O primeiro aspecto no estudo das lacunas no Direito é compreender que não se trata
da “existência” de um vazio, de uma lacuna, mas sim de determinar a possibilidade (ou não) de
existirem normas no ordenamento jurídico que qualifiquem como indiferentes certos
comportamentos. Isso implica no estudo das principais características do próprio ordenamento
jurídico: o ordenamento é um sistema jurídico dinâmico ou estático? Fechado ou aberto?
Portanto, exige como questão primeira, para alguns autores, a discussão do Direito
como um ordenamento, um sistema. E, a partir disso se pode considera-lo uno e indivisível, se
é coerente ou não (problema das antinomias), e se é completo e incompleto. Dessa forma, o
presente estudo, será realizado seguindo as premissas de Maria Helena Diniz a de considerar o
Direito como um ordenamento (sob o prisma do cânone da plenitude do sistema jurídico) e a
colocação pragmática da teoria das lacunas ao nível da decisão judicial.
Por fim, ainda há que descobrir se o dogma da plenitude, a partir da teoria da hierarquia
das linguagens é linguagem-objeto ou metalinguagem para se descobrir se possui ou não
normatividade. “A teoria da hierarquia das linguagens, ensina-nos Capella, coloca como
axioma a necessidade de distinguir uma linguagem dada de outra que a ela se refere. Se “L” e
“M” são duas linguagens, se na linguagem “M” se fala da linguagem “L”, funcionando “L”
como objeto da linguagem “M”, denomina-se “L” “linguagem-objeto” de “M” e “M”
“metalinguagem” de “L”. Se uma proposição se refere à linguagem legal é óbvio que não é
linguagem legal, mas metalinguagem.” (p. 65).
Sob esse prisma o direito é linguagem-objeto, uma vez que não fala sobre si mesmo,
mas estabelece proposições deônticas prescritivas ou normativas, que se dirigem a condutas, ao
mundo fático, contudo o princípio da plenitude do ordenamento jurídico não é linguagem-
objeto porque se dirige à linguagem-objeto, ele se refere ao próprio direito e não ao mundo
fáctico, sendo, assim, uma proposição descritiva, formas ou lógica, isto é, analítica.
Portanto, “o chamado postulado da plenitude hermética da ordem jurídica fracassa em
seu empenho ao sustentar que todo sistema é uno, completo, independente e coerente, como
examinaremos na ocasião oportuna. É importante assinalar, como o fizeram Alchourrõn e
Bulygin, a diferença entre o postulado da plenitude, de acordo com o qual todos os sistemas
jurídicos são completos, e a exigência de que o sejam. O postulado, dizem eles, é uma mera
ilusão que, não obstante, desempenha um papel ideológico definido no pensamento jurídico; a
sua exigência responde a um ideal, puramente, racional, independente de toda atitude política.
A exigência da completude é um caso especial de um princípio mais geral, inerente a toda
investigação científica enquanto atividade racional” (p. 68).
A partir da compreensão dessas questões, pode-se passar à análise um pouco mais
detalhada dos argumentos sob os quais o direito aparece como um sistema que apresenta
lacunas, ou seja, um sistema incompleto.
Karl Engisch, por exemplo, fala de uma incompletude insatisfatória. Para ele, a “lacuna
é uma imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica”, representando, portanto, uma
falha ou uma deficiência do sistema jurídico, relevando o intrínseco caráter relacional entre
“lacuna” e “sistema”. Como Ferraz Jr. demonstra a imperfeição é a negação da perfeição,
entendendo-se a perfeição como qualidade daquilo que está concluído, ou mais propriamente,
acabado de fazer. Por consequência, o termo “insatisfatório” é a negação do satisfatório, que é
o suficientemente feito, porém nem tudo o que é imperfeito é insatisfatório, há imperfeições
satisfatórias (como é o caso das obras de arte não terminadas – Umberto Eco, “obra aberta”). A
lacuna, no entanto, é uma imperfeição insatisfatória porque exprime uma falta ou uma
insuficiência que não deveria ocorrer dentro de um certo limite. A lacuna pode ocorrer, mas
não deve. A ideia de “limite”, por sua vez, conduz ao segundo elemento da definição de
Engisch, a “totalidade jurídica”, na qual não deve, mas pode ocorrer uma imperfeição
satisfatória, é algo feito, que tem um início definido e um fim previsível, dotado de uma certa
permanência.
