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O

s circuitos da história e o
balanço da educação no
Brasil na primeira década1

do século XXI *

Gaudêncio Frigotto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A história nunca se fecha por si mesma e nunca


se fecha para sempre. São os homens, em grupos
e confrontando-se como classes em conflito, que
“fecham” ou “abrem” os circuitos da história.
Florestan Fernandes, 1977, p. 5

Introdução
Tenho a dimensão da responsa-
bilidade pela tarefa que assumi, tanto
pela abrangência do tema, complexida-
de do conteúdo e delicado momento po-
lítico que vivemos, quanto pelo desafio
de ser para quem se destina esta con-
ferência. Falar aos próprios pares, sem
dúvida, traz a vantagem de debater com
interlocutores que se ocupam do tema,
mas, exatamente por isso, a exigência
torna-se mais aguda e espinhosa.
Só posso explicar o lapso de insa-
nidade ao aceitar o convite por tê-lo in-
terpretado como uma tarefa para quem,
ainda como aluno de pós-graduação em

* Conferência de Abertura da 33a Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Gra du ação e


Pesquisa em Educação (ANPEd). Caxambu-MG, 17 de outubro de 2010.

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1976, esteve no processo de debates que pesquisadores e discute tanto os pressu-


levaram à criação da ANPEd, fundada postos e o método quanto os resultados
em 1978. Mas neste momento isto não de um trabalho específico que busca a
é um consolo e nem me retira o com- cientificidade do saber1 e, da mesma for-
promisso e a responsabilidade. E, fiel a ma, o sentido histórico, social, cultural
eles, posso adiantar: o que busco nesta e ético-político de sua produção.
exposição não é o consenso balofo, mas Pela estrutura de minha fala
o dissenso crítico. que, de saída, apresentei, os colegas
Não só pelo fato de estarmos viven- já podem perceber que minha opção
do o momento em que se completam 15 para a elaboração do balanço se refere
anos da morte de Florestan Fernandes, muito mais a um roteiro indicativo que
mas pelo que representa sua contri- nos pode permitir uma leitura histórica
buição intelectual para entendermos o desta conjuntura do que à aventura de
que somos e o que nos trouxe até aqui, fazer superficialmente um outro tipo de
eu o tomo como referência básica para balanço, trazendo aqui uma espécie de
a leitura que faço da primeira década estado da arte do que foi produzido, na sua
do século XXI, quanto à relação entre maior parte justamente pelos que me
projeto societário e educação. estão escutando, sobre o que ocorreu
Para Florestan, a “história nunca na área de educação durante o período.
se fecha por si mesma e nunca se fe- Essa não é tarefa a ser vencida numa
cha para sempre. São os homens, em conferência, mas por uma pesquisa de
grupos e confrontando-se como classes vários anos.
em conflito, que ‘fecham’ ou ‘abrem’
os circuitos da história” (Fernandes,
1997, p. 5). De que pressupostos parto e qual
Tal compreensão me conduz a opção de projeto societário marca
uma exposição que se estrutura em três esta década?
pontos: o primeiro trata da indicação
de alguns pressupostos e das opções e Qualquer que seja o objeto de
embates em torno do projeto societário análise no campo das ciências huma-
que marcam a conjuntura da década; o nas e sociais que se queira tratar no
segundo, traçado justamente com base plano da historicidade, vale dizer, no
nesses pressupostos e opções de projeto campo das contradições, mediações
societário, engloba o balanço indicativo e determinações que o constituem,
daquilo que entendo ser marcante nesta implica necessariamente tomá-lo na
década com respeito à educação; e, por relação inseparável entre o estrutural e
fim, o terceiro ponto, em que levanto o conjuntural. Por outra parte, implica
algumas questões que nos afetam tomar o objeto de análise não como um
como ANPEd e nos interpelam como fator, mas como parte de uma totali-
pesquisadores ou jovens em formação dade histórica que o constitui, na qual
na pesquisa e pós-graduação na área.
Esses três aspectos não decorrem 1 Ver a esse respeito a discussão “Marx e a
cientificidade do saber” (Moura, 1998, p. 69-
de uma eleição arbitrária, mas, sim, 148), na qual é feita distinção entre a ciên-
daquilo que entendo seja a própria na- cia como força produtiva e a cientificidade
tureza de uma entidade que congrega do saber.

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se estabelecem as mediações entre o esquerda, tem tudo para ser uma


campo da particularidade e sua relação espécie de quarta refundação da
com uma determinada universalidade. história nacional, isto é, um mar-
Assim sendo, entendo que a déca- co de não retorno a partir do qual
da de 2001 a 2010 não se interpreta nela impõem-se novos desdobramentos.
mesma e, tampouco, pelo que nela se […]. É tarefa das classes domina-
fez, mas pela natureza desse fazer e das das civilizar a dominação, o que as
forças sociais que o materializam para elites brasileiras foram incapazes
além das intenções e do discurso. A este de fazer. O que se exige do novo
auditório, mormente à geração a que governo é de uma radicalidade que
pertenço, mas não só, caberia, quiçá, está muito além de simplesmente
enfrentar o mesmo desafio intelectual e fazer um governo desenvolvimen-
político que Florestan Fernandes (1977) tista. (Oliveira, 2003, p. 3)
enfrentou ao fazer o balanço de sua
geração. Assim é que relembro, aqui, Uma ampla produção crítica,
para todos nós, que Florestan, ao defi- a começar pela do próprio Oliveira,
nir a sua geração como geração perdida, permite-nos sustentar que, por dife-
interroga sobre o que pretendiam, por rentes razões e determinações, 2 não
que falharam e quais lições poderiam ocorreu o caminho do não retorno e a
ser tiradas para o futuro. opção esteve centrada na realização
O que pretendo demarcar é que, de um governo desenvolvimentista. A
como conjuntura, a década começa em radicalidade a que o autor se refere, no
janeiro de 2003, com a posse do atual contexto das forças em jogo, seria uma
governo do presidente Luiz Inácio Lula opção clara de efetivação de medidas
da Silva, já que não é o tempo cronoló- políticas profundas capazes de viabilizar
gico que define uma conjuntura, mas a a repartição da riqueza e suas conse-
natureza dos acontecimentos e dos fa- quências em termos de reformas de
tos, e as forças sociais que os produzem. base na confrontação do latifúndio, do
O começo, em janeiro de 2003, sistema financeiro e do aparato político
traduz-se no fato de que, não obstante e jurídico que os sustentam.
as diferenças entre a eleição de 1989 e Entre os novos desdobramentos,
a de 2002, as forças sociais progressistas poderia estar aquilo que os clássicos
que conduziram ao poder o atual gover- brasileiros do pensamento crítico de-
no tinham, em sua origem, a tarefa de finiram como revolução nacional, capaz
alterar a natureza do projeto societário, de abrir amplo acesso aos bens econô-
com consequências para todas as áreas. micos, sociais, educacionais e culturais
Francisco de Oliveira sintetiza qual era por parte da grande massa até hoje
a tarefa e o seu sentido: submergida na precária sobrevivência
e com seus direitos elementares muti-
Na periodização de longue duré lados. Num horizonte mediato, exorci-
brasileira, a eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva para a Presidência da 2 No espaço deste texto torna-se inviável ex-
por essas razões e determinações. Para esse
República, ancorada na excepcional fim ver: Oliveira (2004 e 2010), Coutinho
performance do Partido dos Traba- (2006 e 2010) Frigotto (2005) e Paulani
lhadores e de uma ampla frente de (2006 e 2008).

