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LICENCIATURA EM LETRAS, LÍNGUA PORTUGUESA E

LITERATURAS

SINTAXE DA LÍNGUA PORTUGUESA

Revisores
CARLA HONORATO
PERMÍNIO FERREIRA
[Ficha institucional]
[Folha de rosto]
ALINE MASCARENHAS DE OLIVEIRA

LICENCIATURA EM LETRAS, LÍNGUA PORTUGUESA E


LITERATURAS

SINTAXE DA LÍNGUA PORTUGUESA

SALVADOR
2012
[Ficha técnica]
[Apresentação UAB/EAD]
[Área de ambientação]
[Apresentação do módulo]
[Anotações]
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

1. A sintaxe
1.1. Conceito e objeto de estudo
1.2. Percurso histórico dos estudos sintáticos
1.3. Perspectivas de análises
1.3.1 Formalismo
1.3.2 Funcionalismo [J1] Comentário: AULA 1

2. A estrutura sintagmática da língua portuguesa


2.1 Frase, oração e período
2.2 O sintagma: definição e tipos

2.2.1 Sintagma nominal


2.2.2 Determinantes
2.2.3 Sintagma verbal
2.2.4 Sintagma adjetival
2.2.5 Sintagma adverbial
2.2.6 Sintagma preposicionado

2.3 Funções sintáticas


2.3.1 As classificações da GT
2.3.2 Sintagmas e funções sintáticas [J2] Comentário: AULA 2

2.4 Mecanismos de junção de orações


2.4.1 Coordenação
2.4.2 Subordinação
2.4.3 Correlação
3. Ensino de sintaxe
3.1 Variação linguística versus tradição gramatical
3.2 Aspectos da sintaxe da fala. [J3] Comentário: AULA 3

Referências
ANOTAÇÕES
Apresentação

Você já pensou a respeito do que nos faz ter alguns conhecimentos inatos
sobre a nossa própria linguagem? Quando paramos para “filosofar” sobre nosso
mecanismo de linguagem, seu código – o nosso idioma – e até mesmo as nossas
relações estabelecidas através da linguagem, podem surgir alguns
questionamentos. Alguns exemplos de perguntas que costumam aparecer em
nossas mentes são as seguintes:
• Por que uma pessoa que nunca frequentou a escola e nunca se alfabetizou
consegue utilizar os tempos verbais adequadamente quando narra uma
história?
• Ou porque essa mesma pessoa não alfabetizada consegue formar frases que,
ainda que não sejam aceitas em todos os contextos sociais pelo seu prestígio
(ou por falta dele), são perfeitamente compreensíveis e estabelecem
comunicação, atendendo ao propósito primordial da linguagem?
• Por que uma criança ao ter contato com a língua que seus pais e pessoas
próximas falam, consegue estabelecer as regularizações que marcam esse
mesmo idioma?
• Por que sabemos que uma construção como * De menino bola a estourou não
corresponde a uma sentença do idioma português?
Bem, essas e outras questões passaram a ser o foco motivador da
investigação no campo da sintaxe.
Nesta disciplina, estudaremos a estrutura interna da língua portuguesa,
observando de que maneira os elementos lexicais e gramaticais se organizam para
formarem orações. Passaremos por um breve estudo da história desse campo
teórico, observaremos as duas perspectivas que estabelecem princípios e
procedimentos de análise e também faremos uma descrição da estrutura interna da
língua portuguesa, comparando os dados estruturais com a prescrição gramatical.
Por fim, faremos um passeio pelos aspectos da sintaxe da nossa língua tanto
da modalidade falada quanto escrita, visando a colocar em destaque fenômenos que
são ignorados ou mesmo evitados pela Gramática Tradicional.

Bons estudos!
Aline Mascarenhas de Oliveira

ANOTAÇÕES
A SINTAXE
CAPÍTULO 1
1. A SINTAXE

Sintaxe é um termo que serve tanto para designar o nível de estruturação da


língua que explica os mecanismos responsáveis pela maneira como as palavras se
organizam - a formação de frases, orações e períodos -, como também para nomear
essa mesma estrutura formada pelas palavras. Ou seja, a sintaxe é a organização
interna que nomes, adjetivos, artigos, preposições, verbos, advérbios e conectivos
obedecem para a construção de sentenças, como também é a parte da Linguística
que estuda essa organização.
Hoje temos duas correntes de estudo bem definidas, as quais determinam
perspectivas de análise da estrutura sintática de um idioma, porém, nem sempre foi
assim. Até que a linguística se estabelecesse como ciência, com metodologia,
princípios, conceitos claros e delimitados, muito se pensou e se intuiu a respeito da
organização sintática das línguas humanas. É claro que, como num continuum
histórico, algumas dessas observações feitas ao longo dos séculos levaram a
pontos-chave na construção de uma teoria da sintaxe. Que tal, então, pegarmos
esse trem para viajarmos pela história da sintaxe?
Aperte os cintos!

1.1 Conceito e objeto de estudo

De acordo com Berlinck;Augusto;Scher (2001, p. 207),


“o termo sintaxe tradicionalmente remete à parte da Gramática
dedicada à descrição do modo como as palavras são combinadas
para compor sentenças, sendo essa descrição organizada sob a
forma de regras.”

Normalmente, associa-se, de fato, a noção de sintaxe com aquela seção da


Gramática que trata do sujeito, do predicado, das orações coordenadas e
subordinadas, entre outros detalhes. Porém, sintaxe vai muito mais além do que a
mera descrição de funções e de organizações dos elementos lexicais nas
sentenças.
É possível conceituar sintaxe como o nível de estruturação da língua que
investiga os mecanismos que permitem a nós, humanos, sermos competentes em
utilizar uma língua para nos comunicarmos. Conforme afirma Azeredo (1999, p 10),
A sintaxe [...] é a parte desse sistema que permite criar e interpretar
frases. A sintaxe do português, por exemplo, compreende as regras
que tanto tornam possíveis enunciados banais como “Hoje é
domingo” ou “Que dia é hoje”, ou excêntricos, como ‘Napoleão temia
que as tartarugas desovassem no seu imponente chapéu’, quanto
impedem seqüência como “Que dia serem hoje?” ou “Seu imponente
temia as que chapéu desovassem Napoleão tartarugas no”.