Há lacuna no sistema de normas se há um dado que não pode ser regulado por ele, não
se podendo dizer, portanto, se pertence ou não ao sistema, ou mesmo se deve ou não pertencer
a ele, implicando na ideia de incompletude. A “lacuna” em Engisch esta referida a um todo que
pre- suntivamente deveria ser completo, entrelaçando-se o conceito de lacuna com o de direito.
Daí a sua distinção entre “direito legislado” e “direito positivo”. O direito positivo abrange o
direito legislado e o consuetudinário. Se se pensar apenas no direito legislado, a “lacuna
jurídica” significa o mesmo que “lacuna da lei”. Haverá “lacuna da lei” sempre que não se possa
encontrar solução legal para um caso. Se se falar em direito positivo, aparece a “lacuna jurídica”
quando nem a lei nem o costume fornecem respostas imediatas a uma determinada questão. As
lacunas são, portanto, faltas ou falhas de conteúdos de regulamentação jurídico-positiva para
determinadas situações fáticas, que admitem sua remoção por uma decisão judicial jurídico-
integradora. Entende ser impróprio falar-se em lacunas, quando o legislador, utilizando
conceitos normativos indeterminados, cláusulas gerais e discricionárias, deixa uma margem de
flexibilidade ao julgador, reconhecendo a linha fronteiriça entre a aplicação do direito
secundum legem e o preenchimento das lacunas praeter legem. Na hipótese de “lacuna legal”
o seu preenchimento é possível mediante o emprego dos argumentos analógicos e a contrário
ou de outras operações de pensamentos baseadas em lei, realizadas pelos magistrados. Contudo,
tais técnicas não excluem as lacunas; simplesmente procuram fechá-las ou colmatá-las.
Mas em relação à “lacuna jurídica” a questão não é tão simples quanto parece, isto
porque, apesar de todas as possibilidades de uma descoberta integradora do direito — analogia,
princípios gerais de direito etc. — sempre haverá casos nos quais não é possível uma
colmatação das lacunas. De maneira que a questão será a de se saber em que medida a
“valoração pessoal” é uma decisão efetivamente pessoal (ou subjetiva) ou se encontra apoio em
critérios objetivos.
Na opinião de Engisch podem ficar em aberto lacunas insuscetíveis de preenchimento;
assim sendo, o dogma da plenitude do ordenamento jurídico e a conhecida proibição da
denegação da justiça não são válidos a priori. Todavia, afirma que sempre é verdade que a
plenitude do ordenamento jurídico pode ser mantida como uma ideia “regulativa”, como um
princípio da razão.
Há, ainda, autores que sustentam que além de o ordenamento jurídico ser um sistema
aberto é, também, um sistema dinâmico e não estático. O direito deve ser visto em sua dinâmica
como uma realidade que está em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas,
modificando-se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida, inserindo-se na
história, brotando do contexto cultura. Santi Romano foi um dos primeiros a perceber e
proclamar a insuficiência da concepção normativista, pois compreendia que o Direito não é
somente a norma dada, mas também a entidade da qual a norma emana. Giorgio Campanini
também entende que o direito não se reduz à lei ao postular, mas esta é parte integrante daquele,
como a lei consuetudinária e a lei natural. Portanto “As normas são partes de um âmbito maior,
que é o direito; sendo assim não esgotam a totalidade jurídica nem podem identificar-se com
ela. [...] e o sistema jurídico não tem um aspecto uno e imutável, mas sim multifário e
progressivo. Querer um sistema jurídico único é uma utopia” (p. 73).