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zando o quanto pior melhor, tal revolução Ao assentar-se, e cada vez mais,
poderia propiciar o desenvolvimento na opção pelo desenvolvimentismo, o
das condições para que a grande massa marco do não retorno não foi construído
de trabalhadores viesse a se constituir, na atual conjuntura e, por isso mesmo,
ela mesma, em sujeito político, con- não altera nem o tecido estrutural de
dição indispensável, como nos ensina uma das sociedades mais desiguais do
Gramsci, para mudar um determinado mundo, nem a prepotência das forças
panorama ideológico, construir bases que historicamente o definem e o
para relações sociais de novo tipo e de mantêm.
caráter socialista. Para Florestan, o que se tem
Na lição principal para a sua chamado de desenvolvimento, em re-
geração, pensando em nossa realidade alidade, tem sido um processo de mo-
histórica, Florestan qualifica esse mo- dernização e de capitalismo dependente
vimento e o papel do intelectual ou da em que a classe dominante brasileira,
intelligentia crítica, lição que guarda viva minoria prepotente, se associa ao grande
atualidade: capital abrindo-lhe espaço para sua
expansão, o que resulta na combinação
Não foi um erro confiar na de- de uma altíssima concentração de capi-
mocracia e lutar pela revolução tal para poucos, com a manutenção de
nacional. O erro foi outro – o de grandes massas na miséria, o alívio da
supor que se poderiam atingir es- pobreza ou um precário acesso ao con-
ses fins percorrendo a estrada real sumo, sem a justa partilha da riqueza
dos privilégios na companhia dos socialmente produzida.3
privilegiados. Não há reforma que Diferente, todavia, das análises
concilie uma minoria prepotente a que operam no plano antinômico entre
uma maioria desvalida. […] A cau- uma abstrata equação de continuidade
sa principal consiste em ficar rente ou descontinuidade, as quais, como bem
à maioria e às suas necessidades nos alerta Fredric Jameson (1997), se
econômicas, culturais e políticas:
3 Diferente da perspectiva da modernização,
pôr o Povo no centro da história, que concebe o desenvolvimento econômico
como mola mestra da Nação. O e sociocultural de forma linear e, mesmo,
que devemos fazer não é lutar pelo das análises da teoria da dependência, que
Povo. As nossas tarefas são de ou- apresentam a assimetria de poder entre pa-
íses, o conceito de capitalismo dependente
tro calibre: devemos colocar-nos a explicita a compreensão da aliança, ainda
serviço do Povo brasileiro para que que subordinada, das classes detentoras do
ele adquira, com maior rapidez e capital dos países periféricos com as classes
profundidade possíveis a consciên- detentoras do capital dos centros hegemô-
nicos no processo de expansão do capital.
cia de si próprio e possa desenca-
Nas sociedades de capitalismo dependente,
dear, por sua conta, a revolução na- explicita-se um processo histórico de desen-
cional que instaure no Brasil uma volvimento desigual e combinado. Vale dizer,
nova ordem social democrática e nichos de altíssima concentração de capital
e renda e manutenção e ampliação de gran-
um estado fundado na dominação
des massas na miséria ou nos limites da so-
efetiva da maioria. (Fernandes, brevivência. Ver, a esse respeito, Fernandes
1977, p. 245-246) (1973).

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inscrevem na ordem das abordagens societário e à natureza das políticas pú-


lógicas e na retórica discursiva, a blicas e seu sentido político, dando-nos,
análise materialista histórica, terreno ao mesmo tempo, elementos para per-
da contradição,4 refere-se a contextos cebermos as diferenças de tais políticas
e permite-nos perceber que a década em relação ao passado, especialmente,
analisada, no plano social e educacional, a década de 1990.
é, ao mesmo tempo, continuidade e des- A continuidade da década pre-
continuidade. E aqui vale a advertência sente em relação ao passado incide
de Engels: no erro da geração perdida – a opção
por conciliar uma minoria prepotente a uma
Sobretudo a palavra “materialis- maioria desvalida – mediante o combate à
ta” serve, na Alemanha, a muitos desigualdade dentro da ordem de uma
escritores jovens como uma simples sociedade capitalista onde sua classe
frase com que se rotula todo e qual- dominante é das mais violentas e des-
quer estudo, ou seja, coloca-se o póticas do mundo.
rótulo e crê-se ter encerrado então Com efeito, como assinala Singer,
o assunto […]. Toda a história pre- a conciliação dá-se, por um lado, na con-
cisa ser reestudada, as condições de tinuidade da política macroeconômica,
existência das diversas formações fiel aos interesses da classe detentora
sociais precisam ser examinadas do capital e, por outro, no investimento
em detalhe, antes de induzir delas na melhoria de vida de “uma fração
as correspondentes concepções po- de classe (trabalhadora) que, embora
líticas, jurídicas, estéticas, filosófi- majoritária, não consegue construir
cas, religiosas etc. (Engels, 1983, p. desde baixo as suas próprias formas de
456) organização” (Singer, 2009, p. 84). Tal
opção política por “executar o programa
André Singer, porta-voz durante de combate à desigualdade dentro da ordem”
os quatro primeiros anos do atual gover- (grifos do autor) “confeccionou nova via
no, ao analisar o que denomina Lulismo, ideológica, com união de bandeiras que
define-o por sua especificidade quanto pareciam não combinar” (idem, p. 97).
à opção por um determinado projeto Continuidade, no entanto, não
significa que um mesmo projeto estru-
4 “Na antinomia você sabe onde está pisando.
Ela afirma duas proposições que efetiva-
tural seja conduzido da mesma forma.
mente são radical e absolutamente incom- As forças que protagonizaram o chama-
patíveis, é pegar ou largar. Já a contradição do ajuste estrutural na década de 1990,
é uma questão de parcialidades e aspectos; particularmente durante os oito anos do
apenas uma parte dela é incompatível com Governo Fernando Henrique Cardoso,
a proposição que a acompanha; na verdade,
ela pode ter mais a ver com forças ou com
representam o núcleo dominante da
o estado das coisas do que com palavras e minoria prepotente, o qual, por seus vín-
implicações lógicas. […]. Nossa época é culos orgânicos com o grande capital
bem mais propícia ao terreno da antinomia e quadros de intelectuais altamente
do que da contradição. Mesmo no próprio preparados, definiram o movimento
marxismo, terra natal desta última, tendên-
cias mais avançadas reclamam da questão
de pêndulo, a que se refere Otávio
da contradição e se aborrecem com ela” Ianni (1986), entre a construção de
(Jame son, 1997, p. 17-18). uma nação autônoma e soberana e um

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projeto modernizador e de capitalismo pensatórias e de parca distribuição de


dependente. renda, como é o Programa Bolsa Famí-
As reformas neoliberais, ao longo lia, ou das políticas de descriminação
do Governo Fernando Henrique, apro- positiva, mas do acesso diferenciado e
fundaram a opção pela modernização intenso ao crédito para a casa própria
e dependência mediante um projeto e a bens de consumo, a programas de
ortodoxo de caráter monetarista e fi- acesso à energia etc. Vale lembrar aqui
nancista/rentista. Em nome do ajuste, a aguda observação de Bertolt Brecht:
privatizaram a nação, desapropriaram “Para quem tem boa posição social falar
o seu patrimônio (Petras; Veltmeyer, de comida é coisa baixa. É compreensí-
2001), desmontaram a face social do vel, eles já comeram.”5
Estado e ampliaram a sua face que se O indicador dessas diferenças pode
constituía como garantia do capital. Seu ser aquilatado por dois caminhos de ori-
fundamento é o liberalismo conservador gem diametralmente diversa: um furor
redutor da sociedade a um conjunto de da classe dominante e de seus aparelhos
consumidores. Por isso, o indivíduo não de hegemonia6 contra as políticas aqui
mais está referido à sociedade, mas ao exemplificadas, por retirarem migalhas
mercado. A educação não mais é direi- da reprodução ampliada do capital ou de
to social e subjetivo, mas um serviço seus privilégios; e um comportamento de
mercantil. gratidão e de apoio das multidões que
O que quero sublinhar é que, a objetivamente sentem a melhora efetiva
despeito da continuidade no essencial de suas vidas, grande parte passando
da política macroeconômica, a con- da indigência à sobrevivência e outra
juntura desta década se diferencia da parcela subindo um degrau na escala do
década de 1990 em diversos aspectos, consumo. Não por acaso essa massa é a
tais como: retomada, ainda que de grande responsável pelos índices estáveis
forma problemática, da agenda do de- próximos de 80% de avaliação do atual
senvolvimento; alteração substantiva da governo como ótima.
política externa e da postura perante as O problema não é a real necessi-
privatizações; recuperação, mesmo que dade de um projeto de desenvolvimento
relativa, do Estado na sua face social; e a adoção de políticas compensatórias
diminuição do desemprego aberto, mes- ampliadas como travessia. O equívoco
mo que tanto os dados quanto o concei- está em que elas não se vinculam à
to de emprego possam ser questionados; radicalidade que está muito além de simples-
aumento real do salário mínimo (ainda mente fazer um governo desenvolvimentista
que permaneça mínimo); relação dis- sem confrontar as relações sociais
tinta com os movimentos sociais, não dominantes.
mais demonizados nem tomados como
caso de polícia; e ampliação intensa de 5 Disponível em: <www.kifrases.blogspot.
políticas e programas direcionados à com/2010>.
grande massa não organizada que vivia 6 Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo
abaixo da linha da pobreza ou num nível sobre o comportamento da grande imprensa
elementar de sobrevivência e consumo. nas eleições atuais traça com fina ironia este
furor. Ver: Luiz Fernando Veríssimo, “Cor-
Trata-se, neste último caso, não rida de dez dias”, O Globo, Rio de Janeiro,
apenas da realização de políticas com- 23/9/2010, p. 7.

