. Petersburgo para ensinar e foi um dos fundadores do St. Petersburg
Conservatory of Music, em 1862. Em 1878 ele retornou a Viena e começou a criar o que seria uma
das mais eminentes escolas particulares de piano na história. Leschetizky ensinou até aos 85
anos, falecendo em Dresden.
47
Ethel Newcomb (1875-1959) foi aluna e assistente de Leschetizky. Escreveu o livro “Leschetizky as
I Knew Him”.
45

mesmo de tocar os acordes escritos. O pianista pode imaginar, por exemplo, se a


mão deve ter uma posição fechada ou aberta ou se, num acorde de três notas, as
duas inferiores estão próximas ou separadas, dependendo das inversões.
Entrevistado por Wolf, o pianista Goldovsky declarou que temos um
imaginário cinestésico, o que significa que podemos sentir as posições das teclas
pretas e brancas, a extensão das oitavas e de outros intervalos. Com uma imagem
mental precisa, podemos imaginar que estamos tocando piano, mesmo sem a
presença do teclado. (WOLF, 1976, p. 159).
Encontramos em Kochevitsky outro subsídio teórico que ampara esse
pressuposto, relacionando-o à técnica pianística:

Movimentos inadequados não são a causa de uma técnica deficiente, mas


um dos seus sintomas. Conhecer o sentido e o propósito de um movimento
é a primeira condição para o seu fluxo natural. […] A sensação muscular,
ligada empiricamente com o movimento intencional, é muito mais importante
para o desenvolvimento técnico do que a percepção da forma do
movimento. O virtuosismo é alcançado não por causa do conhecimento pré-
estabelecido das formas dos movimentos, mas graças ao treino da
capacidade de antecipar o movimento adequado para cada determinado
48
caso e conveniente para cada indivíduo. (KOCHEVITSKY 1967, p.16,
tradução nossa).

Segundo Robert Walker49 (1992), as informações contidas nas notações


tradicionais em música, desde a antiga China e da Grécia até as sociedades
modernas, eram suficientes para lembrar o executante das ações físicas que ele
tinha de fazer, as quais ele já sabia; tais notações não representavam ações ou
resultados sonoros que fossem desconhecidos do executante. O autor destaca que
a percepção audiovisual é altamente dependente de um conhecimento cinestésico e
da experiência do observador.
Por outro lado, em contraste a essa notação “histórica”, na notação musical
dos séculos XX e XXI o executante depende muito menos de uma recuperação de

48
“Inexpedient movements are not the cause of technical deficiency, but one of its symptoms. To
know the sense and purpose of a movement is the first condition for its natural flow. Consequently,
technical practice should always be joined with musical practice, with study of interpretation. […]
The muscle sensation connected empirically with purposeful movement is much more important for
technical development than the perception of movement form. Virtuosity is achieved, not because
of pre-established knowledge of the forms of movements, but thanks to the practiced ability to
anticipate the movement suitable to each given case and convenient for each individual.”
49
Professor de Música e Educação Musical na Inglaterra, Canadá e Austrália. Tem, no seu currículo,
a pesquisa das tradições da arte musical da música ocidental, desde a música medieval até a
música de vanguarda do século XX, assunto no qual é PhD pela London University. Já escreveu
sobre Percepção Musical, Música e Cultura, Currículo Musical e a distinção musical entre
educação e entretenimento.
46

comportamentos aprendidos do que do uso da imaginação para criar


comportamentos físicos novos e incomuns. Apesar da música moderna e
contemporânea poder ser considerada uma continuidade e não uma ruptura com a
música dos períodos precedentes, nem todas as abordagens empregadas para o
repertório destes períodos são as mesmas para o repertório dos séculos XX e XXI.
Ellen Thompson admite que neste tipo de música, por exemplo, os dedos devem se
ajustar a novas fôrmas como clusters, modelos escalares quartais, modais ou
sintéticos, enquanto a mente e os olhos devem absorver grupos de notas
largamente espaçados, ritmos intrincados, mudanças métricas etc. (apud
BARANCOSKI, 2004, p.109). Da mesma forma, Parncutt et al. também salientam
que as mudanças ocorridas no repertório musical e pianístico através dos tempos,
como as obras para piano dos séculos XX e XXI, requerem procedimentos para a
escolha de dedilhado e movimentos que eram desconhecidos anteriormente. (1997,
p. 377).
Sá Pereira (1964, p.17) aponta que o domínio espacial do teclado e o senso
de localização dependem do desenvolvimento da noção de distância. Sendo de
origem muscular, este domínio não se distingue da memória motora, trabalhada por
meio de repetições.
Beryl Rubinstein corrobora a importância da habilidade tátil no teclado no
reconhecimento e na percepção das distâncias, quando afirma que o conhecimento
prático da técnica pianística básica - a percepção das distâncias físicas entre os
sons - é de grande valor na aquisição da habilidade tátil, espacial, no teclado.
“Intervalos tonais e distância entre as teclas são conectados por meio de uma
relação que os torna parte indispensável um do outro”.50 (1950, p. 28, tradução
nossa). O autor aponta para o fato de que o conhecimento de intervalos é de grande
valor no desenvolvimento da leitura à primeira vista em geral. Entretanto, frisa que
esse valor é real e prático somente quando estes três componentes – visual (o que é
visto na partitura), auditivo (o que é ouvido por ser visto) e tátil (que é o resultado
físico dos dois primeiros) – são coordenados em completa integração. A proficiência
da leitura à primeira vista ao piano implica em total fluência na tradução de
impressões oculares e auditivas em uma realização tátil. (RUBINSTEIN, 1950, p.27).

50
“Tonal intervals and key distances are connected by a relationship which makes one an
indispensable part of the other.”
47

É inegável o papel relevante da visão ao considerarmos a relação entre a


partitura e a performance. Ao olhar para o teclado e para as mãos, os pianistas
podem monitorar a execução de desafios técnicos, tais como grandes saltos ou
cruzamentos de mãos. No entanto, podem ocorrer duas situações distintas: quando
a partitura foi amplamente estudada ou memorizada, o pianista não precisa se ater à
partitura e pode controlar visualmente o movimento de suas mãos; por outro lado,
durante leitura à primeira vista o contato dos olhos com a partitura é essencial, visto
que é necessário reunir rapidamente as informações sobre os eventos futuros.
Lehmann e Ericsson (1996, p. 5-6) apontam algumas diferenças entre as
exigências impostas pela performance em uma leitura à primeira vista e a
performance dos músicos que tocam uma música previamente ensaiada. Além da
aptidão na rápida identificação de padrões e da dependência do seu conhecimento
musical, os autores apontam o fato de que os leitores à primeira vista ficam limitados
apenas ao uso da partitura como guia dos movimentos das mãos e dedos, porque a
alternância do olhar entre a partitura e o teclado poderia romper a continuidade do
processo de decodificação e o acesso visual à partitura. Assim como Sá Pereira
(1964) e Maydwell (2003), Lehmann e Ericsson ressaltaram a necessidade do
pianista ter o domínio espacial e tátil do teclado, para que haja um contato maior
com a partitura sem a necessidade da visualização do teclado.
A leitura à primeira vista no teclado envolve interações complexas, como a
cognitiva, afetiva e a psico-motora. Nestas interações, dedos específicos devem
pressionar e liberar determinadas teclas numa sequência de tempos precisa com
níveis de dinâmica indicados. Os aspectos cognitivos da leitura à primeira vista
envolvem o reconhecimento, em fração de segundos, de vários sinais, símbolos e
estruturas musicais. A coordenação psico-motora provém da habilidade de tocar
com precisão em um fluxo de tempo, ritmo e intensidade. Na leitura à primeira vista
há tanto o reconhecimento de símbolos previamente conhecidos, como também a
antecipação do que pode ocorrer de forma diversa, portanto o bom leitor à primeira
vista combina dados cognitivos (intervalos, padrões de acordes, sequências e
repetições, por ex.) com sua experiência prévia. (PACE, 1999, p.3).
Robert Pace sugere cinco estratégias de ensino a serem aplicadas pelos
professores desde o início do estudo de piano, para desenvolvimento da leitura à
primeira vista (1999, p.4). As estratégias 2, 3 e 5 são concernentes ao uso da
48

habilidade tátil e à resposta psicomotora dos dedos; as estratégias 1 e 4 consideram


o aspecto visual do pianista e leitor:
1) Demonstrar a “visão periférica” desde a primeira aula, a fim de mostrar aos
alunos que é possível ter uma noção tátil dos dedos no teclado sem perder os olhos
da partitura.
2) Mostrar que as teclas pretas são essenciais no desenvolvimento da
sensibilidade tátil e espacial no teclado, para encontrar as notas através do tato, em
lugar da visão. – O uso das teclas pretas como um “braille musical” facilita a leitura
em qualquer tonalidade, seja ela maior ou menor.
3) Incentivar o aluno a manter os dedos dentro do teclado, em torno das
teclas pretas, devido à variedade de tonalidades e cromatismo em grande parte do
repertório “padrão”.
4) Estimular os alunos a desenvolverem "o olho que ouve e o ouvido que vê",
adquirindo as informações cognitivas que lhes permitem aprender por meio do
significado e da compreensão, ao invés da repetição puramente mecânica. Ou seja,
é fundamental ter conhecimentos como nome de acordes, intervalos, progressões
harmônicas e formas musicais. Tal pensamento musical deve fazer parte do início do
estudo do piano.
5) Demonstrar o movimento dos olhos da esquerda para a direita, na partitura.
Na leitura à primeira vista ao piano, os olhos focam os símbolos musicais, para
então o cérebro exigir respostas psicomotoras dos dedos. Os olhos rapidamente se
movem e focam a partitura novamente, fazendo isso em sequência e repetidamente,
adicionando novas informações. - A isto o autor denomina "thinking in motion".
Quando os olhos aprendem a “ouvir” os símbolos que têm de ler, é bom que o
pianista “escaneie” a peça antes de tocá-la, a fim de sentir o ritmo e identificar os
padrões da mesma.
Com relação ao movimento dos olhos na leitura à primeira vista, Lannert e
Ullman (apud LEHMANN e ERICSSON, 1996, p. 5) afirmam que é a qualidade do
movimento que é o fator importante, porque nem todos os movimentos oculares
prejudicam a leitura.
Segundo Kopiez e Galley (2002, p. 683), o desenvolvimento do
processamento visual dos músicos pode estar relacionado ao início precoce da
prática instrumental com a utilização da leitura. Isto corrobora o fato de que a
formação do aluno de piano pode influenciar o desenvolvimento das competências
49

relacionadas à leitura à primeira vista. Para estes autores, o padrão dos movimentos
51
“sacádicos” pode ser um medidor de velocidade do processamento mental. Em
meio às competências correlatas em música, modelos de movimentos oculares-
sacádicos provaram ser de central importância para a leitura musical, em especial
para a leitura à primeira vista. É por esta razão que estudos do movimento dos olhos
na leitura musical têm uma longa tradição. O estudo comparativo entre músicos e
não-músicos feito por Kopiez e Galley mostrou que durante a execução de tarefas
visuais-motoras simples, músicos profissionais produzem movimentos sacádicos
mais rápidos, mais eficientes e com mais movimentos antecipatórios em relação a
não-músicos. Várias pesquisas enfatizam a antecipação do conteúdo visual da
partitura, a fim dos músicos anteciparem as ações motoras necessárias para uma
boa performance.
De acordo com Jourdain (1998, p.285), quando o músico lê a uma distância
de visão normal, a área de visão coberta pela fóvea 52 é um círculo de
aproximadamente 2,54 cm de diâmetro na partitura. A fóvea absorve informações
por um quarto de segundo e depois pula para a próxima fixação. A área de 2,54 cm
é suficiente para cobrir um compasso numa pauta, mas não as diversas pautas com
que se defrontam pianistas e regentes. Apesar da expectativa ser a de que as
fixações dos olhos se movam constantemente para adiante, dificilmente isso chega
a ocorrer. Os movimentos dos olhos seguem a estrutura da música, focalizando os
pontos cruciais e musicalmente significativos, procedendo de maneira variada, ora
com deslocamentos verticais, ora horizontais.
Ilustrando o movimento dos olhos durante a leitura à primeira vista, Jourdain
(1998, p. 285-286) apresenta dois exemplos musicais: o primeiro com uma melodia
apoiada por acordes, no qual os olhos seguem um movimento padrão “para-cima-e-
para-baixo”; e o segundo é um exemplo contrapontístico com duas vozes se
movendo paralelamente, no qual os olhos trabalham indo para trás e para frente
(figura 7).

51
“Movimentos sacádicos são movimentos rápidos dos olhos realizados entre fases de fixação.”
(GRUHN et al. apud RODRIGUES, 2007).
52
A fóvea é um pequeno ponto no centro da retina que possui a acuidade necessária para a
identificação de objetos. Abrange apenas cinco por cento do campo visual. O restante da retina
distribui apenas o borrão da visão periférica. (JOURDAIN, 1998, p. 284).
50

Figura 7: Movimentos oculares durante a leitura à primeira vista.


Fonte: JOURDAIN, 1998, p. 286

Estes dois tipos de movimentos oculares revelam dois conceitos: que as


fixações são feitas de forma adequada e não escolhidas ao acaso e que a aptidão
para ler música fluentemente tem forte relação com a capacidade de entender
música fluentemente. (JOURDAIN, 1998, p. 286).
Sloboda (2008, p. 89) alega que olhar à frente pode não ser o único meio de
tornar a leitura mais fluente. A capacidade de antecipar pode ser resultado de
alguma outra habilidade, tal como a habilidade de detectar um padrão ou estrutura
na partitura, e a tentativa de olhar adiante não melhorará esta habilidade. O tipo de
movimento dos olhos não é, por si mesmo, a causa de uma boa leitura à primeira
vista, mas sim a consequência da capacidade de compreensão musical.
Keilmann (1972) admite que o desenvolvimento da habilidade motora ocular
ocorre quando buscamos reconhecer determinados padrões musicais no desenho
das notas. Da mesma forma que em um texto escrito, inicialmente lemos sílabas,
depois palavras, frases e assim por diante até adquirirmos uma leitura fluente, o
músico também é capaz de fazê-lo. Um bom leitor musical não lê notas, mas frases
e períodos musicais, que se baseiam em padrões formados por grupos de notas que
são reconhecidos como tal.

3.3 RECONHECIMENTO DE PADRÕES E UNIDADES

A leitura à primeira vista ao piano é uma tarefa que envolve uma série de
sobreposições perceptivas, processos cognitivos e motores. Uma leitura de
qualidade requer o desenvolvimento de habilidades como o reconhecimento de
padrões, previsão e a habilidade de gerar e utilizar representações auditivas.
51

Thomas Wolf (1976)53 entrevistou quatro pianistas experts em leitura à


primeira vista com o objetivo de entender “os mistérios da leitura à primeira vista.”
Os pianistas concordaram, unanimemente, que o reconhecimento de padrões
musicais, isto é, a identificação de configurações que lhes fossem familiares, era
uma condição essencial para a leitura à primeira vista. Um dos pianistas assim
respondeu:

Você lê padrões. Quanto mais você lê à primeira vista, mais você lê


padrões. Esta é uma das coisas que faz um bom leitor à primeira vista: ele
não olha especificamente para uma nota – ele olha para a página de uma
54
forma muito geral e enxerga um padrão. (WOLF apud WOLF, 1976, p.
145, tradução nossa).

A configuração das notas em uma partitura deve ter a mesma função que as
letras para o leitor num texto de linguagem literária. Ambos, notas e letras, são
partes da construção de uma unidade maior. É essa unidade maior, não as notas ou
letras, que é usada pelo leitor ou músico. Em música, notas são análogas às letras:
assim como o leitor que procura palavras e não letras, o músico não lê nota por
nota, mas procura por padrões musicais familiares. (WOLF, 1976, p. 145).
O texto a seguir serve de exemplo para a visão global tanto do leitor (literário)
quanto a do músico:

“De aorcdo com uma peqsiusa


de uma uinrvesriddae ignlsea,
não ipomtra em qaul odrem as
Lteras de uma plravaa etãso,
a úncia csioa iprotmatne é que
a piremria e útmlia Lteras etejasm
no lgaur crteo. O rseto pdoe ser
uma bçguana ttaol, que vcoê
anida pdoe ler sem pobrlmea.
Itso é poqrue nós não lmeos
cdaa Ltera isladoa, mas a plravaa
cmoo um tdoo.”
53
Thomas Wolf: flautista e psicólogo. Motivado por sua dificuldade em ler à primeira vista as peças
que repentinamente eram colocadas à sua frente na orquestra onde trabalhava, entrevistou quatro
pianistas experientes sobre as suas habilidades de leitura à primeira vista. Os resultados e a
análise da pesquisa foram registrados em artigo citado neste trabalho. (WOLF, 1976).
54
“You read patterns. The more you sight-read, the more you read patterns. That's one of the things
that makes a good sight-reader; he is not looking specifically at a note; he is sort of looking at the
age in a very general way and he sees a pattern.”
52

Assim como somos capazes de traduzir e prever as palavras desse texto


transcrito, uma mente musical bem treinada pode prever como os padrões rítmicos
serão transformados, como as melodias serão transpostas, os acordes preenchidos
e as frases concluídas, como aponta Jourdain (1998, p. 286).
Assim como na leitura literária, a leitura musical depende da familiaridade
com as estruturas e seus significados. Sloboda (2008, p. 103-104) aplicou, em uma
série de experimentos, um recurso que consistia em expor partes de um desenho ao
olhar de leitores músicos e não-músicos, por durações curtas, menores que uma
única fixação. Apresentou-lhes diversos símbolos grafados em pentagramas, porém
sem o caráter de notas musicais – apenas sinais que formassem um “contorno”,
como um gráfico no pentagrama. A habilidade de reter o contorno desenhado pelos
símbolos foi considerada boa quando estes formavam uma linha “reta” ascendente
ou descendente ou quando esse “contorno” continha apenas uma mudança de
direção. Apesar de não terem tempo hábil para adquirir informações precisas a
respeito da posição das notas no pentagrama, era possível distinguirem uma
informação mais global acerca do contorno das notas. O que Sloboda notou é que a
habilidade para usar as informações sobre esse desenho ou contorno parecia
depender da experiência musical:

O leitor de música parece estar preparado, em particular, para armazenar


informações sobre padrões de escalas e arpejos, o que sugere que tais
informações são usadas na leitura “normal”. Isso pode ocorrer devido ao
fato de tais padrões serem geralmente associados a padrões de
movimentos estereotípicos dos dedos e das mãos, de modo que a
identificação rápida e prévia permite adiantar o planejamento motor.
(SLOBODA, 2008, p.104).