No Direito brasileiro, um dos principais autores que concebem o direito dessa forma é
Miguel Reale com sua teoria tridimensional do Direito. Para ele o sistema jurídico compõe-se
de um subsistema de normas, de um subsistema de valores e de um subsistema de fatos que são
isomórficos entre si (se correlacionam). Destas ideias se deduz que os elementos do sistema
estão vinculados entre si por uma relação, sendo interdependentes. De forma que quando houver
uma incongruência ou alteração entre eles temos a lacuna e a quebra da isomorfia. Logo, o
subsistema normativo é aberto, está em relação de importação e exportação de informações com
outros subsistemas (fáticos e axiológicos), sendo ele próprio parte de um sistema jurídico.
A partir disso, tem-se que o problema das lacunas sempre tem por ocasião a ocorrência
de um caso hipotético ou concreto não previsto expressamente pelas normas de um dado
sistema. Quando da aplicação do direito a um fato concreto, é mister correlacionar as normas
entre si, bem como o subsistema de valores a ele correspondente, não devendo ter o juiz um
critério puramente normativo; deve dar lugar a uma compreensão dos sistemas normativos em
relação ao fato e aos valores que os informam. Perante a lacuna, isto é, quando houver quebra
de isomorfia entre a norma, o valor e o fato, que passam a ser heteromórficos, o juiz, ante o
caráter dinâmico do direito, passa de um subsistema a outro (do subsistema legal ao subsistema
consuetudinário ou a um subsistema axiológico ou a um subsistema fático), podendo construir
quantos subsistemas forem necessários, até suprir a lacuna.
Portanto, a questão das lacunas consiste muito mais no problema de determinar se as
condutas podem ser solucionadas pelos demais subsistemas (axiológico e fático). Daí a
dinamicidade do direito, ou seja, o seu poder de inovar atendendo aos imperativos das
transformações sociais, possibilitando novas soluções mais adequadas. “Uma margem de
incerteza e insegurança, afirma Theóphilo Cavalcanti Filho, constitui o preço do progresso
humano e da busca de formas mais justas de organização social”. Miguel Reale também
preconiza a necessidade de não olvidar que a certeza estática ou definitiva acaba por destruir a
formulação de novas soluções mais adequadas à vida e essa impossibilidade de inovar acabaria
gerando a revolta e a insegurança.
3. Espécies de lacunas
No tocante à questão das espécies de lacunas, cada autor problematizou a sua própria
distinção, existindo diversas espécies de lacunas, no entanto, pode-se dizer que a mais antiga
das classificações é feita por Zitelmann e já salientada aqui, que as distingue entre lacunas
“autências” e lacunas “não autências”. As primeiras seriam os casos em que é impossível a
obtenção de uma decisão em um caso concreto a partir de uma análise da lei; as segundas
ocorrem quando o fato-tipo está previsto em uma disposição legal, mas a solução possível é
tida como insatisfatória ou falta. Diante disso, para ele, só a autêntica é uma lacuna jurídica e a
lacuna não autêntica é apenas uma lacuna política.
Engisch denomina essas lacunas de modo diverso, como lacuna político-jurídica,
crítica, imprópria ou de lege ferenda, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais
perfeito e não em lacuna autêntica, própria, isto é, de lege lata, de uma lacuna no direito vigente.
E, esclarece, uma lacuna de lege ferenda apenas pode motivar o legislativo a reformular o
direito, mas não o judiciário a uma colmatação da referida lacuna. O preenchimento de lacunas
só diz respeito a lacuna de lege lata. Bobbio por sua vez, faz a distinção entre lacuna de jure
condendo (ou ideológica ou imprópria ou objetiva) quando está ausente uma norma justa, e
lacuna real, de jure condito (ou propriamente dita, ou subjetiva), que é uma lacuna imputável
ao legislador e que seria uma lacuna dentro do sistema.
Ainda, com base na classificação das lacunas em autênticas e inautênticas, a doutrina
entendeu que as lacunas podem ser intencionais ou não-intencionais, sugerindo, dessa forma,
que o sistema normativo contém uma certa intencionalidade, que permite saber se um caso é de
falha que deve ser sanada (lacuna autêntica) ou que deve ser deixada tal como está (lacuna
inautêntica.
