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dramático)

A reprise (resposta ao pós-


dramático)
Tradução de Humberto Giancristofaro do artigo La reprise
19 de março de 2010 Traduções (http://www.questaodecritica.com.br/category/traducoes/)
Jean-Pierre Sarrazac (http://www.questaodecritica.com.br/author/jean-pierre-sarrazac/)

Vol. III, nº 19, março de 2010

O artigo aqui traduzido foi publicado como introdução ao livro Études Théâtrales 38-
39/2007 – La Réinvention du drame (sous l’influence de la scène).

“Reprise: I. […] 2º Ação de fazer de novo depois de uma interrupção […]. 4º (1611,
“reparação”) Técnico. Reparação de uma parede, de um pilar […]. 5º Remendar um tecido
para reconstituir sua tecelagem […] II. 1º O fato de voltar a vida, vigor (planta). O fato de dar
um novo impulso após um momento de parada, de crise […] 2º O fato de recomeçar, de
voltar.” (Petit Robert)

A obra de Hans-Thies Lehmann recentemente publicada na França (1) e, mais largamente, a


moda do nome “teatro pós-dramático” têm ao menos a vantagem de lembrar-nos da
dissociação entre teatro e drama: o drama – entendamos a forma dramática – não está
mais necessariamente no fundamento do teatro; há todo um teatro que não consiste mais
na encenação de um drama anteriormente escrito, um teatro que às vezes vira as costas
para o drama. No século XX, notadamente com Craig e Artaud, o teatro se liberta da
literatura dramática; já não se coloca em segundo plano de uma operação na qual a peça
escrita será o primeiro plano. Chegou ao fim a relação de subordinação do opsis* com as
outras partes constitutivas do poema dramático: nós entramos na era da “representação
emancipada” e desta “nova aliança” entre o texto e a cena que Bernard Dort teorizou:

“Definitivamente, o que nós assistimos hoje é a uma emancipação de diferentes fatores da


representação teatral. Uma concepção unitária do teatro, seja ela baseada no texto ou na
cena, está em vias de apagar-se. Ela deixa progressivamente espaço para a ideia de uma
polifonia, e mesmo para uma competição entre as artes irmãs que contribuem para o fazer
teatral. […] É a representação teatral como jogo entre as práticas irredutíveis de um ao
outro e, todavia, conjugadas como momento onde eles se confrontam e questionam, como
combate mútuo no qual o espectador é, no final das contas, o juiz e o que está em jogo,
que a partir de agora deve-se tentar pensar.” (DORT: 1995)

Incompletude do drama

Para nós que trabalhamos no destino da forma dramática após os anos 1880, quer dizer
depois do início do que Peter Szondi identificou como a “crise da forma dramática”: esta
autonomia do teatro em relação ao drama e esta exaltação concomitante da teatralidade –
no senso barthesiano do “teatro, menos o texto” e do “dado de criação, não de realização” –
não significa em caso algum uma perda para o drama, ou ainda mais, a perda do drama. Ao
contrário, nós temos razão para acreditar que a forma dramática tem tudo a ganhar com
essa dissociação e que, se ela pôde evitar a petrificação e se renovar consideravelmente ao
longo do século XX e nesse início do século XXI, foi ampla e paradoxalmente tendo em
conta alguns avanços, alguma ambição de um teatro liberto do textocentrismo, do
logocentrismo, em breve da tutela da literatura dramática.