O autor acrescenta que se alguém conseguir identificar corretamente a


primeira nota de um desses padrões e tiver algum conhecimento de sua estrutura
harmônica, a identificação do contorno ou desenho formado pelas notas será
suficiente para indicar a ação necessária. O conhecimento de pesquisas e
argumentações sobre a detecção de padrões e o olhar sempre adiante pode
favorecer o trabalho do professor para a sistematização de estratégias que visem à
orientação dos alunos nos processos de aprendizagem de leitura, defende Ramos
(2005, p. 54).
Devido ao seu desenvolvimento de hierarquias mentais profundas e flexíveis,
o virtuoso passa a se preocupar com estruturas musicais mais amplas. Quando o
53

músico trabalha com essas grandes estruturas, tem tempo de considerar todos os
atos musicais, antes mesmo de serem executados. Desta forma, “não é mais
acossado pela aglomeração de notas nem sua atenção pulverizada por uma
explosão de detalhes.” (JOURDAIN, 1998, p. 291). A obtenção do fortalecimento
dessa profunda hierarquia motora gerada pela partitura acontece, porém, somente
após a sua prática assídua.
A leitura à primeira vista impõe restrições em tempo real, o que demanda a
utilização de mecanismos cognitivos, segundo Lehmann e Ericsson (1996). Estes
apontam que as exigências do trabalho de memória são notavelmente diferentes
entre os pianistas solistas e os pianistas acompanhadores. Durante uma
performance sem estudo prévio (numa leitura à primeira vista), o pianista deve
identificar rapidamente os padrões musicais e gerar um plano adequado de
execução, usando a notação como parâmetro e antecipando a continuação da
música. Em contraste, a performance previamente ensaiada é baseada na
recordação livre e no conhecimento da sequência em que as notas acontecem.
(LEHMANN e ERICSSON, 1996, p. 4, 6).
Vale ressaltar mais uma vez que o reconhecimento destes padrões deve vir
acompanhado do conhecimento prévio das estruturas musicais, como afirma
Solomon, quando destaca a relevância do conhecimento da gramática musical:
“Necessita-se estar muito familiarizado com o reconhecimento formal, intervalos,
tonalidades, escalas, acordes, estrutura melódica, e análise visual.” (SOLOMON
apud RAMOS, 2005, p. 55). Portanto, pode-se considerar que:

A familiaridade com o instrumento, o desenvolvimento da capacidade de


realizar, de imediato, padrões rítmicos e melódicos e a agilidade para
identificar e relacionar tais padrões na partitura, são fatores determinantes
que influenciam na precisão da primeira realização do texto musical ao
instrumento. (RAMOS, 2005, p.55)

Lehmann, Sloboda e Woody reconhecem na codificação de padrões um


importante conceito psicológico, o qual denominam “chunking”. Este conceito está
relacionado com o modo como humanos processam informações. Ao invés de
processarmos informações através de pequenos pedaços, tendemos a identificar
modelos ou padrões que nos permitem processar diversas unidades ao mesmo
tempo. Isso acontece devido à absorção das informações que são agrupadas
perceptivamente em unidades significativas. Portanto, os chunks são pequenas
54

unidades ou agrupamentos com um significado musical, podendo uma seção


musical conter vários chunks. A sequência e a probabilidade de certas ocorrências
na música nos auxiliam a estabelecer este significado. Tomemos como exemplos: o
acorde de sétima da dominante que resolve na tônica; melodias que têm quatro ou
oito compassos; padrões táteis no teclado que formam acordes. O chunking é, em
essência, “um mecanismo de memória, que liga a nossa percepção ao
conhecimento previamente armazenado.” (2007, p. 111-112).
Sob o mesmo aspecto do armazenamento de informações, Caroline Palmer
afirma: “Durante a performance, estruturas musicais e unidades são recuperadas da
memória de acordo com a interpretação conceitual do executante, e são então
preparadas para produção e transformadas em movimentos apropriados".55
(PALMER, 1997, p. 116, tradução nossa).
Segundo Lehmann e McArthur (2002, p. 135), “a habilidade de execução com
pouco ou nenhum ensaio pode ser considerada uma atividade reconstrutiva, que
56
envolve um alto nível de processo mental.” (tradução e grifo nossos). Visto que o
chunking é o processo de organização do material musical em blocos, este
reconhecimento de modelos ou padrões familiares pode se dar de diversas formas:
reconhecimento de padrões de escalas, acordes, intervalos, ou outros motivos,
como frases que se repetem no decorrer da partitura.

3.3.1 Escalas e graus conjuntos

Maydwell (2003, p. 36) apresenta o Mikrokosmos n.68, de Béla Bartók (figura


8), como exemplo da identificação de padrões de escalas:

55
“During a performance, musical structures and units are retrieved from memory according to the
performer’s conceptual interpretation, and are then prepared for production and transformed into
appropriate movements.”
56
“The ability to perform with little or no rehearsal may be regarded as a reconstructive activity that
involves higher-level mental processes.”
55

Figura 8: Mikrokosmos, Vol. 3, n.68, c. 1-3


Fonte: BARTÓK apud MAYDWELL, 2003, p.36

Ao usar este exemplo, a autora chama a atenção para o fato de que o


primeiro compasso da pauta superior pode ser lido como oito notas individuais, mas
pode ser lido também como uma unidade: a escala de ré maior com movimentos da
tônica à mediante, e em seguida da tônica à subdominante. Acrescentamos que este
modelo pode se estender até o início do segundo compasso, ou seja, um movimento
da tônica até a dominante do tom. Tão importante quanto o reconhecimento dos
padrões é a repetição dos motivos musicais na mesma peça, complementa
Maydwell, por já terem sido trabalhados e se tornado familiares ao intérprete. Como
exemplo, cita o Mikrokosmos n.81, de Béla Bartók (figura 9):

Figura 9: Mikrokosmos, Vol. 3, n. 81, c. 1-13


Fonte: BARTÓK apud MAYDWELL, 2003, p.36.

Nesta peça (figura 9), diversas vezes podemos encontrar o movimento de


cinco notas descentes, tanto na mão direita quanto na mão esquerda. Maydwell
observa que um dedilhado adequado pode auxiliar a encontrar rapidamente o chunk
56

na música. Nesta peça, o próprio compositor indica o mesmo dedilhado quando há a


repetição do motivo, o que ressalta a importância de se olhar várias notas como
grupos, breves motivos e figuras e, principalmente, reconhecer sua repetição.

3.3.2 Intervalos

Os leitores mais hábeis não processam a melodia nota por nota. Durante as
fixações realizadas pelos olhos na partitura, há um grande número direcionado às
áreas entre as notas, onde não há informação disponível (GOOLSBY apud SAXON,
2004, p.24). Por esta razão Saxon orienta a que se dê mais ênfase aos intervalos ao
invés dos nomes das notas, no momento da leitura. Há evidências de que os olhos
não olham diretamente para cada nota; em vez disso, olham entre as notas para
medir os intervalos.
Assim como Saxon (2004), Keilmann já enfatizava a leitura por meio de
intervalos em seu método de leitura à primeira vista, “Introduction to Sight Reading”
(1972, p.16-21). Nele, o autor orienta o intérprete a utilizar alguns “atalhos” na hora
da leitura dos intervalos, sejam eles harmônicos ou diatônicos.
As notas que formam o intervalo de 2ª só podem ser escritas uma ao lado da
outra e, portanto, é um intervalo claramente visível.

Figura 10: Intervalos de 2ª.


Fonte: KEILMANN, 1972, p. 16.

A 3ª também é um intervalo facilmente reconhecível e, assim como os


intervalos de 5ª e 7ª, possui ambas as notas escritas nas linhas ou nos espaços da
pauta.
57

Figura 11: Intervalos de 3ª, 5ª e 7ª, respectivamente.


Fonte: KEILMANN, 1972, p. 16-17.

Por outro lado, para se distinguir os intervalos de 4ª, 6ª e 8ª dos demais,


deve-se observar que apenas uma das notas desses intervalos estará escrita em
uma linha ou espaço da pauta.

Figura 12: Intervalos de 4ª, 6ª e 8ª, respectivamente.


Fonte: KEILMANN, 1972, p. 16-17.
58

3.3.3 Acordes

Sabemos que o acorde é comumente definido como notas que são


executadas simultaneamente. Apesar disto, um acorde pode estar “implícito” quando
as suas notas não são tocadas ou ouvidas ao mesmo tempo e sim uma após a
outra. Desta forma acontece o denominado arpejo, ou acorde quebrado, muito
usado em acompanhamentos. Para o leitor à primeira vista, estas implicações
devem ser traduzidas (e convertidas) mentalmente em acordes, que serão “re-
traduzidos” para a sua execução, conforme atesta Rubinstein (1950, p. 22). Esse
processo pode ser visualizado nos exemplos dados pelo autor (figuras 13 e 14):

a)

b)

Figura 13: a) Percepção e reconhecimento; b) Conversão mental em acordes.


Fonte: RUBINSTEIN, 1950, p.23
59

a)

b)

Figura 14: a) Percepção e reconhecimento; b) Conversão mental em acordes.


Fonte: RUBINSTEIN, 1950, p. 23-24.

Gudmundsdottir (2010, p. 334) destaca que os experts em leitura musical,


além de olhar mais à frente, têm a habilidade de perceber a notação musical em
chunkings maiores de informação do que os leitores menos proficientes. O
agrupamento de informações musicais em uma partitura (chunking) depende da
percepção de clusters ou organismos identificáveis como padrões tonais ou rítmicos.
A autora aponta para os estudos experimentais de Grutzmacher (1987) e MacKinght
(1975), os quais demonstraram a importância do reconhecimento das estruturas
familiares como acordes, frases musicais ou tonalidades para o êxito de uma leitura
musical. A maior habilidade dos experts está em transformar instantaneamente esse
reconhecimento de padrões em uma produção motora.
Andrew Wolf, entrevistado por Wolf (1976, p. 146), afirmou que no caso da
leitura à primeira vista, ninguém pode ler nota por nota, porque não há muito tempo
para isso. Quando vê um acorde de três notas, o pianista experiente não lê as três
notas separadamente e posiciona os dedos um após o outro - ele vê o padrão e o
executa.
60

Tomemos como exemplo o Prelúdio nº 3 de Kabalevsky (figura 15). Pode-se


notar que cada tempo do compasso é formado, na sua maioria, por uma tríade ou
sua inversão:

Figura 15: Prelúdio n.3 op.38. c. 1-4


Fonte: KABALEVSKY, 1966, p.6

Quando há o reconhecimento prévio dos acordes por meio de rápido olhar na


partitura antes da sua execução, é possível a previsão das notas que sucedem a primeira
nota de cada arpejo. Nesse exemplo (figura 15) o olhar não deve se fixar em cada nota,
mas sim em uma “camada” de notas, com uma abrangência maior. Deve-se perceber os
movimentos ascendentes e descendentes de cada sequência de quatro notas. Enquanto
o primeiro bloco ou agrupamento de notas é tocado, o foco já estará voltado para o
próximo grupo de notas da pauta, permitindo que o intérprete possa voltar sua atenção
para a solução de qualquer outra questão ou problema, conforme expõe Lehmann e
McArthur:

Estudos sobre o movimento dos olhos também mostram que, com o


aumento da familiaridade com a obra, as fixações se tornam mais curtas e o
movimento dos olhos se tornam mais longos, provavelmente porque parte
das informações são já conhecidas. [...] Uma maior abrangência perceptiva
aponta para chunks maiores na memória, o que significa que os intérpretes
podem dedicar mais atenção à solução de outros problemas de
performance, como por exemplo, assegurando-se de passagens pouco
claras ou planejando dedilhado ou saltos. (LEHMANN e McARTHUR, 2002,
57
p.139, tradução nossa).

57
“Eye-movement data also show that, with increasing familiarity with the music fixations become
shorter and eye movements longer, presumably because part of the information is already known.
(…) Larger perceptual spans point to larger chunks in memory, which means that the players can
devote more attention to the solution of other performance problems, for example, reassuring
themselves of unclear passages or planning fingerings and jumps.”
61

O reconhecimento dos padrões na partitura também é essencial na leitura à


primeira vista de peças como o Prelúdio nº 6 (figura 16), no qual, além dos
agrupamentos formados por notas de tríades, é possível a identificação do uníssono
que ocorre entre as duas mãos. Uma leitura prévia da partitura antes de sua
execução ao teclado seria suficiente para indicar que a visão poderia estar focada
na leitura de apenas uma das mãos ou pautas da partitura, pelo fato de que uma
mão acompanha a outra em uníssono.

Figura 16: Prelúdio n.6 op.38. c. 1-4.


Fonte: KABALEVSKY, 1966, p.16.

Se o pianista que lê à primeira vista vê um acorde formado pelas notas fá, lá


dó e mib, por exemplo, automaticamente pode pensar no acorde de fá com sétima
(F7); se ele vê uma passagem de uma escala em semicolcheias, com a extensão do
primeiro ao terceiro tempo do compasso, pode processar estas notas como um
único chunk. Para o leitor à primeira vista que pode reduzir uma série de notas
impressas em mensagens por blocos, a leitura à primeira vista será relativamente
fácil. O que acontece com o leitor menos capacitado é que ele possui menos
habilidade para condensar as informações. Assim, as unidades significativas com as
quais ele tem de lidar são menores e mais numerosas do que as de um leitor
experiente. O resultado disso é a maior quantidade de erros, pois haverá uma
sobrecarga de informações (inputs) na memória de curto prazo. (WOLF, 1976,
p.156).
62

3.4 COMPREENSÃO RÍTMICA

Estudos têm demonstrado que uma boa leitura rítmica tem uma alta
correlação com o sucesso da leitura à primeira vista. Muito da informação musical é
codificado na métrica e no ritmo, e a informação de tempo é o que move a música
adiante.
Neuhaus58 declara que a performance musical desprovida de um núcleo
rítmico, da lógica de tempo, é apenas um ruído musical. O aluno que não tem, como
seus fundamentos, uma completa compreensão do tempo e do ritmo da obra, muda
o tempo sem nenhuma razão musical, pois a interpreta sem uma concepção prévia
(1993, p.31).

Esta sensação de tempo é muito aparente em alguns pianistas quando, por


exemplo, tocam à primeira-vista a quatro mãos. Aquele que é apenas um
pianista, quando confrontado com uma dificuldade, desacelera, para,
corrige-se, repete, enquanto o músico que sente a fluência do ritmo vai, sim,
deixar de fora alguns detalhes, omitir alguma coisa, mas nunca vai parar,
nunca vai perder o ritmo, ou se perder na música. (NEUHAUS, 1993, p. 34,
59
tradução nossa.)

Para Tacchinardi (1954), o ritmo é imutável e um elemento essencial na


música: “Se em uma frase musical tiramos ou trocamos o ritmo existente, dizemos
outra coisa e não é mais a mesma expressão nem o mesmo conteúdo da idéia,
porque o elemento ritmo é a parte substancial da música.” (TACCHINARDI, 1954, p.
22).
Assim se expressou Whiteside60 (1997, p. 7-8,14) acerca do ritmo: é o único
coordenador possível do sincronismo perfeito; é uma ferramenta simples e
adequada para desenvolvimento do sentimento formal; é o núcleo da ação
combinada do completo mecanismo do tocar; é a base da boa leitura à primeira

58
Heinrich Neuhaus (1888 - 1964), pianista e professor nascido na Ucrânia. Escreveu o livro “The art
of piano playing” (1933). Uma das coisas em que ele acreditava era a de que um pedagogo deve
antes de tudo ser um professor de música, o que significava levar o aluno a compreender a arte
musical, suas ideias e conteúdo emocional. Ele costumava dizer: "Primeiro você tem que saber o
que tocar e, posteriormente, como tocar.”
59
“This feeling for time is very apparent in some pianists, for instance when sight-reading four-hands.
One who is only a pianist will, when faced with a difficulty, slow down, stop, correct himself, repeat;
while the musician who feels that ‘everything flows’ […] will rather leave out some detail, omit
playing something but will never stop, will never lose the rhythm, or lose his place.”
60
Abby Whiteside (1881-1956), professora de piano americana que defendia a atitude de ter o braço
como maestro de uma imagem musical concebida em primeiro lugar na mente.
63

vista. Segundo a autora, só pessoas que trabalham sob a influência do ritmo são
capazes de realizar proezas na leitura à primeira vista.

3.4.1 A Música de Conjunto

Segundo Maydwell (2003), existem três áreas que devem ser trabalhadas
simultaneamente para o desenvolvimento da leitura à primeira vista: a leitura guiada
(tocar a mesma música junto com os alunos); a orientação no teclado (a execução
dos sinais usando movimentos motores que independem da necessidade de olhar
para o teclado); e a leitura dos símbolos musicais (o rápido reconhecimento do
material na partitura). Quando defende o método do aluno tocar junto com o
professor (seja a dois pianos ou abaixo ou acima do aluno, no teclado), a autora
aponta os benefícios de se tocar a dois: além do aluno não poder correr nem ficar
para trás, o mesmo se sente muito mais confortável ritmicamente quando apoiado
no professor. Desta forma, com o ritmo e o tempo seguros, o aluno tem mais tempo
para refletir em questões musicais expressivas. Entretanto, Maydwell salienta que
não usa este método isoladamente, pois tem consciência da necessidade da
independência rítmica do aluno e a tem como um importante elemento no
entendimento da linguagem musical (MAYDWELL, 2003, p.14-15).
Recordamo-nos que, no início de nossos estudos musicais (entre sete e oito
anos de idade), as primeiras peças ao piano eram feitas a quatro mãos com o
professor, tanto em aula como em apresentações. Faziam parte do repertório obras
e reduções escritas para piano a quatro mãos de Diabelli, Mozart, Haydn, Béla
Bartók e composições avulsas. Citamos este fato por acreditar na relação existente
entre a prática deste tipo de execução e o desenvolvimento do senso rítmico,
assinalado como sub-habilidade na proficiência da leitura à primeira vista.