Existem tantas outras definições, mas por fim, pode-se mencionar a classificação de
Maria Helena Diniz que divide as lacunas entre normativas, ontológicas e axiológicas. As
lacunas normativas ocorrem quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; por
sua vez, as lacunas ontológicas, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais,
quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretarem
o ancilosamento da norma positiva; e, por fim, as lacunas axiológicas ocorrem no caso de
ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado,
sua solução será insatisfatória ou injusta.
4. O problema da constatação de lacunas e seu preenchimento
a. Os meios de auto-integração:
o Analogia:
A analogia consiste em aplicar norma já estabelecida para um dado caso a um outro
não contemplado, porém semelhante ao primeiro. O processo analógico consiste em aplicar
uma disposição legal a um caso não qualificado normativamente, mas que possui algo
semelhante com o fato-tipo por ela previsto. Porém, para que tal se dê deve-se considerar como
relevante alguma propriedade que seja comum a ambos. Ou melhor, ter-se-á aplicação
analógica “na medida em que os supostos fáticos em questão sejam diferentes, para cada
característica do suposto fático regulado na lei se reconheça uma característica
significativamente correspondente de parte do suposto não regulado”, baseando-se, portanto,
sempre na “possibilidade de se estabelecerem relações entre seres substancialmente distintos,
mas que têm algo em comum”. Assim, é um procedimento quase lógico que envolve duas fases,
a primeira é a constatação empírica, por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-
tipos diferentes, a segunda é o juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças sobre as
diferenças, tendo em vista uma decisão jurídica procurada.
Modernamente, encontra-se na analogia uma averiguação valorativa. Ela seria um
procedimento argumentativo, sob o prisma da lógica retórica, que teria por escopo transferir
valões de uma estrutura para outra. Teria um caráter inventivo, uma vez que possibilita ampliar
a estrutura de uma situação qualquer, incorporando-lhe uma situação nova, tendo por base o
juízo de semelhança. Encaixa-se aqui, plenamente, a Lógica do Razoável, que não é uma
invenção de Recaséns Siches, mas que decorre da verificação da realidade oferecida pelo
“mundo” dos valores. Grande é o seu papel no procedimento analógico, e, embora não tenha
sido apontada explicitamente pelo nosso legislador, o foi de modo implícito. Com efeito, reza
o nosso art. 5º da Lei de Introdução: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum”. Com isso reconhece a validade da Lógica do
Razoável no estabelecimento de critérios de valoração para a aplicação da norma, não podendo
deixar de se estender ao uso da analogia, como bem assevera Alípio Silveira, pois o magistrado,
ao buscar solucionar uma hipótese não prevista, deve lançar mão da valoração não só do texto
legal de que se utilizará para preencher a lacuna, como também da solução por ele obtida,
mediante analogia, em função das circunstâncias do caso sub judice.
Há na analogia uma investigação lógica, no sentido de buscar a verdade de uma
igualdade, e teleológico-axiológica, no sentido de representar a justiça na igualdade, tendo-se
em vista a realidade em que o caso sub judice se apresenta. Percebe-se que o problema da
aplicação analógica não está na averiguação das notas comuns entre o fato-tipo e o não previsto,
mas sim em verificar se essa coincidência sobreleva, valorativamente, de maneira a justificar,
plenamente, um tratamento jurídico idêntico para fatos ora em exame, sendo, na verdade, ao
mesmo tempo uma constatação de coincidência nos pontos essenciais entre fato previsto e não
previsto, e uma integração da lacuna jurídica.