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Como sustenta o historiador políticas e programas para a grande


Eric Hobsbawm, o “desenvolvimento massa de desvalidos, harmonizando-as
sustentável” não pode operar através com os interesses da classe dominante
do mercado, mas deve operar contra (a minoria prepotente), o governo
ele (Hobsbawm, 1992, p. 270). Impli- também não disputou um projeto edu-
ca, sobretudo, “uma investida contra cacional antagônico, no conteúdo, no
as fortalezas centrais da economia de método e na forma.
mercado e de consumo. Isso exigirá não Isso explica, do meu ponto de
apenas uma sociedade melhor que a do vista, por que o acúmulo de debates
passado, mas como sempre sustentaram e de produção teórica produzidos no
os socialistas, um tipo diferente de so- combate à ditadura civil-militar, na
ciedade” (idem, p. 270). transição para a “redemocratização”,
Assim, ao final dessa década, po- no processo constituinte e no combate
demos afirmar que no plano estrutural, à ditadura do mercado na educação,
embora não se tenha a mesma opção na década de 1990, não tenha sido
dos que no passado recente venderam apropriado ou apenas marginalmente
a nação e haja avanços significativos apropriado por alguns setores. Refiro-
no plano social, mormente para o -me aqui às Conferências Brasileiras de
grande contingente da população até Educação (CBES), ao Fórum Nacional
então mantido na indigência, o marco em Defesa da Escola Pública (FNDEP)
de não retorno não se estabeleceu e o e, posteriormente, às Conferências
circuito das estruturas que produzem a Nacionais de Educação (CONEDS) e
desigualdade não foi rompido. A lição Fóruns Mundiais de Educação (FMES),
principal de que nos fala Florestan, espaços cuja atividade deixou de ser
lamentavelmente, no seu conteúdo apropriada,7 especialmente a produção
fundamental, não foi aprendida. teórica de caráter crítico que neles
teve lugar, na década de 1980, e que
foi produzida no seio da pós-graduação
Uma leitura da educação brasileira da área, particularmente em alguns
na primeira década do século XXI programas.
Também explica a fragmentação
O que expus até aqui, penso, me
e o abandono por parte de grande par-
permite, de forma muito resumida,
cela dos setores críticos organizados da
explicitar a leitura que faço do campo
área quanto a disputar a direção das
educacional nesta década, abordando
os processos educativos, institucionali- 7 Destaco a década de 1980 porque nela a área
zados ou não. não tinha caído, como veremos adiante, na
armadilha do produtivismo ou submergido
O pressuposto basilar da leitura a
aos critérios mercantis, construindo um pro-
que me refiro incide no fato de que, ao cesso de mercantilização na produção acadê-
não disputar um projeto societário anta- mica. Por certo, esse seria um tema central
gônico à modernização e ao capitalismo para uma ampla pesquisa, cuja hipótese
dependente e, portanto, à expansão do mais provável, que poderia vir a ser revela-
da, poderia indicar uma grande indigência
capital em nossa sociedade, centrando- intelectual e uma produção com pouco sen-
-se num projeto desenvolvimentista tido social e humano efetivamente transfor-
com foco no consumo e, ao estabelecer mador das atuais relações sociais.

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políticas educacionais, favorecendo a A não mudança estrutural a que


dupla deformação política sublinhada me refiro pode ser nitidamente perce-
por Karel Kosik (1969): a postura da bela bida pela leitura de balanços-síntese
alma e a do comissário. No primeiro caso, feitos por três intelectuais represen-
trata-se do encastelamento no plano de tantes do pensamento crítico, os quais
uma pureza teórica abstrata e moralista evidenciam que, tomados os últimos
para a qual tudo é reformismo, o que oitenta anos, a prioridade da educação
conduz a uma posição imobilista. No se sustenta apenas no discurso retórico.
segundo caso, está o comissário centra- Antonio Candido, referindo-se
do em suas fatias de poder, exercendo aos ideais educacionais dominantes na
uma atitude pragmática, utilitarista década de 1930, conclui:
e oportunista, capaz de subordinar os
interessas da sociedade aos seus. Tratava-se de ampliar e “melho-
A junção da fragmentação ao rar” o recrutamento da massa votan-
abandono do campo crítico na disputa te e de enriquecer a composição da
pelo projeto educativo e o foco de aten- elite votada. Portanto, não era uma
dimento da grande massa desorganiza- revolução educacional, mas uma re-
da e despolitizada resultou naquilo que forma ampla, pois o que concerne ao
foi dominante na educação durante a grosso da população a situação pou-
década – a política da melhoria mediante co se alterou. Nós sabemos que (ao
as parcerias do público e privado. contrário do que pensavam aqueles
Desse desfecho resulta que no liberais)8 as reformas da educação
plano estrutural se reiteram as refor- não geram mudanças essenciais na
mas que mudam aspectos do panorama sociedade, porque não modificam
educacional sem alterar nossa herança a sua estrutura e o saber continua
histórica que atribui caráter secundário mais ou menos como privilégio. São
à educação como direito universal e com as revoluções verdadeiras que pos-
igual qualidade. Não só algo secundário sibilitam as reformas de ensino em
mas desnecessário para o projeto mo- profundidade, de maneira a torná-
dernizador e de capitalismo dependente -lo acessível a todos, promovendo a
aqui viabilizado. igualitarização das oportunidades.
No plano das políticas educa- Na América Latina, até hoje isto só
cionais, da educação básica à pós- ocorreu em Cuba a partir de 1959.
-gra du ação, resulta, paradoxalmente, (Candido, 1984, p. 28)
que as concepções e práticas educacio-
Quatro décadas depois, Flores tan
nais vigentes na década de 1990 definem
Fernandes, batalhador das teses dos
dominantemente a primeira década do
século XXI, afirmando as parcerias do
8 Candido, no artigo em questão, refere-se
público e privado, ampliando a dualidade às reformas propostas por Sampaio Dória,
estrutural da educação e penetrando, de em 1920, Lourenço Filho, no Ceará (1924)
forma ampla, mormente nas instituições e Fernando Azevedo (1928), no Distrito Fe-
educativas públicas, mas não só, e na deral, base para o que se desenvolveria no
educação básica, abrangendo desde o Governo Provisório após 1930 com a criação
do Ministério de Educação e Saúde, confiado
conteúdo do conhecimento até os mé- a Francisco Campos, que fora o reformador
todos de sua produção ou socialização. da Instrução Pública em Minas Gerais.