É com esse sentido que se coloca como objeto de estudo da sintaxe a


competência do falante. Competência é o conjunto de conhecimentos inerentes ao
homem que permite que ele possa adquirir uma língua, seguindo, de forma natural e
intuitiva, às regularidades que esse idioma apresenta.
Segundo Negrão;Scher;Viotti (2005, p. 81), “O falante de qualquer língua
natural tem um conhecimento inato sobre como os itens lexicais de sua língua se
organizam para formar expressões mais e mais complexas, até chegar ao nível da
sentença.”
A exemplo disso cabe citar o fato de que uma criança em fase de aquisição
de linguagem utiliza apenas elementos nominais simples para indicar o que quer
(água, mamãe, “nanar” = dormir etc.). Num segundo momento, essa mesma criança
começa a construir estruturas ainda simples, diante de uma estrutura como uma
sentença, porém ainda bastante rudimentar, combinando verbo e nome (quer água,
quer mamãe, quer nanar). À medida que a criança vai amadurecendo e sendo
exposta ao ambiente linguístico vai também desenvolvendo mais essas estruturas.
Assim, com o passar do tempo, ela chega ao ponto de ser capaz de criar não
apenas frases, mas textos inteiros em seu idioma nativo. Isso é um exemplo da
competência linguística do falante.
Além da própria aquisição da linguagem, a competência permite a
identificação de elementos e construções que fazem parte do sistema linguístico,
bem como a criação de novas construções que obedeçam às regras que regem
esse sistema. A exemplo da habilidade de identificação, uma criança em fase de
aquisição da linguagem sabe que um elemento lexical como prato é diferente do
elemento lexical comer. Sobre criar construções, percebe-se que a criança segue as
regularizações da língua, como se vê claramente no caso da construção de uma
frase - a forma verbal seria fazi (do verbo fazer). Na circunstância em que uma
criança diz Eu fazi, está seguindo as regularizações da língua, através das quais
percebe que os verbos de segunda conjugação (em-er), flexionados na primeira
pessoa do singular, do tempo pretérito perfeito do indicativo, apresentam o morfema
–i (comer – eu comi; beber – eu bebi; correr – eu corri). Assim, ela identifica o que é
regular, assimila isso como uma regra sem exceções e aplica a regra a todas as
formas que se enquadrem no grupo de palavras que conhecemos como verbo.
Essa é, também, outra habilidade que a competência comunicativa possibilita
ao falante. Mesmo que nunca tenha posto os pés numa sala de aula, ou ainda que
esteja aprendendo a falar, o falante nativo sabe quais elementos são semelhantes
nas suas características formais e funcionais. O exemplo dado anteriormente - indica
o fato de que uma criança sabe que prato não pertence à mesma categoria
gramatical/lexical que comer - pode ser reafirmado com outro fato: ela jamais
utilizará a palavra prato associada a morfemas flexionais de modo-tempo ou de
número-pessoa. Assim, uma criança pode construir formas como fazi, seguindo a
uma regularidade do idioma, mas nunca construirá uma forma pratei.
É interessante que o falante nativo perceba, mesmo que algumas palavras
não façam parte de uma categoria, ele pode sentir que essa palavra se associa à
outra da categoria em questão. Observe as sentenças a seguir:
(1) Tenha cuidado!
(2) Cuidado!
Mesmo que a frase (2) seja constituída apenas do nome cuidado, uma
criança, em fase de aquisição de linguagem, pode senti-la como um verbo, porque
associa o seu sentido à sentença (1). Assim, ao ouvir um adulto lhe dizer “Cuidado!”,
a criança pode responder com a sentença (3):
(3) Estou cuidadando.
A competência linguística é responsável por nos possibilitar, também, a
percepção de que, para construção de sentenças, devemos seguir certas
ordenações e obedecer a algumas hierarquias. Negrão et al (idem, pg. 82), diz que
esta competência “nos ajuda a perceber que as sentenças de nossa língua não são
resultado de mera ordenação de itens lexicais em uma sequência linear.” Isso quer
dizer que, quando estamos elaborando sentenças, obedecemos ordem e também
relação de subordinação desses elementos. Veja a oração (4) que segue:
(4) O filho de Marina recebeu um prêmio pela redação.

Nesse modelo, observamos uma ordem direta, a mais aceita e comum da


língua portuguesa, com o sujeito em posição anterior ao verbo que, por sua vez, é
seguido de seus complementos. Dentro de cada um desses itens que compõem a
sentença, visualizamos também, uma ordem dos constituintes menores. Não é
aceita, portanto, uma sentença como (4a):
(4a) *Filho o de Marina recebeu prêmio um redação pela.