Portanto, a analogia não é nem uma técnica interpretativa nem uma fonte do direito,
como querem alguns autores, mas sim um procedimento que serve para integrar normas, ela se
situa no campo da integração. Já quando aos fundamentos e pressupostos, os autores também
divergem. Há autores que vislumbram na presunção da vontade do legislador o fundamento da
analogia, outros no princípio da igualdade jurídica (Coviello) e, há ainda aqueles que repousam
o fundamento na força de expansão própria das normas do direto (como Del Vecchio). Com
base na ideia de que seu fundamento é a igualdade jurídica, Maria Helena Diniz elenca seus
pressupostos:
- que o caso sub judice não esteja previsto em norma jurídica. Isto porque direito
expresso ou literal disposição legal não abrange analogia, pois esta dilata a aplicação da lei a
casos não previstos, que, por identidade de razão, devem submeter-se a ela;
- que o caso não contemplado tenha com o previsto, pelo menos, uma relação de
semelhança;
- que o elemento de identidade entre eles não seja qualquer um, mas sim essencial ou
de fato que levou o legislador a elaborar o dispositivo que estabelece a situação a qual se quer
comparar a não contemplada. Terá de haver uma verdadeira e real semelhança e a mesma razão
entre ambas as situações. Meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades
relativas a pontos secundários não justificam o emprego da argumentação analógica.
Presentes estes três requisitos permitida está a analogia.
Mas também é preciso salientar que existem modalidades de analogia. Há autores,
como Grolmann e Watcher que distinguem a analogia legis e analogia juris. A primeira
(também chamada de individual por Karl Larenz) consiste na aplicação de uma norma existente,
destinada a reger caso semelhante ao previsto, importando numa maior vinculação a uma
determinada norma, partindo da similitude entre as hipóteses (prevista e não prevista) quanto a
seus aspectos essenciais, chegando, assim, à conclusão da igualdade da consequência jurídica.
Por sua vez a analogia juris (também chamada de conjunta cf. Larenz) apoia-se num conjunto
de normas, para extrair elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso sub judice não
previsto, mas similar. É o processo lógico que, com base em várias disposições legais, que
disciplinam um instituto semelhante ao não contemplado, reconstrói a norma ínsita no sistema
pela combinação de muitas outras.
Os autores discutem bastante a respeito da dessa distinção. Há autores que identificam,
por exemplo, a analogia juris como um princípio geral do Direito (Ferrara, na primeira fase de
seu pensamento, por exemplo), posição que é criticada por Limongi França. Machado Neto, no
entanto, vê na distinção uma diferenciação meramente acidental. Manifesta ou não, toda
analogia é analogia juris porque como toda aplicação o é, não de uma norma, mas do
ordenamento jurídico inteiro. E que pese, no entanto, que a distinção é válida como recurso
didático, vez que tais conceitos estão bem delineados e devido à frequente referência dos
autores às duas analogias. Porém, na prática, como bem salientou Machado Neto, a autêntica
analogia é a juris (não no sentido de princípio geral do direito), que é um procedimento
universal dos países de direito civil codificado, em caso de silêncio da lei, como também nos
de common law.
Dentro do raciocínio analógico ainda é possível distinguir três tipos de argumentos:
argumentum a simili ad símile (ou a pari), argumentum a foritori e argumentum a contrario.
Pelo argumento a pari a vis ac potestas (o verdadeiro poder) da norma concentra-se em sua
ratio, pois a chamada identidade de razão é a base da analogia. Aqui não se conclui sobre a
identidade dos fatos, nem sobre a do fato com a lei, mas sim sobre a semelhança da ratio legis,
devendo-se obedecer a algumas regras: não fundar as conclusões em semelhanças raras e
secundárias, não olvidar as diferenças e não confundir as conclusões prováveis e problemáticas
com as certas da indução e dedução.
O argumento a fortiori surge do fato de que as notas, que trazem a tônica da
semelhança, de um objeto a outro, convenham ao segundo em grau distinto do primeiro. Ele
compreende os argumentos a maiori ad minus e a minori ad maius, que levam o magistrado a
aplicar a norma aos casos não regulados, nos quais se encontra a razão suficiente da hipótese
explícita, mais forte. O primeiro, a maiori ad minus, é aquele segundo o qual se a lei autoriza o
mais, implicitamente permite o menos (quem pode o mais, pode o menos). Ex: se há permissão
para divulgar de forma escrita as atas das sessões parlamentares, então, encontra-se
subentendido, a fortiori, que se autoriza essa divulgação oralmente, posto que a divulgação oral
seja menos eficaz que a escrita. (MHD entende que não se trata de uma argumentação analógica
porque não há igual ratio, mas maior intensidade.