Tudo começou com Antoine, Stanislavski e a invenção da encenação moderna…


Certamente nós ainda lidamos nesta época com artistas que se apresentam como os
servos da arte dramática, mas essa posição não os impede de se afirmarem como
coautores do espetáculo. A partir do momento que Zola declara que agora o cenário deve
ter no teatro a mesma função que as descrições têm no romance, e quando Antoine não só
contribui com Zola considerando que é com a encenação tomada globalmente que esse
papel retorna, mas também especifica que o primeiro gesto do diretor deve consistir em
criar o ambiente da ação dramática, a causa é clara: a forma dramática mostra sua
incompletude; a encenação não é mais uma simples “arte do espetáculo”, mas sim “um
dado de criação”. Em termos (anti-) hegelianos, a encenação traz para uma obra dramática
fundada na “totalidade do movimento”, esta “totalidade de objetos”, esta dimensão épica,
que a torna defeituosa.
Certamente, esta “totalidade de objetos” será naturalmente de forte diferença para Antoine
e para Lugné-Poe: ela se fixará, no teatro naturalista, na reconstituição do ambiente,
mobiliários e acessórios e, no teatro simbolista, na atmosfera, na influência do cosmos, nos
objetos invisíveis… É por isso que nós não podemos compartilhar com o ponto de vista de
Hans-Thies Lehmann segundo o qual “mesmo com uma intenção naturalista – onde
aparece o meio com seu poder particular sobre o homem – o contexto cênico funciona no
teatro dramático, por princípio, só como moldura e pano de fundo do drama humano”. Nós
não pensamos, como este brilhante teórico, que a encenação “do teatro da época
moderna” não é “geralmente mais que declamação e ilustração do drama escrito”.

Mas a divergência não para por aí, ela é mais amplamente sobre o que faz desse livro uma
obra com duplo fundo, com duplo discurso: de um lado – no qual é preciso reconhecer que
ela é essencial – uma notável exploração destes teatros geralmente exteriores ao drama
que são os de Abou Reza, de Jan Fabre, de Robert Wilson, de Maguy Marin, etc.; de outro
lado – e aí que nós nos levantamos contra – as considerações sobre a obsolescência e, por
assim dizer, sobre a morte do drama.

Compreenderemos que o que nós temos a intenção de contestar na noção de pós-


dramático é justamente que ela se defina historicamente como pós… dramático.

Uma morte anunciada

A tentação é grande em considerar que a forma dramática viveu e que ela é de agora em
diante obsoleta. O drama seria o ramo morto da árvore do teatro. Na melhor das
hipóteses, ele continuaria a produzir alguns frutos anêmicos, desprovidos de qualidades
essenciais da arte: a novidade, a atualidade, a contemporaneidade… Existe hoje uma
tendência em por em pane a dialética de um presente aberto ao passado e ao futuro e, a
ele, preferir uma concepção abusiva da contemporaneidade: erigir esta
contemporaneidade como um valor em si, que se substitui pela antiga noção de
“vanguarda”. “Autenticamente contemporâneo”, “extremamente contemporâneo” são os
rótulos cada vez mais correntes. De sua parte, Lehmann invoca a “verdadeira
contemporaneidade”: “a questão seria saber se a estética de certa prática teatral
testemunha uma verdadeira contemporaneidade, ou se ela não perseguiria apenas antigos
modelos com técnicas bem dominadas”.

É preciso dizer que Lehmann não é o primeiro a decretar a não-contemporaneidade do


drama. Nessa via, Adorno o precedeu amplamente, quem nos anos sessenta, decretou que
o drama não releva mais que um gesto último: sua própria autópsia, tal como Beckett a
praticou no Fim de jogo:
“Os componentes do teatro aparecem após sua própria morte. Exposição, nu, peripécia e
catástrofe reaparecem, decompostos, por uma autópsia dramatúrgica: a catástrofe, por
exemplo, é substituída pelo anúncio de que não há mais calmantes. Esses componentes
sucumbem junto ao sentido que o teatro derramava outrora” (ADORNO: 1984)

Para Adorno, a morte do drama é consubstancial à sua incapacidade – salvo sobre o modo
de ironia (oposto ao escárnio), da paródia, enfim da autópsia beckettiana – para dar conta
do mundo depois de Auschwitz e Hiroshima: “Toda peça que tentou tratar da era atômica
foi seu próprio escárnio, até porque sua fábula tranquilizadora minimizou o horror
histórico do anonimato fazendo-o passar pelas personagens e ações humanas…”. Adorno
não considera em nenhum momento a possibilidade de que os autores de teatro podem
elaborar formas de diálogo e tipos de personagens que expressem este anonimato (no
entanto, isto eles fizeram em coro – polifonia do anonimato – cada vez mais presente nas
peças). Manter o curso do drama – mesmo neste oximoro, o drama épico brechtiano –,
seria, portanto, segundo Adorno, dedicar-se ao infantil (as parábolas brechtianas) ou a
“pueril ficção científica”.

