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Quaderns de Psicologia | 2015, Vol.

17, No 3, 83-98 ISNN: 0211-3481

 http://dx.doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1283

Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas: Experiências


de pessoas travestis e transexuais no Brasil
Mapped vulnerabilities, Located violences: Experiences of transvestites and
transgender individuals in Brazil

Bruna Camillo Bonassi


Marília dos Santos Amaral
Maria Juracy Filgueiras Toneli
Mariana Amaral de Queiroz
Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo
O presente artigo discute as formas de violência, seus modos de atuação, naturalização e
invisibilidade, às quais as pessoas travestis e transexuais são submetidas em Santa Catarina,
Brasil. A partir da aplicação de questionários a 100 pessoas trans, foi possível elaborar um
perfil psicossocial desta população e identificar as violências específicas pelas quais passa,
além de seus principais agentes. Os tipos mais frequentes são a discriminação, as violências
psicológica, física e institucional, sendo indicados também os serviços de segurança pública,
educação, saúde e assistência social como autores. Despossuídas de direitos e marginaliza-
das dos serviços públicos, essas pessoas, em suas maioria, trabalham como profissionais do
sexo e foram expulsas de casa e da escola quando começaram a tornar mais visível seu gê-
nero. Buscamos problematizar os modos como as violências incidem sobre corpos desviantes
da cisheteronorma, incluindo aqui como as políticas públicas têm reconhecido (ou não) os
direitos dessas pessoas.
Palavras-chave: Vulnerabilidades; Violências; Travestis e Transexuais; Políticas Públicas

Abstract
This study discusses the forms of violence and their ways of acting, naturalization and in-
visibility that transvestites and transgender individuals are subjected in Santa Catarina,
Brazil. Through the applying of questionnaires to 100 trans individuals, it was possible to
elaborate a psychosocial profile of this population and identify the specific violence they
pass through and the main agents of them. The most frequent types are discrimination,
psychological, physical and institutional violence and public security, education, health and
social assistance services are pointed out as the main perpetrators. Dispossessed of rights
and marginalized of public services, these people, in their majority, work as sex workers
and were cast out of home and school when begun to make visible their gender. We seek to
problematize the way violence act on deviant bodies of cisheteronorm, including how pub-
lic policies have acknowledged (or not) the right of these individuals.
Key words: Vulnerabilities; Violences; Tranvestites and Transgender; Public Policies
84 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

Introdução nósticos de transtornos mentais, sendo coagi-


da por promessas de cura e terapias de rever-
O dispositivo da sexualidade e as normas que são a um “estado cisgênero e heterossexual”,
ele veicula estão tensionados no mundo oci- ou seja, a uma pretensa equivalência entre
dental, em geral por grupos que buscam o sexo/gênero engessada à naturalização de
alargamento dos direitos consolidados para a uma construção social e histórica. Nesta lógi-
população heterossexual e cisnormatizada de ca normativa e normalizadora de compreen-
forma a incluir as pessoas LGBTTI (lésbicas, são do sujeito, a população de pessoas traves-
gays, bissexuais, travestis, transexuais, trans- tis e transexuais, em específico, em seus mo-
gêneras e intersexuais), como o casamento. dos de vida e subjetivação, desestabiliza a ló-
Uma mostra disso são, por um lado, as políti- gica simbólica e inteligível da gramática se-
cas públicas que estão sendo criadas no Brasil xo/gênero que orienta a compreensão do que
para combater a violência ho- se entende como ser humano e, por conse-
mo/lesbo/transfóbica e potencializar o acesso guinte, os saberes e fazeres de diferentes
à saúde dessa população no sistema público campos sociais, inclusive os da psicologia.
(Sistema Unificado de Saúde – SUS), e, por ou-
tro, a não aceitação e insistentes tentativas Esta naturalização cisheteronormativa legiti-
de revogação de tais conquistas por parte de ma o discurso religioso e patologizante de
grupos diversos, incluindo parlamentares do “cura” diante das sexualidades e gêneros dis-
congresso brasileiro orientados, via de regra, sonantes, fomentando a violência à população
por princípios religiosos fundamentalistas. de pessoas LGBT, principalmente no que con-
cerne às mulheres travestis e aos homens e
Após ter inserido, em 1997, a educação sexual mulheres transexuais. É sobre as formas de
de forma transversalizada no ensino funda- violência contra essas pessoas, bem como sua
mental (1º à 9º ano escolar) e no ensino mé- naturalização – por vezes por parte delas
dio (1º à 3º ano escolar) (Parâmetros Curricu- mesmas – e sua (in)visibilidade nas políticas
lares Nacionais – PCNs), em 2004 o governo públicas brasileiras que este artigo se debru-
federal lançou o Programa de Combate à Vio- ça. Partindo dos dados obtidos em uma pes-
lência e à Discriminação contra GLBT – em quisa desenvolvida em um dos estados do sul
2008 é alterada a ordem das letras da sigla do Brasil (Santa Catarina), são mapeadas as
para LGBT a pedido das mulheres na I Confe- vulnerabilidades e localizadas as violências
rência GLBT no Brasil – e de Promoção da Ci- específicas e comuns às quais a população de
dadania Homossexual (o Programa Brasil Sem pessoas travestis e transexuais estão submeti-
Homofobia). Este documento coloca pela pri- das. Os resultados serão discutidos à luz das
meira vez o Estado como responsável pelo teorias feministas e de gênero e constituem
combate à homofobia e pela promoção de di- material importante para que sejam proble-
reitos humanos da população LGBT. No entan- matizadas as políticas públicas, suas falhas e
to, os esforços recentes – bem sucedidos em ausências no que tange o acesso e a promoção
muitos casos – pela retirada do termo gênero de direitos dessa população.
dos Planos de Educação em seus vários níveis
(federal, estadual e municipal) são um exem- Cissexismo: uma produção de violência
plo das tensões mencionadas. e invisibilidade sobre os corpos de
Pensar políticas públicas que legitimam for- pessoas travestis e transexuais
mas não-heterossexuais e não cisnormatizadas Empilham-se noticiários de assassinatos e vio-
de sexualidade é colocar a cisheteronorma em lências a pessoas travestis e transexuais: MP
prova. As políticas públicas que materializam denuncia caso de travesti morto a pedrada
o governo das condutas nunca são neutras, em Piauí como homofóbico (Costa, 2014); Du-
são respostas a uma conjuntura que é a soma- pla mata travesti a tiro em Juazeiro do Nor-
tória de diversos vetores considerados fontes te, interior do Ceará (Dupla mata travesti a
de saber: o governo, a igreja, a mídia, a psi- tiro em Juazeiro do Norte..., 2014); Travesti
quiatria, a psicologia, entre muitos outros é baleada em frente à igreja em João Pessoa
(Nardi, 2013). Desestabilizar a heterossexua- (Travesti é baleada em frente... 2014); Tran-
lidade compulsória, assim como a cisnormati- sexual é amarrado, baleado e tem o corpo
vidade, é deslegitimar estratégias de poder carbonizado (Fonseca, 2014); Transexuais so-
que insistem em manter a população LGBT frem agressões e abusos dentro de penitenci-
marginalizada em guetos, confinada em diag-