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movimentos sociais e organizações E, referindo-se ao conteúdo das


científicas defensoras de um projeto políticas, conclui:
educacional que desse base a mudanças
estruturais, chega a conclusão similar […] do ponto de vista da pedagogia
à de Antonio Candido, referindo-se à histórico-crítica, o questionamento
Constituição de 1988: “A educação nun- ao PDE dirige-se à própria lógica
ca foi algo de fundamental no Brasil, que o embasa. Com efeito, essa lógi-
e muitos esperavam que isso mudasse ca poderia ser traduzida como uma
com a convocação da Assembleia Nacio- espécie de “pedagogia de resulta-
nal Constituinte. Mas a Constituição dos”. Assim, o governo se equipa
promulgada em 1988, confirmando que com instrumentos de avaliação dos
a educação é tida como assunto menor, produtos forçando, com isso, que o
não alterou a situação” (Fernandes, processo se ajuste a essa demanda.
1992). É, pois, uma lógica do mercado que
O desfecho da aprovação da Lei de se guia, nas atuais circunstâncias,
Diretrizes e Bases (LDB) e o percurso do pelos mecanismos das chamadas
Plano Nacional de Educação, agora sub- “pedagogia das competências e da
sumido pelo Plano de Desenvolvimento qualidade total”. (idem, p. 3)
da Educação (PDE), vieram confirmar
A síntese de Saviani permite-me
que permanecem inalteradas, até o pre-
explicitar como analiso o fundamento
sente, as análises de Antonio Candido e
preponderante que se faz presente na
Florestan Fernandes.9
educação durante a atual década, tan-
Com efeito, duas décadas depois
to em relação à natureza das políticas
do balanço feito por Florestan, Der me val
quanto – e principalmente – às concep-
Saviani, referindo-se ao PDE, que,
ções pedagógicas dominantes.
secundarizando-o, se superpõe ao Plano
Em relação às políticas educacio-
Nacional de Educação (PND) e à nume-
nais da presente década, uma análise
rologia que o acompanha, sustenta:
antinômica que trabalhasse com base
Fica-se com a impressão que es- na continuidade ou descontinuidade
tamos diante, mais uma vez, dos não seria capaz de captar as diferen-
famosos mecanismos protelatórios. ças de contexto e o alcance delas em
Nós chegamos ao final do século relação ao passado, especialmente em
XX sem resolver um problema que relação à década de 1990. No entanto,
os principais países, inclusive nos- numa outra perspectiva, ao examinar
sos vizinhos Argentina e Uruguai, as propostas de educação do bloco de
resolveram na virada do século XIX forças que apoiavam a candidatura
para o XX: a universalização do de Fernando Henrique Cardoso e as
ensino fundamental, com a conse- que apoiavam a de Luiz Inácio Lula
quente erradicação do analfabetis- da Silva, Luiz Antônio Cunha (1995)
mo. (Saviani, 2007, p. 3) apresenta-nos os projetos e concepções
em disputa: enquanto as primeiras
9 Para uma visão crítica sobre a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o
resultavam de produções de quadros
Plano Nacional de Educação, ver, respectiva- intelectuais elaboradas pelo alto para
mente, Saviani (1999 e 2008). serem aplicadas na sociedade, as segun-

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das buscavam uma construção desde a samento dicotômico do a favor ou contra.


própria sociedade. Grande parte dos Trata-se de ver quais forças sociais as
integrantes daqueles quadros eram, na demandam, qual sua sinalização social
verdade, membros de organismos inter- e política e qual o seu ardil.
nacionais, a começar por Paulo Renato O atual governo também se mos-
Souza, que por oito anos ocupou o Mi- trou diferenciado no apoio dado ao
nistério da Educação (MEC) aplicando projeto pedagógico desenvolvido pelo
o planejado. Tanto que podemos dizer Movimento dos Sem Terra (MST) e às
que a LDB aprovada no Congresso foi suas iniciativas no importante processo
um ex-post facto de um ex-ante. de alterar a concepção e as práticas de
Mesmo sabendo que o contexto educação no campo. A Comissão Par-
de 2002 já era outro e as alterações de lamentar de Inquérito (CPI) contra o
percurso ao longo do atual governo se MST, “olho por olho, dente por dente”,
foram apartando da sociedade organi- do ponto de vista dos órgãos de fisca-
zada, o discurso da mera continuidade lização, em relação aos convênios do
cai no plano antinômico da retórica MST e à sua sistemática demonização,
e não condiz com o compromisso que quando analisada pela imprensa e pelas
tenho por revelar o plano contraditório forças ligadas ao latifúndio, sinaliza
do contexto. essa diferença.
Por isso, naquilo que é, espe- No plano do financiamento, a
cificamente, competência da esfera criação do Fundo de Manutenção e
federal em sua função suplementar Desenvolvimento da Educação Básica e
há diferenças no que tange à abran- de Valorização dos Profissionais da Edu-
gência das políticas, aos grupos sociais cação (FUNDEB), com todos os limites
atendidos e ao financiamento posto da natureza dos recursos ligados ao
em prática. Assim, podemos assinalar Fundo e não constitucionais, incorporou
a criação de mais 14 novas universida- a educação infantil e o ensino médio,
des federais, a abertura de concursos antes não contemplados. Para cobrir
públicos, a ampliação dos recursos de todas as modalidades, na sua função
custeio e uma intensa ampliação dos suplementar, esta em tramitação final,
antigos Centros Federais de Educação tem lugar a criação do Fundo Nacional
Tecnológica (CEFETs), atualmente de Desenvolvimento da Educação Pro-
transformados em Institutos Federais fissional e Tecnológica (FUNDEP). E
de Ciência e Tecnologia (IFETs). Nesse outro aspecto diferenciado, ainda que
âmbito, foram criadas 214 novas esco- em termos muitíssimos baixos, é a fixa-
las a eles vinculados e cerca de 500 mil ção do piso nacional para o magistério
matrículas. da educação básica, uma conquista
É preciso também assinalar que histórica do magistério nacional.
houve ênfase nas políticas voltadas para Reitero aqui, também, que o
a educação de jovens e adultos e para problema não está na necessidade de
a educação da população indígena e que se reveste a maior parte dessas
afrodescendente. Por certo, não se pode ações e políticas, mas, sim, na forma
reduzir tais feitos ao debate sobre a de sua gestão e na concepção que as
política de cotas e menos ainda que tal orientam. Com respeito à gestão, o viés
debate se reduza, uma vez mais, ao pen- contraditório dá-se por serem tais ações

244 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


Os circuitos da história…

e políticas, em grande parte, pautadas Essa conferência tratou de dois


na opção pelas parcerias do público com temas fundamentais: a organização
o privado e dentro de uma perspectiva do Sistema Nacional de Educação e
daquilo que Saviani denominou peda- a elaboração do Plano Nacional de
gogia dos resultados, sem a disputa pela Educação, que deverá substituir o
concepção que as orienta. atual. Dos resultados da CONAE de-
Com isso, o Estado, em vez de verão sair projetos de lei a serem en-
alargar o fundo público na perspectiva caminhados ao Congresso Nacional
do atendimento a políticas públicas de para discussão e aprovação. Apesar
caráter universal, fragmenta as ações da grande importância desse acon-
em políticas focais que amenizam os tecimento, a mídia falada e escrita
efeitos, sem alterar substancialmente nada publicou a respeito.10
as suas determinações. E, dentro dessa
lógica, é dada ênfase aos processos de O movimento dos empresários em
avaliação de resultados balizados pelo torno do Compromisso Todos pela Educação
produtivismo e à sua filosofia mercantil, e sua adesão ao PDE, contrastada com
em nome da qual os processos peda- a história de resistência ativa de seus
gógicos são desenvolvidos mediante a aparelhos de hegemonia e de seus in-
pedagogia das competências. telectuais contra as teses da educação
Nesse contexto, as concepções de pública, gratuita, universal, laica e
educação centradas na pedagogia histó- unitária, revela, a um tempo, o caráter
rico-crítica – e, portanto, as possibilidades cínico do movimento e a disputa ativa
de uma educação unitária e omnilateral pela hegemonia do pensamento edu-
e as suas exigências em termos das ba- cacional mercantil no seio das escolas
ses materiais que lhes dão viabilidade, públicas.
disputadas quando da definição do Plano Um exemplo emblemático da
Nacional de Educação (PNE), explicita- busca por impor a visão financista e
das em diferentes Conferências Nacionais mercantil na educação básica é a inicia-
e que afetam a educação no conjunto da tiva do mercado de capitais (Federação
federação, mormente a educação básica – Brasileira de Bancos - FEBRABAN,
ficam subvertidas dominantemente pela Associação Brasileira das Entidades
concepção mercantil. dos Mercados Financeiro e de Capitais
Três aspectos reforçam tal com- - ANBIMA e gestores, Bolsa de Valores -
preensão: dois já enunciados anterior- BOVESPA, Superintendência Nacional
mente – a dispersão e fragmentação do de Previdência Complementar - PRE-
campo de esquerda e o fato de o governo VIC etc.) que, desde agosto de 2010,
não ter assumido o acúmulo teórico críti- implantou um projeto-piloto de educação
co como opção. O terceiro diz respeito ao financeira, com supervisão do MEC, em
que bem demonstra Saviani em relação 450 escolas do ensino médio, não por
aos debates ocorridos durante a recente acaso, de São Paulo, Rio de Janeiro,
Conferência Nacional de Educação (re- Minas Gerais, Ceará, Distrito Federal
alizada de 28 de março a 1° de abril de e Tocantins,11 estados dirigidos por seu
2010), a qual, a despeito da importância
10 Dermeval Saviani, Folha de S.Paulo, 5 de abril
dos seus temas e discussões, foi simples- de 2010, Painel do Leitor.
mente ignorada pela imprensa. 11 Tôni Sciarretta, Folha de S.Paulo, 8 de agosto