3.4.2 A deficiência de leitura

Sá Pereira (1933) declarou que a deficiência de leitura é uma das mais graves
causas dos erros cometidos pelos alunos. Sugere que esta deficiência deve ser
remediada pelo estudo intensificado de solfejo e teoria elementar (o que inclui o
aspecto rítmico), além da harmonia.
64

A deficiência no processo de leitura quanto ao aspecto rítmico também foi


destacada por Otavio Batista Maul, quando ao relacionar a compreensão rítmica e a
formação musical do indivíduo, escreveu:

O ritmo é coisa que o indivíduo “sente” independente de qualquer esforço


ou análise, e esta capacidade de sentir é relativa ao grau de musicalidade
do indivíduo. [...] Evidentemente, a dificuldade está é na apreensão do
sentido rítmico expresso pelos símbolos gráficos; no estabelecimento da
justa relação entre os valores. E nesse caso, ainda que o indivíduo possua
o senso rítmico, não será capaz de traduzir ao vivo as figuras musicais sem
que tenha sido prévia e suficientemente “musicalizado”. E assim podemos
distinguir musicalidade e musicalização. (MAUL, 1938, p.43)

A professora Nayde Jaguaribe de Alencar (1944) classifica a falta de


capacidade de decifrar o significado rítmico como um dos erros frequentes
cometidos por um aluno ao ler uma peça nova:

Quanto aos erros de ritmo, também esses denunciam logo um ensino inicial
mal conduzido, no qual o aluno aprende a conhecer os valores
teoricamente, a ponto de saber responder às perguntas que lhe faça o
mestre, sem ter entretanto criado automatismos na concepção das
proporções existentes entre certa unidade de tempo e as suas subdivisões.
(ALENCAR, 1944, p.15,16)

Já neste tempo, Alencar encontrava questões determinantes para escrever o


trabalho “Deficiência de Leitura – Obstáculo ao progresso pianístico”. A deficiência
de leitura ao piano pode ser decorrente do tipo de musicalização e formação a que o
músico pianista foi submetido:

Devemos ter em vista a situação do professor que, não raras vezes, recebe
alunos mal preparados que, durante a fase inicial do ensino, não foram
orientados de maneira conveniente. Isto o obriga a ministrar, mesmo a
alunos do curso superior, conhecimentos básicos que lhes deviam ter sido
transmitidos pelo primeiro mestre. (ALENCAR, 1944, p.3)

Os erros rítmicos são os erros mais frequentes na leitura à primeira vista e


envolvem a leitura imprecisa das durações individuais das notas. Segundo Dirkse
(2005, p. 17-18), a capacidade de agrupar valores rítmicos individuais em unidades
rítmicas maiores pode prevenir problemas comuns de ritmo e permitir aos leitores
focarem a sua atenção em outros elementos de leitura e execução. Pesquisas
demonstram que os erros relacionados ao ritmo superam os outros tipos de erros
cometidos na leitura à primeira vista. Tais erros frequentes de ritmo podem ser
65

vencidos e evitados se houver uma análise prévia da partitura para observação das
informações relevantes e para realização de um breve ensaio mental (McPherson
apud ZHUKOV, 2006, p.3). Figuras rítmicas menos frequentes devem ser
observadas e “resolvidas” mentalmente antes de serem executadas.
Dra Katie Zhukov baseou-se nos estudos de McPherson (1994), Salzberg e
Wang (1989) e Colley (1987) para catalogar atitudes práticas a serem tomadas
antes da execução à primeira vista de novos materiais em aula, pelo professor e
aluno. São elas: considerar o compasso; discutir a escolha do andamento; fazer uma
“varredura” da música juntos, professor e aluno, observando ritmos incomuns tais
como quiálteras, notas muito lentas ou rápidas, ligaduras e pausas; vocalizar o ritmo
enquanto se marca os tempos com os pés ou as mãos; fazer as leituras das mãos
direita e esquerda pelo professor e aluno, respectivamente, e vice-versa; por fim,
permitir que o aluno toque o exemplo musical.

3.4.3 Os agrupamentos rítmicos

Como visto anteriormente, nosso cérebro sempre busca uma forma de


codificar e unificar as informações recebidas, ou seja, está sempre à procura de
inícios e términos de idéias completas, objetos musicais que façam sentido. O ritmo
representa um papel importante neste sentido “organizacional”, pois permite que o
cérebro delimite inícios e fins por meio de marcadores rítmicos. Jourdain (1998,
p.170), no capítulo “Juntando Bocados” de seu livro, comenta que sem essas
delimitações o cérebro seria rapidamente esmagado por um aglomerado de
informações. Ao comparar este fenômeno com o da linguagem, acrescenta que os
marcadores rítmicos simplificam a percepção de hierarquias na compreensão parcial
de frases e subfrases.
Segundo Sloboda (2008), há configurações de altura e ritmo em muitas
melodias, as quais o leitor pode aprender a reconhecer como unidades. Além do
reconhecimento de padrões que ocorrem com mais frequência, a leitura musical
pode ser sustentada por uma estratégia mais geral de agrupamento de notas que
inclui modelos novos. Sob o ponto de vista rítmico, o autor afirma que uma dessas
estratégias seria o agrupamento de acordo com a métrica nas obras que tiverem
uma métrica regular. Uma vez que as frases musicais são geralmente definidas
metricamente, este organizador métrico pode servir de auxílio para a fluência
66

musical, na medida em que incorpora um pulso regular, ao qual se podem fixar o


movimento dos dedos. O princípio geral é que este organizador especifica quando
cada nota em um grupo deve ocorrer. (SLOBODA, 2008, p. 94-95).
A peça n.137 do Mikrokosmos, de Béla Bartók (figura 17), serve como
exemplo para padrões rítmicos como organizadores. Os agrupamentos são
delimitados pelo próprio autor por meio de ligaduras de frase. Nesse exemplo, além
da repetição dos padrões rítmicos, podem-se considerar a percepção da distância
entre as notas (intervalos), o uníssono e os movimentos paralelos entre as duas
vozes como recursos para otimização da leitura.

Figura 17: Mikrokosmos, vol. V, n. 137, c. 1-10.


Fonte: BARTÓK, 1940, p.35.

Para Henrich Neuhaus (1993, p. 33), a palavra pianista incluía o conceito de


maestro. Incitava os alunos a que quando estudassem uma obra, agissem como um
maestro, a fim de dominarem um aspecto primordial, a estrutura rítmica. Deveriam
colocar a partitura na frente e reger a obra do início ao fim como se houvesse outra
pessoa tocando, o que significa que, ao estudar uma obra, o trabalho de
organização do tempo deve ser feito separadamente do restante do processo de
aprendizado. Neste processo é essencial que o aluno seja capaz de ouvir a música
mentalmente.
67

3.4.4 O encaixe visual da partitura

Assim como a organização métrica serve como guia para a atividade motora,
serve também como um guia visual. Em muitas situações, não há necessidade de
“contar” os tempos de fato, pois a própria disposição das notas na partitura e a
relação entre as notas de uma pauta e outra indica o momento em que devem ser
tocadas, auxiliando inclusive a manter o tempo.
No Mikrokosmos n.39 (figura 18), por exemplo, o aluno pode se ater apenas
ao movimento das notas e não a somente “contar” os tempos de cada nota, já que a
disposição das notas na partitura demonstra claramente o “encaixe” das mesmas em
cada compasso. Mais especificamente nos compassos 5 e 6, o leitor poderá se
guiar apenas pelas semínimas tocadas pelas mãos direita e esquerda,
respectivamente, e onde as notas se “encaixarem” visual e metricamente, poderão
ser executadas sem a preocupação da contagem dos tempos das mãos
individualmente. Este recurso pode ser usado em diversos níveis de leitura. Muitas
vezes, basta assinalar rapidamente com um traço vertical o encaixe dos tempos ou
das subdivisões dentro do compasso, durante uma leitura prévia da partitura, para
haver a garantia de uma leitura precisa e segura.

Figura 18: Mikrokosmos, de Béla Bartók, Vol. 2, n.39


Fonte: BÁRTOK, 1987, p.13.
68

3.4.5 A capacidade de sentir o ritmo

Assim como Maul (1938, p. 43) afirmou que o pianista pode “sentir” o ritmo
independentemente de qualquer esforço ou análise apesar desta capacidade ser
relativa ao grau de musicalidade do indivíduo, Whiteside igualmente defende a
capacidade do executante sentir o ritmo e ouvir as notas. “Sentir o ritmo é uma das
metades de uma linda performance. A outra metade é a imagem auditiva da
música.”61, afirmou. (1997, p.7, tradução nossa)
Abby Whiteside aponta que o ritmo é algo que vai além do processo de atingir
as teclas. Sob a premissa de que o ritmo tem uma relação corporal com o braço e o
torso do pianista, afirma que a principal dificuldade em tocar piano é fazer esta
relação física acontecer de forma clara. Atribui esta dificuldade à confusão de
métodos estabelecidos que abordam as formas adequadas de acertar as teclas, mas
não dão a ênfase devida ao desenvolvimento do “ritmo emocional” - uma união do
ritmo com a “emoção”. Sobre este aspecto a autora faz uma comparação entre a
performance solo e a performance com orquestra. Alega que, ao contrário de
quando toca acompanhado por uma orquestra, quando o pianista toca sozinho, é
vítima dos seus próprios hábitos. Se estes hábitos não têm o objetivo de aperfeiçoar
o “ritmo emocional”, então o intérprete se concentrará muito em detalhes, o que
acarretará numa performance igualmente presa a detalhes. Haverá a persistência
em trechos inadequados, e certamente com clímaxes demasiados na obra. O
resultado final será uma performance sem inspiração. (WHITESIDE, 1997, p.11).
Este conceito pode ser aplicado tanto à performance de uma obra ensaiada quanto
à execução de uma leitura à primeira vista.
“Sentir” o ritmo da música parece ser consenso entre estes dois autores e
Joan Last (1981). Em seu livro, que aborda tanto a prática como o ensino de piano a
jovens pianistas, Last alega que a condução rítmica da peça deve ser sentida logo
nos primeiros compassos:

61
“Feeling the rhythm is one half of a beautiful performance. The other half is the aural image of the
music.”
69

O aluno deve “sentir” o ritmo dos dois primeiros compassos. Uma vez que
isto tenha sido feito, é mais provável que haja uma performance rítmica do
inicio ao fim. Ao preparar alguém que é fraco neste sentido para uma prova,
é um bom método escolher um número de exemplos e apenas ouvir os
62
primeiros quatro compassos de cada um. (LAST, 1981, p. 84, tradução
nossa).

Como a leitura deve ser feita da forma mais fluente possível, deve-se apontar
para o aluno que o tempo é tão importante quanto a melodia. “Tocar uma nota
errada é um erro, mas voltar e quebrar a sequência rítmica é outro.” 63 (LAST, 1981,
p. 84, tradução nossa).

62
“The pupil should ‘feel’ the rhythm of the first two bars. Once this has been felt there is more likely to
be a rhythmical performance throughout. When preparing anyone who is weak in this way for an
examination, it is a good plan to pick a number of examples and just hear the first four bars of each.”
63
“... to play a wrong note is one mistake, but to go back, and so break the rhythm, is another.”
70

4 AQUISIÇÃO INICIAL DE LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO – DADOS DE


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

O curso de Piano da Escola de Música da UFRJ existe desde o século XIX,


no então Conservatório de Música do Rio de Janeiro, inicialmente instalado em um
salão do Museu Imperial. Muitos pianistas formados por essa instituição têm se
destacado no cenário musical nacional e internacional. Atualmente, o curso de piano
está previsto para ser concluído integralmente em oito períodos, como pode ser
observado no anexo A. 64
Como aplicação deste trabalho de pesquisa, desenvolvemos uma atividade
de observação, com ação direta sobre alunos do Curso de Bacharelado em Música
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso foi possível devido à
oportunidade de lecionar a matéria “Transposição e Acompanhamento ao Piano”
como professora substituta no Departamento de Música de Conjunto do Curso de
Bacharelado em Música da UFRJ. Os encontros ocorreram na Escola de Música
entre 26 de julho e 16 de dezembro de 2010.
A amostra constituiu-se de seis alunos, com idades compreendidas entre 21 e
25 anos; quatro deles cursavam o Bacharelado em Piano; um cursava Composição
e Piano Complementar, e o sexto aluno, que pertencia à turma de Composição,
cursava a matéria Órgão Complementar. A seleção desses alunos foi feita nas
turmas de Transposição e Acompanhamento ao Piano, matéria obrigatória para os
alunos do Curso de Bacharelado (cf. anexo A), e entre os alunos de Piano e Órgão
Complementar, tendo por base o interesse destes em aperfeiçoar a leitura à primeira
vista. Esses participantes da pesquisa serão referidos por números: alunos 1, 2, 3, 4,
5 e 6, pela ordem de apresentação, a fim de preservar sua identidade.

4.1 ESTRATÉGIAS GERAIS APLICADAS

Primeiramente foram traçados os perfis individuais dos alunos, o que permitiu


a aplicação dos recursos de acordo com suas características e necessidades, visto
que os alunos possuíam diferentes níveis de habilidades.

64
O currículo em anexo (2008) apresenta a disciplina de Transposição e Acompanhamento ao Piano
como sendo obrigatória para o Curso de Piano durante os quatro primeiros períodos do curso.
Porém, o currículo de 2011 exige que o aluno de piano curse esta disciplina apenas nos dois
primeiros períodos do curso, sendo os períodos III e IV optativos.
71

Nos primeiros encontros foi criada a oportunidade de debate sobre as


terminologias adotadas e a abrangência do campo de atuação do pianista erudito,
segundo Mundim (2009, p.12-39) e conforme o quadro de Adler (diagrama 1). Era
nosso objetivo trazer ao conhecimento dos alunos as diversas áreas de atuação do
pianista, ao mesmo tempo em que mostrávamos a importância da capacidade de
leitura à primeira vista nessas áreas.
Durante as aulas foram discutidos e aplicados os conceitos que permitiriam
aos alunos a aquisição e uma maior fluência na leitura à primeira vista: o domínio
das escalas, arpejos e dedilhados; o domínio espacial do teclado, aliado ao estímulo
visual da partitura e suas reações motoras; o reconhecimento de padrões e
unidades significativas e a compreensão rítmica como elemento facilitador. Tais
conceitos tomaram por base as pesquisas sobre o assunto, corroboradas pelo
histórico de aprendizado, vivência musical e experiência profissional da autora deste
trabalho como pianista especialista, função que exige o uso e a prática da leitura à
primeira vista.
A aplicação das estratégias de aprendizado durante as aulas ocorreu por
meio da explanação verbal dos recursos apontados, bem como por meio de
exemplos musicais pertencentes ao repertório pianístico. Procuramos, no entanto,
apresentar aos alunos um repertório mesclado, que incluísse não somente obras de
compositores já conhecidos deles, mas também obras de compositores menos
comuns ao repertório, como Francisco Xavier Baptista e Edmundo Villani-Côrtes. Em
determinados momentos também utilizamos peças de nível iniciante, para que a
atenção pudesse estar voltada para os aspectos de leitura abordados e não para
questões técnicas. As aulas eram quase sempre individuais e as peças do repertório
eram selecionadas de acordo com o nível técnico dos alunos, suas necessidades de
esclarecimento sobre o tema e sua reação perante os recursos aplicados.

4.2 PERFIL DOS ALUNOS

Durante as aulas foram observados aspectos relacionados à leitura musical


dos alunos, isto é, como os mesmos entendiam e dominavam a leitura à primeira
vista. O conhecimento da formação musical de cada um deles constituía um dado
relevante para se estabelecer uma relação entre o nível técnico e acadêmico dos
alunos e o da sua leitura à primeira vista, bem como para se fornecer uma
72

orientação adequada. As observações foram registradas por escrito, durante e após


cada aula, contendo informações sobre o perfil dos alunos, o material de leitura
usado e as reações de cada um deles à metodologia aplicada, com base nos
resultados das leituras à primeira vista feitas em aula.