Para Adorno, para Lehmann, para certo número de teóricos do teatro, a crise da forma
dramática, que se manifesta a partir dos anos 1880 e da qual Peter Szondi se fez teórico,
seria – Denis Guénoun a afirma – uma crise terminal:

“Tentemos formular três questões que se põem, entre outras, à escritura dramática hoje. 1.
A primeira: escrever depois do fim da crise do drama […] Ela balançou a forma dramática
da escritura teatral com uma brutalidade crescente. Esse processo crítico chegou a seu
ponto extremo nos anos cinquenta ou sessenta, com sua maior radicalidade em Beckett […]
Nossa questão seria então: como escrever após Beckett? […] Após pressupõe que alguma
coisa aconteceu e parou. Quais são os campos abertos por essa travessia? Eles são
diversos, cada um reconhece o seu. Abolição dos gêneros e cruzamento de artes;
constituição de um objeto cênico global, onde o texto é como roteiro, como partitura;
dobraduras nos escritos de distâncias interpretativas. Em todos os casos trata-se de uma
escritura problemática na sua relação com o de fora, de seu envolvimento com o outro, o
corpo, o jogo, a cena, a beneficente babelização das línguas.” (GUÉNOUN: 2005)

A via parece livre então para o pós-dramático. Lehmann enfia-se nesse “após Beckett” um
tanto mitológico: não somente ele alia ao pós-dramático, em cima de critérios bastante
disparatados, certos autores que nós poderíamos considerar como “dramáticos” – numa
concepção realmente alargada do dramático – tais como Handke, Duras, Deutsch, Koltès…,
mas também ele anexa o próprio Beckett, que ele afirma “ter evitado a forma dramática”.
Em seguida, começamos a suspeitar que o pós-dramático é um cavalo de Troia destinado a
destruir – ou a demonstrar o que já está destruído (depois dos anos sessenta) – o
dramático:
“O novo texto de teatro […] é frequentemente um texto de teatro que deixou de ser
dramático. A aposentadoria da representação dramática na consciência da nossa sociedade
e na dos artistas é, em todo caso, inegável e demonstra que com esse modelo nada mais
toca a experiência. Nós constatamos o desaparecimento da impulsão do drama – pouco
importa se a razão reside na sua usura, na medida em que ele afeta um modo de agir que
nós não reconhecemos em parte alguma ou que ele retrata uma imagem obsoleta dos
conflitos sociais e pessoais.”

Mutação do drama: o novo paradigma

Reler a Teoria do drama moderno, elaborar uma crítica da teoria szondiana da crise do
drama, de seu hegelo-marxismo, de suas perspectivas teleológicas de ultrapassagem do
drama pela épica, tais foram até agora meu esforço e também do “Grupo de pesquisa
sobre a Poética do drama moderno e contemporâneo” [1]. Uma das questões que nos
colocamos hoje consiste precisamente em pôr em dúvida o modelo “crísico” – quer a crise
seja ou não terminal – sustentado por Szondi. O pôr em dúvida não no contexto dos anos
1950 onde ele foi aplicado com sagacidade, mas porque ele realmente não permite mais,
hoje, nos anos 2000, dar conta das evoluções das escrituras dramáticas em casamento com
o seu devir. Em vez de crise – uma crise só pode ser breve e só pode conduzir a uma
resolução, a morte do drama sendo efetivamente uma –, eu preferiria falar de mutação, e
mesmo de mutação lenta, e de uma mudança de paradigma do drama. De fato, nós
constatamos que as questões dramatúrgicas novas, que aparecem por volta do séc. XX em
Maeterlinck, Strindberg, Tchekhov…, tais que a fragmentação, e mesmo a
hiperfragmentação da fábula, a desconstrução do diálogo e da personagem, estão sempre
nas obras atuais dos dramaturgos como Kane, Fosse ou Koltès.

