Depois das análises de Michel Foucault, a escola nunca mais foi a mesma. A partir da
história genealógica, a educação na sua modalidade escolarizada passou a ser
considerada maquinaria destinada a disciplinar corpos em ação. Em Vigiar e punir,
Foucault descreveu vários processos de disciplinarização dos corpos em diferentes
instituições, como colégios, fábricas, oficinas, conventos e quartéis, demonstrando que a
principal característica de tais instituições é a disciplina corporal. Dentre todas as
instituições disciplinares, a escola possui a maior abrangência, pois é nela que os indivíduos
passam a maior parte da sua formação, até que estejam prontos para a vida adulta. Por sua
vez, a disciplina no interior da instituição educacional não se restringe ao corpo, pois ali
também ocorre a submissão dos conhecimentos à disciplina institucional, isto é, a
escolarização dos saberes. Ela consistiu numa operação histórica de organização,
classificação, depuração e censura dos conhecimentos, de modo que a operação
moralizadora não atingiu só os corpos, mas também os próprios conhecimentos a serem
ensinados. A escola disciplinar não distingue entre corpo e conhecimento, praticando a
moralização de ambos na medida em que seu objetivo é a produção do sujeito
sujeitado.
Normal e anormal
O processo de disciplinarização corresponde aos mecanismos de normatização, isto é, aos
processos de nominação e separação entre o indivíduo ‘normal’ e o ‘anormal’. Esse
processo de separação é fundamental em se tratando da produção do sujeito moderno, o
sujeito normalizado. Todos os procedimentos disciplinares presentes no interior da
instituição escolar, da arquitetura aos cadernos de classe, dos exercícios físicos aos
exames, concorrem para a produção do sujeito normalizado. Para Foucault, a instituição
escolar foi o lugar privilegiado das medidas higiênicas e alimentares destinadas a garantir a
saúde física e moral de jovens e crianças. Instituição disciplinar, a escola se constituiu
como local privilegiado da realização exaustiva de exercícios, exames, punições e
recompensas centradas no corpo infantil.
Quando hoje se acena para o fim dos sujeitos escolares, isto é, para o fim da infância e para
a morte da adolescência, o foco do argumento é que as práticas e os discursos que
constituíram tais sujeitos no âmbito dos processos da escolarização disciplinadora da
modernidade entraram em crise e deixaram de produzir tais sujeitos. O próprio
Foucault já observara os limites históricos da sociedade disciplinar nos últimos anos
da década de 1970. Os próprios conceitos de biopolítica e de governamentalidade
neoliberal, fruto de suas pesquisas no final da década de setenta, já apontavam que as
transformações pelas quais o Estado começava a passar em função da crescente
autonomização do mercado econômico acabariam por levar à produção de novos
sujeitos.