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 245


Gaudêncio Frigotto

partido ou que seguem a filosofia do uma fatia gorda do fundo público como
ministro Paulo Renato Souza da Era garantia de seus negócios, ao mesmo
Fernando Henrique Cardoso. tempo em que se promove constante
Também é uma evidência relevan- pressão para diminuir suas contribui-
te do interesse crescente que empresas ções, quando não o emprego das mais
privadas vêm demonstrando em relação variadas estratégias com a intenção de
à educação como negócio, a recente burlá-las.
compra, pela Abril Educação, do Anglo No âmbito da educação profis-
Sistema de Ensino (211 mil alunos em sional, técnica e tecnológica, centro
484 escolas da rede privada em 316 de grandes disputas na Constituinte,
municípios brasileiros), do Anglo Ves- na LDB e no PNE em prol de uma
tibulares e da Siga, empresa focada na concepção não adestradora e tecni-
preparação para concursos públicos, o cista e de sua vinculação jurídica e
que fará “que o faturamento da Abril financiamento públicos, esta foi-se
Educação supere R$500 milhões de constituindo na grande prioridade
re ais em 2010, tornando a empresa uma da década, sem alterar, todavia, seu
das maiores do setor”.12 caráter dominantemente privado.
Pode-se afirmar, assim, que a Certamente, a opção pela parceria do
despeito de algumas intenções em público com o privado não favorece
contrário, a estratégia de fazer refor- a reversão da dualidade educacional.
mas conciliando e não confrontando os Pelo contrário, como demonstra Cunha
interesses da minoria prepotente com as (2005), a tendência, desde a década de
necessidades da maioria desvalida acaba 1980, era de ampliá-la para o ensino
favorecendo essa minoria, mantendo superior. A transformação da Rede de
o dualismo estrutural na educação, a Escolas Técnicas Federais em Centros
inexistência de um sistema nacional Federais de Educação Tecnológica (CE-
de educação, uma desigualdade abis- FETS) e, nesta década, em universida-
mal de bases materiais e de formação, des tecnológicas ou Institutos Federais
condições de trabalho e remuneração de Educação, Ciência e Tecnologia
dos professores, redundando numa pífia (IFETS), confirma tal tendência. Do
qualidade de educação para a maioria mesmo modo, não ajuda a reverter o
da população. caráter dominantemente privado e a
No plano da educação básica, apropriação privada de recursos pú-
além de os fundos terem prazo de vali- blicos na área.
dade, no caso do FUNDEB, ampliou-se, G a b r i e l G r a b o w s ky ( 2 0 1 0 )
positivamente, o universo de atendi- mos tra-nos que, em 1999, apenas 25%
mento, sem, contudo, ampliar, propor- da educação profissional era pública
cionalmente, os recursos. Atende-se e 75% era composta por cursos de
mais com menos. O que vigora é uma curtíssima duração, de nível básico.
fórmula para atender à cláusula pétrea do O Censo de 2008 revelou que 83% das
capital na sua intenção de contar com matrículas do nível tecnológico esta-
vam na iniciativa privada.
de 2010, Sessão Mercado.
12 Disponível em:</http://g1.globo.com/econo-
Mas o mais chocante é que o
mia-e-negocios/noticia/2010/07/abril-educa- Sistema S, em 2010, mobilizou apro-
cao-anuncia-compra-do-grupo-anglo.html>. ximadamente 16 bilhões de recursos

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Os circuitos da história…

públicos, somando-se os recolhidos Apoio a Planos de Reestruturação e


compulsoriamente pelo Estado e a ele Expansão das Universidades Federais
repassados, e a venda de serviços ao (REUNI), por caminhos diversos e
setor público. aparentemente contraditórios, dão
conteúdo à universidade operacional.
Esses valores, destacamos, são O PROUNI criou mais de 700 mil va-
superiores ao que a União está gas para jovens, e isso seria fantástico
prevendo investir no FUNDEB, ao se tal inclusão não fosse incorporando,
custo anual do Bolsa-Família e a ainda que de forma enviesada, a tese
todos os investimentos realizados conservadora de Milton Friedman
na expansão da rede federal (2 bi- que, no final da década de 1950, de-
lhões) ao Brasil Profissionalizado fendia que o Estado desse aos mais
(900 milhões) ao Projovem entre pobres um voucher ou uma carta de
2008-2011 (5,8 bilhões) e a todos crédito para escolherem onde que-
os demais programas no campo da riam estudar.
educação e qualificação profissio- O REUNI, por sua vez, representa
nal. (Gra bo wski, 2010, p. 177) uma inversão substantiva de recursos de
custeio para projetos e programas, quase
Em relação à Universidade, o duplicando as vagas e sendo aplaudida
balanço não difere do que foi exposto fortemente pelo Manifesto dos Reitores
até aqui. Se, positivamente, tivemos das Universidades Públicas durante o
na década um forte impulso em dire- atual governo. Em contrapartida, es-
ção à criação de novas Universidades tabelece a desestruturação da carreira
públicas, isso não alterou a tendência docente, conquistada duramente, au-
histórica de privatização, e sobretudo menta o trabalho precário e, sobretudo,
em relação ao que Marilena Chaui impõe uma brutal e, em muitos casos,
(2003) expôs na conferência de aber- insuportável intensificação da carga de
tura na 26ª Reunião Anual da ANPEd, trabalho. Além disso, especialmente pelo
em 2003, sobre “a nova perspectiva crescimento do enclave da educação à
da universidade pública”. Foi quando distância, em alguns casos com a defesa
Chaui nos pôde mostrar que, especial- de sua crescente expansão em substi-
mente a partir década de 1990, houve tuição ao ensino superior presencial,
o deslocamento da Universidade con- produz-se mais uma forma de dualidade.
cebida como instituição pública ligada O fetiche da tecnologia opera aqui como
ao Estado republicano para o de orga- argumento ideológico.
nização social vinculada ao mercado. Uma Há um último aspecto de grande
Universidade operacional, avaliada abrangência que me conduz a sustentar
não mais em razão de sua função social que a primeira década do século XXI,
e cultural de caráter universal, mas da dominantemente, foi marcada pelas
particularidade das demandas do mer- concepções e práticas educacionais mer-
cado. Ou seja, centrada na pedagogia dos cantis típicas da década de 1990, seja no
resultados e do produtivismo, na análise controle do conteúdo do conhecimento,
de Saviani. seja nos métodos de sua produção ou na
O Programa Universidade para socialização, autonomia e organização
Todos (PROUNI) e o Programa de docentes. Três mecanismos articulados