O segundo argumento, a minori ad maius, consiste em passar da validade de uma
disposição normativa menos extensa para outra mais ampla, necessitando-se, para tanto, do
auxílio de valoração. É o argumento do “se a lei proíbe o menos, com maior razão proíbe o
mais”. Ex: se está proibido pisar na grama, com mais razão está proibido arrancá-la, ou ainda,
se se proíbe transporte de cães, com mais razão está proibido o transporte de ursos. (MHD
também não vê aqui um raciocínio analógico, mas sim uma interpretação extensiva).
Por fim, o argumento a contrario parte do fato de que uma disposição normativa
incluir certo comportamento num modo deôntico, excluindo de seu âmbito qualquer outra
conduta, isto é, um comportamento C estando proibido, qualquer conduta Não C está proibida
(= permitida). Esse argumento funda-se no fato de que um objeto diverso de outro em várias
notas também o será quanto a qualidade sob a qual existe a diferença. Atendendo-se à
semelhança poder-se-á apresentar um argumento a pari e, à diferença, um argumento a
contrario. Ex.: suponhamos que um ordenamento exija, para que se possa ser testemunha em
um testamento por ato público, saber ler e escrever, sem, contudo, prescrever sobre as condições
requeridas para testemunhar nos demais atos notariais. Aplicando-se o raciocínio a pari pode-
se concluir que também para os outros instrumentos notariais exige-se das testemunhas tal
qualidade. Porém se se aplica o a contrario, pode-se deduzir que esse requisito só vale para os
testamentos, não para os demais atos notariais.
Para MDH o argumento a contrario também não é analogia, mas apesar de não estar
previsto no rol do art. 4º da LINDB é um instrumento integrador que está inserido no sistema
em diretiva.
A analogia não se confunde com a interpretação extensiva, embora ambas procurem
descobrir a vontade da lei, considerando a ratio legis. Bobbio, p. ex., afirma que são iguais.
Pode-se diferenciá-las com base no problema da integração do direito, pois a interpretação
extensiva faz admitir que a norma abrange certos fatos-tipos, ainda que implicitamente e a
analogia faz com que o intérprete da lei vá além do próprio texto legislativo, mas que por razões
de similitude poderia abarcar certos fatos-tipos. A analogia é um mecanismo auto-integrativo
do direito e não interpretativo, no sentido de que não parte de uma lei aplicável ao fato, porque
esta não existe, mas procura norma que regule caso similar ao não contemplado, sem, contudo,
criar direito novo:
Como última questão, salienta-se que Karl Larenz, ao lado dos argumentos a pari e a
contrario, coloca um procedimento especial que ele chama de “redução teleológica”. Trata-se
de uma limitação feita a uma norma e exigida pelo seu sentido, restrição essa que se apresenta
como um paralelo, não só da interpretação restritiva161, como também da argumentação
analógica; enquanto esta última se traduz em tratar o que é semelhante (nos pontos essenciais)
de modo normativamente igual, a redução teleológica visa tratar desigualmente o que é
desigual, fazendo as diferenciações exigidas valorativamente, apelando, para isso, à ratio legis.
Contudo, MHD entende que se trata de uma interpretação restritiva e da interpretação
prevista no art. 5º da LINDB (Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum).
b. Os meios de heterointegração:
o Costume:
Só se pode invocar um princípio geral do direito para preencher lacunas, quando não
houver lei ou costume aplicável ao ponto controvertido e não podem opor-se ao ordenamento
jurídico, visto que se fundam na natureza do ordenamento. Quanto a sua definição, os princípios
gerias do Direito são diversamente concebidos pelas escolas, de forma que se pode resumir
assim:
1) Os que combatem a concepção dos princípios gerais, sem os negar, mas os atribuem
a outra ordem de idéias, considerando-os enquanto mecanismos de suprimento como: a) meros
expedientes para liberação das passagens legais que não mais atendem a opinião dominante
(Unger); b) permissões para livre criação do direito por parte do magistrado (Hoffman, Pfaff e
Ehrenzweig); c) impossíveis de determinação, ante o caráter variável da razão humana; e d)
simples fontes interpretativas e integrativas de normas legais, sem qualquer força criadora2
2) Os que, por serem adeptos da Escola Racionalista, identificam os princípios gerais
de direito com as normas do direito natural. Assim, para Laun, Brunetti, Gény, Espínola,
Manresa, Schuster, Nippel, DelVecchio, Legaz y Lacambra, Winiwarter, Recaséns Siches,
Zeiller, os princípios gerais de direito nada mais são do que postulados de direito natural,
verdades jurídicas universais, perenes e imutáveis, representando o que há de constante no
direito, constituindo, por isso, o fundamento do direito positivo.