Para dar conta desta mutação, eu propus um modelo sensivelmente diferente da dialética
elaborada por Peter Szondi. Em Teoria do drama moderno, Szondi chama “drama absoluto”
a forma aristotélico-hegeliana que repousa sobre o tripé “acontecimento interpessoal no
presente”. Quanto ao drama da crise, que ela seja submetida (por Ibsen, Tchekhov,
Srtindberg pré-Inferno e alguns outros) ou em vias de passagem (graças ao Strindberg do
pós-Inferno, a Brecht e a alguns dramaturgos de tendência épica), Szondi não dá nome a
eles. Eu procedo ao inverso. Eu dou um nome àquilo que me parece ser, em oposição com
o critério aristotélico-hegeliano do “belo animal” que supõe ordem, extensão e completude,
o novo paradigma do drama a partir dos anos 1880: eu chamo drama-da-vida. Quanto ao
antigo paradigma – o “drama absoluto” de Szondi –, eu proponho de nomeá-lo drama-na-
vida.

O drama-na-vida remete a uma forma dramática fundada sobre uma grande reversão do
destino – passagem da felicidade à tristeza ou ao contrário –, sobre uma grande colisão
dramática, provido de “um início, meio e fim”. Enfim, sobre um desenvolvimento por vezes
orgânico e lógico da ação. O drama-da-vida não se limita, àquilo que Sófocles chama de
“um dia fatal”, ele arruína as unidades de tempo, de lugar, e mesmo de ação e sua extensão
cobre toda uma vida. Para abarcar uma existência inteira, o drama-da-vida recorre à
retrospecção – até agora privilégio do épico – e a processos de montagem. De fato, o
drama-da-vida marca uma mudança profunda na medida do drama, ou seja, na sua
extensão, mas também no seu ritmo interno. O drama-na-vida corresponderia
intimamente a um momento da existência dos heróis; a extensão o drama-da-vida é
inversamente proporcional à intensidade da existência do homem ordinário. À época de
Ibsen, Strindberg, Maeterlinck, Tchekhov, Schopenhauer deu um nome ao drama-da-vida:
ele o chamava “tragédia universalmente humana”.

Meu sentimento é que Hans-Thies Lehmann, a partir do momento em que ele taxa de pós-
dramáticos certas escrituras dramáticas – de Handke, Koltès, etc. –, passa à margem desse
novo paradigma do drama.

O Infradramático

Luckás – a quem devem Adorno, Lehmann, e até certo ponto, Szondi, – não tinha palavras
suficientemente duras para denunciar a influência nefasta de Schopenhauer sobre os
destinos do drama, particularmente em Strindberg. Para ele, a “tragédia universalmente
humana” não faz mais que exprimir “a inanição da vida em geral” e “exprime aqui
filosoficamente uma tendência que […] adquire cada vez mais importância na literatura
dramática e conduz cada vez mais seguramente à dissolução da forma dramática, à
desintegração dos seus elementos realmente dramáticos.” (LUKÁCS: 1965) Sem aderir a
essa ideia de uma “dissolução”, é preciso reconhecer que a dramaticidade do drama-da-
vida é fortemente diferente daquela do drama-na-vida (ou, pra retomar uma expressão de
Szondi, do “drama absoluto”), que ela se situa principalmente naquilo que podemos
chamar o infradramático.

Para falar como Tchekhov, o drama-da-vida parece, ao lado de outros mais salientes, todos
estes eventos minúsculos, ao final insignificantes, que fazem uma “vida plana”. No drama-
da-vida, nós já vimos maiores reversões do destino: felicidade e tristeza não param de se
alternar e às vezes de se confundir. No regime do infradramático, mais heróis, mais
personagens muito originais; mais mitos, mas tudo além do fait divers, como já visto em
Büchner. A divisa do drama-da-vida poderia se sustentar em uma fórmula de Beckett: “tudo
segue seu curso”. Mais progresso dramático, mais enlace e desenlace, mais de grandes
catástrofes, mais uma série de pequenas. A dramaturgia entrou nesta era – e nesta ária –
do cotidiano que faz Tchekhov dizer que “nada acontece” nessas peças e na qual Lukács,
que não se resigna à “tenra banalidade da vida” que os dramaturgos se contentam em
expor, lamenta o poder dissolvente:

“O drama moderno no período de declínio geral do realismo segue a linha da menor


resistência. Ou seja, ele acomoda seus meios artísticos aos aspectos mais insignificantes de
sua matéria, aos momentos mais prosaicos de sua vida cotidiana. Assim a tenra banalidade
da vida torna artisticamente o tema que é figurado; ela sublinha precisamente os aspectos
do sujeito que são desfavoráveis para o drama. Produzimos peças que do ponto de vista
dramático se situam a um nível inferior ao da vida da qual elas participam.”

Mas o infradramático não reside somente na pequenez dos personagens, dos eventos e
outros microconflitos; ele tem igualmente parte ligada com a subjetivação e, portanto, com
a relativização que marca esses eventos e microconflitos. Em outros termos, é a um teatro
íntimo e a conflitos muitas vezes intrasubjetivos e intrapsíquicos que nós nos relacionamos.
O fato de que o drama seja demasiado voltado ao subjetivo e ao cotidiano não significa
evidentemente que os grandes conflitos históricos desapareceram, mas que estes últimos
foram absorvidos por este “anonimato” de que fala Adorno.

O infradramático não substitui o dramático: ele alarga seu espectro, ele desloca o centro do
dramático da relação interpessoal sobre o homem sozinho, sobre o homem separado. Seu
resultado é que a “ação” dramática será muito menos uma ação “ativa”, que uma ação
passiva.

O argumento decisivo daqueles que endossam a ideia da morte do drama, é que drama
significa “ação”, hoje em dia já não há praticamente ação no teatro. Joseph Danan
relativizou esta crise da ação: “é quando a possibilidade se desvela no final do séc. XIX, é a
‘grande ação’, tal como foi imposto pelo modelo dos trágicos gregos durante milênios: uma
ação, inicialmente projetada, se engatilha no começo da peça e encontrará sua realização
no final”. (DANAN: 2005)

Ao mesmo tempo, Danan propõe, para o drama contemporâneo, noções de substituição


tais como “micro-ação”, “princípio ativo”… Contudo, nós poderíamos conservar o termo
ação num sentido expandido. Lembremos que é nesse contexto que o conceito da ação
não tem, unilateralmente em Aristóteles, o sentido puro ativo que lhe atribuímos. Na sua
introdução à Poética, R. Dupont-Roc e Jeans Lallot escrevem acertadamente:

“A tradução, ainda na falta de uma melhor, de práxis por “ação” não é boa: práxis, em
grego, cobre um campo mais largo que “ação” e designa também, para um sujeito humano,
o que nós qualificamos por “estado” – felicidade ou tristeza por exemplo; a definição da
tragédia como ‘representação da ação’ refere a esse sentido estendido de práxis.”
(ARISTÓTELES: 1980)

Sempre teremos interesse, quando tivermos que lidar com a questão da ação na
dramaturgia moderna e contemporânea, a nos reportar a uma tal concepção estendida da
ação. A que Nietzsche nos engaja vigorosamente:
“Concepção do ‘drama’ como ação./ Esta concepção é em sua raiz muito ingênua: o mundo
e o hábito do olho decidem aqui./ Mas o que finalmente – se pensarmos de uma forma
mais espiritual, não é ação? O sentimento que se declara, a compreensão de si – não são
eles ações?” (NIETZSCHE: 1977)

O que, por sua vez, se encontra implicado é aquilo que Szondi faz do critério da ação no
seio do drama absoluto, a saber, a decisão. Nas dramaturgias modernas e
contemporâneas, não é o homem ativo que está no centro da ação, mas antes de tudo o
homem em sofrimento, um homem em Paixão – esta “Paixão do homem” da qual Mallarmé
fez a medida do drama novo. Joseph Danan nos dá as razões dessa reversão da ação de
ativa para passiva:

“Agir é primeiro querer agir. A crise da ação encontra sem dúvida sua origem na crise do
sujeito, nas falhas do eu e de sua capacidade de desejar. Certo número de dramaturgos do
final do séc. XIX e do séc. XX, de Tchekhov a Beckett, tem essa capacidade de tornar
problemático o próprio tema de suas obras.”