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árias (Rezende, 2015). Essas manchetes re- de inserção no mundo do trabalho para além
centes evidenciam o extremo da violência e a da prostituição e de acesso a direitos como a
crueldade a que homens transexuais e mulhe- saúde pública. A dificuldade de aceitação – e
res travestis e transexuais estão expostas/os. por vezes, negação mesmo – das identidades
das pessoas travestis e transexuais explicita
Os dados divulgados pela Transgender Europe
como histórica e culturalmente produzimos
(TGEU, 2014), uma organização europeia que
uma compreensão sobre o gênero/sexo. As-
mantém um projeto de monitoramento siste-
sumimos aqui gênero como performativo, na
mático dos assassinatos de pessoas trans, a
linha de debates da filósofa Judith Butler 1
partir de relatos ao redor do mundo, apontam
(1990/2003), que o compreende como “a esti-
o alto índice de mortalidade dessa população,
lização repetida do corpo, um conjunto de
especialmente no Brasil. O último monitora-
atos repetidos no interior de uma estrutura
mento, divulgado em 30 de outubro de 2014
reguladora altamente rígida, a qual se crista-
demonstra que, no período de outubro de
liza no tempo para produzir a aparência de
2013 a setembro de 2014, foram assassinadas
uma substância, de uma classe natural de
226 pessoas trans em 28 países. O país com o
ser” (Butler, 1990/2003, p. 59).
maior número de vítimas é o Brasil – 113 pes-
soas trans foram mortas nesse período –, se- Mesmo antes de nascer somos posicionados
guido do México com o segundo maior núme- dentro de uma lógica binária que considera
ro, 31 vítimas. duas possibilidades de existência: homem ou
mulher. Essa identificação se dá a partir do
Diante de dados como estes é importante
reconhecimento dos genitais: pênis produziri-
pontuar que muitas pessoas travestis e tran-
am homens e vaginas produziriam mulheres. A
sexuais morrem invisibilizadas, uma vez que
partir dessa assignação toda uma gama de
não constam dos boletins de ocorrências poli-
comportamentos e papéis sociais são atribuí-
ciais e nas estatísticas de mortalidade, tam-
dos e expectáveis no decorrer do desenvolvi-
pouco fazem parte do (re)conhecimento de
mento. Assim, se produzem verdades sobre o
suas famílias tendo seus corpos enterrados
sujeito que advém do seu sexo.
como indigentes. Consequentemente o núme-
ro de pessoas trans vítimas de homicídio é Além disso, no tocante à dimensão desejante,
ainda maior do que o apresentado pelas orga- a heterossexualidade opera como padrão
nizações. Pode se dizer que a morte dessas normativo dado pela natureza, designando
pessoas é o ponto extremo de uma grande ca- como “sadio e normal” o roteiro que prevê
deia de violências cotidianas às quais estão que homens devem gostar de mulheres e mu-
submetidas, incluindo humilhações, explora- lheres de homens e assim o fazem pela con-
ção sexual, extorsões, agressões físicas, den- tingência reprodutiva da espécie humana. Um
tre outras modalidades, como pode ser identi- padrão heteronormativo que segundo Butler
ficado na pesquisa que iremos relatar. (1990/2003), refere-se a uma ideia de nature-
za humana na qual se compreende como cer-
Os movimentos sociais LGBTs e diferentes se-
tezas universais e hegemônicas que os sujei-
tores da sociedade civil, assim como pesqui-
tos são em sua essência heterossexuais. Esta
sas acadêmicas, vêm alertando insistente-
norma para agir precisa constantemente ser
mente para a vulnerabilização desta popula-
reafirmada, e para isso, é importante que se-
ção. Trata-se de um cotidiano atravessado pe-
ja aceita como inata e inquestionável, servin-
lo preconceito, desatendimento de direitos
do de sustentação para moldar as relações so-
fundamentais e pela exclusão estrutural que
ciais em um padrão binário e hierárquico.
configuram esse desamparo e demonstram a
precariedade do acesso à cidadania por parte Butler (1990/2003) problematiza as possibili-
da população LGBT (Jesus, 2010). dades de inteligibilidade dos corpos e rela-
ções a partir da atuação da heteronorma,
Diante desse alerta há de se problematizar
considerando que:
que atravessamentos da nossa organização
societária, incluindo aqui as políticas públi-
cas, produzem como efeito a intensa margina-
lização dessas pessoas, em especial das tra- 1
No presente texto seguimos o procedimento adotado
vestis e transexuais, via de regra expulsas de por pesquisadoras feministas que mencionam o prenome
casa e da escola, com enormes dificuldades do/a autor/a na primeira vez em que citado como forma
de reconhecimento do gênero.

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A grade de inteligibilidade cultural, por meio do lação à pertença das mulheres trans ao campo
qual os corpos, gêneros e desejos são naturaliza-
político do feminismo:
dos [...] presume que, para os corpos serem coe-
rentes e fazerem sentido (masculino expressa Proponho pensar a exclusão das mulheres trans*
macho, feminino expressa fêmea), é necessário da mulheridade (os efeitos de sentido que corro-
haver um sexo estável, expresso por um gênero boram a construção da “mulher verdadei-
estável, que é definido oposicional e hierarqui- ra/biológica/de nascença”) se dando através da
camente por meio da prática compulsória da he- produção de sentidos de evidência acerca dos su-
terossexualidade (Butler, 1990/2003, pp. 215- jeitos homem e mulher como forma de interpela-
216). ção ideológica pela cisgeneridade compulsória.
Também defendo a importância de se pensar ana-
Outra perspectiva conceitual e política que liticamente o conceito de cisgeneridade para
vem sendo colocada pelos movimentos femi- compreender a materialidade do sexo em sua
nistas que se propõem a problematizar as vul- maior totalidade ou complexidade (Bagagli, 2014,
nerabilidades das pessoas transexuais e tra- paragrafo 2).
vestis – conhecidos como transfeminismo – é a Os corpos que não se encaixam nessa lógica
da cisgeneridade. O termo propõe problema- cisgênera e heterossexual funcionam como
tizar a dimensão da identidade de gênero e resto, que Butler (1990/2003) vai situar como
seu valor em termos de relação de poder in- abjeto. Este resto não encontra no corpo so-
tra-gênero Designa pessoas cujo sexo declara- cial uma possibilidade de reconhecimento de
do ao nascer condiz com a performatividade sua singularidade e o respeito e legitimação
do gênero. Exemplo: uma pessoa que nasceu de uma autodeterminação da identidade.
com pênis, assignada como homem ao nascer,
circunda sua performance de gênero no mas- Jaqueline de Jesus & Hailey Alves (2007)
culino – aos elementos ligados ao “macho”. apontam para os efeitos dessa determinação
Teríamos então uma divisão binária novamen- do reconhecimento autônomo das identidades
te: pessoas cis como aquelas em que há uma de gênero:
coerência (colocada como compulsória) no A separação social, legal, comportamental e ati-
sexo-gênero, e pessoas trans que transgridem tudinal estabelecida entre homens e mulheres
desde o seu nascimento, com base na falaciosa
essa linha de causa e efeito demarcada. Por ideia de que sexo biológico (cromossomos, geni-
meio da cisgeneridade compulsória é que se tais) determina gênero, retira o direito das pes-
produzem as identidades de gênero tidas co- soas à auto-expressão e estrutura o sexismo como
mo naturais e normais de homens e mulheres, uma forma de apartheid com consequências psi-
cossociais e institucionais negativas, especial-
ou seja, uma pessoa assignada como mulher mente no que concerne ao direito à autodetermi-
ao nascer e que na sua constituição produz nação das pessoas (Rotblatt, em Jesus & Alves,
uma consonância com o dito sobre seu corpo 2007, p. 15).
e sua subjetividade, é uma mulher cis. A tran-
Tomar o gênero como performativo, ou seja,
sexualidade assim operaria a partir de uma
como uma norma que demanda uma insisten-
outra identificação que não a imputada no
te reiteração que marca a subjetividade e
nascimento.
produz corporeidades ajuda-nos a pensar que,
A discussão em torno da cisgeneridade não apesar da insistência, inevitavelmente algo
apenas desloca o debate para além da hete- falha. A norma não é capaz de marcar todos
ronorma e seus efeitos, como também com- os corpos da mesma forma e, com isso, o que
plementa ao esclarecer, inclusive, a confusão é tomado como um fato da natureza – a or-
de que pessoas “não-trans” seriam heterosse- dem binária de homens com pênis e mulheres
xuais, em uma errônea analogia às pessoas com vagina – se escancara como do campo das
trans como homossexuais (Jesus, 2015). Do relações humanas, uma vez que os desviantes
mesmo modo, evidencia o caráter ilusório da denunciam publicamente a ausência de uma
naturalidade da categoria cis e traz para o verdade a priori sobre nossos corpos, o vazio
campo de análise os efeitos do cissexismo, que atravessa a ideia de essência usualmente
como a desconsideração da existência de pes- ligada a uma perspectiva generificada de hu-
soas trans e seu apagamento político por meio mano. Confrontam os discursos cisheterosse-
da negação de direitos, sejam eles judiciais, xistas, misóginos e transfóbicos e anunciam –
médicos, educacionais, entre outros. em algum nível – que a condição humana ope-
ra antes na ordem da criação e da cultura do
Bia Bagagli (2014) também insere o termo cis- que do destino fatalista que nos relega à na-
generidade na discussão para pensar as ten- tureza.
sões que ocorrem no campo feminista em re-