Dentro dessa direção jusnaturalista há diversos matizes, conforme a idéia que se tenha
do direito natural, que pode ser entendido: a) como razão natural, de modo que as normas do
direito natural seriam dogmas obtidos pela razão, dela derivando. Nesse teor escreve Del
Vecchio que os princípios gerais são as próprias exigências naturais do direito, que,
atravessando o ordenamento positivo, formam um subsídio e um guia para a sua compreensão,
representando a fonte a que se deve recorrer para os casos não contemplados pelo legislador.;
b) como natureza das coisas, de sorte que os princípios apareceriam, segundo pontifica Legaz
y Lacambra, como “formalizaciones intelectuales de critérios de solución de interferencias y de
medidas unipersonales de justicia, ajustadas a las exigencias dominantes de la naturaleza”.
3) Aqueles que entendem que os princípios gerais seriam normas inspiradas no
sentimento de eqüidade, sendo, então, a própria eqüidade. Entre eles temos: Maggiore, Osilia,
Giorgio Giorgi, Borsari, Tripicione, Scialoja. Autores há, aos quais nos filiamos, que negam tal
equivalência. Dentre eles: Piola, Pacchioni, Rotondi, Eduardo Espínola e Filho, Clemente de
Diego, Laurent, Hauriou, Ferrara, Camelutti, Clóvis Beviláqua, Scoevola. Apesar de nossa atual
Lei de Introdução (art. 4a) nada mencionar sobre a eqüidade, consideramo-la como algo distinto
dos princípios gerais e como meio de preenchimento de lacunas jurídicas, como logo mais se
poderá ver. c) como verdades, objetivamente, derivadas da lei divina, de um sistema superior
plantado por Deus no coração dos homens que contém um conjunto de princípios superiores,
oriundos do princípio da justiça, comum a toda a humanidade.
4) Os que consideram os princípios gerais como tendo caráter universal, ditados pela
ciência e pela filosofia do direito (Bianchi, Clóvis Beviláqua, Pacchioni). Para Clóvis
Beviláqua, apesar do seu positivismo jurídico sociologista, os princípios gerais de direito não
são oriundos do direito nacional vigente, mas sim dos elementos fundamentais da cultura
jurídica humana atual, das idéias sobre as quais se assenta a concepção jurídica dominante, das
induções e generalizações da ciência do direito e da jusfilosofia, atribuindo-lhes, portanto,
caráter universal, ligando-os ao sentimento de justiça. Os prosélitos desta concepção, a nosso
ver, incidem no erro de confundir os “princípios” com formulações, abstrações lógicas ou
enunciados de caráter científico. 5) Os que, em virtude de sua direção positivista, os
caracterizam como: a) princípios historicamente contingentes e variáveis, baseados no direito
legislado que os antecede, constituindo as bases fundamentais da norma jurídica, inspirando a
formação de cada legislação, uma vez que se tratam de orientações culturais ou políticas da
ordem jurídica. Dentro desta tendência temos Savigny e os pandectistas alemães; b) princípios
norteadores, resultantes do sistema jurídico, ou seja, extraídos das diversas normas do
ordenamento jurídico. Assim os concebem: Coviello, Fadda e Bensa, Camelutti, Boulanger,
Barassi, Ruggiero, Esser. Coviello dessa forma os explica: “são os princípios em que se assenta
a legislação positiva e, embora não se achem escritos, em nenhum lugar, formam o pressuposto
lógico necessário das várias normas dessa legislação”.