Por esse exemplo, é possível afirmarmos que a língua portuguesa não


permite que os artigos e as preposições sejam colocados depois dos nomes que
eles acompanhem. Quanto à hierarquia, percebemos ainda que os elementos de
cada um desses itens (O filho de Marina), (recebeu um prêmio pela redação), (um
prêmio) e (pela redação) estabelecem relações hierárquicas de subordinação. Os
artigos O e um estão determinando os nomes filho e prêmio. As construções de
Marina e pela redação estão presos, respectivamente, ao nome filho e ao verbo
receber, no primeiro caso, especificando, e no segundo, complementando.
A competência comunicativa permite que o falante identifique que alguns
elementos podem “solicitar” outros que ficarão presos a ele, através de um vínculo
de hierarquia. Na oração em questão, por exemplo, não temos apenas o filho, mas
sim o filho de Marina. Ao se associarem, criaram uma estrutura que funciona como
uma unidade.
Sob o ponto de vista de que sintaxe representa a própria estrutura
organizacional de sentenças, o objeto de estudo desse campo deixa de ser a
competência do falante para ser o conjunto de regras que possibilitam que um
idioma tenha uma dada estrutura. Desta maneira, a sintaxe é o campo de estudos
linguísticos que se ocupa em descrever e analisar as estruturas das orações que o
sistema de uma língua aceita e possibilita. Nesse campo, três aspectos são
considerados: concordância, regência e ordem.
• Concordância: É o fator que determina as relações entre os elementos da
sentença que obedecem a aspectos flexionais. Usando ainda a oração (4),
percebemos que o artigo o está concordando com o nome filho, tanto em
gênero quanto em número. Também se verifica o estabelecimento da relação
de concordância entre o sujeito e o verbo, mediante a flexão de número-
pessoa do verbo (filho/ele recebeu). Analisando a questão da concordância,
temos duas vertentes para a sintaxe: quando observada através da ótica da
Gramática Tradicional, temos uma imposição da norma padrão, que indica
que todos os elementos flexionáveis da estrutura nominal deverão concordar
com o nome em gênero e em número. Ainda sob esse ângulo, os sujeitos
devem, obrigatoriamente, concordar com o verbo. Porém, os estudos
sintáticos independentes da GT visam a observar as possibilidades que o
sistema permite, elencando as construções utilizadas e aceitas pelos falantes.
Alguns desses estudos chegam a considerar os contextos sociais como
determinante para a adoção de uma forma em lugar da outra. É o caso da
sociolinguística, por exemplo.

• Regência: Este fator é ponto de observação da sintaxe porque através desse


mecanismo tem-se a junção de alguns elementos. Quando um componente
estrutural solicita outro elemento subordinado a ele, mas nem sempre ele
pode ser associado ao elemento subordinador diretamente, surge, então, a
preposição. A necessidade da preposição em alguns contextos frasais é mais
um dos aspectos que a sintaxe estuda. Ainda alisando a sentença (4), temos
duas construções que exigem a presença da preposição. Para indicar a
relação de pertencimento, a preposição de é solicitada para estabelecer a
relação existente entre filho e Marina. Dentro da estrutura verbal, chamada
pela GT de predicado, temos um dos complementos do verbo introduzido pela
preposição por, em contração com o artigo a (por + a redação = pela
redação). O verbo receber pode solicitar dois complementos: quem recebe,
recebe algo, de alguém, por alguma coisa.

• Ordem: O último aspecto observado acerca da estrutura sintática de uma


língua é a ordem que os elementos lexicais ocupam na construção de uma
sentença. Como já foi citado anteriormente, alguns elementos da nossa
língua não podem ocupar certas posições. É o caso de preposições, que não
podem vir depois do nome que estão ligando a outro elemento (* filho Marina
de). Além disso, existem possibilidades de variação de posições, algumas
mais naturais, outras mais estilísticas. A sintaxe se ocupa de observar o grau
de aceitação e naturalidade de algumas ordens, além de buscar identificar
quais são os fatores internos da língua que interferem na ocorrência de
determinadas ordens em detrimento de outras.

Você sabia?

Na Língua Portuguesa, embora haja a variação de flexão de número, não é possível


a variação de flexão de gênero. Calma! É muito simples!
Enquanto percebemos a variação entre concordância e não-concordância de
número, como ocorre nas formas Os meninos (norma padrão/norma culta) versus
Os menino (norma não padrão/norma popular), não se lê ou se ouve por aí uma
variação de artigo no gênero feminino e nome no gênero masculino e vice-versa.
Ora, os falantes fazem a língua. Se eles não constroem esse tipo de estrutura (*A
menino/ O menina), é porque o sistema não permite.
O que verificamos é que a flexão de número é diferente da flexão de gênero. Não
temos como não fazer a concordância de gênero (estamos considerando, nesse
exemplo, os falantes nativos da Língua Portuguesa. Há casos de estrangeiros que
não fazem a concordância de gênero, mas eles não se enquadram na condição de
falante nativo). Esse é um traço marcante da Língua Portuguesa. Em comparação
com o inglês, essa é uma característica distintiva. No inglês, não existe flexão de
gênero para o artigo definido. O artigo é sempre the e ele não define o gênero do
nome que determina.
Agora que sabemos o que é sintaxe e quais são seus objetos de estudo, podemos
partir para uma viagem no tempo, em busca de traçar uma linha cronológica que
mostre como a sintaxe se desenvolveu enquanto disciplina dentro da linguística.

Saiba mais
Pelo que vimos até agora, a sintaxe está intimamente ligada à morfologia. Não é à
toa que muitos pesquisadores e teóricos não chamam a sintaxe de sintaxe, mas sim
de morfossintaxe. Vimos, por exemplo, que a concordância ocorre principalmente
por causa da possibilidade do processo morfológico da flexão.
Para saber mais sobre essa relação, que tal ler o texto A sintaxe em Mattoso
Câmara, de Valter Khedi, que apresenta uma descrição do tratamento dado pelo
filólogo Joaquim Mattoso Câmara Jr sobre a nossa disciplina.
O endereço do artigo é:
KEHDI,Válter. A sintaxe em Mattoso Câmara.2004.Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
44502004000300009&script=sci_arttext>. Acesso em: 21 ago. 2011.