4.2.1 Aspectos gerais

Problemas na aquisição da leitura à primeira vista são mais comuns do que


podemos imaginar, como observou Gudmundsdottir (2010, p. 333). Muitos pianistas
conseguem interpretar com proficiência obras de elevado nível de dificuldade, mas
não conseguem ler com fluência, à primeira vista, poucos compassos de uma obra
de nível básico para piano.
Para muitos estudantes de música a leitura musical é uma área que
apresenta dificuldades, repleta de sentimentos negativos. Palavras como “medo”,
“tensão” e “pânico” são usadas por alunos para descrever as sensações
relacionadas à leitura à primeira vista. Era exatamente com esse tipo de sentimentos
que os alunos participantes da pesquisa se expressavam durante as aulas. Tais
reações se devem ao fato de essa modalidade de leitura ser uma habilidade na qual
o músico é confrontado com uma música desconhecida e tem que tocá-la imitando,
de forma tão convincente quanto possível, uma performance ensaiada no que se
refere ao ritmo e à expressão.
Rubinstein (1950, p. 15) classifica o medo como uma espinhosa barreira no
caminho da performance e como resultado de estranhamento. Ou seja, o medo é
provocado pela exposição do intérprete a algo novo. Segundo o autor, as
dificuldades geradas pelo medo são, em grande parte, ilusórias. Por outro lado, esse
estranhamento só pode ser aniquilado se houver fácil compreensão e freqüente
contato com o material a ser executado.
É pertinente destacar que a falta da habilidade na leitura à primeira vista ao
piano fez com que os alunos prorrogassem a sua inscrição nas matérias
“Transposição e Acompanhamento” e “Música de Câmara”, matérias obrigatórias ao
Curso, cursando-as após o prazo proposto pela grade curricular do curso.
O aluno 1 declarou que sentia “pavor” ao pensar que teria que ler músicas
novas em um curto espaço de tempo e tocar em conjunto, o que o obrigaria a ler,
além da sua parte, a parte dos outros instrumentos. Salientou que o nível de leitura
73

nas aulas teria que ser acessível porque, de outra maneira, ele ficaria paralisado ao
ter que ler uma peça do início ao fim. Os alunos 2 e 3 cursavam o VII e o III período
do bacharelado em piano, respectivamente, e de igual forma temiam o fato de ter
que ler qualquer obra à primeira vista na frente do professor ou de seus colegas.
Vale, então, salientar que o aspecto emocional do leitor é um fator preponderante
para uma boa execução à primeira vista. É preciso ter calma e não ser acometido
por qualquer tipo de ansiedade no momento da produção do movimento estimulado
por uma imagem mental, neste contexto, o do reconhecimento da notação musical.
(RUBINSTEIN, 1950, p. 9).
Dificilmente os alunos têm uma abordagem teórica ou prática sobre esse
tema durante seus estudos musicais ou acadêmicos. Embora a realização da leitura
à primeira vista provocasse nos alunos participantes certo “bloqueio”, eles admitiam
que o desenvolvimento dessa habilidade era importante e, por essa razão,
mostraram-se interessados por aperfeiçoá-la.
O aluno 3 tinha como objetivo trilhar uma carreira solo. Segundo ele, o
desenvolvimento da leitura à primeira vista possibilitaria o aumento do seu repertório
e uma maior participação em concursos de piano, uma vez que têm sido exigidas a
leitura (e a execução) de música de conjunto e de música contemporânea em um
curto prazo de tempo. Além disso, poderia capacitá-lo para a música de câmara,
atividade nunca antes exercida por ele.
O aluno 4 era aluno do Curso de regência da UFRJ e cursava piano como
matéria complementar. Julgava que “um músico completo é aquele que domina as
três áreas: a prática pianística, a regência e a composição.” Por essa razão, além de
se dedicar ao estudo da composição e da regência, reconhecia que era necessário
aprimorar sua capacidade de leitura ao piano para estar apto a ler um repertório
maior, além de poder acompanhar outros músicos ao piano.
Diferentemente dos outros alunos participantes desta experiência, o aluno 5
possuía um histórico musical que propiciara o desenvolvimento da sua leitura à
primeira vista ao piano. Cursava o último ano do Bacharelado em Piano e, de forma
empírica, desenvolveu estratégias de leitura ao piano. Gostava de ler à primeira
vista, especialmente as peças que apresentassem desafios. Era aluno do 3º período
da matéria “Transposição e Acompanhamento ao Piano”.
O aluno 6, assim como o aluno 4, não estava inscrito na matéria
“Transposição e Acompanhamento ao Piano”. Estudava Composição e, embora esta
74

matéria não fosse obrigatória, sentiu necessidade de aprimorar a sua leitura à


primeira vista. Apesar do menor número de aulas em relação aos outros alunos,
foram enriquecedoras as informações obtidas em suas aulas.

4.2.2 A formação musical dos alunos

Dos seis alunos, cinco informaram ter iniciado seus estudos musicais
tardiamente, comparados à maioria dos pianistas, uma vez que começaram aos 18,
20 e 23 anos de idade. Relataram, ainda, que não tiveram uma orientação
suficientemente adequada no início do seu aprendizado.
O aluno 1 começou seus estudos de piano de uma forma mais sistemática -
“mais séria”, usando suas palavras - aos 20 anos. Quando isso aconteceu, já teve
como exigência aprender o repertório que faria parte da prova do Vestibular para o
Curso de Piano na UFRJ. Isto quer dizer que o aluno não passou por um processo
gradativo de aprimoramento técnico. Ingressando no Curso de Graduação em Piano,
prosseguiu tocando sempre músicas com nível de leitura muito mais avançado do
que a sua bagagem musical e técnica permitiam. Esse aluno não passou por etapas
de repertório próprias ao estudo pianístico de níveis básico e intermediário.
Aprendeu, por exemplo, um estudo de Chopin antes de tocar Moskovsky ou
Clementi; Prelúdios e Fugas de Bach, antes de estudar Invenções a duas e três
vozes.
Assim como o aluno 1, o aluno 2 classificou a orientação musical do início de
seus estudos como deficiente ou insuficiente, acrescentando que iniciou tardiamente
os seus estudos de piano, pouco antes de ingressar na faculdade, com
aproximadamente 22 anos de idade.
O aluno 3 começou os estudos de piano aos 18 anos. Nessa época, já tocava
piano, sem saber ler nota alguma em uma partitura. Ele ouvia e reproduzia ao piano
qualquer obra sem usar o recurso da leitura, apenas usando seus recursos auditivos
e sua capacidade de memorização. Possui ouvido absoluto. Durante um ano foi
impedido pelo seu professor de tocar o repertório pianístico, apenas fazendo
“exercícios de técnica”, popularmente conhecidos como “mecanismo”. Esse fato
imediatamente nos remeteu ao que foi relatado por Leonhard Deutsch, que aos oito
anos de idade, era ávido por tocar peças que lhe agradassem e por ampliar seu
repertório, mas era tolhido por seu professor. Embora acreditasse em seu potencial,
75

este professor o confinava a estudar umas poucas obras, para que as aperfeiçoasse
até seu limite máximo:

Eu me mantinha muitas semanas em uma mesma peça, antes de me ser


permitido vislumbrar algo novo. Além disso, eu tinha que relembrar todas as
peças já estudadas regularmente, a fim de construir um "repertório" e
mantê-lo intacto. Muito provavelmente eu teria desistido, porém certo dia eu
encontrei um álbum de peças clássicas para piano que um visitante deixou
em minha casa. [...] Consegui tocar duas peças das mais fáceis: A Fantasia
em Ré menor, de Mozart, e a Mazurka em Sol menor, op.67 n º 2, de
Chopin. [...] Na primeira aula seguinte, toquei, exultante, essas peças para o
meu professor. Porém ele não compartilhou da minha alegria! - Na verdade,
ficou perplexo. Criticou, rispidamente, a minha performance e declarou que
aquelas peças estavam muito além da minha capacidade técnica e que eu
65
deveria esperar pelo menos mais dois anos para tocar tal música.
(DEUTSCH, 1950, p.5-6, tradução nossa).

Como um jovem estudante de piano, Deutsch não era estimulado a ler novas
obras e, consequentemente, a desenvolver seu próprio gosto musical e leitura ao
piano. Esse fato influiu na sua capacidade de leitura à primeira vista, impulsionando-
o mais tarde a escrever um livro dedicado ao assunto.
É possível que muitos professores tenham receio de que o fato de ler muitas
peças interfira no bom aprendizado do repertório regular do aluno. Entretanto,
Deutch (1950, p.10) contradiz essa forma de pensar ao defender que a leitura à
primeira vista não entra em conflito com o estudo do repertório. Ao contrário, um
bom leitor à primeira vista não apresentará dificuldades para aperfeiçoar uma peça -
será mais estimulado a fazê-lo.
O aluno 4 começou a estudar piano pouco antes de ingressar na faculdade,
aos 23 anos. Estava no terceiro ano do curso de composição e cursava piano como
matéria complementar. Sua memória era basicamente auditiva.
O aluno 5 começou a estudar piano na Igreja Batista aos dez anos de idade e
desde essa época tocava música de câmara e acompanhava os hinos cantados pela
congregação. O aluno relatou que desde cedo aprendeu a improvisar durante a
leitura, pois não executava somente as quatro vozes das partituras, mas sempre

65
“I was kept many weeks on a piece before I was allowed to glimpse a new one. Also, I had to go
through all my completed pieces regularly in order to build up a ‘repertoire’ and keep it intact. Very
likely I would have given up had I note day run across an album of classical piano pieces which a
visitor had left in our home. […] I succeeded with two easier pieces: Fantasy in D minor, by Mozart,
and Mazurka in G minor op. 67 no.2, by Chopin. […] During the next lesson I played these pieces
exultantly for my teacher. He did not share my elation! In fact he was somewhat nonplussed. He
sharply criticized my wretched performance and declared that these pieces were far beyond my
technical ability and that I must wait at least two years more for such music.”
76

“preenchia” os espaços de tempo das notas longas. Na Igreja, era sempre solicitado
para acompanhar peças de repertório sacro para coro, solistas e instrumentistas. No
curso de Graduação, já havia tocado com instrumentos de sopro, de cordas, e
acompanhado cantores em obras de diferentes estilos musicais. Sobre este aspecto,
conclui-se que a quantidade de repertório está relacionada à proficiência da leitura à
primeira vista, o que reforça as conclusões de Lehmann e Ericsson (1996). Nota-se,
porém, que o resultado inverso também ocorre, isto é, quanto maior a capacidade de
leitura, mais obras o pianista terá em seu repertório.
O aluno 6 estava inscrito na matéria órgão-B como estudante de composição
na UFRJ. Os conceitos aplicados aos alunos de piano podiam ser aplicados no
órgão, por serem comuns aos instrumentos de teclado.

4.2.3 O uso da capacidade de memória

Uma característica comum aos alunos era a capacidade de memorizar


rapidamente as obras em estudo. Os alunos com dificuldades de leitura, em geral
liam dois ou três compassos das peças por diversas vezes e acabavam por decorar
o trecho pela repetição.
O aluno 4 relatou que tocava três vezes um trecho da obra e logo o executava
sem a necessidade da partitura, sendo o ouvido o seu “salvador” na hora da leitura.
Devido ao uso somente da memória auditiva, não conseguia se orientar na partitura.
Desse modo, memorizava porque não conseguia ler.
O aluno 1 também tinha facilidade de memória e nos disse que quando
estudava lia um determinado trecho até decorar. Assim, o seu objetivo principal ao
ler a peça, mesmo que pela primeira vez, era tocar sem olhar para a partitura.
Recorria sempre à memória tátil ou mecânica, e não à visual; quando tinha que
recordar alguma música já estudada, recorria ao uso do teclado para relembrar os
movimentos, ou seja, memorizava por automatismo. Segundo o mesmo aluno, da
partitura tinha apenas como referência os sinais de dinâmica e as anotações feitas
pelo seu professor, que lhe serviam como pontos de apoio.
77

A memória mecânica ou cinestésica pode ser útil, se aliada a outros tipos de


memórias, como a memória visual e auditiva66. Em um momento de falta de
concentração, por exemplo, o intérprete poderá se valer de diversos recursos, se
tiver trabalhado e exercitado os vários tipos de memória. Grosman (2003) defende
que a repetição no estudo pianístico deve ser feita apenas sob um “estado de
consciência”, pois se as repetições resultarem em falta de atenção, o material
musical pode ser armazenado automaticamente. Artistas mais experientes
aprendem como estabelecer uma imagem mental clara da peça, independentemente
de referências táteis. Confiar neste tipo de performance, baseada em uma memória
mecânica somente, é inadequado para uma performance séria no palco.
(LEHMANN, WOODY, 2007, p. 118).
Segundo Lehmann, Sloboda e Woody (2007, p. 118), a memória musical
surge em duas variações: uma que acontece acidentalmente como um subproduto
da prática, e outra que requer grande liberação de esforço para se estabelecer.
Quando um músico toca repetidamente uma obra musical, são criados os chunks
sequenciais, onde cada chunk funciona como uma indicação para o posterior, um
desencadeando o próximo. Essa é a maneira com a qual nossas memórias
muscular, cinestésica e mecânica trabalham.
A facilidade de memorização da partitura e o uso constante da capacidade de
memorização também foram aspectos constatados pelos alunos 2 e 3. Quando o
aluno 2 leu, pela primeira vez, duas páginas seguidas de uma partitura em aula, o
acompanhamento da ária Je veux vivre, da ópera Romeu e Julieta, de Gounod,
comentou que nunca havia feito isso antes, porque sempre lia somente pequenos
trechos, com o objetivo de decorar. Esses trechos eram divididos sem uma
classificação, ou seja, a divisão não era estabelecida por frases ou blocos que
fizessem sentido, podendo ser apenas um grupo de compassos.
A memorização do aluno 3, por outro lado, era predominantemente visual:
conseguia enxergar mentalmente não só uma partitura e seus detalhes, mas

66
“Para Hughes, o instrumentista pode optar entre três formas de memorizar uma obra musical:
através das memórias auditiva, visual e cinestésica. A memória auditiva é aquela pela qual
ouvimos mentalmente uma composição, antecipando eventos da partitura durante a execução. [...]
A memória visual, por sua vez, pode gravar a imagem da partitura impressa, com detalhes tais
como o número da página em que está um determinado trecho ou a sua localização exata na folha.
Além disso, este tipo de memória pode proporcionar a visualização de acordes no teclado ou da
posição das mãos e dos dedos ao tocar. A memória cinestésica [...] é a memória dos dedos e dos
músculos, ou seja, a memória tátil. No caso do instrumentista, relaciona-se com a automatização
dos movimentos necessários à execução.” (WILDT, CARVALHO, & GERLING, 2004, p. 4).
78

também textos literários e a localização de objetos. Ressaltou, no entanto, que sua


memória piorou um pouco depois que começou a ler. Esta mesma relação:
memória/leitura à primeira vista, foi demonstrada na preocupação Beethoven quanto
ao hábito de Czerny memorizar, pois apesar de elogiar a memória desse aluno,
Beethoven temia que este hábito o fizesse perder o entendimento rápido e a leitura à
primeira vista. (BARTH, 2008, p. 138).

4.3 APLICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS

4.3.1 Escalas, arpejos e dedilhado

Uma questão enfatizada desde os primeiros encontros com os alunos foi a


necessidade da familiaridade com a tonalidade, suas escalas e arpejos. Esse
domínio deve ir além de questões puramente teóricas, ou seja, o conhecimento da
tonalidade não deve se limitar ao fato do pianista saber quantos sustenidos ou
bemóis existem na armadura de clave de uma obra musical. O indivíduo deve ter
consciência das reações que a estrutura harmônica e sequência de notas vão
despertar com relação à espacialidade do teclado e ao movimento dos dedos. O
pianista deve possuir movimentos motores pré-estabelecidos provenientes da
prática das escalas e arpejos, bem como de seus respectivos encadeamentos
harmônicos. Se o pianista tiver assimilado o dedilhado das tonalidades utilizadas na
música, não deverá apresentar insegurança no momento da escolha do dedilhado e
poderá focar sua atenção em outros aspectos da execução ou performance. Como
escreveu Sloboda (2008, p.9), quando um leitor experiente em leitura à primeira
vista é confrontado com uma passagem de uma escala familiar, não precisa tomar
decisões conscientes sobre quais dedos usar para quais notas. Sua mão
automaticamente toma a configuração certa, enquanto sua atenção poderá estar nos
elementos expressivos ou no preparo mental da próxima frase musical.
Solomon (2002, apud RAMOS, 2005 p.50) sugere tocar a escala e as
progressões de acordes comuns à tonalidade como recursos facilitadores para
identificação dos materiais sonoros de uma obra. Acreditando neste recurso como
um elemento chave para o reconhecimento de uma partitura, era solicitado aos
alunos que executassem a escala referente à tonalidade principal da obra e os
79

encadeamentos harmônicos formados pelos I, IV e V graus da escala, antes de tocar


pela primeira vez a peça ao piano.
Segundo o depoimento dos alunos envolvidos no trabalho, a prática de
escalas e arpejos não fazia parte do seu estudo regular. O aluno 6, por exemplo,
disse que nunca trabalhara qualquer tipo de escala ao piano ou órgão, instrumento
que estudava na faculdade. É possível deduzir que a falta da prática das escalas
seria uma razão para a dificuldade em antecipar o dedilhado a ser empregado na
leitura à primeira vista. Os movimentos realizados pelo aluno e as trocas
desnecessárias de dedilhado durante a leitura produziam uma execução sem
fluência, além de um desperdício da sua concentração, que poderia ser usada em
outros aspectos da leitura que não o da escolha do dedilhado.
Na segunda aula, o aluno 4 deveria ler à primeira vista a Fantasia em dó
menor de Bach (figura 19).

Figura 19: Fantasia em dó menor de J. S. Bach. c. 1-6.


Fonte: Piano Album – 50 Ausgewählte Klavierstücke. Henle Verlag, München, 1998, p.6.
80

Durante a leitura, notamos que o aluno não possuía coerência no dedilhado


empregado e concluimos sobre a necessidade de trabalhar com um repertório de
menor dificuldade. Foi-lhe então solicitado que tocasse a escala de dó menor, a
escala da tonalidade da peça. Nesse momento observamos que o aluno
demonstrava dificuldades para tocar as duas oitavas da escala solicitadas em
movimento direto, assim como os arpejos. Se esse aluno tivesse o conhecimento do
dedilhado que poderia ser usado, ele teria melhores condições para ler fluentemente
a peça que lhe havia sido proposta, por esta ser estruturada com base em arpejos,
graus conjuntos e passagens do polegar comuns às progressões harmônicas da
tonalidade.
Conforme mencionado anteriormente, o indivíduo deve considerar a música
como uma série de grupos moldados para se adequar à mão e aprender a olhar
sempre adiante para poder tomar decisões corretas acerca do dedilhado. Joan Last
salienta que as passagens com escalas seguem o dedilhado habitual 1,2,3-1,2,3,4, e
que o ponto importante é determinar onde colocar o polegar e que dedo passará por
cima dele.” (1981, p. 88). Era este o caso da Fantasia (figura 19) lida pelo aluno. Foi
explicado ao aluno que o treino das escalas proposto não teria um objetivo técnico-
mecânico, mas a familiaridade com a tonalidade, seu campo harmônico, dedilhado e
aquisição de forma da mão, através da prática dos encadeamentos harmônicos mais
usuais com as funções I-IV-V-I.
O aluno 6 declarou que era difícil escolher ou antecipar o dedilhado, pois
nunca havia trabalhado escalas ou arpejos. Durante a leitura do Allegro da Sonatina
em fá maior, de Beethoven (figura 20), apesar de o ritmo ser de fácil compreensão,
já nos primeiros compassos lhe faltava fluência, pois o aluno lia a partitura sempre
“nota por nota”. Pudemos explicar ao aluno que no terceiro compasso da mão
esquerda, por exemplo, não há necessidade de se prestar atenção à nota dó que se
repete, mas apenas às notas inferiores que formam intervalos a partir desta nota
(dó).
81

Figura 20: Sonatina em fá maior, Allegro, c. 1-10


Fonte: BEETHOVEN, In: Piano Album, 1998, p.32

Quando lhe apresentamos a Gavotte em fá maior, de Beethoven (figura 21),


uma obra a quatro mãos para ser lida na aula, o aluno 6 sentiu dificuldades em tocar
a parte do segundo piano por dois motivos: o de tocar as duas mãos escritas na
clave de fá - com uma nova orientação no teclado – e o da falta de experiência em
tocar a quatro mãos.