6) Os que adotam uma posição eclética, procurando conciliar essas posições, isto é, os
princípios sistemáticos com o direito científico ou com os imperativos da consciência social ou
os princípios sistemáticos com a concepção da escola do direito livre. Condenam o extremismo
dos positivistas em querer submeter os princípios gerais do direito à regra de que só poderão
ter lugar depois de esgotados todos os recursos para extrair a norma positiva, sem contradizer
as idéias fundamentais da lei, dos costumes ou da doutrina. Argumentam que o mais perigoso
seria forçar o magistrado a obter do direito positivo uma solução que este não pode conter.
Entendemos que os princípios gerais do direito contêm múltipla natureza por serem:
a) decorrentes das normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos subsistemas
normativos. Princípios e normas não funcionam separadamente; ambos têm, na
nossa opinião, caráter prescritivo. Atuam os princípios frente às normas não só
como fundamento de sua integração ou de sua atuação, mas também como
fundamento criteriológico, ou seja, como limite da atividade jurisdicional ou da
arbitrariedade;
b) b) derivados das ideias políticas, sociais e jurídicas vigentes, ou seja, devem
corresponder aos subconjuntos axiológico e fático, que norteiam o sistema
jurídico, sendo, assim, um ponto de união entre consenso social, valores
predominantes, aspirações de uma sociedade com o sistema de direito,
apresentando, portanto, uma certa conexão com a filosofia política ou ideologia
imperante, que condiciona até sua dogmática: daí serem princípios informadores,
de forma que a supracitada relação entre norma-princípio é lógico-valorativa,
apoiando-se estas valorações em critérios de valor “objetivo;
c) c) reconhecidos pelas nações civilizadas os que tiverem substractum comum a
todos os povos ou a alguns deles em dadas épocas históricas, não como pretendem
os jusnaturalistas que neles veem princípios jurídicos absolutos, de validade geral.
Muitas vezes, esses princípios encontram-se prescritos em normas como o artigo 3º da
LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”, mas em sua
grande maioria são implícitos.
MHD ainda, postula um roteiro para aplicação dos princípios: 1) buscar os princípios
norteadores da estrutura positiva da instituição a que se refere o caso sub judice', 2) atingir,
sendo inócua a primeira medida, os princípios que informam o livro ou parte do diploma onde
se insere a instituição, depois os do diploma onde se encontra o livro, a seguir, os da disciplina
a que corresponde o diploma e assim por diante até chegar aos princípios gerais de todo o direito
escrito, de todo o regime jurídico- político e da própria sociedade das Nações, embora estes
últimos só digam respeito às questões de direito internacional público301; 3) procurar os
princípios de direito consuetudinário, que não se confundem com as normas costumeiras, mas
que são o ponto de partida de onde aquelas normas advêm302; 4) recorrer ao direito das gentes,
especialmente ao direito comparado, onde se descobrem os princípios que regem o sistema
jurídico das nações civilizadas, desde que estes não contradigam os do sistema jurídico
interno303; 5) invocar os elementos da justiça, isto é, os princípios essenciais, podendo para
tanto penetrar no campo da jusfilosofia (pg. 241).
o Equidade:
Tem-se, ainda, que a equidade influencia também a elaboração legislativa, tem grande
importância na interpretação das normas, na adaptação da norma ao caso concreto, tendo
também função suplementar da lei, ante as possíveis lacunas. Neste caso, a função integradora
da decisão pode ocorrer: a) nos casos especiais que a própria lei deixa, propositalmente,
omissos, isto é, no preenchimento das lacunas voluntárias; b) nos casos que, de modo
involuntário, escapam à previsão do elaborador das normas.
Ainda, tem-se que, Vicente Ráo, apresenta algumas regras para a aplicação da
equidade: a) por igual modo devem ser tratadas as coisas iguais e desiguais as desiguais; b)
todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, coisa ou pessoa, ou
que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser
devidamente considerados; c) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais humana,
por ser a que melhor atende à justiça. A equidade, por fim, confere um certo poder discricionário
ao magistrado, mas não uma arbitrariedade.