1.2 Percurso histórico dos estudos sintáticos

Antes do estabelecimento da sintaxe como disciplina independente, nos estudos


linguísticos, em fins do século XIX, pouco se pensou a respeito da estruturação das
sentenças. As primeiras reflexões acerca da classificação das palavras e sua
organização nas sentenças remontam da Antiguidade, na Grécia. Foi nessa tradição
que surgiram as compartimentações do léxico da língua em categorias. Essa
compartimentação foi sendo aperfeiçoada e ampliada, tornando-se também
responsável pela estruturação das Gramáticas Tradicionais. É por isso que, segundo
Berlinck;Augusto;Scher (2001, p. 209), “grande parte das explicações que
encontramos nos nossos compêndios gramaticais são adaptações das categorias e
dos princípios estabelecidos na Antiguidade Clássica.”
A sintaxe, enquanto disciplina independente, só passou a ser pensada a partir do
final do século XIX, quando Saussure desenvolveu as bases do Estruturalismo
Linguístico. Antes desse momento, os estudos da linguagem voltavam-se para os
níveis da fonética e da semântica. Porém, vale a pena darmos uma revisada sobre a
maneira como esse nível de estruturação da linguagem foi sendo descrito e
colocado em pauta ao longo da história ocidental, afinal, a partir da observação,
mesmo que não empírica, da relação entre as palavras nas frases, surgiu da
Gramática Tradicional, doravante chamada de GT, que, por sua vez, apresenta a
abordagem mais corriqueira e conhecida da sintaxe de uma língua.
INSERIR FIGURA 1

Há muito tempo, lá na Antiguidade, por volta do século V a.C., alguns filósofos


gregos começaram a desenvolver reflexões sobre a linguagem humana. Pode-se
dizer que essas reflexões e observações ficavam restritas à origem das palavras
(etimologia), à fonética (pronúncia) e à análise gramatical das palavras. É com o
objetivo de descrever e compreender tal análise, que a sintaxe começa a se esboçar
como um aspecto da linguagem que despertou a curiosidade humana. Através
dessa apreciação, os filósofos começaram a classificar as palavras em categorias
(classes de palavras), além de observarem as suas flexões.
Sabemos que tanto classes de palavras quanto flexões das mesmas são
objeto de estudo da morfologia. Todavia, como foi dito anteriormente, a sintaxe não
é um nível de estruturação totalmente independente da morfologia, pois alguns dos
seus pontos-chave de análise são definidos devido à classe a que a palavra
pertença ou ainda pela presença ou não de determinadas flexões.
O fato é que tendo a atenção voltada para a classificação de palavras em
categorias, esses filósofos também se dedicaram à observação da relação entre as
classes de palavras e as produções discursivas. Em outras palavras, tais
pensadores não estavam apenas colocando as palavras em categorias, mas
associando tais classes a determinados papéis nas frases.
Desta forma, surge o embrião da sintaxe como parte do que seria, no futuro, a
sintaxe de uma língua. Este passo ultrapassou a barreira morfológica do
pensamento filosófico acerca da linguagem humana, sem, porém, definir
precisamente a nossa disciplina. Como nesta época passou-se a conceber a
linguagem como expressão do pensamento, os filósofos acreditavam que a ordem e
a função das categorias de palavras tivessem papel importante na construção das
frases, pois assim, seria possível exprimir o que se pensava. De certa maneira, eles
tinham razão.
Passados três séculos, mais ou menos, os estudos literários que eram
desenvolvidos passaram a englobar, também, os estudos da língua. Isto ocorreu
para atender a duas motivações: primeiro, havia o desejo de tornar possível e
acessível, a leitura dos filósofos clássicos, para mais pessoas. Em consequência
disso, começou a existir uma preocupação com o que seria o uso correto do idioma.

SAIBA MAIS
É preciso lembrar, neste ponto de nossa viagem, que o chamado uso correto da
língua tem relação com o estabelecimento de uma variante-padrão. Portanto, vale a
pena relembrar conceitos como variação linguística e norma. Para ler mais a
respeito disso, confira o site:
ASSUNÇÃO,Ana Lúcia de.Variação lingüística,uma realidade de nossa língua.
Disponível em:<http://monografias.brasilescola.com/educacao/variacao-linguistica-
uma-realidade-nossa-lingua.htm>. Acesso em: 20 ago. 2011.

Por volta do século II a.C., um filósofo chamado Dionísio de Trácia produziu


um trabalho no qual estabeleceu partes do discurso, considerando o seu significado,
sua formação, sua flexão e sua integração na oração. Com isso, ele desenvolveu as
bases para as descrições sintáticas que encontramos nas GTs. Seu trabalho foi
impulsionado pela intenção de descrever a língua grega usada em textos antigos, a
fim de que os mesmos se tornassem inteligíveis para quem lesse.
Desta forma, tais esforços levaram, pouco a pouco, à elaboração do trabalho
de Dionísio, a primeira gramática da língua grega. Ao pensar em partes do discurso,
ele segmenta a frase em elementos, considerando seus papéis na transmissão da
informação. Também foi o responsável por delinear uma introdução à análise
sintática, pois ele pensava na composição das frases considerando as partes do
discurso, atentando para seus aspectos morfológicos. A partir do seu estudo,
pensou-se no discurso como algo dividido em oito partes: substantivo, verbo,
particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção. O que ele fez, com
isso, foi delimitar algumas classes de palavras, associando-as às suas funções
sintáticas.
Sobre essa classificação e sua importância no surgimento das gramáticas,
Azeredo (1999, p. 15) diz:
A análise gramatical se desenvolveu no Ocidente, desde a
antiguidade clássica grega até os fins do século passado [...]. As
reflexões dos estudiosos gregos culminaram na obra dos gramáticos
alexandrinos, aos quais devemos, entre outras coisas, a distribuição
dos vocábulos em na menos que oito classes: nome, verbo,
pronome, artigo, particípio, advérbio, preposição e conjunção.

Você sabia?
O que Dionísio de Trácia chamava de particípio é o que hoje classificamos como
adjetivos. Vale observar, portanto, quantos adjetivos utilizamos e que apresentam a
mesma forma que o particípio de verbos, ou mesmo que tenham se originado da
forma verbal em questão.
Ex.: campos irrigados; artigos citados; atendimento diferenciado etc.