Síncope da ação não significa ausência de ação. Tratamos agora de uma ação descontraída,
de um drama desdramatizado.

Colapso e reprise

Incontestavelmente a forma dramática tornou-se, ao decorrer do séc. XX, cada vez mais
difícil de identificar, cada vez mais móvel e difusa. Sobretudo, cada vez mais complexa.
Entre o novo paradigma e o antigo, a ruptura se fez sobre a rejeição da dialética hegeliana
do dramático como ultrapassagem do lírico (objetivado) e do épico (subjetivado). O que
dava movimento ao drama agora considerado como um falso movimento. As novas
dramaturgias libertam-se desta dialética e procedem por ajuntamento, pelo jugo de
elementos refratários uns aos outros – dramáticos, épicos, líricos, argumentativos, etc.
Cada elemento se ajusta ao outro – ou melhor, o transborda – e deste transbordamento
provêm o movimento próprio da obra.

Na tradição hegeliana, o dramático não existe em si; ele não é nada além do produto
conceitual da dialética da épica e do lírico. O que explica que nós não encontramos
nenhuma definição do dramático na obra de Hans-Thies Lehman, salvo esta, talvez um
pouco limitada:

“Se o drama moderno se baseia sobre um homem que se constitui nas suas relações
interpessoais, o teatro pós-dramático ao contrário implica um homem para quem mesmo
os conflitos mais graves, parece-me, não tomam mais a forma do drama […] Certamente,
podemos num momento ou noutro reconhecer uma “expressão dramática” no tal combate
de dirigentes, mas percebemos de novo, razoavelmente cedo, que no fundo todo conflito
se decide em outro lugar – nos blocos de poder.”

Nesta concepção, que parece resumir o dramático às cenas agonísticas, reconhecemos,


através da alusão aos “blocos de poder”, a influência de Adorno e, mais geralmente, uma
rejeição não somente da forma dramática, mas do dramático por ele mesmo. Na nossa
concepção, o dramático, mesmo difuso, primordial, retorna a este acontecimento
específico, primordial: o reencontro catastrófico com o outro – ainda que o outro seja ele
mesmo.

As duas concepções são inconciliáveis?… Não parece, pelo menos se nos fiarmos a esses
incidentes da obra de Lehmann segundo a qual o teatro pós-dramáico “significa antes de
tudo o desenvolvimento e a eclosão de uma potência da desintegração, da desmontagem e
da desconstrução do drama”. Por uma tal observação, o autor não está longe de dissolver o
próprio conceito de pós-dramático no que Volkner Klotz teorizou como a “forma aberta” do
drama que ele define como “livre, ‘atectônica’, tend[ente] rumo à dissolução da estrutura”
(KLOTZ: 2005). Não muito longe de estar de acordo com a proposta que eu tenho, após O
futuro do drama (com os seus desenvolvimentos sobre o coro e sobre o monólogo,
categorias julgadas muito “pós-dramáticas” por Lehmann), a forma “rapsódica” do drama –
que concluo ser “a forma mais livre, mas não ausente de forma” (SARRAZAC: 1999).

Tal como nós a consideramos, a forma dramática moderna e contemporânea é o terreno


extremamente móvel de mutações e experimentações incessantes. Ao longo do tempo, o
romance (notadamente na época naturalista) e a poesia (em particular com o movimento
simbolista) exerceram sua influência: “romantização” ou “poetização” do drama. Hoje, as
artes exteriores tais como o cinema, o vídeo, a performance, a dança contemporânea
penetram em torno do drama e tendem a transformá-lo.