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 247


Gaudêncio Frigotto

estão em ampla expansão nas secreta- um líder: o guia do professor supereficiente


rias estaduais e municipais de educação. para diminuir o déficit de aprendizagem, de
O primeiro mecanismo chega ao Stiven Farr; e Ensine como um campeão: 49
chão da escola calcado na ideia de que técnicas que colocam os estudantes no rumo da
a esfera pública é ineficiente e que, universidade, de Doug Lemov.
portanto, há que serem estabelecidas Uma das receitas desses manuais,
parcerias entre o público e o privado, em letras maiores e destacadas em ne-
mesmo mediante disfarce, quando o grito pela reportagem, é de que “avaliar
privado permanece encoberto pelo eufe- o desempenho individual dos professores
mismo que engloba organizações sociais permitiria não só premiá-los de forma
ou o chamado terceiro setor. A esses mais justa, mas também fazer algo
institutos privados ou ONGs13 cabe sele- mais importante: entender como eles
cionar o conhecimento, condensá-lo em trabalham”.
apostilas ou manuais, orientar a forma Esse último aspecto define o ter-
de ensinar, definir os métodos de ensino, ceiro mecanismo, condição para que os
os critérios e processos de avaliação e dois primeiros tenham sucesso. Trata-se
controle dos alunos e dos professores. das ações de desmontar a carreira e or-
O segundo mecanismo, decorren- ganização docentes mediante políticas
te do anterior, talvez o mais proclamado de prêmio às escolas que, de acordo
pela mídia, notadamente pelas revistas com os critérios oficiais, alcançam
semanais, é justamente o de se atacar a melhor desempenho, remunerando os
natureza da formação docente realizada professores de acordo com sua produ-
nas universidades públicas, com o argu- tividade em termos do quantitativo
mento de que os cursos de pedagogia e de alunos aprovados. Os institutos ou
de licenciatura se ocupam muito com a organizações privadas, para assessorar
teoria e com análises econômicas sociais ou atuar diretamente nas escolas, têm
inúteis e não ensinam o professor as a incumbência de avaliar professores
técnicas do “bem ensinar”. e alunos de acordo com os conteúdos,
A revista Época, de 26 de abril de métodos e processos prescritos. O que
2010, numa reportagem de dez páginas, se busca, para uma concepção mercantil
traz o receituário do “bem ensinar”: de educação, é, pois, utilizar na escola
“Os segredos dos bons professores. os métodos do mercado.14
Os mestres que transformam nossas
14 Os estados de São Paulo e de Minas Gerais
crianças em alunos de sucesso (e o que são os grandes artífices dessas políticas, mas
todos temos que aprender)”. Os livros que se ampliam céleres, especialmente nas
tomados como referência para tal regiões Norte e Nordeste. O município do
adestramento docente são Ensinar como Rio de Janeiro, capitaneado pela secretária
Cláudia Costin, é uma espécie de labora-
tório avançado dessa filosofia. Agora, ela é
13 Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Sen- seguida pelo recém-empossado secretário
na, Instituto de Qualidade na Educação estadual de Educação, o economista Wilson
(IQE), Positivo, Pitágoras, Fundação Rober- Risolina, alçado ao cargo no dia seguinte em
to Marinho, Fundação Bradesco, Sistema que o governador Sérgio Cabral foi eleito,
COC de ensino e congêneres, que assumem após uma campanha em que a qualidade
a direção pedagógica de muitas secretarias da educação no estado foi bastante ques-
estaduais e, especialmente, municipais, em tionada. Perguntado sobre o que pensa da
nome do ensinar eficiente. educação e dos professores, o novo secretá-

248 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


Os circuitos da história…

O que acabo de afirmar se expli- Sistema S,18 sistema gerido pelos órgãos
cita emblematicamente no fato de que de classe dos empresários. O ideário de
o mesmo membro do Conselho Federal ensinar “o que serve ao mercado ou de
de Educação que havia sido relator do fazer pelas mãos a cabeça do trabalha-
contestado Decreto n. 2208/9715 foi o dor” (Frigotto, 1993), antes restrito ao
relator do atual decreto n. 5.154/0416 e, adestramento profissional que caracte-
riza o Sistema S, tende, então, a impor-
atualmente, é o relator das Diretrizes
-se para a educação em seu conjunto.
Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio.
Essas diretrizes, por encontrar o cam- A título de conclusão ou o que nos
po aberto, regrediram de tal forma ao interpela como ANPEd na tarefa
decreto n. 2.208/97 que motivaram uma de manter “fechados” ou “abrir os
reação por parte de várias instituições, circuitos da história”
com grande participação da ANPEd.17
Mas isso não é tudo. Exatamen- Creio que esta conferência perde-
te no último ano desta década, quem ria o sentido se eximisse a pós-graduação
preside a Câmara de Educação Básica de nossa área deste balanço. O tempo de
do Conselho Nacional de Educação é exposição não me permite avançar em
o mesmo histórico representante do direção a detalhes importantes, mas, de
certo modo, no plano geral, creio que
rio foi explícito: “penso em educação como estamos de acordo em que ela não dife-
um negócio”. Concebe os professores como re, no fundamental, do panorama mais
“entregadores do saber. A vida é assim, pre-
geral. Somos mais de cem programas
mia quem é melhor. Vamos fazer avaliações
periódicas, que servirão de base para um sis- reconhecidos. Resta indagar: o que
tema de bonificação” (O Globo, 07/10/2010, isso significa socialmente no embate
Primeiro Caderno). O único estado que tem em torno da abertura dos circuitos de
uma política de contraponto clara a essas nossa história?
tendências é o Paraná.
Detenho-me, então, no aspecto
15 Trata-se do decreto que regulamenta o § 2º
do art. 36 e os arts. 39 a 42 da lei n. 9.394, que julgo central. Trata-se daquilo
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece que define nossa especificidade como
as diretrizes e bases da educação nacional. espaço de formação de pesquisadores e
Nessa regulamentação reintroduz e acentua docentes. Reitero aqui o que assinalei
a dualidade no ensino médio e o orienta de
acordo com os cânones das políticas neolibe-
logo no início, que tal especificidade se
rais baseadas em critérios mercantis. define pela busca da cientificidade do
16 Esse decreto revoga o decreto n. 2.208/97 conhecimento, construída pelo trabalho
com o objetivo de restabelecer o caráter sistemático de captar as mediações e
integrado do ensino médio. Sua regulamen-
tação pelo Conselho Federal de Educação, 18 Uma observação de duas ordens faz-se ne-
tendo como relator o conselheiro filiado cessária. A primeira é de que não se trata
aos interesses das federações patronais que aqui de uma referência pessoal ao conse-
mantém o Sistema S, acaba mantendo a lheiro, mas de sua representação de classe.
orientação mercantil do decreto revogado. A segunda é de que é preciso, sempre, ter-se
17 Ver: Diretrizes Curriculares Nacionais para presente que os milhares de trabalhadores
a Educação Profissional e Técnica de Nível que atuam neste sistema vendem a sua força
Médio. Brasília, site do MEC, setembro de de trabalho como qualquer outro trabalha-
2010. Texto para discussão. dor.