Figura 21: Gavotte em Fá Maior, a quatro mãos, c. 1-15.


Fonte: BEETHOVEN, 1920, p.2.
82

Antes de o aluno 1 ler pela primeira vez o Drill A, de Douglas Riva (figura 22),
foi orientado a fazer uma leitura prévia do exercício.

Figura 22: Drill A.


Fonte: RIVA, 1990, p. 7.

Esta peça tinha como objetivo chamar a atenção do aluno 1 para os


encadeamentos harmônicos, inversões e cadências formadas pelos acordes da mão
esquerda e a relação intervalar dos agrupamentos da mão direita. As observações
83

sobre os encadeamentos harmônicos visavam à constatação de que não basta


apenas o conhecimento teórico da tonalidade, mas que esta pode envolver uma
série de padrões estabelecidos por ela mesma, como já corroborado por citações
deste trabalho.
O aluno de piano deve ser capaz de identificar e de enxergar os movimentos
ascendentes e descendentes das notas da partitura como se fossem gráficos, com
linhas retas ascendentes e descendentes, ou com linhas menores formando “zigue-
zagues” como no exemplo a seguir. Traduzindo desta forma o movimento da mão
direita no compasso 11 do Drill A (figura 23), assim ficaria:

a)

b)

Figura 23: a) Drill A, c. 11; b) gráfico representativo.


Fonte: a) RIVA, 1990, p. 7; b) elaboração própria.

Para este tipo de reconhecimento também foram utilizadas a Sonata IV, de


Francisco Xavier Baptista já citada (figuras 1 e 2) e a Sonata K305, para violino e
piano, de Mozart (figura 24), com a participação dos alunos 1, 2 e um aluno
violinista.
84

Figura 24: Sonata K305 em Lá Maior. c. 1-19.


Fonte: MOZART, 1940, p.3.

Em algumas situações solicitávamos aos alunos que desenhassem, no ar, os


desenhos formados pelas linhas melódicas da mão direita ou esquerda. Quando os
alunos identificavam os movimentos ascendentes e descendentes formados pelos
graus conjuntos ou pelos arpejos ou acordes quebrados, a leitura tornava-se muito
mais fluente, pois deixava de ser feita nota por nota.
Assim poderiam ser traduzidos os compassos 3 e 4 da Sonata K305 em Lá
Maior, de Mozart (figura 25):
85

a)

b)

Figura 25: a) Sonata K305, c. 3-4; b) gráfico representativo.


Fonte: a) MOZART, 1940, p.3; b) elaboração própria.

O repertório utilizado nas aulas variava de acordo com o nível de leitura de


cada aluno e os exercícios do Mikrokosmos, de Béla Bártok, foram utilizados por
diversas vezes nas aulas ministradas.
Béla Bartók escreveu os cinco primeiros volumes da coleção com o objetivo
de ensinar piano ao seu filho de nove anos de idade, Peter Bartók. É o próprio
compositor quem, no prefácio do primeiro volume, escreve que o aluno de nível
avançado pode utilizar o material como exercícios de leitura à primeira vista.
(BARTÓK, 1987, p. 9).
Os volumes 1 a 4 do Mikrokosmos podem ser considerados obras para o
desenvolvimento da leitura ao piano:
86

[...] os exercícios são muito bem elaborados e classificados, mais


‘inspiradores’ que alguns manuais projetados especificamente para o treino
da leitura à primeira vista. Em contraste, temos, nestas peças, verdadeira
música para piano, cheia de criatividade, usando uma variedade de
métodos composicionais que levam os dedos a serem tecnicamente
67
independentes.” (MAYDWELL, 2003, p.12, tradução nossa).

Outra razão apontada por Maydwell é a de que os padrões de dedilhado de


Bartók (“Bartók fingering patterns”) também auxiliam o pianista a estabelecer bons
hábitos de dedilhado: nos dois primeiros volumes e no começo do terceiro, é
utilizada a “posição dos cinco dedos” - cinco dedos para cinco teclas consecutivas, o
“five-finger group” (nomenclatura já citada e exemplificada anteriormente). Devido ao
fato deste tipo de dedilhado poder ser executado sem dificuldades, podem ser dadas
ênfases a outras questões como equilíbrio sonoro, ritmo, dinâmica e fraseado.
Na primeira aula do aluno 4 foram usados os números 21 e 26 do Volume I do
Mikrokosmos, de Béla Bártok (figuras 26 e 27), cujos exercícios são baseados nos
padrões de dedilhado da posição dos cinco dedos. A leitura permitia identificar os
movimentos ascendentes e descendentes formados pelos desenhos das notas e a
relação intervalar entre as mesmas. A observação da disposição das notas na pauta
e nos compassos podia indicar o tempo em que a nota devia ser tocada.

Figura 26: Mikrokosmos Vol. 1, n.21.


Fonte: BÁRTOK, 1987, p.21.

67
[…] “they are so beatifully crafted and graded. Many manuals designed especially for sight reading
are less than inspiring. In contrast, within these pieces we have ‘real’ piano music full of imaginative
contructions, using a variety of compositional methods that lead to the fingers being technically
independent.”
87

Figura 27: Mikrokosmos, Vol. 1, n.26.


Fonte: BÁRTOK, 1987, p.25.

4.3.2 Estímulo visual: ação motora e domínio espacial do teclado

Assim como podemos representar os desenhos formados pelas notas, e até


ouvi-los internamente, podemos também “sentir” os movimentos motores causados
por estes desenhos musicais. Já mencionamos as palavras de Theodor Leschetizky,
o qual dizia que se tivesse um método, este seria baseado no delineamento mental
de um acorde e que chamava de “fisionomia da mão” a ação de moldar a mão de
acordo com a imagem dos acordes criada na mente. (GERIG, 2007, p. 273).
Em diversas situações insistimos com os alunos para que procurassem
perceber e imaginar a relação entre a partitura e o formato das mãos antes mesmo
de posicionarem suas mãos no teclado do piano. Para tanto, sugeríamos que
preparassem mentalmente a forma da mão antes de tocar. Essa atitude podia criar o
hábito de otimizar o tempo empregado entre a codificação dos sinais da partitura e a
execução dos mesmos, evitando movimentos desnecessários ou inadequados.
Como apontou Kochevitsky (1967, p.16), o virtuosismo é alcançado graças ao treino
da habilidade de antecipar o movimento adequado para cada caso específico e
conveniente para cada indivíduo.
Devido à dificuldade de leitura apresentada pelos alunos, foi adequado
trabalhar também um repertório a quatro mãos, de nível básico, como por exemplo,
os exercícios da Escola Preparatória de Ferdinand Beyer. O aluno 4 ficou
88

encarregado de tocar o “piano secondo” dos exercícios e nos de n. 8 a 11 (figura 28)


pôde desenvolver a prática de antecipar a forma da mão, na medida em que os
acordes eram visualizados na partitura e o aluno reconhecia as cadências
harmônicas.

Figura 28: Primeiras pautas dos Exercícios 8-11.


Fonte: BEYER, p. 20 e 22.

Na quinta aula, o aluno 2 teve como tarefa a leitura da peça Schön Rosmarin,
de Fritz Kreisler (figura 29), para violino e piano.
89

Figura 29: Schön Rosmarin, para violino e piano, c. 1-18


Fonte: KREISLER, 1910.

Esta peça é caracterizada, na primeira parte, pelo acompanhamento de piano


em acordes de mesma harmonia dentro do compasso, variando apenas as suas
inversões. Foi trabalhada a imagem interna dos acordes quanto ao seu formato e os
movimentos que eles desencadeavam, antes de executá-los. O aluno considerou
difícil esta tarefa, devido ao fato de nunca ter passado por esta experiência.
Além disso, orientamos o aluno para que reconhecesse a relação entre a
escrita musical e a posição das mãos no teclado, como no caso das teclas pretas ou
brancas e, consequentemente, mais para dentro ou fora do teclado. O aluno 2
declarou nunca haver pensado dessa forma, na relação entre a espacialidade do
teclado e a representação gráfica da partitura.
90

O aluno 5 leu o Prelúdio n.6, de Villani-Côrtes (figura 30), com o objetivo de


encontrar os padrões formados por acordes e assim calcular mentalmente a forma
da mão para cada um deles e a sua localização no teclado.

o
Figura 30: Prelúdio n 6, c. 1-6
Fonte: VILLANI-CÔRTES, 2000, p.21.

A peça “Liebesleid” (figura 31), de Fritz Kreisler, foi usada com o mesmo
objetivo, na quinta aula do aluno 1. Fixamos nossa atenção à leitura da primeira
parte apenas, visto que, a partir do compasso 17 o aluno apresentou dificuldades na
fluência da leitura ante as mudanças de padrões rítmicos.
91

Figura 31: Liebesleid, para violino e piano, c. 1-32


Fonte: KREISLER, 1910, p. 3.

O acompanhamento desta peça (figura 31) também pôde ser aproveitado


para a aplicação da leitura das notas comuns aos acordes.
92

O Prelúdio no 5 de Villani-Côrtes (figura 32) foi utilizado com a mesma


finalidade. Neste Prelúdio o intérprete deveria manter parte da forma da mão
estabelecida pelo acorde anterior e observar as notas ou intervalos que se repetiam
no próximo acorde, minimizando o movimento das mãos.

o
Figura 32: Prelúdio n 5. c. 1-8.
Fonte: VILLANI-CÔRTES, 2000, p. 19-21.

Tomando como exemplo o compasso 1 do Prelúdio n. 5 (figura 33), podemos


perceber que as notas si e ré (as duas notas inferiores dos acordes da mão direita e
esquerda) se repetem nos dois acordes, permitindo que a mão continue com parte
de sua forma inalterada. Esta mesma “fórmula” se repetirá no restante da partitura.
93

o
Figura 33: Prelúdio n 5, c.1.
Fonte: VILLANI-CÔRTES, 2000, p.19-21.

De maneira semelhante foi feita a leitura do acompanhamento da ária “Je


veux vivre” (figura 34), pelo aluno 2. No momento em que o aluno reconheceu as
pequenas mudanças de posição dos acordes e a repetição das harmonias, houve
uma fluência muito maior na leitura. Foi a primeira vez que este aluno conseguiu ler
vários compassos seguidos da partitura antecipando a sua visão, o que despertou
nele um sentimento de satisfação e autoconfiança.
94

Figura 34: "Je veux vivre", da ópera Romeu e Julieta. c. 1-26


Fonte: GOUNOD, 1926, p. 49.

4.3.3 Reconhecimento de Padrões e Unidades

Keilmann afirma que para se aprender a ler música é necessário aprender a


ler as notas como um “todo”, resumi-las em pequenos motivos e, principalmente,
95

reconhecer sua repetição. Dessa forma, o resultado será o de uma obra musical lida
como um jornal que não é “soletrado”, mas sim visto e compreendido por meio de
relances de palavras e frases (1972, p. 12).
Ao abordarem um repertório desconhecido, os alunos eram instruídos a olhar
para a partitura como se fosse um quadro. Em seguida deveriam narrar com as suas
palavras o que viam. Isto é, os alunos deveriam perceber o que lhes chamava a
atenção na partitura. Desta forma, focalizavam a sua atenção em determinadas
passagens que apresentassem algum tipo de dificuldade ou em motivos de caráter
melódico ou rítmico que se repetiam, negligenciando aspectos da partitura
aparentemente mais simples em termos de leitura. A visualização em graus de
prioridade de atenção, como em camadas, era outro recurso exemplificado.
Poderíamos fazer a comparação desses níveis de atenção com a lente de uma
câmera, que filtra ou foca algo em primeiro plano, enquanto o restante da imagem
fica em segundo plano, com uma imagem mais “embaçada”. Todo este processo era
feito em instantes, antes do aluno executar a música ao teclado. Era a chamada
“leitura prévia”, termo discutido por Ramos (2005) em seu trabalho.
Tomemos como exemplo o exercício n.25 (figura 35) lido na primeira aula dos
alunos 1 e 2.

Figura 35: Exercício n.25.


Fonte: SKJERNE, 1952, p.18.

Durante a leitura mental deste pequeno trecho musical chamamos a atenção


dos alunos para a sua “textura” e para o que deveríamos dar prioridade no foco de
atenção. Na visualização da partitura observava-se que a mão esquerda era
composta de acordes encadeados harmonicamente, com aproveitamento das notas
comuns, ou seja, não havia a necessidade de muitos movimentos com esta mão e
96

nem da leitura individual de todas as notas dos acordes. Portanto, a atenção deveria
estar voltada para a mão direita, que formava uma linha melódica constituída por
intervalos, ora com graus conjuntos ora disjuntos. Além disto, a repetição dos
padrões rítmicos facilitava a observação de outros aspectos, que não o ritmo.
Com relação à leitura prévia ou mental da partitura, foi observado que o aluno
3 não percebia os elementos que deveria tornar importantes na leitura. Na peça Drill
A, em mi maior, de Douglas Riva (figura 36), o foco de atenção na leitura prévia da
primeira parte deveria estar nos movimentos da mão esquerda, visto que o desenho
da mão direita apresenta intervalos de terça consecutivos e padronizados. Usando
novamente a figura da câmera, podemos comparar o desenho desta mão com a
imagem “embaçada” e fora de foco, enquanto a mão esquerda teria o foco mais
nítido e preciso da lente. A mão esquerda deveria ser orientada pela questão
harmônica, uma vez que nos quatro primeiros compassos encontramos uma função
harmônica predominante para cada um deles: I – V – I – V. Em seguida, o leitor
deveria prestar atenção aos movimentos da mão direita, cuja linha melódica culmina
com acordes quebrados (arpejos) acompanhados por encadeamentos harmônicos
na mão esquerda nos dois últimos compassos.
97

Figura 36: Drill A.


Fonte: RIVA, 1990, p. 33.

Ainda com relação ao aluno 3, pudemos constatar visível melhora na leitura


do Drill C (figura 37), quando houve a percepção de que cada grupo de
semicolcheias poderia ser executado enxergando-se blocos de acordes até o
compasso 16, no qual começa uma série de padrões novos.
98

Figura 37: Drill C, c. 1-20.


Fonte: RIVA, 1990, p. 38.

Em aula do aluno 5, a Sonata VIII de Francisco Xavier Baptista foi utilizada


para demonstrar o uso de acordes quebrados e invertidos (figura 38), as distâncias
entre os diferentes intervalos (figura 39) e as sequências de escalas (figura 40):
99

Figura 38: Sonata VIII, Allegro. c. 1-6.


Fonte: BAPTISTA, 1981, p.46.

Figura 39: Sonata VIII, Minuetto. c. 28-34.


Fonte: BAPTISTA, 1981, p.50.
100

Figura 40: Sonata VIII, Minuetto. c. 42-47.


Fonte: BAPTISTA, 1981, p.51.

O agrupamento de informações em uma partitura musical depende da


percepção de clusters ou organismos identificáveis como padrões tonais ou rítmicos.
As estruturas familiares como acordes, frases musicais ou tonalidades são
essenciais para o êxito da leitura musical.
Com o decorrer das leituras feitas pelos alunos, ficava evidente que a
mudança de padrões era motivo de ruptura na fluência da performance. Quando o
aluno 1 leu, na quinta aula, a peça “Liebesleid” (figura 31), de Fritz Kreisler,
detivemo-nos apenas à leitura da primeira parte, visto que, a partir do compasso 17
o aluno apresentara dificuldades ante as mudanças de padrões rítmicos e
harmônicos, como já citado.
O exercício Drill A (figura 41) teve por objetivo a identificação dos
agrupamentos de notas compostos por intervalos de mesmo dedilhado e que se
repetiam sequencialmente. Concomitantemente podiam ser observados os
movimentos de “zig-zag” ascendentes e descendentes, constituindo um padrão
melódico. Em relação ao acompanhamento dos acordes, o exercício permitia que o
aluno percebesse a forma da mão, outro recurso utilizado na leitura à primeira vista.
101

Figura 41: Drill A, c. 14-16.


Fonte: RIVA, 1990, p. 7.

O Drill C (figura 42) foi material de leitura à primeira vista para os alunos 1 e
3. Durante a execução desta peça, o aluno 3 perdia a fluência na leitura ao tentar
executar todas as indicações de articulação e de dinâmica contidas na partitura,
como staccatto e sinais como p, f e cresc.

Figura 42: Drill C, c. 1-9.


Fonte: RIVA, 1990, p. 25.
102

As definições de leitura à primeira vista registradas no início deste trabalho


atestam que uma boa execução à primeira vista consiste em uma performance de
maior fidelidade possível aos detalhes da partitura. Entretanto, no caso deste aluno,
devido ao seu nível de leitura, a fluência musical não deveria ser prejudicada em
detrimento desses detalhes.
Entre os compassos 1 e 2 do mesmo exercício (figura 43) há um salto de 8ª.
Quando o aluno 3 executou este trecho, notamos que não houve a percepção visual
dessa distância, pois o aluno tocou a nota dó ao invés da nota mi - ou seja, abriu a
mão para tocar um intervalo de 6ª, e não o de uma 8ª. Percebemos que, neste caso,
não houve o reconhecimento da distância entre os intervalos, já citada como um
recurso de leitura.

Figura 43: Drill C, c. 1-2.


Fonte: RIVA, 1990, p. 25.

Mais adiante na partitura, pode-se observar que o compasso 5 (figura 44)


apresenta um erro de impressão: onde deveria haver a nota lá, aparece uma nota
similar à nota sol, pois falta o traço que indica a linha suplementar (na terceira
semicolcheia do segundo tempo):

Figura 44: Drill C, c. 5.