Com esse início, a história da sintaxe ganha mais um capítulo. Ainda no


século II a.C., outro filósofo, Apolônio Díscolo, destaca-se como aquele que mais se
ateve à observação da sintaxe. Ele pode ser citado como responsável por realizar a
primeira tentativa de estabelecer uma teoria sintática que fosse abrangente e
sistemática, aplicável à língua grega. Além de manter as oito partes do discurso
estabelecidas por Dionísio de Trácia, ele também redefiniu alguns termos filosóficos.
O mais importante, porém, foi o fato de que sua descrição sintática se baseou nas
relações que o substantivo estabelece com o verbo.
Assim, tem-se mais um capítulo na construção da análise sintática, tal como a
conhecemos das GTs. Segundo Azeredo (idem), o estudo sobre as relações
sintagmáticas entre as palavras não estava todo ausente das preocupações dos
gregos, embora o centro de suas atenções fosse a morfologia.
Assim, com os textos produzidos pelos filósofos gregos, criaram-se as
gramáticas. E elas passaram a ser elaboradas em outros idiomas. Desta forma, os
romanos perpetuaram essa tradição, seguindo o modelo das gramáticas gregas.
Dos gramáticos romanos, podemos citar Varrão, do século I a.C., como o
responsável pela maior contribuição para o campo da sintaxe, nessa época. Sua
contribuição, embora claramente desenvolvida no campo da morfologia, tem reflexo
imediato na observação da sintaxe. Ele desenvolveu a distinção entre derivação e
flexão. Não nos esqueçamos que a flexão é um aspecto da morfologia que interfere
na sintaxe através do estabelecimento da concordância, tanto nominal quanto
verbal.
Do século I a.C. até o século IV d.C., quase nada mudou nas gramáticas
produzidas. Todas elas reproduziam as mesmas características da descrição da
língua, no campo da sintaxe. Essas gramáticas foram sendo passadas de geração a
geração, sempre buscando difundir o “bom uso” do latim clássico. E assim, chegou a
Idade Média. Das gramáticas que influenciaram a elaboração de mais gramáticas ao
longo dos séculos que se configuraram na Idade Média, podemos citar como mais
influentes, as gramáticas de Donato e de Prisciano, ambos do século IV d. C..
Com essas gramáticas, os estudos da linguagem retomam o campo filosófico,
influenciados não apenas pelo pensamento aristotélico, como também pelo
pensamento cristão. Tais gramáticas eram usadas para o estudo do latim clássico,
não só para ensiná-lo, mas para que ele fosse usado pelos eruditos e,
principalmente, pela Igreja Católica.

INSERIR FIGURA 2

O que diferencia as gramáticas medievais das gramáticas antigas é o fato de


que estas tinham o caráter pedagógico, enquanto aquelas apresentaram um caráter
mais científico e teórico, mesmo que sem um método empírico de investigação. Vale
destacar que, para a descrição e análise sintática, não houve contribuições.

Você sabia?
Até poucas décadas atrás, o latim ainda era usado na celebração de missas em
alguns locais do Brasil.
Foi nesse período que a primeira gramática da língua portuguesa foi escrita e
publicada. A Grammatica de linguagem portuguesa foi redigida por Fernão de
Oliveira, e publicada em 1536. Vale lembrar que, a partir do século XII d.C.,
aproximadamente, o latim já não podia ser considerado como o idioma falado pelos
diversos povos que haviam estado sob o domínio romano. Neste período, as línguas
românicas começavam a se delinear como diferenciadas do latim.
É evidente que muitos povos começaram, então, a produzir suas gramáticas. Foi o
que aconteceu com o português, que teve o marco de definição como uma língua
distinta do latim no século XII.
Com o passar dos anos, chegamos ao Renascimento, e, com ele, os estudos
gramaticais voltaram sua atenção para a literatura, com o intuito de tornar mais fácil
a leitura dos clássicos. Além disso, a gramática tornou-se o meio para tentar conter
os processos de mudança linguística através da variação natural das línguas.
Nesta época, com o surgimento do ilumismo, a filosofia grega passa a ter muita
influência em todos os campos científicos e culturais, e as especulações dos
filósofos gregos sobre língua e linguagem são retomadas.
Diante disso, as categorias gramaticais e a possibilidade de existência de um
sistema lógico inerente às línguas continuaram a ser investigadas. A sintaxe passou
a ser observada baseando-se na ordem das palavras e no papel da língua para
expressão do pensamento. Isso marcou o desenvolvimento de gramáticas até o
século XVIII. De um modo geral, as gramáticas não mudaram muito ao longo dos
séculos, e até os dias atuais, elas ainda trazem a estrutura das gramáticas antigas e
medievais.

Foi no século XVIII que o foco da observação da língua mudou. Se antes as


reflexões sobre língua e linguagem voltavam-se para a postulação de uma norma
padrão, agora, os estudiosos ampliaram os objetivos de investigação, interessando-
se pela origem das palavras, curiosidade que existia no século Va.C. Todavia, esse
interesse mais acentuado motivou a criação de um método de observação. Quem se
dedicou, no século XVIII, a buscar desvendar a origem de palavras, passou a
procurar identificar parentescos entre línguas.
Assim surgiu a Linguística Histórica, com o método histórico-comparativo.
Segundo Azeredo (ibidem, p. 21)
[...] só no curso do século XIX, a linguística se impôs como ciência. A
elaboração de dicionários e a descrição gramatical das línguas
serviam especialmente a fins práticos – como a tradução, a leitura e
comentário de textos e o ensino da maneira ‘correta’ de falar e
escrever – e continuariam a servir a estes fins, pois, enquanto
ciência, o estudo das línguas consistia, metodologicamente, em
compará-las para deduzir princípios gerais de evolução histórica das
unidades lexicais, gramaticais e sonoras.
Ele ainda define, de maneira sucinta, o que é o método histórico-comparativo:
Pela comparação de línguas vivas buscavam-se as regularidades de
suas diferenças com o propósito de estabelecer, em passado remoto,
um elemento comum – som, palavra, construção – às vezes, de fato,
documentado em algum texto antigo. Eis no que consistia, em linhas
gerais, o método histórico-comparativo (IBIDEM, p.30).

