Dessa forma, manifestações tão díspares (2) o abandono do corpo e dos afetos
como a depressão, a síndrome do pânico e em detrimento da linguagem. Esses
as toxicomanias – onde podemos incluir posicionamentos do movimento psicanalítico
também os distúrbios psicossomáticos contribuíram sobremaneira para o
e da imagem corporal – encontram, na movimento de retirada do sujeito, que
interpretação de Birman, o estatuto de caracteriza o mal-estar na pós-modernidade.
sintomas no tecido social de um mesmo Embora não possamos nos estender
ordenamento lógico da subjetivação sobre todos esses aspectos, é importante
contemporânea. Seriam resultado dos assinalar o esquema teórico que integra
desdobramentos da exigência de algumas das dimensões em jogo no campo
reconhecimento imaginário da completude, de forças descrito pelo autor. Segundo ele,
veiculado pela fetichização e reificação há um perigoso conluio na retirada do
do outro – devorado e descartado na Sujeito na atualidade, que se alimenta
fluidez das identidades efêmeras da do ciclo vicioso entre: (1) a exigência
contemporaneidade. performática da sociedade de consumo
Munido desse referencial teórico, ditada pelos modos de subjetivação da pós-
Birman traz uma série de contribuições modernidade; (2) a posição de recusa do
importantes para o campo das psicopatologias indivíduo em qualquer penetração na
contemporâneas, quer seja na circunscrição dimensão propriamente psíquica e simbólica
da problemática das toxicomanias, quer seja do sofrimento, cujo maior exemplo é
na denúncia da medicalização social. o quadro depressivo; (3) os rótulos
Esse último ponto, a propósito, é a via sintomatológicos e sem etiologia subjetiva
de articulação com a outra grande temática fornecidos pelos manuais diagnósticos e
do livro, que é entender a assim chamada estatísticos da psiquiatria organicista.
crise da psicanálise. Birman faz uma Voltando a abordar a questão pelo
análise muito interessante do avanço da campo da psicopatologia psicanalítica e a
psicofarmacologia na fundamentação do relação do Indivíduo com a Cultura, que é o
discurso médico, denunciando a ideologia recorte da presença resenha, podemos ainda
por trás das novas tecnologias de apontar alguns aspectos interessantes da
gerenciamento do sofrimento. Nesse ponto leitura proposta por Birman. Um deles é o
encontramos a vertente mais política do que vem da denúncia do posicionamento
trabalho de Birman, aquela que muitas do movimento psicanalítico em relação à
vezes infelizmente é tomada também Cultura, o que o faz afirmar categoricamente
de forma ideológica, fazendo com que que a Psicanálise encontra-se, na atualidade,
uma importante posição de resistência e à prova do social. Na convicção de não
revelação de contradições se torne uma desviar dessa tarefa e resgatar o verdadeiro
militância estéril. sentido de uma interpretação psicanalítica
É importante lembrar, contudo, a da cultura é que Birman esboça seu retorno
denúncia que Birman faz ao próprio campo a Freud. Analisando a interpretação
da psicanálise, naquilo que identifica freudiana, e mostrando seu alcance ao
como concessões que traem a essência de referencial moderno, mostra o germe da
seu campo de saber. De forma bastante leitura do desamparo pós-moderno nos
resumida, o argumento pode ser expresso impactos que a leitura da pulsão de morte
em uma dupla retirada: (1) o abandono do trouxe ao discurso freudiano acerca do social.
social em detrimento do individual; Em um dos capítulos mais elucidativos
exemplo de denúncia desse viés pode ser BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade.
encontrado na análise que Costa (2003), ainda Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
nos anos 80, fez da cultura do narcisismo. BIRMAN, Joel. Freud e a experiência psicanalítica: a
Esses são alguns pontos que gostaria constituição da psicanálise. Rio de Janeiro: Taurus-
de assinalar na apreciação da linha de Timbre, 1989.
investigação aberta por Birman nesse BIRMAN, Joel. Freud e a interpretação psicanalítica:
seu livro seminal. Penso constituírem a constituição da psicanálise. Rio de Janeiro: Relume-
pontos de aprofundamento importantes Dumará, 1991.
na construção de uma interpretação COSTA, Jurandir Freire. Violência e psicanálise. 3.
psicanalítica da cultura na atualidade. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
Interpretação esta que se mostra cada vez
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários
mais urgente e necessária, haja vista o sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro:
desdobramento avassalador das teses Contraponto, 1997.
previstas na interpretação da ética da
FREUD, S. (1929). O mal-estar na civilização. In:
pós-modernidade nesse nosso início de FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago,
século. A pergunta que deveríamos nos 1994. vol. XXI.
fazer com mais freqüência, contudo, seria:
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade.
até que ponto estamos de fato elaborando São Paulo: UNESP, 1991.
esse conhecimento, e até que ponto não
estamos simplesmente repetindo-o LASCH, Christopher. A cultura do narcisismo. Rio de
Janeiro: Imago, 1984.
compulsivamente, na tentativa de ligar o
desamparo que nos violenta?