Esta intervenção das artes exteriores participa dessa pulsão rapsódica que trabalha a
forma dramática. Pulsão permanente de renovação, de emancipação em relação à norma –
o drama-na-vida. Pulsão de irregularidade, que se manifesta de forma mais forte, ou
imperativa no período do barroco, das luzes, do Sturm und Drang, na virada do séc. XX e,
indiscutivelmente, na época atual. Pulsão rumo ao heterogêneo, rumo à assimilação de
elementos díspares que também concernem os grandes modos de expressão como o
dramático, o épico, o lírico, o argumentativo e, além disso, a combinação do cômico, do
trágico, do patético. Ou ainda a inclusão da oralidade na escritura.
Claramente, estando o campo sempre aberto, a multiplicação das experiências fragiliza o
drama-da-vida e disfarça os contornos. Victor Hugo já havia constatado que a cada criação
dramática ele deveria repensar a forma dramática – cada peça sendo ao mesmo tempo
modelo, protótipo e a obra única. Da forma dramática moderna e contemporânea,
podemos dizer que ela está sempre à beira da evanescência, do colapso.

Sempre a ponto de esgotar-se sobre si mesma. Quanto mais incerta de sua própria
perpetuação, mais as transformações que ela não cessa de conhecer a tornam difícil de
identificar e não coincidente com ela mesma. Mas, ao mesmo tempo, não podemos
constatar que a renovação, a vitalidade da forma dramática, tem esse preço. O preço de
uma permanente desterritorialização.

Nossa intenção, na presente obra, situada no signo da “reinvenção do drama”, é de seguir


uma entre outras linhas de fuga da forma dramática da virada do séc. XX para o séc. XXI. De
abarcar um aspecto ou um momento entre outros desta desterritorialização que
apontamos mais acima: quando aquilo que penetra a forma dramática, aquilo que a
permite destacar-se do colapso, encontrar uma energia, se recolocar em tensão,
sobressair-se, não é nada além do teatro em si. Este teatro diferente do drama, destacado
do drama, autônomo em relação ao drama, às vezes hostil ao drama.

Chamaremos este momento de reprise – que é o contrário de uma restauração – onde o


drama se reconstitui, se regenera sob a influência de um teatro que se tornou seu próprio
Estrangeiro.

Invenção do teatro, reinvenção do drama

Dos anos 1880 aos dias de hoje, o teatro liberto de seu assujeitamento à literatura
dramática produziu certo número de invenções que poderíamos qualificar de utopias de
teatro. Algumas são famosas, outras são discretas, mas todas tiveram um duplo efeito: por
um lado elas permitiram o desenvolvimento de uma arte do teatro e da encenação
independentes; por outro lado elas fizeram o objeto de uma reprise através de autores
dramáticos ao proveito da sua própria concepção do drama. É sobre este segundo tempo,
o tempo da reprise do drama, que decidimos centrar nosso estudo.

Sintoma desse processo de apropriação a posteriori das utopias polidas pelos diretores e
teóricos – ou poetas – do teatro, o fato que vários autores dramáticos preferem chamarem-
se “autores de teatro” ou “escrivões de teatro”. Como se eles quisessem abordar a escritura
pelo viés da cena. Não no objetivo de saturar sua escrita com rubricas e outras prescrições
de encenação, mas ao contrário com a ambição de participar da liberação do teatro e de
inscrever sua própria escritura neste(s) espaço(s) utópico(s). Isto quer dizer que, em nosso
espírito, a reinvenção permanente do drama é profundamente solidária à invenção – ou às
invenções – do teatro.
Estabelecer um vai-e-vem entre algumas dessas utopias e as escrituras dramáticas de 1880
e dos dias de hoje, foi esse o objetivo da pesquisa coletiva cujo resultado está aqui
presente.