Não é a toa que se considera como a maior contribuição que esses


estudiosos trouxeram para a Linguística a declaração de que a mudança linguística
é um processo regular, constante e universal. É evidente que nem todos aceitaram
(e ainda nos dias atuais não aceitam) esse fato. Mas graças aos estudos
comparativos, foi possível perceber que todas as línguas naturais vão mudar,
seguindo regularidades, as quais eram observadas mais claramente no âmbito da
fonética.
Por conta disso, surgiram, nesse mesmo período, os neogramáticos,
estudiosos da língua que desenvolveram, sistematicamente, os princípios e métodos
da gramática comparada. Seu pensamento foi fortemente influenciado pelas teorias
de Charles Darwin, baseadas no modelo positivista que afirma que a evolução
biológica acontece de acordo com leis imutáveis (ex.: um organismo nasce, cresce,
se reproduz, envelhece e morre).

INSERIR FIGURA 3

No que diz respeito à sintaxe, não houve contribuição para seu


desenvolvimento como ciência nessa época. Nem mesmo as gramáticas tradicionais
trouxeram alguma inovação para a seção destinada à análise sintática durante esse
período.
Foi no final do século XIX, em oposição ao método histórico comparativo que
surgiu o estruturalismo linguístico. É neste ponto da nossa história que a sintaxe
deixa de ser coadjuvante para se tornar protagonista.

INSERIR FIGURA 4
Ferdinand de Saussure, rompendo com o modelo linguístico adotado até então,
colocou a estrutura interna da língua em pauta, estabelecendo a Linguística como
ciência e desenvolvendo conceitos revolucionários. De acordo com Azeredo (ibidem,
p.22)
A linguística estrutural retomou o descritivismo, mas não o fez com
propósitos utilitários, e sim como meio de estabelecer a estrutura da
linguagem enquanto capacidade simbólica do homem. Este objetivo
também o tivera a gramática filosófica, mas com o estruturalismo
estava abandonada a suposição de que houvesse uma ordem
racional genérica da qual as línguas seriam expressões particulares
e imperfeitas.

Algumas de suas contribuições foram influenciadas pelos estudos e pelas


reflexões anteriores. Mas somente com a publicação póstuma de notas de suas
aulas, intitulada Cours de Linguistique Générale (Curso de Linguística Geral), essas
reflexões passaram a ser postulados e influenciaram todo o desenvolvimento da
Linguística, enquanto ciência. Vejamos os principais conceitos e contribuição de
Saussure para a linguística e, em consequência, para o estudo da sintaxe.

• Ele afirmou e divulgou que a língua é um fato social. Com isso, possibilitou
dar ao falante o poder e o direito de uso da língua segundo suas
necessidades comunicativas. Esse postulado permitiu que, na década de 60
do século XX, Labov desenvolvesse a sociolinguística, considerando fatores
de ordem externa como influentes e determinantes para o processo de
variação linguística.

• Rompendo com o método histórico comparativo, Saussure estabeleceu a


dicotomia sincronia versus diacronia, afirmando ser válida a observação da
língua do ponto de vista sincrônico. Embora ele estabeleça essa ruptura, ele
não descarta a validade do estudo da língua em momentos diferentes.

• Ele também estabelece outra ruptura. Desta vez com a GT, ao adotar a
primazia da fala sobre a escrita, desenvolvendo um método descritivo, que
rejeita os juízos de valor a respeito da língua.

• Houve também o estabelecimento de outra dicotomia, langue (língua) versus


parole (fala). Esses dois conceitos são extremamente importantes para a
sintaxe, pois, ao separar a língua (sistema codificado do idioma) da fala (uso
que o falante faz desse sistema), ele coloca a estrutura da língua como o seu
objeto de análise, não se atendo às especificidades dos usos individuais. Ao
estabelecer o conceito de um sistema codificado (langue), ele traz a sintaxe
para o “microscópio”.

• Ele ainda desenvolveu outra dicotomia: paradigma versus sintagma. Estes


últimos conceitos são particularmente essenciais para a sintaxe. Saussure
percebeu no sistema linguístico, a possibilidade de relações distintas entre os
elementos que compõem tal sistema. Notou que esses elementos se
relacionam uns com os outros através de processos de substituição e de
associação, dependendo, para isso, da natureza do elemento, de sua função
num dado contexto linguístico e da natureza de outros elementos com os
quais ele possa se relacionar.

A partir dessas grandes inovações para a observação da linguagem, surgiram


muitas escolas estruturalistas. Podemos destacar o descritivismo americano, cujo
maior representante chama-se Leonard Bloomfield. Ele sofreu influências do
behaviorismo e passou a estudar a língua como parte do comportamento humano.

Saiba mais

Você conhece o behaviorismo? Trata-se de uma corrente filosófica que se


desenvolveu no século XX. Para saber mais sobre ele, acesse a página seguinte.
SKINNER,B.F.Sobre o Behaviorismo.2006. Disponível em:<http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=gej5uGOa_OkC&oi=fnd&pg=PA7&dq=o+que+%C3%A9+behaviorismo&ots=3mdEVdxMfe
&sig=2UzQ3Xx8s4S3jqKcC1P_SPNUaSs#v=onepage&q=o%20que%20%C3%A9%20behaviorismo&f
=false>.Acesso em: 21 ago, 2011.

Bloomfield , com seus estudos, trouxe contribuições para a linguística, como a


noção de que a aquisição da linguagem se dá por imitação, através de estímulos e
respostas. Para a sintaxe, sua maior contribuição foi a desenvolvimento do conceito
de constituinte imediato, sobre o qual falaremos no capítulo 2, ao estudarmos o
sintagma. A partir desse conceito, as análises sintáticas passaram a ser feitas sem
que, necessariamente, estivessem ligadas à terminologia da GT. Por outro lado,
Bloomfield não conseguiu explicar o que faz com que algumas frases tenham a
mesma forma e significados diferentes ou interpretações distintas.
Tempos depois do surgimento do estruturalismo, outro estudioso ganhou
destaque no cenário linguístico ao desenvolver um modelo inovador de análise da
estrutura sintática de uma língua, que tirava o foco da mera descrição desta
estrutura, voltando a atenção para aquilo que veio a chamar de competência do
falante. Esse estudioso chama-se Noam Chomsky e foi ele quem desenvolveu uma
teoria baseada em regras semelhantes a fórmulas matemáticas para descrever os
mecanismos que operam a linguagem humana.