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Sujeitos da vulnerabilidade: corpos que cursos que não reconhecem essa população –
pesam e o direito à vida digna no exercício da autonomia sobre seus corpos e
desejos – como humanos, posicionando-os em
É no cenário dos debates em torno do leituras patologizantes e marginalizantes a
HIV/Aids que o conceito de vulnerabilidade partir de uma perspectiva transfóbica, que
proposto por José Ayres, Ivan França-Júnior, discrimina e não reconhece a existência e os
Gabriela Calazans & Heraldo Saletti-Filho direitos de homens transexuais e mulheres
(2003) tem um profundo impacto no tocante à travestis e transexuais.
elaboração de políticas, em especial, mas não
apenas, no campo da saúde no Brasil. Muitas Ou seja, para ser um sujeito de direitos, me-
das ações anteriores a esse operador concei- recedor de reconhecimento por parte do Es-
tual tiveram um impacto estigmatizante, que tado é fundamental que se esteja contempla-
endossava preconceitos em torno da popula- do como um ser humano. É no tocante à con-
ção LGBT girando em torno da ideia de grupo dição humana que se reconhece a dimensão
e comportamento de risco. Assim, vulnerabi- inexorável da vulnerabilidade, e, por conse-
lidade como por eles proposto, busca incorpo- guinte, a necessidade de amparo. Nesse sen-
rar outros elementos (dimensões individual, tido, discorrem Maria Juracy Toneli & Marília
social e programática) para se pensar de for- Amaral (2013): “para que seja produzido o su-
ma mais complexa os fenômenos, na intenção jeito vulnerável, é necessário que esta série
de construção de propostas e práticas que de discursos e dispositivos de poderes e preo-
operem mais eficazmente na promoção e pre- cupações do governo seja acionada, tornando
venção em saúde. os indivíduos legítimos às políticas públicas e
dignos de seus direitos ‘humanos’” (p. 42).
No ensaio Diversidade Sexual e Políticas Pú-
blicas: compreendendo os vetores de subjeti- As barreiras para a construção de políticas
vação e as transformações no dispositivo da públicas – e efetivação destas – são inúmeras
sexualidade, Henrique Nardi (2013) retoma o quando temos como foco pessoas travestis e
conceito contextualizando-o no debate em transexuais, tendo em vista a perspectiva
torno das populações de sexos diversos e o transfóbica na qual se ancoram as ordenações
enuncia: de corpos e condição de legitimidade huma-
na. A atuação do imperativo heterossexual e
A vulnerabilidade mostra como o preconceito, a
discriminação, a ausência de igualdade de direi-
cisgênero, na sua dinâmica de legitimação de
tos, a moral sexual rígida marcada pela domina- algumas experiências e negação de outras,
ção sexual masculina, as relações de gênero opera na invisibilização destes sujeitos evi-
opressoras, a pobreza e a falta de políticas públi- denciada na carência de informação e aten-
cas produzem, em conjunto, as condições para
que as pessoas independente da sexualidade e da
ção por parte das políticas públicas (Toneli &
identidade de gênero não utilizem o preservativo Amaral, 2013).
e não realizem o tratamento adequado (Nardi,
2013, p. 253). O dispositivo da sexualidade tem como um de
seus efeitos a constituição da identidade de
Ao retomar o conceito de vulnerabilidade, gênero como um ideal regulatório produtor e
Nardi (2013) faz referência à questão do uso reprodutor de violência, identidade classifi-
do preservativo e à adesão ao tratamento do cada como coerente se inclusa no sistema bi-
HIV/Aids. No entanto, é possível realizar um nário (que supõe uma coerência interna de
manejo desse conceito para se problematizar seus termos). Há algo de ininteligível na tra-
a vulnerabilidade social de certos grupos, vestilidade e na transexualidade que perpassa
pensando os diferentes atravessadores desta a linha possível de simbolização. Quanto a ou-
condição, que tem como efeitos a marginali- tros eixos reguladores de poder, frequente-
zação, o não acesso aos serviços e a precari- mente homens e mulheres travestis e transe-
zação das condições de vida. xuais relatam discriminações referentes à ra-
Ao se fazer um recorte das especificidades da ça, à origem e à classe social. Esses eixos não
população de pessoas travestis e transexuais e devem ser somados, hierarquizados e defini-
buscar uma analítica em torno da produção dos como uma categoria primordial de opres-
de políticas públicas para elas, nos deparamos são, mas pensados juntos, em intersecção pa-
com o desafio que estas pessoas têm para que ra identificar estratégias de opressão e silen-
suas existências e modos de vida sejam reco- ciamento específicos para essa população,
nhecidos como legítimos. São inúmeros os dis- que, como apresentado, está sujeita a formas

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variadas de violência de gênero (Butler, no das questões morais, religiosas e laicas do