Primeiramente, seguindo um movimento que vai “do teatro ao drama”, uma dezena de
sínteses: identificação de uma dessas invenções utópicas, por exemplo, “Supermarionete”
craigiana ou o “teatro de andróides” materlinkiano, depois o recenseamento de certo
número de peças que, com o passar do tempo foram alimentadas com essa invenção.
Serão abordados assim como a utopia – é preciso aqui compreender “utopia concreta”, no
sentido de quando o utopista sonha “o castelo na Espanha, ele dá os planos” (Ernest Bloch)
–; a utopia da “obra de arte total” de Wagner; a utopia daquele “despejo do vivente”
comum, através dos tempos, por Maeterlick e Kantor, como um teatro “fora das palavras”
portado por Artaud e revisitado por certo número de autores gestuais e/ou de glossolalias,
ou que esta consistindo em Piscator numa “encenação do evento”, reprisado e
transformado por Brecht ou, mais tarde, por um Peter Weiss ou um Heinar Kipphardt, ou
ainda aquela do “teatro de imagens” de Robert Wilson que vai esbarrar com a escritura de
Heiner Muller, etc., etc.

Num segundo momento, nós adotaremos o movimento inverso, “do drama ao teatro” e
remontaremos, através de uma dúzia de analises, de uma peça (excepcionalmente de duas)
até a utopia (ou utopias) de teatro que puderam fecundá-la (las). Será, por exemplo, a
ocasião de identificar em O Caminho de Damasco de Strindberg a presença da utopia de
um retorno à teatralidade do mistério, da Paixão medieval cara a Mallarmé e a muitos
outros inventores do teatro, de remontar a duas peças de Yeats ao teatro sonhado por
Craig, de seguir a evolução de Duras dos Viadutos de Seine-et-Oise a A amante inglesa a fim
de daí extrair a influência do teatro segundo Régy, de encontrar em Rodrigo García-
dramaturgo o traço de Rodrigo García-performer…

Assim esperamos (ajudar a) melhor compreender, através do processo da reprise – que


sucede a “crise” – as (razões de) mutações da forma dramática na virada do séc. XX a este
séc. XXI. De resto, temos consciência dos limites de nossa intervenção num domínio
complexo e ainda pouco explorado, aquele das relações entre o texto e a cena ou, mais
precisamente, entre o teatro e o drama. É aí que estamos contrariamente persuadidos de
que não resolveremos o problema invocando uma pretensa morte do drama, ou colando
num certo número de obras – que intitulamos muito abertamente de a reprise do drama –
uma etiqueta “pós-dramática”, dais quais sabemos todos que ela se descolará em breve.
Alguns parecem, a propósito, dedicarem-se a isso, notadamente Thomas Ostermeier, que
estima que “a teoria do teatro pós-dramático é hoje em dia ultrapassada, pois os conflitos
devêm novamente tão fortes nas sociedades contemporâneas quanto o drama revêm em
força na vida, e o teatro deve ser seu eco” (OSTERMEIR: 2006).
Talvez o diretor alemão reenvie aqui o balanço muito longe em direção ao passado – e em
direção ao drama-na-vida -; ele tão pouco aponta para a necessidade do drama hoje em
dia.

Notas:

*[nota do tradutor] Opsis: o que é visível, oferecida para o olhar, portanto, suas conexões
com os conceitos de espetáculo e performance. Na Poética de Aristóteles, o espetáculo é
um dos seis elementos constitutivos da tragédia, mas está abaixo de outras consideradas
mais essenciais… O lugar na história do teatro atribuído posteriormente ao opsis, o que
hoje chamaríamos de encenação, determinou o modo de transmissão e do significado
global da performance. Opsis é uma característica específica das artes do espetáculo. In
PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Editions sociales, 1980.

[1] A revista Études Thèâtrales relatou uma parte dessas pesquisas: Mis-en-crise de la form
dramatique 1880-1910 (n. 15-16), L’avenir d’une crise. Écritures dramatiques 1980-2000 (n.
24-25), Dialoguer. Um Nouveau partage des voix, vol. I e II (n. 31-32 e 33).

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SZONDI, Peter. Théorie du drame moderne. Trad. de Sibylle Muller. Belval: Circe, 2006,
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OSTERMEIR, Thomas. Introduction et entretien par Sylvie Chalaye. Arles: Actes Sud-Papiers,
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