INSERIR FIGURA 5

Esta teoria ou modelo teórico é conhecido como Gramática Gerativa ou Gramática


Transformacional e busca desvendar os mistérios do conhecimento inato do ser
humano sobre a linguagem, teorizando sobre a aquisição da linguagem e,
principalmente, sobre a estrutura sintática das línguas.

Você sabia?

Noam Chomsky, pai da Gramática Gerativa, é também um ativista político.


Atualmente, ele atua como crítico da política interna norte-americana. Para ler mais
sobre Chomsky, visite o site oficial:
CHOMSKY.INFO.News and reports.Disponível em:<http://www.chomsky.info/>.
Acesso: em 21 ago. 2011. Há, também, uma página na Wikipédia sobre o teórico:
WIKIPEDIA.Noam Choamsky.Disponível
em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomsky>. Acesso em: 21 ago. 2011.

1.3 Perspectivas de análises

De acordo com Berlinck; Augusto;Scher (2001, p. 210),


No momento em que Saussure propõe a clássica distinção entre
langue e parole, ou seja, em que define a existência de um sistema
de convenções, regras e princípios independente do uso linguístico,
instaura a possibilidade de se estudar a linguagem ou de um ponto
de vista estritamente formal ou do ponto de vista de suas funções.
Desta forma, os estudos sintáticos evoluíram através de duas perspectivas de
abordagem. Ao separar língua (langue), enquanto conjunto de regras que o falante
segue, no uso de um código comum a uma comunidade, e fala (parole), a
representação individual que o falante dá a esse sistema, Saussure possibilitou que
a língua fosse colocada em análise sob dois aspectos.
O primeiro considera válido o estudo do sistema linguístico, não levando em
conta fatores externos a ele como dados de análise ou consideração. Esta posição
foi a que o próprio Saussure adotou, uma vez que, mesmo reconhecendo o caráter
social da linguagem, ignorava sua influência para a descrição do código. Entretanto,
na segunda metade do século XX, diante do fato de que as correntes de estudos de
sintaxe não conseguiam explicar alguns aspectos relacionados ao funcionamento
das orações no discurso, surgiu uma nova perspectiva: uma que coloca a fala
(parole) sob as lentes dos microscópios linguísticos.
Com essa nova perspectiva, a individualidade da fala, o contexto de
comunicação, a necessidade de interlocutores para o uso da língua como
mecanismo para comunicação, entre outros pontos, passaram a ser considerados
como aspectos a serem analisados e postos em evidência na observação da
estrutura da sentença. Esta outra perspectiva é chamada de funcionalismo, em
oposição à primeira, que se atem à forma e, por conseguinte, é chamada de
formalismo.
Estas abordagens atendem ao estudo da língua em seus diversos níveis
estruturais: fonética/fonologia, morfologia e sintaxe. Para nós, interessa-nos tratar do
último nível, a sintaxe, cujo objeto de análise é a sentença. Talvez, pela
complexidade de forma e funcionamento, a qual não se verifica nos níveis da
fonologia e da morfologia, a cisão da Linguística em duas abordagens tenha uma
explicação mais fácil de ser compreendida.
Diante de tantos séculos de estudos voltados para a fonética/fonologia e para
a morfologia, o grande mistério da linguagem, agora, é percebido na sintaxe. Ora, os
sons de nossa língua são definidos e limitados, sofrem variação e quase tudo a
respeito da descrição do nível fonético/fonológico já foi explicado. O mesmo se pode
dizer da estrutura morfológica de nossa língua. Não se pode negar, entretanto, que
ambos os níveis continuam, e sempre continuarão, a ter papel fundamental nos
processos de variação e mudança da língua, influenciando, inclusive, fenômenos em
análise na sintaxe. Todavia, ainda existem perguntas não respondidas acerca do
nosso objeto de estudo, a estrutura sintática e seu funcionamento.
É evidente, então, que um objeto de estudo tão complexo e pouco explorado
(não nos esqueçamos que a sintaxe foi deixada de lado por muitos e muitos séculos)
abriria espaço para o surgimento de pontos de vista diversificados. Segundo
Berlinck; Augusto;Scher (idem, p. 211),
“[...] Se o objeto de estudo é, em princípio, o mesmo, nem sempre
encontramos consenso entre seus estudiosos sobre a natureza dos
processos que ali se desenrolam e a maneira mais adequada de
estudá-los.”

Agora veremos um pouco de cada vertente, assinalando seus maiores


representantes.

1.3.1 Formalismo

Como o próprio nome indica, o formalismo tem forte relação com a forma, mais
especificamente a forma linguística. Berlinck;Augusto;Scher (ibidem,p.25)
caracterizam a abordagem formalista da seguinte forma:
A maneira como se associam as entidades que se podem identificar
em uma dada língua determina a forma linguística. O estudo das
características internas à língua, tais como a natureza de seus
constituintes e da relação entre eles, ou seja, do aspecto formal da
língua, caracteriza a abordagem formalista de análise linguística.

