Em sentido amplo, pode-se entender por linguagem1 qualquer pro-
cesso de comunicação:
a) A mímica, usada pelos surdos-mudos e pelos estrangeiros que não
sabem a língua de um país. b) O semáforo, sistema de sinais com que se dão avisos aos navios e aviões que se aproximam das costas ou dos aeroportos. c) A transmissão de mensagens por meio de bandeiras ou espelhos ao sol, empregada por marujos, escoteiros, etc.
Para a lingüística, porém, só apresenta interesse aquele tipo de lin-
guagem que se exterioriza pela palavra humana, fruto de uma atividade mental superior e criadora. Há dois tipos de expressão lingüística: a falada e a escrita. Na comunicação escrita, os sons da fala (que, em essência, constituem a linguagem dos homens) passam a ser apenas evocados mentalmente por meio de símbolos gráficos; a rigor, ela não se apresenta senão como um imperfeito sucedâneo da fala. Esta é que abrange a revelação do eu em sua totalidade, pressupondo, além da significação dos vocábulos e das frases, o timbre da voz, a entoação, os elementos subsidiários do gesto e do jogo fisionômico.
‘Acerca da amplitude e complexidade dos problemas de linguagem em geral e os do nosso idioma
nacional em particular, cf. Antônio Houaiss, “Línguas e a língua portuguesa”, na Revista do Bra- sil, ano 5, n. 12/90. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Rio Arte/Fundação Rio, p. 14-41. 36 ROCHA LIMA
Por isso, para bem se compreender a natureza e o funcionamento da
linguagem, é preciso partir da fala para se examinar em seguida a escrita, a qual se entenderá, assim, como uma espécie de linguagem mutilada, cuja eficácia estará na dependência da maior ou menor habilidade com que conseguirmos obviar à falta inevitável dos elementos expressivos auxiliares.
LÍNGUA E ESTILO
A LÍNGUA é um sistema: um conjunto organizado e opositivo de rela-
ções, adotado p or determ inada sociedade para perm itir o exercício da linguagem entre os homens. Fato social por excelência, é aquele acervo de sons, estruturas voca- bulares e processos sintáticos que a sociedade põe à disposição dos mem- bros de uma comunidade lingüística. Do equilíbrio de duas tendências resulta sua estabilidade pelos tempos fora: de um lado, a diferenciação , força natural, espontânea, desagrega- dora; de outro, a unificação, força coercitiva, disciplinante, conservadora. Ao assenhorear-se dos recursos da língua, cada indivíduo, culto ou ignorante, a executa à sua maneira, de acordo com a sua feição, com o seu temperamento: um é aparatoso, verbalista, ama a riqueza das ima- gens, a veemência das antíteses, a audácia dos adjetivos extravagantes; outro é sóbrio, cheio de delicadeza e pudor, prefere o desataviado da expressão direta, a singeleza de um vocabulário comum. A contribuição pessoal do indivíduo, manifestada na seleção, por ele feita, dos recursos que a língua subministra, é o que se chama, em senti- do lato — ESTILO, que Sêneca já havia definido como “o espelho da alma”. Sem embargo de se prestar à floração de mil estilos individuais, a lín- gua não se desfigura: seu sistema permanece uno e íntegro. É a varieda- de na unidade — a preservação histórica do seu gênio, da sua índole, à qual se hão de adaptar todas as particularizações.