2006). Estado brasileiro.
As pessoas travestis e transexuais como sujei- Lançar mão da ideia de democracia sexual re-
tos alvo das políticas públicas inserem-se den- quer incorporar na arena das disputas e das
tro do campo dos direitos LGBT ou dos direi- discussões políticas os corpos e suas marca-
tos relativos à diversidade sexual, como apon- ções – de gênero/sexo, etnia/raça, geração,
ta Sérgio Carrara (2010). O autor elucida que classe – entendendo-os como históricos efei-
diversidade sexual se refere a “prerrogativas tos de relações de poder. Desta forma, colo-
legais relativas ou à sexualidade ou a grupos ca-se em questão o ideal universal de sujeito
sociais cujas identidades foram forjadas sobre e se traz para o campo das políticas públicas
formas específicas de desejos e de práticas questões que historicamente foram tomadas
sexuais” (p. 135). como morais, da ordem da natureza.
Nas trilhas dessa discussão Nardi (2013), afir- Mapeando vulnerabilidades
ma que é a partir da articulação entre direi-
tos sexuais e direitos humanos que a diversi- Buscamos aqui problematizar as vulnerabili-
dade sexual e de expressões de gênero aden- dades vivenciadas por pessoas travestis e
tram na arena da política e nas reivindicações transexuais no contexto do Estado de Santa
em torno da cidadania. A partir dessa associa- Catarina, Brasil, investigadas na pesquisa inti-
ção, o autor retoma o conceito de democracia tulada “Direitos e violências na experiência
sexual, proposto por Eric Fassin (2006) e Ste- de travestis e transexuais em Santa Catarina:
ve Garner & Eric Fassin (2013), como um pos- construção de perfil psicossocial e mapea-
sível operador analítico para se pensar as mento de vulnerabilidades”, realizada pelo
transformações que ocorrem a partir do sécu- núcleo de pesquisa Margens do Departamento
lo XX nas democracias ocidentais envolvendo de Psicologia da Universidade Federal de San-
as questões em torno da igualdade de direitos ta Catarina em parceria com a Associação em
dos corpos assignados como homens e mulhe- Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na
res, e das diversas orientações sexuais e iden- Sexualidade (ADEDH), com financiamento do
tidades de gênero e como estes são incorpo- CNPq. A pesquisa buscou gerar dados que con-
rados nas diferentes esferas sociais: educa- tribuam para entender as formas de vida des-
ção, trabalho, família, assistência, cultura e ta população, suas especificidades quanto a
segurança. Segundo Nardi (2008), é possível temas como violências às quais está submeti-
pensar em democracia sexual: da e acesso a políticas públicas, bem como
suas características sócio-demográficas.
Como o efeito político da pressão dos movimentos
sociais pelo direito à livre expressão da sexuali- Foi optado por trabalhar com uma amostra de
dade que ganhou força após a epidemia da aids e conveniência acessada por meio das redes so-
que busca a igualdade de direitos independente
da posição dos sujeitos no espectro da diversida-
ciais dos/as profissionais da ADEDH, bem co-
de sexual ou de gênero (p. 13). mo do Núcleo Margens, uma vez que não se
tem disponíveis dados sócio-demográficos ofi-
Complementando, é preciso destacar que, no ciais sobre essa população e, portanto, não há
que diz respeito à políticas públicas no campo como se calcular uma amostra representativa.
sexualidade, “o ponto de partida para sua A pesquisa de campo se caracterizou com
formulação e implementação é basicamente a aplicações de abordagem de rua, nos locais
necessidade de mudança de crenças, valores de sociabilidade dessa população (como bares
e tradições há muito prevalecentes no imagi- e boates) e em algumas casas de cafetinas ou
nário coletivo” (Mello, Avelar & Maroja, 2012, “donas de casa” (mulheres travestis e transe-
p. 294). Assim, a problematização das políti- xuais que vivem do aluguel de quartos a ou-
cas deste campo, requer pensar que tais polí- tras mulheres trans e/ou do local em que se
ticas são atravessadas por posições identitá- prostituem) que também auxiliaram os conta-
rias, dinâmicas desejantes e práticas sexuais tos para que fosse feito o convite à participa-
dissonantes da heterossexualidade. Políticas ção.
que demandam uma desnaturalização da gra-
mática heteronormativa, trazendo para a Para a coleta de dados foi utilizado um ques-
arena das políticas públicas o debate em tor- tionário elaborado preliminarmente pelo Nú-
cleo de Direitos e Cidadania LGBT –
NUH/UFMG que passou por adaptações e tes-

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Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas 89

tagens para se adequar ao contexto da Gran- conselhos profissionais, secretarias e coorde-


de Florianópolis, uma vez que originariamente nadorias do estado de Santa Catarina e do
destinava-se apenas a profissionais do sexo município de Florianópolis. Foram encontra-
que atuam em Belo Horizonte/MG. Trata-se dos 35 documentos que fazem referência às
de um instrumento composto de 108 ques- pessoas travestis e transexuais em níveis fe-
tões, divididas em doze eixos temáticos fun- deral, estadual e municipal, e, por meios des-
damentais: Dados sócio-demográficos, Escola- tes foi possível identificar como as políticas
ridade, Família, Religião, Migração/moradia, públicas brasileiras têm acolhido (ou não) es-
Trabalho, Outros trabalhos, Transformação do ta população.
corpo, Saúde, Políticas públicas, Violência,
Uso do tempo/lazer/cotidiano, e uma questão Violências localizadas: dados sobre a
aberta com o enunciado: “o que você pensa desassistência e a exclusão
para o futuro?”. Para discussão neste artigo No âmbito da educação, trabalho e saúde os
foram utilizados dois eixos dentre os elenca- dados nos mostram que dentre as pessoas tra-
dos: o eixo que apresenta os dados sócio- vestis e transexuais informantes da pesquisa,
demográficos das/os informantes (11 ques- 3,2% completaram apenas o ensino fundamen-
tões) e o eixo composto por dados sobre vio- tal, 25,8% o ensino médio e 8,1% o ensino su-
lências vivenciadas pelos homens transexuais perior. Delas, 33,9% pararam de estudar entre
e mulheres travestis e transexuais (15 ques- 16 e 19 anos, período que coincide com a
tões). Ambos os eixos contam exclusivamente época em que deixaram de viver com suas
com questões de medida de frequência (como famílias de origem e que passaram a se vestir
por exemplo, sim ou não, uso ou não uso, pos- com as roupas que consideravam adequadas
sui ou não possui). ao seu gênero. Os motivos principais que as
Para os procedimentos estatísticos na análise levaram a sair de casa foram a busca por tra-
dos dados foi utilizado o Statistical Package balho e a violência (preconceito) intrafamili-
for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. No ar.
que se refere à apresentação, análise e des- Quando perguntadas/os sobre o trabalho que
crição dos dados, frequências, médias e assi- exerciam 90,3% afirmaram trabalhar, sendo
metria foram examinadas para todos os da- que 58% afirmaram ser profissionais do sexo e
dos, com o propósito de torná-los manejáveis 82,3% alegaram já terem feito sexo por di-
para elaboração. nheiro ou outros benefícios. O mercado for-
Participaram da pesquisa 100 pessoas traves- mal de trabalho não inclui a maioria dessas
tis e transexuais adultas/os (maiores de 18 pessoas, sendo que 77,4% afirmaram que não
anos). Desta amostra 48% se autodeclararam têm carteira de trabalho assinada e 74,2%
brancas/os, 34% pardas/os, 11% negras/os, 3% pessoas não contribuem com Instituto Nacio-
indígenas, 2% amarelo e 2% não soube respon- nal de Seguridade Social (INSS), ou seja, estão
der. Com relação às idades, variaram de 18 a desprotegidas nesse âmbito. Chama a aten-
50 anos, com média de 25 anos. Delas, 51% ção, ainda, que quatro delas sequer têm Cer-
consideram-se travestis, 43% homens e mu- tidão de Nascimento, seis não têm Carteira de
lheres transexuais e 6% mulheres. É preciso Identidade (RG) e oito não têm CPF (Cadastro
considerar que as pessoas que se autodeclara- de Pessoa Física). Apenas 26% dessas pessoas
ram mulheres trazem a questão da identidade possuem plano de saúde, 67% disseram que
de gênero explicitada como tal e não como nos últimos doze meses acharam que precisa-
foram assignadas ao nascer (no caso, ho- vam de consulta médica, mas não procuraram
mens). e 82% relataram nunca ter feito exame de
próstata ou ginecológico.
Além da aplicação dos questionários foi reali-
zado uma análise dos documentos disponíveis No contexto das violências, quando pergunta-
da Secretaria Especial de Direitos Humanos, das/os se já sofreram algum tipo, a maioria
Secretaria de Política de Promoção da Igual- assinalou alguma alternativa, sendo que mais
dade Social, Ministério da Saúde, Ministério de um tipo poderia ser marcado, conforme
do Desenvolvimento Social, Ministério da Edu- apresentamos na Tabela 1.
cação, Secretaria Nacional de Segurança Pú- O que os diferentes tipos de violências mos-
blica, Ministério do Planejamento, Orçamento trados na Tabela 1 parecem confirmar é o
e Gestão, além de documentos jurídicos, dos alarmante número de pessoas travestis e