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 249


Gaudêncio Frigotto

determinações que nos permitem apre- pública sob nova perspectiva”. Com
ender a explicação mais fiel possível em outro recorte, a análise de Chaui coin-
relação ao que investigamos. cide com a de Oliveira sobre o processo
Nisso que nos identifica, teríamos de mercantilização do conhecimento e
conseguido enfrentar a tendência dos do trabalho docente. O ponto central
ditames mercantis presentes no siste- de sua análise foi o processo que vem
ma educacional brasileiro e herdados transformando a Universidade pública,
da década de 1990 ou fomos também instituição vinculada ao Estado republi-
pautados por eles? Essa pergunta não é cano, em organização social, prestadora de
retórica, pois os temas escolhidos pela serviços ligada ao mercado. Ao subtrair
ANPEd como referências, no início da sua referência da esfera pública, terre-
década, indicam um estado de alerta e no dos direitos universais, e ser referida
um posicionamento crítico em relação ao mercado, a Universidade perde sua
ao que sucedera nas décadas passadas, autonomia intelectual, institucional e
mormente a de 1990. financeira. Por isso, a sua produção pas-
Com efeito, em 2001, o tema sa a ser medida ou avaliada em função
abordado por Francisco de Oliveira ver- dos critérios produtivistas do mercado.
sou sobre “Intelectuais, conhecimento Das várias consequências que
e espaço público”. Ao demonstrar a Chaui retira de sua análise, destaco
evolução das especializações, nosso con- duas que incidem diretamente sobre o
ferencista destaca um célere processo que nos interpela como pesquisadores e
de transformação do conhecimento em docentes, e de forma radical. Referindo-
mercadoria e, consequentemente, o en- -se à análise de David Harvey sobre a
curtamento do espaço público e, ao mes- acumulação flexível que se expressa
mo tempo, a redução do conhecimento à num processo produtivo fragmentado
intoxicação de informações, provocando e disperso, no espaço e no tempo, e
a perda de sua radicalidade. “Parece reunificado no efêmero e fugaz, Chaui
que dispomos de todas as informações mostra-nos como isso incide na produ-
para operarmos a aventura do conheci- ção intelectual. “Para participar desse
mento. Mas esta intoxicação provoca o mercado efêmero, a literatura, por
contrário. […] Cria um movimento mi- exemplo, abandona o romance pelo
mético que se repete incessantemente” conto, os intelectuais abandonam o livro
(Oliveira, 2001, p. 127). pelo paper” (Chaui, 2003, p. 11).
O calcanhar de Aquiles, para A segunda consequência refere-se
quem atua nas ciências sociais e hu- aos pontos que nos traz como desafios
manas, segundo Oliveira, é que “nossas a enfrentar para reverter a lógica mer-
investigações passam a ser medidas cantil da Universidade operacional. É
pelo metro da produtividade. […] É o quando Chaui destaca que isso “depen-
mesmo metro que mede a produção de de de levarmos a sério a ideia de forma-
uma mercadoria. Há pouca diferença, ção” (idem, p. 12) e a “revalorização da
ainda, entre elas. Tratemos de preser- docência, desprestigiada e negligenciada
var essa diferença” (idem, p. 228). com a chamada ‘avaliação da produtivida-
Dois anos depois, o tema de aber- de quantitativa’ (idem, p.14). Ao contrário
tura da reunião anual, abordado por do paper, do efêmero, do fugaz e descar-
Marilena Chaui, foi “A universidade tável típico da cultura pós-moderna do

250 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


Os circuitos da história…

capitalismo tardio,19 como condição para critérios da mensuração mercantil.


efetuarmos essa reversão, Chaui destaca “E uma mercadoria se reproduz pela
a necessidade de conhecimento dos clássi- mimese, pela sua homogeneização; a
cos e sua contribuição para entendermos mercadoria recusa a diferença, recusa
as mudanças atuais que, diferentes do o diverso, recusa o plural, a mercadoria
discurso em voga que nos fala de uma é univocidade” (Oliveira, 2001, p. 127).
sociedade de incerteza, significam que A mercadoria é a reificação, o fetiche e
vivemos tempos de insegurança.20 a alienação em ato.
Por mais incômoda que seja a con- Para o mercado não há sociedade,
clusão do balanço com respeito ao que há indivíduos em competição. E para o
nos compete na pós-graduação em nossa mundo da acumulação flexível, não há
área, ainda que não apenas nela, o fato lugar para todos, só para os considera-
é que as densas preocupações trazidas dos mais competentes, os que passam
por Oliveira e Chaui, no início da dé- pelo metro que mede o tempo fugaz da
cada de 2000, não foram tomadas como mercadoria e de sua realização.
agenda fundamental de embate. Desse As consequências disso são mais
modo, lembrando o filósofo, poeta lírico que visíveis em vários aspectos. Nossos
e satírico romano Horácio, poderíamos cursos tornam-se cada vez mais elitistas.
dizer: “Quid rides? Mutato nomine, de te Neles percebo um duplo processo de
fabula narratur”.21 mutilação e atrofiamento de capacidades
Ou seja, o pensamento mercantil intelectuais. Por um lado, os jovens dou-
da universidade operacional nos tomou tores, para atuarem na pós-graduação,
quase por completo. Vale dizer, cons- têm crivos cada vez mais refinados de
ciente ou inconscientemente, entramos ingresso. Por outro, os pesquisadores
no mercado do conhecimento, do ensino que não resistem a essa pressão ou que
e da pesquisa e nos submetemos aos se recusam a se enquadrar nessa lógi-
ca, não sem humilhação, ou saem ou
19 Para uma densa análise sobre o pós-moder- são convidados a sair. O fundamental
nismo como expressão cultural do capitalis-
mo flexível e fragmentado, um capitalismo
para muitos pró-reitores e programas
tardio, ver Jameson (1996). de pós-graduação é atingir o máximo
20 Não há espaço aqui para relacionar o discurso de pontos da escala de 1 a 7, mesmo
ultraconservador com a adoção ampla em nos- que saibamos que a lógica dos indica-
so meio das tendências de cunho pós-moderno dores se funda na visão positivista e
por representarem uma fuga da historicidade
do real. Não se trata de negar a particularida-
funcionalista de conhecimento e que,
de e as diferenças, mas, pelo contrário, do fato de antemão, se saiba que há um efeito
de serem tratadas separadas de uma estrutu- trava ou gangorra para que apenas uns
ra social ou totalidade histórica (Kosik, 1986) fiquem no topo.
que nos permitam apreender seu sentido. Daí Tomando por foco a nossa pro-
resulta uma visão fragmentada e superficial da
realidade social e educacional e, consequente-
dução acadêmica, constata-se que cada
mente, um reforço às visões conservadoras, vez menos produzimos livros que sejam
ainda que não seja esta, mormente, a inten- fruto de longos anos de pesquisa e, em
cionalidade. Ver, a esse respeito, Fontes(2002), seu lugar, produzimos artigos, papers. Já
Frigotto (2002), Jameson (1996,1997) e An- não há tempo para a formação de jovens
derson (1999).
21 “Por que ris? A anedota fala de ti, só que com
pesquisadores e docentes ancorados na
outro nome” (Sátiras, Horácio). leitura dos clássicos. O tempo de nossa

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 251


Gaudêncio Frigotto

produção de pesquisadores, das teses e como tarefa de cada um e coletiva. Os


dissertações que se elaboram, não está desafios colocados por Marilena Chaui e
mais referido à cientificidade que nos Francisco Oliveira, no início da década,
permita compreender como a realidade permanecem na agenda, bem como a
educacional se produz e à sua relevância lição da geração de Florestan, que nos
social, política, cultural e humana. Ao convida a perguntar: o que queríamos,
contrário, aprisionamo-nos ao cronô- porque erramos e quais as lições que
metro da “pedagogia dos resultados” e devemos tirar para o presente e para
deslizamos na intoxicação e fugacidade o futuro?
mercantil de informações. Produzimos, O horizonte apontado por Flo-
enfim, pouco conhecimento. restan Fernandes para essa tarefa
Isso nos dificulta ou anula, em de superação “é o de nos repor, como
grande medida, no sentido de contribuir intelectuais, nas relações e conflitos
de forma radical para “abrir os circui- de classe”. Mas, ele sublinha, e eu, na
tos de nossa história” a novas relações trilha de suas lições, reitero: “de nada
sociais de caráter socialista e nos deixa adiantará uma retórica ultrarradical,
distantes do enfrentamento daquilo de condenação ou de expiação. O inte-
que, para o historiador Eric Hobsbawm, lectual não cria o mundo no qual vive.
é a questão fundamental do século XXI Ele faz muito quando consegue ajudar a
para o futuro humano. compreendê-lo, como ponto de partida
para a sua alteração real” (Fernandes,
Se pensarmos em termos de como 1980, p. 231). É desafio – urgente e ne-
“os homens fazem a própria histó- cessário – para cada um de nós e para a
ria”, a grande questão é a seguinte: Associação em seu conjunto. Assim vejo
historicamente comunidades e siste- e compartilho com meus pares.
mas sociais buscam a estabilização
e a reprodução criando mecanismos
contra saltos perturbadores no des-
Referências bibliográficas
conhecido. Como, então, humanos
ANDERSON, Perry. As origens da pós-moderni-
e sociedades estruturados para re-
dade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
sistir a transformações dinâmicas
se adaptam a um modo de produção CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e
cuja essência é o desenvolvimento a cultura. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo,
v. 2, n. 4, p. 27-36, abr. 1984.
dinâmico interminável e imprevisí-
vel? (Hobsbawm, 2010, p. 4-6) CHAUI, Marilena. A universidade pública
sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Edu-
Se a razão me leva a um balanço cação, Campinas, Autores Associados, p.  5-15,
pessimista, não é para apostar no quanto set./out./nov./dez. 2003.
pior melhor ou conduzir a uma postura de COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemo-
imobilismo, quer pela adoção da atitu- nia da pequena política. In: OLIVEIRA,
de da bela alma, quer do comissário. Pelo Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Sibele.
contrário, não só pela especificidade de Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo,
nosso trabalho de formação e de pesqui- 2010. p. 30-49.
sa, mas por seu vínculo ético-político, . As metamorfoses do PT e o go-
cabe-nos buscar caminhos de superação verno Lula. In: . Intervenções: o