Fonte: RIVA, 1990, p. 25
103

Ao contrário do que realizou o aluno 1, que seguiu a sequência de intervalos


e tocou a nota lá ao invés da nota sol, o aluno 3 tocou a nota que estava impressa
na partitura. Por uma dedução musical óbvia, a nota sol não completaria o intervalo
de 3ª do grupo de notas. Isso demonstrou claramente que esse aluno estava
organizando seu olhar “nota por nota” em lugar de observar o contexto geral da
obra, reconhecendo clusters ou unidades significativas. Mesmo que em nível
superficial, podemos associar essas duas diferentes reações diante da partitura
impressa com o tipo de memórias utilizadas por esses dois alunos, segundo as suas
próprias avaliações: o aluno 1 utilizou, invariavelmente, a memória tátil ou digital e
seguiu o fluxo de seus movimentos; enquanto isso, o aluno 3, com desenvolvida
memória visual, tocou o que visualmente lhe parecia correto, sem se importar com o
contexto musical.
Sloboda (2008, p.96) dedicou parte de seu livro ao subtema “Enganos de
Leitura”. Alega que quando se lê um texto contínuo torna-se mais provável a
ocorrência deste tipo de engano do que quando se lê palavras isoladas. Isto
acontece porque o texto acrescenta uma informação adicional: o contexto. O estudo
de Pillsbury (1897, apud Sloboda, 2008) demonstrou que os leitores experientes
tendem a se enganar na leitura dos textos, mudando palavras erroneamente
impressas para sua forma correta. O próprio Sloboda (2008, p.98-105) fez um
experimento em que colocou erros propositais de notação nas partituras,
inapropriados para o contexto musical. Os resultados da experiência foram claros no
sentido em que todos os sujeitos tocavam algumas notas alteradas como elas
deveriam ter sido escritas e não como estavam notadas, apesar da falta de
familiaridade com as partes musicais.
Quando leu o Drill C (figura 42), o aluno 3 começou a tocar em uma
velocidade muito rápida, porém parava de tocar a cada mudança de acordes da mão
esquerda (ora na posição fundamental, ora invertidos) e a cada deslocamento da
posição da mão direita. Nossas memórias trabalham por meio do encadeamento de
chunks: cada chunk funciona como uma indicação para o posterior e, assim, um
chunk desencadeia o próximo. Quando a conexão entre dois chunks é rompida ou
quebrada, o chunk seguinte não pode mais ser recuperado. Foi pertinente observar
que quando ocorria essa interrupção na execução entre os padrões significativos, a
quebra do sentido musical era inevitável.
104

4.3.4 Compreensão rítmica

Sentir o ritmo de uma obra a ser lida à primeira vista antes de executá-la é
condição fundamental para uma leitura de qualidade e diversas considerações sobre
este aspecto já foram citadas no presente trabalho.
A experiência de sentir o ritmo antes de tocar foi feita com todos os alunos. O
aluno 3 foi o aluno que sentiu maior dificuldade de realizá-la; embora não
apresentasse dificuldades em sentir internamente os movimentos das mãos e dos
dedos fora do teclado, não tinha a mesma facilidade com a compreensão rítmica. Na
leitura de um trecho de Papillons, de Robert Schumann (figura 45), o aluno
demonstrou muita dificuldade em reproduzir o ritmo da música, fosse cantando ou
falando metricamente, apresentando erros de ritmo durante a execução.

Figura 45: Papillons, op.2, c. 1-16.


Fonte: SCHUMANN, 1994, p.16.

Os números 48 e 41 do Mikrokosmos (figuras 46 e 47) foram usados com o


aluno 2 com o objetivo de reconhecer o encaixe visual dos tempos na partitura. Por
causa da utilização da posição dos cinco dedos como base, o dedilhado não era o
motivo principal da atenção.
O Mikrokosmos n.48 (figura 46) poderia apresentar dificuldades por causa do
compasso 5/4. Porém, orientamos o aluno a manter constante o movimento da mão
105

esquerda nos dez primeiros compassos, para simplesmente “encaixar” a mão direita
nas notas executadas pela mão esquerda.

Figura 46: Mikrokosmos, Vol. 2, n.48.


Fonte: BÁRTOK, 1987, p.22
106

No Mikrokosmos n.41 (figura 47), onde aparecem síncopes, frases acéfalas e


mudança de compassos ao final, o leitor pode se basear unicamente na sequência
de colcheias da mão esquerda e no encaixe das notas da mão direita sobre ela.
Mesmo quando ocorrem as pausas de colcheia na pauta inferior, há uma colcheia na
pauta superior, na clave de sol. Assim, será importante para o aluno perceber não só
o encaixe visual do ritmo mas também não perder esse “ostinato rítmico” constituído
de colcheias.

Figura 47: Mikrokosmos, Vol. 2, n.41.


Fonte: BÁRTOK, 1987, p.15.
107

Apesar de demonstrar facilidade na leitura à primeira vista, o aluno 5


apresentava dificuldades rítmicas. Não se tratava apenas de dificuldades na leitura
rítmica, mas de uma quebra das linhas musicais recorrente das mudanças de
estruturas, principalmente as de padrões que faziam sentido melódico ou rítmico. O
aspecto rítmico foi o que mais denotou a necessidade de atenção no perfil deste
aluno que, por exercer a função de um pianista especialista em suas atividades,
necessitava de maior competência nesta questão.
A definição do tempo/andamento das músicas também foi tema das aulas. O
andamento está intimamente ligado à compreensão rítmica da obra e só poderá ser
definido de forma satisfatória se o pianista tomar como base as passagens de
realização mais difícil. Esta é uma das razões pelas quais motivávamos os alunos a
“escanearem” ou fazerem uma leitura prévia da partitura antes de tocá-la: a
necessidade de definição do andamento. Apesar de muitas vezes a indicação do
andamento aparecer no começo da partitura, nem sempre esta indicação será
suficiente para uma tomada de decisão nesse sentido. A dificuldade de execução de
determinados trechos e o reconhecimento do estilo são fatores que podem auxiliar o
pianista na escolha do andamento.

4.4 RESULTADOS OBTIDOS

4.4.1 Resultados gerais

O número de encontros com cada aluno foi variado, mas suficiente para traçar
seus perfis, identificar as suas necessidades e dificuldades, detectar as lacunas de
aprendizado e analisar os resultados. Além das observações já relatadas neste
capítulo, a experiência junto aos alunos de bacharelado da UFRJ convergiu para os
seguintes resultados gerais:
1) O processo de leitura ao piano está diretamente relacionado ao histórico da
formação musical dos alunos. Os alunos com alguma deficiência de leitura ao piano
foram unânimes em reconhecer que houve lacunas no seu estudo musical e que
algumas etapas de sua formação foram omitidas. Constatamos que os alunos que
não possuíam uma leitura satisfatória foram aqueles que não tiveram um processo
de aprendizagem que propiciasse o desenvolvimento dos aspectos musicais e
cognitivos apontados ao longo deste estudo. Apesar disso, os alunos se viam
108

obrigados a executar, em cumprimento às exigências dos cursos de piano, peças


que possuíam um nível técnico muito superior ao de sua capacidade de leitura.
2) Os alunos apresentavam dificuldades ou facilidades distintas. Pudemos
observar que as lacunas no aprendizado daqueles que tinham deficiência na leitura
ao piano tinham características individuais e cada aluno possuía um aspecto
peculiar que necessitava ser trabalhado prioritariamente. Por outro lado, o aluno que
possuía uma boa leitura à primeira vista era detentor de competências inerentes a
ela, fossem elas cognitivas ou musicais. Isto nos leva a crer que um bom leitor à
primeira vista adquiriu um conjunto de habilidades e não uma ou duas isoladamente.
3) A abordagem sobre as diferentes áreas de atuação do pianista serviu para
ampliar a visão dos alunos sobre a diversidade de papéis do pianista no meio
musical. Muitas vezes os alunos de piano limitam-se a crer que para eles existe uma
única opção de carreira, como a de pianista solista, embora existam outras formas
de colocar em prática seu talento e aprendizado. Esta reflexão valorizou a prática e
a necessidade do treino da leitura à primeira vista, já que em torno desta capacidade
giram diversas funções do pianista no mercado musical de trabalho.
4) A observação que o pianista 8 fez ao responder às perguntas sobre o tema
deste trabalho considerou que o nível de concentração do pianista e o seu estado
emocional influenciam na sua performance. Esta opinião veio ao encontro do
pensamento da autora deste trabalho, que acredita ser a concentração um fator
determinante para uma boa leitura. Tal pensamento foi corroborado pelo
comportamento dos alunos sob a exigência da leitura à primeira vista numa classe.

4.4.2 Resultados Individuais

O número diferenciado de aulas por aluno foi um fator que atuou sobre os
resultados obtidos. Destacamos as seguintes observações sobre o trabalho
individual com cada aluno na aplicação das estratégias básicas para a leitura à
primeira vista:
1) O aluno 1 demonstrou possuir senso rítmico suficiente para obter fluência
no texto musical, mas não possuía a noção espacial do teclado compatível com tal
fluência, tendo necessidade de alternar o olhar entre o teclado e a partitura por
diversas vezes.
109

A seu pedido, os exemplos musicais utilizados em aula eram de fácil leitura e


execução, porque declarou que ficaria “paralisado” se tivesse que ler uma música do
início ao fim. Por essa razão, o repertório usado era constituído de peças de nível
técnico iniciante ou de peças do seu próprio repertório em estudo.
Para a prática da leitura à primeira vista, o repertório deveria ser de fácil
compreensão para o aluno, e nunca um material com barreiras intransponíveis de
caráter técnico ou musical. Dessa forma, seria possível treinar e alcançar a fluência
desejada com a utilização das estratégias de aprendizado sugeridas.
Após o estudo sistemático da leitura à primeira vista durante as aulas, o aluno
1 declarou que começara a observar a textura da escrita musical na partitura, além
dos movimentos das mãos de forma independente. Relatou-nos que, anteriormente,
não observava tais elementos antes de tocar – só depois de já haver tocado, quando
já era tarde para surtir um resultado positivo.
Muitas vezes, na abordagem da partitura, explicávamos aos alunos de que
forma se poderia enxergar a partitura, como deveríamos organizá-la. A primeira
leitura deveria ser como a visualização de um quadro no qual se observa a textura.
Perguntávamos sobre o que lhes saltava aos olhos, o que lhes parecia mais difícil.
Quando o aluno 1 percebeu que o “olhar à frente” significava antecipar os
movimentos e passou a fazê-lo, o sentido musical se tornou mais fluente e evidente
na execução.
2) Com relação ao aluno 2, observamos que seu perfil apresentava
características inerentes ao pianista especialista, tais como: o gosto pela música de
conjunto, a facilidade em ouvir o “parceiro musical” e de respirar junto com ele, a
fluência e o domínio rítmicos. Porém, a falta de proficiência na leitura à primeira vista
privava-o de atividades nesta área. Esta questão corroborou para o fato de que a
habilidade da leitura à primeira vista é qualidade essencial para aqueles que
exercem as funções de um pianista especialista.
Na sexta aula, este aluno apresentou uma reação muito positiva ao trabalho
desenvolvido até então. Contou-nos, com nítido entusiasmo, que havia conseguido
ler toda a 1ª página da Sonata “Primavera”, n. 5 em fá maior, para violino e piano, de
Beethoven. Esta foi a sua maior conquista: a nova postura diante de uma partitura
“desconhecida”. Anteriormente, não conseguia ler uma página inteira de qualquer
peça, mesmo que esta fosse de um nível técnico acessível. O aluno declarou que ao
longo do tempo adquirira o hábito de ler sempre compasso por compasso e a
110

decorá-los em seguida - nunca lia uma seção inteira da música, por exemplo.
Porém, naquele momento, era muito estimulador se sentir apto e desafiado a ler
uma página inteira de uma obra para piano.
Em compatibilidade com os resultados observados, o aluno 2 ressaltou cinco
aspectos resultantes do seu processo de aprendizado durante as aulas: a) a prática
de escalas e arpejos lhe proporcionou uma maior conscientização da espacialidade
do teclado, facilitando o deslocamento das mãos e gerando soluções para a escolha
do dedilhado; b) passou a visualizar a partitura como um gráfico e a observar as
distâncias entre os intervalos, ao invés de olhar nota por nota; c) tomou consciência
do “comportamento das mãos”, imaginando antecipadamente a sua posição no
teclado antes de tocar, evitando movimentos desnecessários perante o seu
deslocamento pelas teclas pretas e brancas, por exemplo; d) considerou informativo
e relevante o texto sobre as diferentes atuações do pianista; e) ressaltou a
importância e o resultado da leitura dos métodos para iniciantes sugeridos, como a
“Escola Preparatória de Piano op.101”, de Ferdinand Beyer. Além disso, o
aluno informou-nos que havia dado continuidade à prática da leitura à primeira vista
mesmo após aquele período de aulas. Declarou-nos também que tão importante
quanto os recursos apreendidos, foi a coragem adquirida para se sentar ao piano e
ler algo novo.
3) Um dos aspectos observados no comportamento do aluno 3 era a sua
dificuldade de manter a concentração. A sua leitura à primeira vista não era tão
“ruim” quanto ele declarara, porém a sua falta de concentração era acentuada em
situações de cobrança, como em sala de aula, na presença da professora. O aluno
demonstrava preocupação extrema com o seu desempenho, e por esta razão se
sentia desconfortável ao ter que ler algo à primeira vista publicamente, já que não
havia sido treinado para isso.
Este aluno podia tocar todas as escalas ao piano, porém parecia não ter a
consciência de sua estrutura, por ao executá-las automaticamente. Reconhecia que
houve lacunas no seu estudo musical e que muitas etapas do processo de
aprendizado haviam sido negligenciadas. Demonstrava muita dificuldade em
reproduzir em voz alta o ritmo da peça, fosse solfejando ou falando metricamente.
Devido à sua dificuldade de leitura rítmica, apresentava erros rítmicos na execução
da peça. Apesar de reconhecer as suas limitações de leitura, o aluno praticava o
repertório solo do semestre exaustivamente, sem reservar tempo de seu estudo para
111

a prática nas áreas nas quais tinham menos proficiência, como era o caso das
leituras à primeira vista.
4) O aluno 4 teve poucas oportunidades de aulas em relação aos outros
alunos. A despeito disto, foi relevante para o resultado a percepção do encaixe
visual das notas da partitura, pois no momento em que reconheceu que a escrita
podia auxiliá-lo neste sentido, apresentou maior fluência rítmica na leitura à primeira
vista.
5) Como observado anteriormente, o aluno 5 teve uma formação musical
diferenciada dos outros alunos. Desenvolveu a sua capacidade de leitura à primeira
vista ao piano quando era criança, devido ao contexto musical e às circunstâncias a
que era submetida. Apesar disto, a questão rítmica mereceu atenção durante as
aulas, pois o aluno ainda não possuía a consciência do papel condutor e
fundamental que o ritmo pode ter, inclusive quando o piano exerce a função de
acompanhador. No sexto encontro pudemos notar uma maior fluência de leitura,
pois o aluno passou a olhar a partitura em níveis, percebendo blocos e deixando de
ler nota por nota. O conhecimento prévio das estruturas facilitou o reconhecimento
visual, cinestésico e auditivo. Anteriormente, o aluno não era capaz de reconhecer
qualquer agrupamento e atribuir-lhe um significado coerente.
Este aluno tinha domínio das escalas, seus arpejos e dedilhados. Pôde-se
relacionar tal domínio à facilidade na escolha do dedilhado na leitura à primeira vista.
6) Devido ao pouco número de aulas, enfatizamos, com o aluno 6,
primordialmente o primeiro conceito: o domínio das escalas e arpejos. O aluno
considerava difícil a escolha do dedilhado a ser empregado em uma peça lida pela
primeira vez e relatou que nunca exercitara escalas ou arpejos em qualquer
tonalidade. Disse que tinha o hábito de ler nota a nota, embora sem necessidade.
Reconheceu que se enxergasse o conjunto das notas em uma escala ou
reconhecesse as distâncias intervalares poderia ler o conjunto ou desenho, sem
“soletrar” cada frase musical da partitura.
Se nos indagarmos sobre qual foi a lacuna no estudo e na formação deste
aluno que provocou uma deficiência no dedilhado, podemos presumir que foi a
ausência do repertório iniciante do estudo de piano, que trabalharia, por exemplo,
peças baseadas na posição dos cinco dedos, bem como o reconhecimento de
padrões na partitura.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que a leitura à primeira vista ao piano é uma habilidade que pode
ser treinada e adquirida. A formação e a vivência musical, portanto, podem propiciar
ao pianista o desenvolvimento das capacidades necessárias e inerentes a esta
leitura. Por outro lado, embora o processo de leitura esteja diretamente relacionado
ao histórico da formação musical do aluno, percebemos que o estudo e o ensino
sistemáticos da habilidade da leitura à primeira vista não têm sido abordados com a
mesma ênfase dada ao estudo do repertório solo de piano.
Propomos como estratégias básicas para o desenvolvimento da leitura à
primeira vista o domínio de escalas, arpejos e dedilhados, a ação motora e domínio
espacial do teclado desencadeados pelo estímulo visual, o reconhecimento de
padrões e unidades e a compreensão rítmica da obra. Porém, quanto maior a
fundamentação teórico-musical do pianista, maiores serão sua compreensão
analítica e possibilidades para aplicação dos recursos apresentados neste trabalho.
A capacidade de leitura à primeira vista ao piano vem a ser necessária em
diversos campos de atuação musical e profissional e, nesse caso, caberia às
instituições de ensino, bem como aos professores, criar subsídios nos cursos de
piano para a preparação de estudantes para diferentes áreas de atuação musical e
pianística.
Os dados coletados demonstraram que o aprimoramento da leitura à primeira
vista acontece por meio da prática de um repertório diversificado. Pesquisas
demonstram que o número de horas despendido em atividades de acompanhamento
ao piano, assim como o tamanho do repertório nesta área são indicadores de
proficiência na leitura à primeira vista. Entretanto, simplesmente tocar sempre o
mesmo tipo de repertório não significa melhorar a qualidade da performance. O
pianista pode tocar obras musicais à primeira vista ao longo do tempo, mas se estas
peças não apresentarem novos desafios de leitura, não serão a causa de maior
proficiência nesta habilidade. O pianista que desenvolve a sua capacidade de leitura
ao piano é aquele que enfrenta desafios e toca peças de nível cada vez mais
exigente.
A leitura à primeira vista não entra em conflito com o estudo do repertório;
pelo contrário, pode servir de estímulo para que o aluno aprenda um maior número
de obras, já que é uma habilidade que oferece acesso à literatura musical de
113

diversos estilos e tipos de composição. O aluno deve ter a oportunidade e ser


incentivado a ler novas peças mesmo sem o auxílio do professor.
A música de conjunto deveria ser incluída no repertório dos alunos desde o
início de seus estudos, já que a prática da música de câmara, além de estimular o
interesse musical, propicia disciplina rítmica e maior precisão na execução.
O movimento dos olhos é elemento-chave na leitura à primeira vista, pois está
diretamente ligado à forma de enxergar a partitura. Contudo, tal movimento é
conseqüência das estratégias de leitura adotadas, e não a causa de sua proficiência.
Se o leitor entende a maneira com que deve unificar e priorizar as informações
contidas na mesma, os olhos automaticamente farão o movimento necessário para a
decodificação do texto musical e para a formação dos movimentos motores.
Embora este não tenha sido o foco do presente trabalho, foram alvos de
questionamento o tipo de avaliação feita para o acesso de alunos ao curso de piano
na universidade, mais especificamente quanto à sua competência de leitura ao
piano, e a grade curricular do curso. Esperamos suscitar a reflexão sobre a
necessidade de existência de uma disciplina voltada para o desenvolvimento da
leitura dos alunos de piano.
Este trabalho representou a realização de um projeto pré-existente.
Proporcionou o embasamento teórico, os argumentos e as estratégias que um
indivíduo pode adotar na aquisição de uma boa leitura à primeira vista ou seu
aperfeiçoamento. Foram assinaladas as sub-competências que são provenientes da
prática da leitura à primeira vista em um repertório diversificado, num contexto em
que a vivência musical permite o desenvolvimento desta aptidão.
O levantamento do referencial teórico e prático, as entrevistas aos pianistas
especialistas e a análise dos dados e resultados das aulas ministradas fez com que
os recursos que anteriormente eram utilizados de forma empírica pudessem ser
registrados de forma sistemática.
A oportunidade de ministrar as aulas na UFRJ foi fundamental para a
compreensão do tema e conhecimento sobre a formação musical dos alunos de
piano, permitindo o reconhecimento das lacunas existentes. Da mesma forma, as
entrevistas aos pianistas especialistas foram relevantes para nossa pesquisa, uma
vez que os mesmos forneceram suas próprias definições sobre o tema e cujas
respostas suscitaram questionamentos relevantes para a pesquisa.
114