Quaderns de Psicología | 2015, Vol. 17, No 3, 83-98


90 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

transexuais vítimas de agressões, preconcei- portanto, que os corpos são efeitos de uma
tos e negação de direitos, em apenas um dos dinâmica de poder indissociável às suas nor-
estados brasileiros, país este com os maiores mas reguladoras e, assim, governados em sua
índices mundiais de violências letais contra produção pela norma regulatória do sexo e
esta população, conforme mencionamos ante- dos gêneros (Toneli & Amaral, 2011).
riormente. Estamos, portanto, falando de
A fim de garantir o controle da norma, a per-
corpos nos quais incidem as marcas e os efei-
formance repetida entra em questão a partir
tos das discriminações.
dos gêneros reencenando uma nova experiên-
Você sofreu alguma dessas violências? % cia daquilo já significado socialmente, de sor-
Discriminação 87 te a estabelecer sua legitimação. Essa ação
pública (repetição estilizada de atos) é a for-
Violência psicológica 76 ma do gênero manter sua estrutura binária,
Violência física 62 de criar a aparência de substância, uma ilusão
Violência institucional 43 identitária, assim como as noções de sexo es-
sencial e de masculinidade ou feminilidade
Negligência 39
(Butler, 1990/2003). Essa ficção reguladora do
Violência sexual 30 gênero é produzida por meio da violência da
Abuso financeiro 21 norma da cisgeneridade e da heterossexuali-
Tortura 09 dade compulsória naturalizadas, que exigem a
coerência estável e oposicional entre sexo,
Trabalho escravo 07
gênero e desejo (Toneli & Amaral, 2011). Sob
Tráfico de pessoas 04 os fundamentos da existência/exigência de
Exploração infantil 03 uma coerência é que os corpos tornam-se a
Não sabe/não respondeu 02 maneira pelas quais as pessoas são invadidas
e violentadas pelo corpo do outro e pelos dis-
Tabela 1. Violências sofridas pelas pessoas cursos, produzidas que são e posicionadas
entrevistadas como abjetas.
Estes corpos tornam-se mais expostos às polí- São os abjetos, os invivíveis que circunscre-
ticas de vulnerabilidade. Ou seja, embora se- vem a esfera do vivível (Butler, 1990/2003).
jamos, como humanos, ontologicamente, ex- Essa não-existência posiciona homens transe-
postos uns aos outros, alguns se tornam mais xuais e mulheres travestis e transexuais no
vulneráveis, uma vez que, como afirma Butler plano do abjeto, corpos cuja existência pare-
(2006), ce não importar. De fato, importam, pois os
O corpo implica mortalidade, vulnerabilidade, abjetos precisam estar lá, ainda que numa hi-
agencia: a pele e a carne nos expõem ao olhar giênica distância, para demarcar as fronteiras
dos outros, mas também ao contato e à violência. da normalidade, de sorte que
O corpo também pode ser a agência e o instru-
mento de tudo isto, ou o lugar do “fazer” e do O abjeto designa aqui precisamente aquelas zo-
“ser feito” se tornam equívocos. Ainda que lute- nas “invisíveis”, inabitáveis da vida social que,
mos pelos direitos sobre nossos próprios corpos, sem dúvida, estão densamente povoadas por
os mesmos corpos pelos quais lutamos não são aqueles que não gozam da hierarquia dos sujei-
nunca totalmente nossos. O corpo tem invaria- tos, mas cuja condição de viver sob o signo do
velmente uma dimensão pública, meu corpo é e “invisível” é necessária para circunscrever a esfe-
não é meu. Desde o principio é dado ao mundo ra dos sujeitos (Butler, 1990/2003, pp. 19-20,
dos outros (Butler, 2006, pp. 40-41, tradução li- tradução livre nossa).
vre nossa).
Os dados explicitados pela Tabela 1 permitem
Se nossos corpos não antecedem ao discurso, pensar esses corpos como abjetos, aqueles
isso não quer dizer que possam ser reduzidos expostos às várias formas de violência decor-
ao discurso e, sim, que é por meio dele que rentes da cisheteronormatividade.
se produzem, são legitimados ou não, revol-
tam-se. Os corpos derivam das normas de gê- Em busca de identificar um pouco mais as
nero e sexualidade, normas essas que operam formas de violências às quais estão submeti-
na cultura, na sociedade, na política. As polí- das, as pessoas travestis e transexuais foram
ticas do corpo, por sua vez, são concernentes, questionadas/os se já sofreram algum tipo de
em última instância, às normas que fa- violência psicológica (era possível marcar
zem/produzem vidas vivíveis. Podemos dizer, mais de uma resposta) e detalharam os prin-

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Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas 91

cipais subtipos, conforme apresentamos na publicizada, e, desta forma, exposta e pro-