252 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


Os circuitos da história…

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Educação e crise do trabalho: perspectivas
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1998, atualmente na 9ª ed.); Organizou
GAUDÊNCIO FRIGOTTO, licenciado e Teoria e educação no labirinto do capital (Rio
bacharel em filosofia (1971). Licenciado de Janeiro: Vozes, 2000, atualmente na
em pedagogia. Mestre em educação 2ª ed); Organizou A formação do cidadão
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) produtivo: a cultura do mercado no ensino
(1977). Doutor em Ciências Humanas: médio técnico (Brasília, INEP, 2006).
História, Política, Sociedade pela Ponti- E-mail: gfrigotto@globo.com
fícia Universidade Católica de São Pau-
lo (PUC-SP) (1983). Professor titular
(aposentado) pela Universidade Federal Recebido em novembro de 2010
Fluminense (UFF). Atualmente é pro- Aprovado em janeiro de 2011

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Resumos|abstracts|resumens

construção psicológica em constante relação com o social, indica-se a perspectiva


de que o preconceito é um valor. Assim, com base em estudos do campo da moral,
apresenta-se o preconceito como parte da moralidade e, consequentemente, da iden-
tidade do sujeito, em toda a sua complexidade. Por fim, apoiando-se nas reflexões
realizadas, discute-se sobre a educação moral e apontam-se indicações sobre como
realizá-la, principalmente à luz da perspectiva da resolução de conflitos.
Palavras-chave: preconceito; moralidade; educação moral; resolução de con-
flitos.

Prejudice, morality and moral education for diversity


This essay discusses theoretically the prejudice through the prism of moral psychology, and
bring some reflections on moral education in order to respect diversity. Deepening the concept by
unpacking it as a psychological construct in constant relation with the social, it is stated the view
that prejudice is a value. Thus, based on studies of the area of morality, shows the prejudice as part
of morality, and consequently part of the identity of the subject, in all its complexity. Finally, based
on the considerations made, it is argued on moral education and are pointed out directions on how
to accomplish it, especially in light of the prospect of resolving conflicts.
Key words: prejudice; morality; moral education; conflict resolution.

Prejuicio, moralidad y educación moral para la diversidad


En este ensayo se discute el prejuicio bajo el prisma de la psicología moral y trae reflexiones
que atañen a la educación moral, con vista al respeto a la diversidad. Al profundizarse sobre el
concepto, desentrañándolo como una construcción psicológica en constante relación con lo social, se
indica la perspectiva de que el prejuicio es un valor. Así, con base en estudios en el campo de la moral,
se presenta el prejuicio como parte integrante de la moralidad y, consecuentemente, de la identidad
del individuo, en toda su complexidad. Por fin, con el apoyo en las reflexiones realizadas, se discute
sobre la educación moral y se apuntan indicaciones sobre como realizarla, principalmente con la
probabilidad de resolución de conflictos.
Palabras claves: prejuicio; moralidad; educación moral; resolución de conflictos

Gaudêncio Frigotto

Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira década do século XXI


No presente texto, efetiva-se um balanço crítico das políticas e concepções
educacionais que marcaram a primeira década do século XXI. Com base no pres-
suposto de que o que marca uma conjuntura não é o tempo cronológico, mas os
acontecimentos que a constituem, a análise concentra-se nos oito anos do Governo
Luiz Inácio Lula da Silva. No balanço desse período, busca-se não cair na armadilha
do discurso antinômico da mera continuidade e descontinuidade em relação à década
de 1990. No conteúdo básico do texto, discutem-se os embates e opções em torno do
projeto societário que marcam a conjuntura da década e como se move a educação

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 273


Resumos|abstracts|resumens

neste contexto. Destacam-se os avanços significativos nas políticas assistenciais,


relativa distribuição de renda, retomada dos concursos públicos e a criação de novas
universidades públicas e Institutos Federais de Educação Tecnológica, mas sublinha-se
que o governo não disputou a concepção pedagógica e, como consequência, o ideário
produtivista e mercantilista, paradoxalmente, foi dominante em todos os níveis do
sistema educativo. Nota-se, por fim, que a ANPEd, cujo trabalho específico é a busca da
cientificidade do saber e, portanto, do sentido histórico, social, cultural e ético-político
de sua produção, dominantemente, sucumbiu ao produtivismo.
Palavras-chave: conjuntura; projeto societário; educação; mercantilização;
produtivismo.

The history tracks and the balance of education on Brazil in the first decade of 21th century
This text is an effective critical balance of the educational policies and concepts that marks the
first decade of 21 century. The analysis focuses on the eight years of the Luiz Inácio Lula da Silva
government, based on the premise that it marks juncture is not the chronological time but the events that
constitute it. This study try to escape of the antinomic discourse that to deal only the continuity and
discontinuity about the 1990 decade. The bases of this text is the analysis of the clashes and options
about the society project that marks the decade juncture and how to develop education in this period.
Are focused the significant advances in care policies, income distribution, opening of government
jobs and the creation of new public universities and Federal Institutes of Technological Education. Is
important to realize that the productivist and mercantilist thought were dominant at all the levels of
the education system. And, finally, through the analysis, is possible to realize that Anped − whose
the specific works is to find the scientificity of knowledge and, therefore, of historic, social, cultural,
etics and politics sense of his production − collapse to productivism.
Key words: juncture; society project; education; commodification; productism

Los circuitos de la historia y el balance de la educación en Brasil


en la primera década del siglo XXI
En el presente trabajo se realiza un balance crítico de las políticas y conceptos de la educa-
ción que marcaron la primera década del siglo XXI. Teniendo en cuenta de que lo que marca una
coyuntura no es el tiempo cronológico, y sí los hechos que la constituyen, el análisis se concentra en
los ocho años del gobierno de Luiz Inácio Lula da Silva. En el balance de este período se busca no
caer en la trampa de un discurso de antinomia de la simple continuidad y discontinuidad en relación
a la década de 1990. En el contenido básico del texto se discute las adversidades y oposiciones en
relación al proyecto social que marca la coyuntura de la década y como se moviliza la educación en
este contexto. Se destacan avances significativos en las políticas asistenciales, relativa distribución de
renta, retomada de los concursos públicos y la creación de nuevas universidades públicas e Institutos
Federales de Educación Tecnológica, sin embargo se resalta que el gobierno no disputó la concepción
pedagógica y, como consecuencia, el ideal productivo y mercantilista, paradojalmente, fue dominante
en todos los niveles del sistema de educación. Se nota, por fin, que la Asociación Nacional de Pesquisa
y Postgrado en Educación (ANPEd), cuyo trabajo es la busca científica del saber y, por tanto, del
sentido histórico, social, cultural y ético político de su producción, dominantemente, sucumbió al
productivismo.
Palabras claves: coyuntura; proyecto social; educación; mercantilización; productivismo

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