Não pretendemos esgotar as abordagens sobre os recursos para a leitura à


primeira vista ao piano neste trabalho. Acreditamos, entretanto, que as estratégias
apontadas são relevantes e eficazes, diante do respaldo teórico e resultados na sua
aplicação.
Estas considerações não encerram a temática; pelo contrário, podem apontar
para novas perspectivas. Acreditamos que pianistas, alunos e professores de piano,
bem como aqueles que utilizam a leitura à primeira vista em suas atividades poderão
ser beneficiados com o conhecimento deste trabalho.
115

REFERÊNCIAS

ADLER, Kurt. The art of accompanying and coaching. Minneapolis: Da Capo,


1976.

ALENCAR, Nayde Jaguaribe de. Deficiência de leitura: obstáculo ao progresso


pianístico. Rio de Janeiro: UFRJ, 1944.

BAPTISTA, Francisco Xavier. 12 Sonatas para cravo. Transcrição e Estudo de


Gerhard Doderer. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.

BARANCOSKI, Ingrid. A literatura pianística do século XX para o ensino do piano


nos níveis básico e intermediário. PER MUSI – Revista Acadêmica de Música, v. 9,
2004, p.89-113.

BARTH, George. Carl Czerny and Music Authority: Locating the "Primary Vessel" of
the Musical Tradition. In: GRAMIT, D. (Ed.). Beyond the art of finger dexterity:
reassessing Carl Czerny. Rochester: University of Rochester, 2008.

BOTTEGAL, Attilio. Carl Czerny’s Recollections: Na Overview and an Edition of Two


Unpublished Autograph Sources. In: GRAMIT, D. (Ed.). Beyond the art of finger
dexterity: reassessing Carl Czerny. Rochester: University of Rochester, 2008.

CORVISIER, Fátima Graça Monteiro. Antônio Sá Pereira e o ensino moderno de


piano: pioneirismo na pedagogia pianística brasileira. 2009. 320 f. Tese (Doutorado
em Música)-Escola de Comunicações e Artes, São Paulo: Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009.

DEAVILLE, James. A Star is born? In: GRAMIT, D. (Ed.). Beyond the art of finger
dexterity: reassessing Carl Czerny. Rochester: University of Rochester, 2008.

DEUTSCH, Leonhard. Piano: guided sight-reading - a new approach to piano study.


Chicago: Nelson-Hall Company, 1950.

DIRKSE, Scott. A survey of the development of sight-reading skills in


instructional piano methods for average-age beginners and a sample primer-
level sight-reading curriculum. 2009. 88 f. Bachelor of Arts (Degree of Master of
Music in Piano Pedagogy)-School of Music, University of South Carolina, South
Carolin, 2009.
116

FAST, Barbara. Building blocks to effective sight reading. Piano pedagogy forum
v.11, n. 1, july 2008. Disponível em: <http://www.music.sc.edu/ea/keyboard/PPF/
11.1/11.1.PPFFast.html> Acesso em: 6 dez. 2011.

FIREMAN, Milson. O papel da memória na leitura à primeira vista. In: IV SIMPÓSIO


DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS, 2008. Anais do SIMCAM4. São Paulo: USP,
2008. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dl/simcam4/downloads_anais/
SIMCAM4_Milson_Fireman.pdf.> Acesso em:

GERIG, Reginald R. Famous pianists and their technique. New Edition. Indiana:
Indiana University Press, 2007.

GROSMAN, Miriam. Aprendizagem e memorização para pianistas: algumas


considerações. Revista da Academia Nacional de Música, vol. XIV, ano 2003, p.
89-96.

GUDMUNDSDOTTIR, Helga, R. Advances in music-reading research. Music


Education Research, vol.12, n. 4, p. 331-338, dec. 2010.

GUIMARÃES, Miriam Braga. Aspectos da importância do signo escolhido pelo


compositor na interpretação pianística. Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1992.

HARDY, Dianne. Teaching sight-reading at the piano: methodology and significance.


Piano pedagogy forum, v. 1, n. 2, may 1998. Disponível em:
<http://www.music.sc.edu/ea/keyboard/ppf/1.2/1.2.PPFke.html.> Acesso em: 08 ago.
2011

JOURDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase. Tradução de Sonia Coutinho. Rio


de Janeiro: Objetiva, 1998.

KACOWICZ, André Távora. O pianista co-repetidor e a arte do companhamento:


seu significado e importância no cenário musical atual. Rio de Janeiro: Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

KEILMANN, Wilhelm. Introduction to sight reading at the piano or other


keyboard instrument. Tradução de Kurt Michaelis. Frankfurt; London; New York:
Henry Litolff’s Verlag/C. F. Peters, 1972.
117

KOCHEVITSKY, George. The art of piano playing: a scientific approach. Van Nuys,
CA: Summy-Birchard Music, 1967.

KOPIEZ, Reinhard; GALLEY, Niels. The musicians' glance: a pilot study comparing
eye movement parameters in musicians and non-musicians. Sidney, 2002. ICMPC7.
p. 683-686.

LAST, Joan. The young pianist: an approach for teachers and students. New York:
Oxford University, 1981.

LEHMANN, Andreas C.; ERICSSON, K. Anders. Performance without preparation:


structure and acquisition of expert sight-reading and accompanying performance.
Psychomusicology, p. 1-29, spring/fall 1996.

LEHMANN, Andreas C.; KOPIEZ, Reinhard. Sight-Reading. In: HALLAM, S.;


CROSS, I.; THAUT, M. The Oxford Handbook of Music Psychology. New York:
Oxford University Press, 2009, p. 344-351.

LEHMANN, Andreas C.; McARTHUR, Victoria. Sight-Reading. In: PARNCUTT, R.;


McPHERSON, G. E. The Science & Psychology of Music Performance. New
York: Oxford University Press, 2002, 9, p. 135-150.

LEHMANN, Andreas C.; SLOBODA, John A.; WOODY, Robert H. Psychology for
musicians: understanding and acquiring the skills. New York: Oxford University
Press, 2007.

MAUL, Otavio Batista. A arte de acompanhar. Rio de Janeiro: Escola Nacional de


Música, 1949.

______. Da conduta individual na atividade da leitura à primeira vista ao piano.


Rio de Janeiro: Escola Nacional de Música, 1938.

MAYDWELL, Faith. Nurturing Musical Independence. In: EPTA CONFERENCE,


nov. 2007, Novi Sad, Serbia-Vojvodina. Disponível em:
<http://www.anthonymaydwell.com/Faith%20Maydwell/images/Novi%20Sad%20200
7.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2011.

______. Sight reading skills: a guide for sight reading piano music accurately and
expressively. Rev. Ed. Western Australia: New Arts Press of Perth, 2003.
118

MCARTHUR, Victoria. The lost arts of technique and sight-reading. Piano pedagogy
forum, v. 4, n. 1, jun. 2001. Disponível em:
<http://www.music.sc.edu/ea/keyboard/ppf/4.2/4.2.PPFe.html>. Acesso em: 15 jun.
2011.

MUNDIM, Adriana Abid. Pianista colaborador: a formação e atuação performática


voltada para o acompanhamento de Flauta Transversal. Belo Horizonte: Escola de
Música da Universidade de Minas Gerais, 2009.

NEUHAUS, Henrich. The art of piano playing. Tradução de K. A. Leibovitch.


London: Kahn & Averill, 1993.

NEWCOMB, Ethel. Leschetizky as I knew him. New York: D. Appleton and


Company, 1921.

PALMER, Caroline. Music Performance. Annu. Rev. Psychol., v. 48, p. 115-138.


[s.l.]: Annual Reviews Inc., 1997.

PACE, Robert. Sight-Reading and musical Literacy. The Essentials of Keyboard


Pedagogy: A Series of 10 Monographs on Basic Elements of Piano Instruction.
Chatham, NY: Lee Roberts Music, 1999.

PARNCUTT, Richard et. al. An ergonomic model of keyboard fingering for melodic
fragments. Music Perception, v. 14, n. 4, p. 341–382, Summer 1997.

RAMOS, Ana Consuelo. Leitura prévia e performance à primeira vista no ensino


complementar: implicações e estratégias pedagógicas a partir do modelo
C(L)A(S)P de Swanwick. Belo Horizonte: Escola de Música da Universidade de
Minas Gerais, 2005.

RICHMAN, Howard. Super sight-reading secrets. Reseda, California: Sound


Feelings, 1986.

RISARTO, Maria Elisa; LIMA, Sonia Regina Albano de. O método de leitura à
primeira vista ao piano de Wilhelm Keilmann e sua fundamentação teórica.
Opus, Goiânia, v. 16, n.2, p. 39-60, dez. 2010.

RODRIGUES, Ana Carolina Oliveira e. Atenção visual em músicos e não-


músicos: um estudo comparativo. Dissertação. Universidade Federal de Minas
Gerais, 2007.
119

RONKAINEN, Sanna; KUUSI, Tuire. The keyboard as a part of visual, auditory,


and kinesthetic processing in sight-reading at the piano. Proceedings of the 7th
Triennial Conference of European Society for the Cognitive Sciences of Music
(ESCOM). Jyväskylä, Finland: [s.n.], 2009.

RUBINSTEIN, Beryl. The pianist's approach to sight-reading and memorizing.


New York: Carl Fischer, 1950.

SÁ PEREIRA, Antonio. Ensino moderno de piano. Rio de Janeiro: Ricordi, 1933.

SAXON, Kenneth. Teaching sight-reading: old saws and new tools for effective sight-
reading skills. Piano Pedagogy Forum. v.7, n.1, jan. 2004. Disponível em:
<http://www.music.sc.edu/ea/keyboard/ppf/7.1/7.1.PPFke.html>. Acesso em: 27 abr.
2011.

SCHOENBERG, Harold C. The Great Pianists: from Mozart to the Present. New
York: Simon & Schuster, 1987.

SLOBODA, John A. A mente musical: psicologia cognitiva da música. Tradução de


Beatriz Ilari e Rodolfo Ilari. Londrina: EDUEL, 2008. (Tradução de: The Musical
Mind.)

TACCHINARDI, Alberto. Ritmica Musical con 220 ilustraciones. Tradução de M.


T. B. Carcano. Buenos Aires: Editorial Julio Korn, 1954.

THOMPSON, Sam; LEHMANN, Andreas C. In: Aaron WILLIAMON. Musical


excellence: strategies and techniques to enhance performance. New York: Oxford
University Press, 2004.

TOWNSEND, Douglas. Carl Czerny’s Orchestral Music: A Preliminary Study. In:


GRAMIT, D. (Ed.). Beyond the art of finger dexterity: reassessing Carl Czerny.
Rochester: University of Rochester, 2008.

WALKER, Robert. Auditory-visual perception and musical behavior.In: R. COLWELL.


Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer
Books, 1992.

WATERS, Andrew J.; TOWNSEND, Ellen; UNDERWOOD, Geoffrey. Expertise in


musical sight reading: a study of pianists. British Journal of Psychology, vol. 89, p.
123–149, feb. 1998.
120

WHITESIDE, Abby. On piano playing. Portland: Amadeus Press, 1997. p. 7-17.

WILDT, Francisco Koetz; CARVALHO, Any Raquel; GERLING, Cristina Capparelli. O


uso de mapeamento na memorização do Allegro Moderato da Sonatina No. 3
de Juan Carlos Paz: uma abordagem prática. v. 5, p. 35-38. [s.l.]: Música Hodie,
2005.

WOLF, Thomas. A Cognitive Model of Musical Sight-Reading. Journal of


Psycholinguistic Research, v. 5, n. 2, p. 143-171, 1976.

ZHUKOV, Katie. Good sight-readers: born or bred? Trabalho apresentado à 7th


Australasian Piano Pedagogy Conference,South Australia, 2006.
121

REFERÊNCIAS DAS PARTITURAS

BACH, Johann Sebastian. Fantasie c-moll. In: Piano Album: 50 Ausgewählte


Klavierstücke – Selected Piano Pieces. München: G. Henle Verlag, 1998. 50
partituras (119 p.). Piano.

BAPTISTA, Francisco Xavier. 12 Sonatas para Cravo. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1981. 12 partituras (75 p.). Cravo.

BARTÓK, Béla. Mikrokosmos: 156 Progressive Piano Pieces, Vol. 1. New Definitive
Edition. Boosey & Hawkes, 1987. 36 peças (35 p.). Piano.

______. Mikrokosmos: 153 Progressive Piano Pieces vol.2. Nova York: Hawkes &
Son (London) Ltd., 1987. 30 peças (46 p.). Piano.

______. Mikrokosmos: Progressive Piano Pieces vol.III. Nova York: Hawkes & Son
(London) Ltd., 1940. 30 peças (51 p.). Piano.

______. Mikrokosmos: Progressive Piano Pieces vol.V. London: Boosey & Hawkes,
1940. 18 peças (43 p.). Piano.

BEETHOVEN, Ludwig van. Gavotte in F Major, four hands. Edited by Harold Bauer.
New York: G. Schirmer, 1920. 1 partitura (7 p.). Piano a quatro mãos.

______. Sonatine. In: Piano Album: 50 Ausgewählte Klavierstücke – Selected Piano


Pieces. München: G. Henle Verlag, 1998. 50 partituras (119 p.). Piano.

BEYER, Ferdinand. Vorschule im Klavierspiel: Op. 101. Rev. Ruthardt. Peters. (86
p.). Piano.

GOUNOD, Charles. Je veux vivre. In: Roméo et Juliette. Paris: Choudens Fils.
1926. (266 p.). Canto e Piano.

KABALEVSKY, Dmitri. Twenty-four Preludes: Opus 38. New York: MCA Music,
1966. 24 partituras (72 p.). Piano.

KREISLER, Fritz. Liebesleid. Mainz: B. Schott’s Söhne, 1910. 1 partitura. Violino e


Piano.
122

______. Schön Rosmarin. Mainz: B. Schott’s Söhne, 1910. 1 partitura. Violino e


Piano.

MOZART, Wolfgang Amadeus. Sonaten für Klavier und Violine: K305. Frankfurt:
Peters, 1940. 1 partitura (13 p.). Violino e Piano.

RIVA, Douglas. The 20-Minute Intermediate Piano Workout. Katonah: Ekay Music,
1990. (247 p.). Piano.

SCHUMANN, Robert. Papillons: op.2. New York: Schirmer, 1994. (25 p.). Piano.

SKJERNE, Agda. Les Cinq Positions: 80 Seletions from the Masters for Daily
Training. Frankfurt: Wilhelmiana Musikverlag, 1952. 80 peças (43 p.). Piano.