Tabela 2. blematizada. Como vimos os episódios, muitas
vezes, sequer são tipificados como tal. Deri-
Se houve violência psicológica, qual? %
vam da cisheteronormatividade compulsória e
Humilhação 68 permitem deslocar nossa atenção da ideia de
Hostilização 55 uma violência exercida sobre um sujeito pré-
Ameaça 56
formado, para uma violência que se dá em
meio aos processos de subjetivação. Sua invi-
Calúnia/injúria/difamação 54 sibilidade torna comuns e banais as agressões,
Perseguição 36 os insultos, as surras, bem como a expulsão
Chantagem 26 dos lares e das escolas, e ainda é muito pre-
sente nos relatos de jovens travestis e transe-
Não respondeu/não se aplica 19
xuais, principalmente, entre aquelas/es que
Tabela 2. Subtipos de violência psicológica sofridos dependem financeiramente dos familiares ou
pelas pessoas entrevistadas ainda entre as/os que não querem perder o
vínculo afetivo com eles.
Ao analisarmos as respostas dadas pelas/os in-
formantes, constatamos que os subtipos mais Humilhação, hostilização, ameaça, calú-
citados como violências psicológicas sofridas nia/injúria/difamação são situações de vio-
são: humilhação (68%), hostilização (55%), lência que aliadas aos discursos do combate
ameaça (56%), calúnia/injúria/difamação aos desvios sexuais e da higienização da sexu-
(54%). É preciso considerar que, no momento alidade, tornam as pessoas travestis e transe-
da aplicação do questionário, muitas dessas xuais vulneráveis à invasão do outro pela
pessoas apresentaram dificuldades com rela- transfobia e pelo (cis)sexismo. Quando aco-
ção ao entendimento do que se trata violên- lhemos a ideia de abjeção para falar sobre as
cia psicológica. Tornou-se necessário que fos- violências que incidem sobre homens e mu-
se definida e tivesse seus subtipos elencados lheres travestis e transexuais, não temos o
verbalmente seguidos de explicação sobre ca- objetivo de falar apenas de uma minoria dis-
da um deles. No geral, pode-se inferir alguns criminada e dos preconceitos em relação às
aspectos como: a) desconhecimento e não sexualidades e gêneros que fogem à coerência
identificação do termo apresentado (violência programada. Mas, também, do descaso e da
psicológica); b) o não reconhecimento da vio- banalização da violência dirigidas a estes cor-
lência psicológica como forma de violência pos invisíveis às leis e ao judiciário e, por is-
por não deixar marcas físicas; e c) a crença so, tornados crimes impunes.
de que humilhação não é um dos subtipos de
Conforme pesquisa de Sérgio Carrara & Adria-
violência por ser algo que ocorre no dia-a-dia,
na Vianna (2006), a maioria das travestis e
e, muitas vezes exercida por pessoas próxi-
mulheres transexuais vítimas de homicídio,
mas, como os/as familiares.
quando são trabalhadoras do sexo rapidamen-
Chamou atenção que, quando lidos os subti- te são associadas ao tráfico de drogas, a rou-
pos de violência, algumas pessoas fizeram bos e à perturbação de ordem pública, impor-
comentários como “mas isso é comum”, “isso tando muito pouco a solução de sua morte e
é todo dia”. É possível supor, portanto, que até mesmo o fato de sua morte. Frente à si-
várias formas de violência não são identifica- tuação destes corpos que parecem pouco im-
das como tal pelas pessoas travestis e transe- portar, compartilhamos a afirmação de Butler
xuais por estarem sempre presentes e confi- (1990/2003) ao defender que visibilizar a vio-
gurarem-se práticas usuais aos seus modos de lência normativa é um esforço para fazer a
vida. Das pessoas entrevistadas, 55% afirma- vida possível e mostra-se, portanto, como
ram que sofreram discriminação em decor- uma empreitada teórico-política.
rência de sua orientação sexual e 66% por sua
Além das violências físicas e psicológicas
identidade de gênero, sendo que 27% também
identificadas pelas/os informantes da pesqui-
identificaram terem sido vítimas de bullying.
sa, destaca-se a violência institucional como
A violência psicológica atua dentro e fora do um tipo frequente de violência sofrida entre
âmbito doméstico, mas parece iniciar-se nes- as pessoas entrevistadas. Na Tabela 3 apre-
te último, conforme relatos de várias das pes- sentamos os resultados obtidos quando foram
soas entrevistadas, sem que muitas vezes seja perguntadas/os se sofreram este tipo de vio-

Quaderns de Psicología | 2015, Vol. 17, No 3, 83-98


92 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

lência e quais são suas manifestações mais tentes no Brasil (Guimarães, et al., 2013). Em
frequentes (mais de uma alternativa poderia outras palavras, é quando detectamos que pa-
ser marcada). ra as políticas públicas suas vidas não são
contadas, suas demandas não são acolhidas e
Se houve institucional, qual? Frequência
suas mortes não são apuradas.
Homofobia institucional 37
Quanto aos principais agentes das diversas vi-
Ausência de acesso a serviços 36
olências às quais as pessoas travestis e tran-
Recusa de atendimento 27 sexuais entrevistadas foram submetidas, a Ta-
Abuso de autoridade 27 bela 4 permite identificar alguns aspectos im-
Violência policial 24 portantes.
Demora excessiva 24 Por parte de quem você já sofreu
%
violência física/psicológica
Assédio sexual 18
População em geral 65
Assédio Moral 18
Colegas de trabalho 53
Omissão 12
Cliente 52
Prisão ilegal 06
Vizinhança 49
Não se aplica 41
Serviço público de segurança (polícia) 46
Tabela 3. Violência institucional sofrida pelas Serviço público de educação 42
pessoas entrevistadas
Serviço público de saúde 40
Observamos que assim como a violência psico-
Familiares 41
lógica, ainda há pouco conhecimento e, deste
modo, identificação da ocorrência e das for- Amigos 37
mas de violência institucional. No entanto, ao Parceiro/a 37
nomearmos os subtipos de violência instituci- Dona de casa 30
onal muitas pessoas dizem já ter sofrido al-
gum deles. Quando analisamos os dados, os Chefe do trabalho 25
números mais significativos de respostas des- Serviço social (CRAS) 15
tacam: a homofobia institucional (37%), a au- Membros do tráfico de drogas 11
sência de acesso a serviços (36%), a recusa de Não sabe/não respondeu 0
atendimento (27%), o abuso de autoridade
(27%), a violência policial (24%) e a demora Tabela 4. Principais agentes das violências sofridas
excessiva no atendimento (24%) como as for- pelas pessoas entrevistadas
mas pelas quais a violência institucional mais
Ao analisar as respostas dadas pela população
se manifesta.
entrevistada na Tabela 4 chegamos a uma
Se levarmos em conta as dificuldades de aces- confirmação do que vínhamos indicando em
so das pessoas travestis e transexuais aos ser- discussões anteriores: os locais, as institui-
viços públicos de saúde, assistência, educação ções, os serviços e as/os profissionais que
e segurança pública, estamos tratando de um atuam nas políticas públicas – que devem aco-
dos principais efeitos da violência institucio- lher, acompanhar e atender as demandas da
nal. Uma violência que se instaura e se capi- população – estão entre as/os principais auto-
lariza em diferentes áreas e por meio da atu- ras/es de violência de acordo com as pessoas
ação de diversos profissionais. Mostra disto travestis e transexuais informantes da pesqui-
são as formas pelas quais a homofobia e a sa.
transfobia se apresentam na recusa das insti-
Entre os motivos mais citados pelas/os gesto-
tuições em utilizar o nome social e na nega-
ras/es das políticas públicas, quando discuti-
ção de direito ao uso do banheiro de acordo
das as dificuldades de acesso e garantia de di-
com o gênero, conforme pudemos apreender
reitos de pessoas travestis e transexuais, es-
por meio de comentários das pessoas entre-
tão: a falta de informações por parte das/os
vistadas durante a aplicação dos questioná-
profissionais, a carência de capacitações pro-
rios, e principalmente, quando se constata
fissionais e o despreparo das equipes para li-
que não há dados e informações sobre o nú-
dar com tal população (Chagas, 2006; Machay,
mero de pessoas travestis e transexuais exis-
2002). Se por um lado, sabemos da precarie-

