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ALEXANDER MCCALL SMITH, Morality for Beautiful Girls, London 2004 , Abacus, 72-77; cf. trad. port.

: Moralidade e


raparigas bonitas, Lisboa 2005, Ed. Presença, 66-69.

No Botsuana, em todas as casas de Zebra Drive – na verdade em todas as casas com mais de dois quartos
– o normal era que houvesse uma empregada. Existiam leis quanto ao que se devia pagar às empregadas
domésticas, mas essas leis eram frequentemente ignoradas. Havia gente que tratava muito mal as
empregadas, que lhes pagava muito pouco e esperava que trabalhassem vinte e quatro horas por dia.
Essas pessoas, tanto quanto Mma Ramotswe sabia, eram provavelmente a maioria. Era o segredo negro do
Botsuana – essa exploração – sobre a qual ninguém gostava de falar. [...] Ainda havia vastas legiões de
africanos a trabalhar por uma miséria e em condições de quase escravatura. Eram pessoas caladas,
pessoas fracas, e as empregadas domésticas encontravam-se entre elas.
A forma empedernida como essas pessoas tratavam as suas empregadas deixava Mma Ramotswe atónita.
Ela própria já estivera em casa de uma amiga que referira, casualmente, o facto de a sua empregada ter
apenas cinco dias de férias por ano, e ainda assim não pagos. Essa amiga gabara-se de ter recentemente
conseguido reduzir o salário da empregada por achar que ela era preguiçosa.
– Mas porque não se vai ela embora, se a trata assim? – perguntara Mma Ramotswe.
A amiga rira-se. – Para onde? Há imensa gente que lhe cobiça o lugar, e ela sabe-o. Sabe que eu posso
arranjar quem faça o seu trabalho por metade do que ela recebe.
Mma Ramotswe não disse nada, mas mentalmente tinha terminado aquela amizade nesse momento. Aquilo
fizera-a pensar. Pode ser-se amigo de uma pessoa que procede mal? Ou dar-se- á o caso de as pessoas
más só poderem ter amigos maus, porque apenas outras pessoas más terão o suficiente em comum com
elas para serem seus amigos? [...]
A amiga que tratava mal a empregada não era má pessoa. Procedia bem com a família e era sempre
amável para Mma Ramotswe mas, no que dizia respeito à empregada, [...] parecia preocupar-se pouco com
os sentimentos dela. Ocorreu a Mma Ramotswe que tal procedimento não era senão de ignorância, uma
incapacidade de compreender as esperanças e as aspirações dos outros. Tal compreensão, pensou, era o
princípio de toda a moral. Se soubéssemos o que uma pessoa sentia, se nos pudéssemos colocar no seu
lugar, então decerto seria impossível infligir-lhe algum sofrimento. Infligir sofrimento em tais circunstâncias
seria como magoarmo-nos a nós próprios.
Mma Ramotswe sabia que as questões morais provocavam grandes debates, mas em sua opinião era
bastante simples. Em primeiro lugar, havia a velha moral botsuana, que era sempre correcta. Se uma
pessoa se regesse por ela, estaria a proceder bem e não precisava de se preocupar. Havia outras morais, é
claro. Havia os Dez Mandamentos, que ela aprendera de cor na catequese em Mochudi, há tantos anos já;
também esses eram correctos da mesma maneira absoluta. Esses códigos de moral eram como o Código
Penal do Botsuana: tinham de ser respeitados à letra. Não podíamos fazer de conta que éramos o Supremo
Tribunal e decidir quais as leis que se iam respeitar e quais as que não. Os códigos de moral não tinham
sido inventados para serem alvos de uma selecção, nem sequer para serem discutidos. Não se podia dizer
que se ia respeitar uma proibição mas não uma outra. Não roubarei – sem dúvida – mas o adultério já é
outra coisa: errado para outros, mas não para mim.
Genericamente falando, pensou Mma Ramotswe, a moral consistia em fazer o que estava certo, porque fora
reconhecido como tal, no decurso de um longo processo de aceitação e observação. Não é possível criar
para si próprio uma moral, porque a experiência individual nunca seria suficiente. O que nos dá o direito de
dizer que sabemos mais do que os nossos antepassados? A moral é a mesma para todos e, portanto, para
a criar, é necessário o parecer de mais pessoas. Por isso a moral moderna, toda ela centrada no indivíduo e
na elaboração de uma posição subjectiva, se tornou tão fraca. Se se concedesse às pessoas a
possibilidade de elaborar a sua própria moral, escolheriam a que lhes fosse mais fácil e lhes permitisse
fazer o que lhes apetecesse durante a maior parte de tempo. Isto, na opinião de Mma Ramotswe, era puro
egoísmo, fosse qual fosse o nome pomposo que se lhe desse.
Um dia, Mma Ramotswe ouvira no seu rádio uma emissão do World Service que lhe cortara a respiração.
Era sobre filósofos que se intitulavam existencialistas e que, tanto quanto Mma Ramotswe pôde perceber,
viviam em França. Esses franceses diziam que se devia viver de uma maneira que nos fizesse sentir
verdadeiros e vivos, e que, se uma coisa nos faz sentir vivos e verdadeiros, é coisa certa para fazermos.
Mma Ramotswe escutara atónita. Não era preciso ir a França para se encontrarem existencialistas, reflectiu
ela; havia muitos existencialistas ali mesmo no Botsuana. Note Mokoti, por exemplo. Ela própria fora casada
com um existencialista sem se dar conta. Note [o seu ex-marido], aquele egoísta que nunca tinha feito nada
por outra pessoa – nem sequer pela sua própria mulher – teria aprovado os existencialistas, e os
existencialistas tê-lo-iam aprovado a ele. Era talvez muito existencialista ir todas as noites a bares,
enquanto a mulher grávida ficava em casa; e ainda mais existencialista passar as noites com raparigas –
jovens existencialistas – que se encontravam nos bares. Era uma bela vida ser existencialista, embora não
fosse assim tão bela para as outras pessoas não-existencialistas que viviam à sua volta.

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