VILLANI-CÔRTES, Edmundo. Dez Prelúdios e Cinco Interlúdios para Piano. São


Paulo: Estúdio Dois, 2000. 15 partituras (52 p.). Piano.
123

APÊNDICES
124

APÊNDICE A – PERGUNTAS FEITAS AOS PIANISTAS ESPECIALISTAS SOBRE


O CONCEITO DA LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO

MODELO ENVIADO:

Prezado pianista,

Estou escrevendo porque, devido à sua prática pianística, e em virtude de


uma pesquisa que estou fazendo sobre a prática e o uso da Leitura à Primeira Vista
ao Piano, gostaria que você respondesse às perguntas:

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou seja, o
que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
125

APÊNDICE B – RESPOSTAS DADAS PELOS PIANISTAS ESPECIALISTAS ÀS


PERGUNTAS FEITAS SOBRE A LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO

PIANISTA 1

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Leitura à Primeira Vista é a capacidade de o músico, tendo o primeiro contato
com a obra em questão somente através de sua forma escrita naquele momento (e
sem ter tido qualquer contato com esta auditivamente!), poder tocá-la ou cantá-la (no
caso do cantor) a primeira vez o mais aproximadamente possível de sua execução
realística - isto só será possível, claro, a partir de uma certa bagagem técnica do
executante.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Complementando a primeira pergunta, é poder naquele primeiro golpe de
vista, após a leitura mental da partitura antes de emitir qualquer som, executar o
mais acuradamente possível a maior quantidade de detalhes da obra, ao piano:
notas certas, andamento, dinâmica, articulação, pedalização, e nos níveis mais
avançados de habilidade, cores, nuanças sutis que estão implícitas e nem mesmo
estão indicadas na partitura. Quanto mais acurada for esta habilidade no pianista e
no músico em geral, mais rápido ele prepará uma obra - é notório, por exemplo, o
caso de alguns célebres pianistas que não tinham (e não têm!) esta habilidade, e
necessitavam bastante tempo para ter uma ideia da obra, somente após o estudo -
esta é uma habilidade à parte no instrumento e no canto.
126

PIANISTA 2

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Leitura à primeira vista seria a habilidade de decifrar e realizar sonoramente e
de maneira fluida e compreensível um texto musical do qual não se tem prévio
conhecimento.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Basicamente o que disse anteriormente, mas detalhando que maneira fluida e
compreensível ao piano significa projetar com clareza os mais variados eventos que
estão contidos na escrita pianística: o desenho do baixo, os agregados sonoros
(sejam eles tonais ou não) e qualquer elemento que seja identificado como
melódico.
127

PIANISTA 3

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Você se refere a quem está decifrando a música pela primeira vez, ou a quem
está escutando esta decifragem? Ou seja, você se refere ao músico que está lendo
à primeira vista ou ao professor que escuta esta primeira leitura? Acredito que são
duas abordagens diferentes, não é assim?
Ainda existe uma outra dimensão , que é a leitura à primeira vista para o
pianista concertista. Este lê, na busca de elementos novos, ou procurando ver as
grandes trechos de virtuosidade para analisar se vale à pena estudar esta ou
aquela peça.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Para quem ouve os três elementos básicos precisam estar presentes, isto é,
melodia, harmonia e ritmo.
Para quem decifra pela primeira vez - a leitura interna ocorre antes da leitura
sonora - há uma leitura sonora interna em defasagem durante toda a execução da
leitura. Há uma escuta consciente da música como um todo, a priori.
Leitura à primeira vista seria a habilidade de decifrar e realizar sonoramente e
de maneira fluida e compreensível um texto musical do qual não se tem prévio
conhecimento.
128

PIANISTA 4

Oi Priscila,
Tenho o maior prazer em te responder. Na verdade nunca tinha parado para
pensar friamente no que ocorre em uma leitura à primeira vista... Algo que foi
fazendo parte do meu universo por causa de circunstâncias... Mas foi ótimo, parei
um pouco para pensar, e espero que possa contribuir com a sua pesquisa somente
pelo que percebi em minha prática. Aí vão meus pensamentos:

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


A leitura à primeira vista é uma habilidade adquirida a partir de uma prática
musical, na qual é indispensável uma compreensão rápida do tipo de música a ser
tocada. Existem certos passos a serem seguidos: observar a tonalidade e o
compasso, porém não considero que sejam o suficiente. Em uma leitura à primeira
vista, é esperada uma apresentação de uma música, e tal finalidade jamais será
alcançada se o leitor não tiver a capacidade de identificar nos códigos escritos algo
que possa fazer com ele os transforme em "música". O objetivo final é uma ideia
musical, que a escrita apenas tentou transmitir.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
A meu ver, uma boa leitura à primeira vista não pode exigir a execução de
todas as notas escritas. Sabemos que para isso precisamos de um exame muito
mais aprofundado sobre todos os problemas técnicos que possam aparecer.
Em primeiro lugar é necessário saber identificar logo o tipo de música
apresentada, seu estilo, sua forma; se é um acompanhamento de algum instrumento
ou cantor, ou se é uma melodia acompanhada, e depois pensar no que é mais
importante dentro do que está escrito para que se passe ao ouvinte uma noção da
música que está escrita. Não resta dúvida de que uma cultura musical e uma grande
vivência são necessárias, para que se possa atingir este objetivo.
Conseguir decodificar o estilo da composição é fator primordial para poder
fazer algum tipo de "arranjo", pois o mais importante em uma leitura à primeira vista
é passar uma ideia do que é a composição. Acompanhamentos difíceis
tecnicamente podem rapidamente ser transformados em baixos de Alberti (por
129

exemplo), se o pianista tem uma noção de harmonia vai saber adequá-los ao estilo
da música proposta.
Muito importante também é não perder a pulsação, principalmente se o
pianista estiver fazendo o papel de acompanhador.
130

PIANISTA 5

Não sei se posso te ajudar, vou responder sem pensar muito no assunto.
Talvez escreva algo que não tenha pensado muito bem.

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Na minha opinião, a Leitura à Primeira Vista é uma habilidade que faz parte
da formação do músico. Essa formação requer procedimentos teóricos e práticos
integrados. A Leitura à Primeira Vista caminha paralela a vivência e ao
conhecimento do músico. A leitura de uma criança que esteja iniciando seu estudo
vai até onde seu conhecimento e sua habilidade física consegue realizar; ela vai ler
o que aprendeu. Para um músico com mais vivência no instrumento, a leitura terá
outra realização. Considerar a Leitura à Primeira Vista apenas como um talento inibe
qualquer processo de aprendizagem onde o conhecimento e a prática constante
sejam formadores de músicos.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Considero uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano a realização de um texto
musical, desconhecido do pianista, que se torna compreensível (o mais fiel possível
ao que o autor escreveu) ao ouvinte. No meu entendimento o que caracteriza uma
boa leitura à Primeira Vista (ao piano) é um conjunto de habilidades adquiridas e
talento.
Considero habilidades adquiridas os procedimentos integrados na formação
do músico:
- compreensão do significado dos símbolos musicais (tonalidade (s),
compasso (s), andamento (s), claves);
- realização dos símbolos musicais no piano (técnica pianística);
- conhecimento da história da música com suas características de períodos e
estilos diferentes;
- memorização de pequeno trecho musical (de um compasso para outro) para
preparar o próximo movimento sem deixar de realizar o movimento atual (virada de
página);
- uma visão mais ampla da partitura;
131

- domínio do teclado em relação a localização das teclas sem olhar;


- concentração no texto musical;
- posicionamento no instrumento para se ter um ponto de apoio;
- domínio da realização rítmica;
- visão harmônica;
- leitura horizontal e vertical rápida;
- saber ouvir o que está realizando;
- “não-ansiedade”.

Considero o talento como parte integrante, mas sem sentido se não estiver
integrado com as habilidades adquiridas.
132

PIANISTA 6

Olha, vou tentar responder a sua pergunta. Isso não é tarefa muito fácil pra
mim, acredite! Já fui sondado várias vezes para dar cursos de leitura à primeira
vista, mas não sei ao certo como eu poderia fazer isso. Na verdade, sempre
acreditei que o meu processo de leitura deve-se ao fato de que eu fui alfabetizado
primeiro para ler notas, e não palavras, pois comecei a estudar piano com três anos
e meio de idade e só ingressei na escola regular aos sete anos. Então, sempre tive
uma facilidade maior para ler partituras, ao contrário de livros. Por isso, acho difícil
encontrar ou falar sobre um método de leitura. De qualquer maneira, vou tentar
responder suas perguntas e peço desculpas se minhas respostas não forem muito
claras.

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Penso que uma boa leitura não seja apenas conseguir ler todas as notas e
ritmos de forma absolutamente clara e precisa. A meu ver, melhor leitura tem o
músico que, em poucos instantes, apenas observando o texto musical, consegue
entender a essência da obra que está em sua frente: seu caráter, seu clima, suas
nuances, enfim, tudo aquilo que é necessário para que a obra "fique de pé" em
pouco tempo. É claro que se nenhuma ou apenas poucas notas (e/ou ritmos)
estiverem no lugar, o texto ficará de difícil entendimento. Mas, da mesma forma,
apenas ritmos e notas certas não são garantias de que a obra, na sua essência,
será entendida. Assim, para mim, leitura à primeira vista significa nada mais do que
"a compreensão e a realização musical de uma partitura num curto espaço de
tempo".

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Tive inúmeros alunos que liam rapidamente uma partitura e conseguiam
decifrar ritmos e notas com enorme facilidade e rapidez. Muitos deles tinham o
hábito de ler muito, acreditando que, assim, poderiam ler cada vez melhor qualquer
texto musical. Isso não é um equívoco. Porém, a maioria deles, deixava de lado uma
coisa que considero, talvez, a mais importante de todas: o que, na verdade, aquelas
obras significavam, o que estava "por trás" de todas aquelas notas. Por isso, sempre
133

me chamou mais a atenção aqueles alunos que até "engoliam" uma nota ou outra ou
um ritmo ou outro, mas que, no primeiro momento em que colocavam uma partitura
para ler, preocupavam-se única e exclusivamente no "fazer musical". A
compreensão do caráter das obras, de suas frases, dinâmicas, respirações, etc.
pareciam ser mais importantes, naquele momento, do que apenas tocar todas as
notas. Daí, passei a ter a certeza de que, esses alunos eram, na verdade, aqueles
que tinham uma leitura à primeira vista melhor. Aqueles que haviam aprendido a ler
todas as notas e ritmos da forma mais correta possível, apesar de terem lido em
tempo recorde, demoravam muito para "musicalizar" corretamente o texto - coisa
que muitos deles sequer conseguiam, mesmo depois de muitos meses tocando a
mesma obra. Ao passo que aqueles que já liam com a compreensão musical correta
do texto, em muito pouco tempo, colocavam notas e ritmos no lugar - e as obras já
estavam "de pé". Assim, penso que, da mesma forma como acontecem com os
atores que têm em mãos um determinado texto para ser representado, faz-se
necessário o entendimento do “enredo”, do personagem, das situações, etc. para
que as palavras não sejam ditas de forma "oca" ou simplesmente faladas "de cor".
Não é melhor ator aquele que lê e decora mais rápido, mas sim, aquele que, numa
primeira leitura, já sabe exatamente o que fazer com aquele personagem do texto
que encontra-se em suas mãos. Não penso, honestamente, que com o texto musical
a coisa seja muito diferente disso.
134

PIANISTA 7

Acho interessante que você esteja pesquisando este assunto, pois creio que
não haja muita literatura em português a respeito, não é mesmo?

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


A meu ver, leitura à primeira vista é a primeira execução de uma peça musical
por um determinado intérprete que, neste caso, independentemente do grau de
dificuldade da peça, procura expor da melhor maneira possível a ideia musical que
está notada na partitura, num andamento próximo do ideal.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Como a necessidade de uma leitura à primeira vista ao piano se dá,
geralmente, em situações de ensaio, ou mesmo de apresentação, de um pianista
com outro(s) músico(s), o ideal é deixar-se conduzir pela ideia musical que estará
sendo exposta também pelo(s) outro(s) músico(s). Para que isso aconteça, é
essencial que o olhar do pianista esteja sempre à frente de seu gesto. A cada
instante da execução musical, o pianista transforma em gesto aquilo que visualizou
no instante anterior, sucessivamente, sem interrupção do olhar para a partitura.
Devido à característica da escrita musical para o piano de se utilizar de duas
pautas que devem ser lidas simultaneamente, torna-se também fundamental que a
visualização da linha musical se dê verticalmente (em blocos, abrangendo as duas
pautas), ao mesmo tempo em que avança em sentido horizontal.
Sem dúvida, um procedimento que facilita bastante a leitura à primeira vista
ao piano é fazer uma leitura precedente puramente visual da partitura, recurso do
qual se pode e deve valer um pianista em situação de prova de avaliação da leitura
em questão. A leitura prévia da partitura ajudará o pianista a perceber o gênero e as
características marcantes da peça musical, possibilitando a ele priorizar aspectos
melódicos, harmônicos ou rítmicos de acordo com aquelas características. Creio que
o pianista que desenvolve as capacidades mencionadas nos parágrafos anteriores
consegue fazer uma boa leitura à primeira vista.
135

PIANISTA 8

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


A leitura à primeira vista implica em tocar reduções de orquestra e saber
reduzir partituras orquestrais (como Liszt fazia). A leitura à primeira vista depende:
do ambiente musical, ou seja, do tipo de circunstâncias envolvidas; do estímulo
visual provocado pela partitura e da acuidade visual - isto é, o leitor precisa ter uma
boa visão, nos sentido literal da palavra; e finalmente, depende também se a leitura
será feita acompanhando um maestro ou outro elemento de interferência.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Em minha opinião, o bom leitor à primeira vista sabe o som que deve ser
produzido, sabe o significado musical da partitura e não olha “nota por nota”. O bom
leitor deve ter a técnica “em dia”. A boa leitura à primeira vista depende do seu
“estado de espírito”, isto é, se ele está em boas condições para se concentrar
suficientemente na leitura da partitura. E por último, a leitura à primeira vista deve
ser feita com a antecipação da leitura de quatro ou cinco compassos, olhando
sempre adiante.
136

PIANISTA 9

1) Em sua opinião, o que é Leitura à Primeira Vista?


Leitura à primeira vista, na minha opinião, é a habilidade do instrumentista (no
caso, o pianista) de fazer uma interpretação satisfatória diante de uma peça, sem
que ele tenha a oportunidade de conhecer previamente a partitura, bem como
alguma gravação da obra. Nesse caso, entende-se como satisfatória uma
interpretação que não necessariamente obedeça a todas as indicações escritas na
partitura (dependendo da dificuldade técnica), mas que expresse com clareza os
elementos mais importantes da composição, de forma que a interpretação da obra
musical seja o mais fiel possível às indicações do compositor, mesmo com a
dificuldade da leitura à primeira vista para o intérprete.

2) O que você considera uma boa Leitura à Primeira Vista ao piano, ou


seja, o que caracteriza uma boa leitura à Primeira Vista (ao piano)?
Alguns fatores contribuem para que o intérprete tenha uma boa leitura à
primeira vista. Não saberia dizer todos eles, mas menciono alguns que julgo
importantes.
O primeiro a ser mencionado chega a ser óbvio: a capacidade do
instrumentista em ler rapidamente as notas e executá-las ao piano. Quanto mais
rápido o instrumentista conseguir fazer esse reconhecimento, menos dificuldade ele
terá em fazer a leitura à primeira vista - isso inclusive permitiria ao intérprete
antecipar a leitura dos próximos compassos, resultando em uma leitura mais fluente
(essa "leitura antecipada" também acontece na leitura de textos verbais -
dependendo do treinamento de cada indivíduo). Esse tipo de habilidade demora a
ser adquirida, e requer paciência e dedicação da parte dos músicos. Todavia, se a
leitura à primeira vista dependesse somente desta habilidade, os recursos
tecnológicos já teriam substituído os pianistas nesta atividade ao longo do tempo.
O treinamento da percepção musical é outro desses fatores. O pianista bem
treinado na percepção musical pode prever a execução da peça antes de interpretá-
la ao piano, já que a percepção trabalha a relação direta do indivíduo com a música,
de forma que ele perceba, reconheça e realize internamente os elementos musicais
independentemente do auxílio de um instrumento musical. Sendo assim, ele pode
tomar decisões interpretativas já no contato visual com a partitura, antes mesmo de
137

tocar as notas. Sobre este assunto, entendo que a impressionante capacidade


perceptiva de Beethoven foi o que permitiu a ele criar obras tão relevantes para a
história da música no fim de sua vida, mesmo não podendo ouvi-las externamente
por estar completamente surdo. Suponho ainda que, caso ele fosse convidado a
realizar uma leitura à primeira vista ao piano quando surdo, ele o faria de forma
muito mais expressiva do que outros músicos de sua época que não tivessem
qualquer problema auditivo. Isso porque Beethoven, tamanha a sua capacidade
perceptiva, seria capaz não somente de executar as notas ao piano, mas também de
imaginar internamente o resultado sonoro produzido, auxiliando-o na leitura, na
compreensão e na interpretação da obra como um todo.
O reconhecimento das formas em música também é outro fator importante. A
capacidade do instrumentista de identificar seções, reconhecer os motivos e suas
variações, auxilia, sobretudo, na coerência e na pontuação do discurso musical (o
termo "pontuação", neste caso, é análogo ao discurso verbal). O intérprete, através
desta habilidade, é capaz de explicitar em sua interpretação os motivos, frases e
seções da obra, sabendo delimitá-los e tratar cada um deles de acordo com a sua
respectiva relevância na obra.
Um recurso importante na prática da leitura à primeira vista, sobretudo em
peças mais difíceis, é a condensação harmônica, que pressupõe uma análise
harmônica. Seguramente este recurso está entre os que mais utilizo na prática da
leitura à primeira vista. Há casos em que o andamento da peça é tão acelerado, ou a
quantidade de notas por tempo é tão grande, que o instrumentista precisa
reconhecer os elementos harmônicos mais relevantes e priorizá-los na sua
interpretação. Essa simplificação permite ao instrumentista dedicar a sua atenção a
outros fatores, como a audição da execução dos outros músicos (no caso de
acompanhamento ou música de câmara), a expressividade das linhas melódicas e a
leitura antecipada dos compassos a seguir. Ou seja, a condensação das
informações harmônicas é às vezes necessária para que outros fatores não sejam
desprezados e a leitura à primeira vista seja menos eficiente.
Por fim, destaca-se também o conhecimento da história musical como uma
ferramenta relevante na leitura à primeira vista. Quanto mais o intérprete conhece o
compositor da obra, o contexto histórico-musical no qual ela está inserida, entre
outros dados, menos dificuldade ele terá em fazer as suas escolhas interpretativas.
Cada período da história da música teve as suas convenções musicais
138

características; por isso é inadequado executar todas as obras musicais através de


uma mesma ótica de leitura. O pianista que tem esse conhecimento, portanto,
utiliza-o para fazer uma interpretação correta de elementos como a articulação, a
dinâmica e a agógica, mesmo que não estejam sinalizados na partitura.
Em resumo, entendo que o pianista com boa leitura à primeira vista não
necessariamente domina todas as habilidades ou conhecimentos musicais, tanto as
mencionadas aqui como as que não estão. Porém, esses fatores são como
ferramentas de que o pianista dispõe no exercício desta atividade. Quanto mais
completo for o músico no domínio dessas ferramentas, mais expressiva, coerente e
fiel será a sua reprodução de uma partitura, mesmo em uma primeira leitura.
139

ANEXOS
140

68
ANEXO A – GRADE CURRICULAR DA HABILITAÇÃO PIANO - UFRJ (2008)

68
Disponível em: <http://www.musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=122%3A
piano&catid=36&Itemid=83. Acesso em: 05 set 2001.
141
142

Anda mungkin juga menyukai