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Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas 93

dade das formações no que diz respeito às es- atenção à população de pessoas travestis e
pecificidades da população LGBTTI, e mais transexuais, parece não haver um desdobra-
amplamente, às discussões de gênero e sexua- mento nas práticas cotidianas dos serviços,
lidade, sabemos, também, que muitas áreas como se evidencia no número de pessoas que
têm mencionado em seus documentos a exis- relataram ter sofrido violências físicas e psi-
tência da população de pessoas travestis e cológicas neste tipo de serviço (40%). Essas
transexuais e seus direitos. No entanto, os violências relatadas seguidas de situações uti-
modos como esta população é reconhecida e lizadas a título de exemplo pelas pessoas en-
acolhida são importantes pontos a serem pro- trevistadas, incluem menção a deboches, des-
blematizados, para que sejam discutidos os respeito ao nome social, utilização de termos
índices de violência institucional e a indica- pejorativos, dentre outras modalidades.
ção das/os principais autoras/es de violências
Além dos relatos de práticas discriminatórias
físicas e psicológicas apresentados na pesqui-
desde a recepção dos serviços públicos de sa-
sa.
úde pela negação do uso do nome social entre
Ao realizarmos um levantamento dos docu- outras práticas de desrespeito, muitos ho-
mentos elaborados pelas políticas públicas de mens e mulheres travestis e transexuais rela-
saúde brasileira percebemos que esta é a área tam também situações de negligência, omis-
que mais faz referência às pessoas travestis e são e descaso que de antemão já evidenciam
transexuais. Como apontado anteriormente, a a negação do direito a saúde. O número de
entrada desta população como sujeitos das pessoas que afirmaram não ter procurado
políticas públicas deu-se a partir das ações li- atendimento médico, mesmo necessitando do
gadas ao combate de DST/Aids. Ou seja, é a serviço, também mostra o receio que muitas
partir de uma política estigmatizante, que pessoas trans relatam ter por serem chama-
atuava em uma perspectiva de grupo de risco das pelo nome de registro antes mesmo de se-
com alvo na doença, que os serviços públicos rem atendidas, entre outras formas de trans-
de saúde passaram a investir no acesso e tra- fobia.
tamento de saúde das pessoas travestis e
Adriane Geisler, Valéria Reis & Stephan Sperlin
transexuais, distanciando esta população da
(2013) ao discutirem sobre o direito à saúde
prevenção e do cuidado básico com a saúde
para população trans trazem o duplo estigma
em geral, assim como prostitutas, gays e usu-
que marca esta população nas suas trajetórias
ários de drogas (Pelúcio, 2007).
terapêuticas, assim como nas problemáticas
Também é na esfera das políticas da saúde ligadas ao nome social e acolhimento. O nome
que em 2008, a partir da Portaria Nº 1.707 de social se configura como uma política funda-
18 de agosto é instituído, no âmbito do Siste- mental, pois simboliza o reconhecimento de
ma Único de Saúde (SUS), o processo transe- pessoas travestis e transexuais em relação a
xualizador. Ainda que tenha surgido como res- sua identidade de gênero, garantindo com is-
posta às ações dos movimentos sociais, essa so que a entrada nos serviços de saúde seja
conquista de direitos carrega consigo a garan- de forma integral, universal e equânime, para
tia de acesso por meio do diagnóstico psiquiá- além do processo transexualizador, tal como
trico de Transtorno de Identidade de Gênero previsto pela Lei Nº 8.808 de 19 de Setembro
(previsto na Classificação Internacional de de 1990 que dispõe sobre os princípios do
Doenças - CID), mantendo, assim, a patologi- SUS.
zação das identidades trans como via de aces-
Não apenas os serviços de saúde, mas tam-
so à saúde para esta população. Outro docu-
bém os de segurança pública (polícia) (46%),
mento importante é a Portaria Nº 1.820 de 13
de educação (42%) e de assistência social
de agosto de 2009 que dispõe sobre os direi-
(15%) foram citados, respectivamente, como
tos e deveres dos usuários do SUS fazendo
autoras/es de violências físicas e psicológicas,
menção ao direito ao uso do nome social nos
de acordo com os as/os informantes desta
espaços da rede de saúde pública, embora se
pesquisa.
tenha, cotidianamente, informes acerca do
não cumprimento dessa portaria pelos servi- No caso da violência policial conseguimos re-
ços. lacionar principalmente, mas não apenas,
com o trabalho exercido pela maior parte das
No entanto, apesar da saúde se configurar
pessoas trans que participaram da pesquisa.
como a área de concentração de políticas de

Quaderns de Psicología | 2015, Vol. 17, No 3, 83-98


94 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

Das pessoas que responderam o questionário, ram necessariamente no cotidiano escolar. Em


58% têm a prostituição como seu principal 2014, apesar das prerrogativas de documentos
sustento financeiro. A prostituição de mulhe- como o Plano Nacional de Promoção da Cida-
res travestis e transexuais carrega por si só dania e Direitos Humanos de LGBT (Brasil,
um grande estigma e acabam por expô-las a 2009) e o Programa Nacional de Direitos Hu-
violências rotineiras por parte de clientes manos III (Brasil, 2010), foram retiradas do úl-
(52%) e de policiais (46%). No entanto, os da- timo Plano Nacional de Educação (PNE) as re-
dos sobre a violência policial vão além da ne- ferências à promoção da igualdade racial, re-
gligência cotidiana diante dos crimes e agres- gional, de gênero e de orientação sexual con-
sões feitas por clientes, o abuso de autorida- tidas no texto. A retirada do termo gênero dos
de, a extorsão e as prisões ilegais ocorridas Planos de Educação, nos níveis federal, esta-
mostram como a opressão por este serviço dual e municipal tem sido recorrente em
público é constante na história de vida das 2015, a partir dos grupos de parlamentares
pessoas entrevistadas. Muitas informantes re- associados a fundamentalismos religiosos que
lataram já terem sido agredidas e violentadas se utilizam de conhecidos argumentos de base
por policiais em operações, especialmente as essencialista biológica: homem é homem e
realizadas na madrugada. O medo e a impo- mulher é mulher, conforme assignado pelo seu
tência das vítimas diante da violência exerci- sexo biológico ao nascer.
da por policiais evidenciam a luta diária por
Além do nome social, o contexto escolar e
sobrevivência, uma vez que a proteção deve-
educacional demanda intensos investimentos
ria ser garantida por quem as agride.
que vão desde a formação de professoras/es,
No contexto da prostituição aliam-se também passando pela produção de conteúdos e mate-
as violências exercidas pelas donas de casa, riais que atuem na promoção de ambientes de
cafetinas ou donas da rua (30%). É importante fato inclusivos (Peres, 2010). Quando a escola
salientar que a prostituição não deve ser to- falha no acolhimento e oferecimento de con-
mada como a principal causa das violências dições de permanência às pessoas travestis e
sofridas por pessoas travestis e transexuais. É transexuais – que vão desde o uso ao nome
necessário ir além da lógica discriminatória social, acesso ao banheiro, o combate às vio-
que associa a prostituição à criminalidade e lências cotidianas por parte de pares, profes-
questionar as condições que possibilitam que soras/es e outros sujeitos que constituem o
a prostituição seja o principal sustento finan- espaço escolar – ratifica-se a prostituição co-
ceiro das pessoas trans informantes desta mo saída para a sobrevivência, uma vez que
pesquisa. Vale ressaltar que, muitas ainda que restam poucas chances de qualificação para o
não exerçam diretamente a profissão, afirma- trabalho e outras formas de sustento.
ram já terem feito sexo por dinheiro ou ou-
Todos esses vetores apontam para uma traje-
tros benefícios (82,3%).
tória escolar falha, e poucas opções de carrei-
Quando analisamos os índices de violência nos ra profissional, para além da prostituição, pa-
serviços de educação (42%), bem como famili- recem ser possíveis às pessoas trans. Outro
ares (41%) percebemos o quanto o abandono dado preocupante ligado ao trabalho é que
familiar, a expulsão dos lares e as dificuldades 77,4% das pessoas afirmaram não terem car-
em se manter na escola são alguns dos moti- teira de trabalho e 74,2% não contribuem com
vos que contribuem para que pessoas travestis o INSS, as duas principais formas de garantia
e transexuais tenham a prostituição como saí- de aposentadoria no sistema previdenciário
da/destino, e nem sempre como escolha. Os brasileiro que prevê acesso ao benefício em
dados sobre escolaridade nos mostram que casos de aposentadoria por tempo de traba-
muitas pessoas relataram terem abandonado lho, por idade, por tempo de contribuição, ou
o ensino formal, algumas para trabalhar, en- ainda por doença. Direitos que, assim como
quanto outras para se manter morando com tantos outros, não estão ao alcance da popu-
as donas de casa, fugindo assim da violência lação de pessoas travestis e transexuais, do
familiar. mesmo modo que informações para acesso a
outras formas de benefícios, cujo cadastro
Ainda sobre os serviços de educação, consta-
são realizados nos CRAS (Centros de Referên-
tamos que as políticas que mencionam o uso e
cia em Assistência Social), setor também
direito ao nome social ainda são ainda muito
apontado como agente de violência. Sendo
recentes e, como tantas outras, não reverbe-

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Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas 95

assim, muitas pessoas trans não buscam os qualquer forma, fica aqui assinalada a neces-
serviços de assistência, e aquelas que os pro- sidade de atenção às singularidades das expe-
curam nem sempre conseguem ter seus direi- riências de mulheres e homens trans, sendo
tos assegurados. que estes últimos, pelo relato das/os entre-
vistadoras/es, foram poucos do ponto de vista
Diante das opressões e vulnerabilidades des-
quantitativo e se queixam de sua invisibilida-
tacadas nesta análise crítica dos dados do
de também entre o segmento de pessoas
questionário percebemos que estamos diante
trans. Mapear suas demandas específicas pode
de uma situação extrema de exclusão e de-
e deve ser tema de novas investigações.
sassistência aos direitos básicos da vida hu-
mana. Estamos diante da constatação de uma Nossa discussão, além de situar ações e con-
violência localizada acionada por discursos e dições que possibilitam violências, teve como
práticas que operam a partir de sistemas mui- proposta política indicar a importância de se-
to específicos de violências, aqui especial- rem pensados os modos como as políticas pú-
mente decorrentes da cisnorma e da hetero- blicas brasileiras têm possibilitado ou não o
norma. acesso, a promoção e a garantia de direitos
humanos e igualitários à população de pessoas
Considerações Finais travestis e transexuais. Essas questões serão
O mapeamento das vulnerabilidades apresen- melhor investigadas nos próximos passos da
tado permite demonstrar alguns vetores de pesquisa, agora por meio de entrevistas em
interseccionalidade nas formas de violências profundidade com gestoras/es, bem como
sofridas pela população de travestis e transe- análise dos principais documentos das políti-
xuais de Santa Catarina, suas dificuldades de cas públicas brasileiras que incluem (ou não)
acesso a serviços públicos de saúde, seguran- as especificidades das pessoas travestis e
ça, educação e assistência, bem como violên- transexuais.
cias em seu contexto de trabalho, familiar e
Referências
de relacionamentos próximos. Acreditamos
que estas opressões se firmam por meio da Ayres, José Ricardo; França-Júnior, Ivan; Calazans,
cisheteronorma, produzindo corpos abjetos Gabriela & Saletti-Filho, Heraldo César (2003). O
que, por não se adequarem à pretensa norma conceito de vulnerabilidade e as práticas da
de gênero e sexualidade, tornam-se alvos de saúde: novas perspectivas e desafios. In Dina
Czeresnia & Carlos Machado de Freitas (Orgs.),
violências que passam por estratégias de si- Promoção da saúde: conceitos, reflexões,
lenciamento, invisibilidades, marginalização e tendências (pp. 117-139). Rio de Janeiro: FI-
desassistência. Ao realizarmos este levanta- OCRUZ.
mento de vulnerabilidades e algumas formas
de violência, assim como seus modos de atua- Bagagli, Bia (2014, 18 de abril). Cisgeneridade e
Silêncio, Transfeminismo. Recuperado de
ção, foi possível perceber como essa situação
http://transfeminismo.com/cisgeneridade-e-
permeia o dia-a-dia de homens e mulheres silencio/
travestis e transexuais. Ainda que a pesquisa
tenha se limitado ao estado de Santa Catari- Butler, Judith (1990/2003). Problemas de Gênero.
na, é possível supor que não se trata de uma Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
situação nele circunscrita. Problematizamos Butler, Judith (2006). Deshacer el género. Barcelo-
como práticas de violências fazem parte das na: Paidós.
vivências dessa população a tal ponto de se- Brasil (2009). Plano Nacional de Promoção da Cida-
rem consideradas como algo “normal”, coti- dania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília: Sec-
diano, portanto naturalizado. retaria de Direitos Humanos.
Muitas questões não discutidas no escopo des- Brasil (2010). Programa Nacional de Direitos Hu-
te artigo podem ser correlacionadas aos dados manos – PNDH 3. Brasília: Secretaria de Direitos
aqui apresentados, tais como raça/etnia, ge- Humanos.
ração, classe e gênero em seus diferentes ní- Carrara, Sérgio (2010). Políticas e os direitos sex-
veis de opressões, como nas relações entre uais no Brasil Contemporâneo. Revista Bogoas, 5,
LGBTs, assim como entre mulheres e homens 131-147. Recuperado de
trans. Quanto a estes últimos, como já men- http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v04n05art08_
cionamos anteriormente, não foi possível carrara.pdf
desdobrá-los por limites do questionário. De

Quaderns de Psicología | 2015, Vol. 17, No 3, 83-98


96 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

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BRUNA CAMILLO BONASSI


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e
pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Margens: Modos de Vida, Família e Relações de Gênero foi bolsista
PIBIC/CNPq/UFSC do projeto Direitos e violências na experiência de travestis e transexuais em Santa
Catarina: construção de perfil psicossocial e mapeamento de vulnerabilidades.

MARÍLIA DOS SANTOS AMARAL


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e
pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Margens: Modos de Vida, Família e Relações de Gênero.

MARIA JURACY FILGUEIRAS TONELI


Doutora em Psicologia (USP), Pós-Doutora pela UMinho/Portugal, Professora Titular do Departamento
de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catari-
na, Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Margens: Modos de Vida, Família e Relações de Gênero.

MARIANA AMARAL DE QUEIROZ


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina foi bolsista PIBIC/CNPq/UFSC do
projeto Direitos e violências na experiência de travestis e transexuais em Santa Catarina: construção
de perfil psicossocial e mapeamento de vulnerabilidades.

DIRECCIÓN DE CONTACTO
mariliapsico@hotmail.com

Quaderns de Psicología | 2015, Vol. 17, No 3, 83-98


98 Camillo, Bruna; dos Santos, Marília; Filgueiras, Maria & Amaral, Mariana

FORMATO DE CITACIÓN
Camillo Bonassi, Bruna; dos Santos Amaral, Marília; Filgueiras Toneli, Maria Juracy & Amaral de Quei-
roz, Mariana (2015). Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas: Experiências de pessoas
travestis e transexuais no Brasil. Quaderns de Psicologia, 17(3), 83-98.
http://dx.doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1283

HISTORIA EDITORIAL
Recibido: 12/05/2015
1ª Revisión: 06/09/2015
2ª Revisión: 12/10/2015
Aceptado: 19/10/2015

http://quadernsdepsicologia.cat

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