Assim, o formalismo pode ser conceituado como uma corrente de


pensamento linguístico cujo foco de análise encontra-se em questões relacionadas
com a estrutura linguística, desconsiderando as relações que a língua possa
estabelecer com o contexto comunicativo.
Esta é a característica mais marcante dessa abordagem, fruto da própria
dicotomia saussuriana, langue versus parole, e da supremacia da primeira sobre a
segunda, segundo estabeleceu Ferdinand de Saussure. Lembre-se que, para ele, o
real objeto de estudo deveria ser o sistema e não o uso que o falante faz dele. Ao
isolar o falante, ele desconsiderava todos os aspectos não-linguísticos que
interferem na utilização da língua pelo mesmo. Uma consequência disso é que a
sintaxe, para tal abordagem, é tida como um objeto autônomo.
Outra consequência desta autonomia, mais especificamente no campo da
sintaxe, é a maneira como o objeto de estudo de tal disciplina é tratado. Processos
de variação dentro de uma sentença são tratados como algo inerente à natureza da
língua. Ou seja,
os fenômenos de variação e mudança linguística, observáveis, por
exemplo, na questão da ordem em que se apresentam os
constituintes sintáticos de uma sentença, deverão ser tratados em
termos de propriedades internas ao sistema linguístico ou de
possibilidades de variação que se verificam nesse mesmo sistema.
(BERLINCK;AUGUSTO;SCHER, ibidem,p.38.)

Você sabia?

A variação da ordem dos constituintes é um dos fatos sintáticos que ainda não tem
uma explicação clara, definida e aceita por todos. Enquanto que os gerativistas
acreditam haver alguns fatores estruturais determinantes de certas ordens marcadas
(como a posposição do sujeito ao verbo – Ex.: Aconteceu um acidente.), os
funcionalistas acreditam que parte da variação da ordem na sentença é motivada
pela ênfase que o falante deseja dar para o constituinte responsável pela mudança
da ordem direta da sentença.

Além de o próprio Saussure ter apresentado, em seus princípios teóricos,


uma postura formalista, o maior representante dessa corrente é Chomsky, com a
Gramática Gerativa. A sua proposta de análise linguística parte do princípio de que a
língua é um conjunto de conhecimentos sistematizado e interiorizado na mente
humana, como algo inerente ao homem. Já que isola todas as variáveis externas e
contextuais, o seu objeto de estudo é a própria competência linguística humana, que
permite a aquisição e o uso da linguagem. Mioto et al (2005, p. 22) definem
competência linguística como “a capacidade humana que torna fundamentalmente
possível que todo ser humano seja capaz de interiorizar um ou vários sistemas
linguísticos, isto é, uma ou várias gramáticas.”
O modelo gerativo é, assim, um programa que busca explorar quatro
questões:
• Em que consiste a competência linguística, isto é, quais são os mecanismos
físicos cerebrais que possibilitam o conhecimento linguístico do falante e sua
capacidade em usá-lo?
• De que maneira o falante de uma língua utiliza o sistema em situações
comunicativas reais e concretas?
• De que forma esse sistema se desenvolve na mente do falante?
• E, por fim, em que consiste esse sistema codificado de conhecimentos que
um falante de uma dada língua particular apresenta?

Quanto ao método de investigação, a pesquisa gerativista segue um modelo


dedutivo, baseando-se na introspecção do falante. Originalmente, o próprio
pesquisador é seu informante. Ou seja, ele não buscava coletar dados concretos de
falantes em condições comunicativas reais, mas sim levantava dados de seu próprio
repertório linguístico.
Conclui-se, portanto, que esta corrente preocupa-se primordialmente com as
propriedades estruturais do sistema linguístico investigado, seja ele qual for.

1.3.2 Funcionalismo

Mesmo com tantos esforços, ainda há muitos fatos sintáticos que nenhuma
corrente conseguiu, por hora, explicar, afinal “a sintaxe não explica tudo na criação e
interpretação das frases.” (AZEREDO, 1999, p. 14) Um exemplo disso é o fato de
que uma frase pode ter mais de um sentido.
Observe a frase:

(5) Você sabe que horas são?

Esta sentença tanto pode indicar a genuína intenção do falante em saber o


horário, quanto pode representar uma bronca dada a alguém que se atrasou muito.
A sintaxe ainda não explica isso. Azeredo (idem) afirma que, “certos enunciados
significam muito mais o que implicam do que o que ‘dizem’.” Em outras palavras, ele
pode apresentar seu significado dissociado dos sentidos que seus constituintes
apresentam quando combinados na construção da sentença: “sentido que ele
adquire pragmaticamente, isto é, em função de sua contextualização e não de seus
aspectos lexicais e sintáticos.”
E foi retomando a dicotomia saussuriana entre langue e parole que surgiu a
abordagem funcionalista, a qual não ignorava totalmente a forma, mas passava a
colocar o contexto comunicativo nos itens a serem analisados. Com esta
perspectiva, a linguagem é vista por essa corrente de pensamento, como:
um sistema não-autônomo, que nasce da necessidade de
comunicação entre os membros de uma comunidade, que está
sujeito às limitações impostas pela capacidade humana de adquirir e
processar o conhecimento e que está continuamente se modificando
para cumprir novas necessidades comunicativas” (BERLINCK;
AUGUSTO;SCHER, 2001, p. 211).

Desta maneira, pode-se resumir o que é a corrente funcionalista assim:

A teoria funcionalista concebe a língua como um instrumento de


comunicação, e postula que esta não pode ser considerada como um
objeto autônomo, mas uma estrutura submetida às pressões
provenientes das situações comunicativas, que exercem grande
influência sobre sua estrutura linguística.
Assim, o funcionalismo analisa a estrutura gramatical tendo como
referência a situação comunicativa inteira: o propósito do ato de fala,
seus participantes e seu contexto discursivo (MODESTO, 2006).

Em consequência disso, a comunicação é colocada como uma função


essencial da linguagem, o que vai, então, determinar de que maneira a língua se
estrutura.
Para os estudos sintáticos, a perspectiva funcionalista possibilita ampliar a
análise, ultrapassando os limites da sentença. Assim, não apenas a sua
estruturação é posta em análise, mas também tudo o que está associado à interação
verbal que possibilitou o uso de uma sentença num dado contexto comunicativo. De
acordo com Berlinck;AUGUSTO;SCHER (2001, p. 212), “os processos sintáticos são
entendidos aqui pelas relações que o componente sintático da língua mantém com
os componentes discursivos.” Desta forma, o foco não está apenas na forma que a
sentença apresenta, mas também o que ela transmite de informação, de que
maneira esse sentido foi adquirido e como a comunicação se estabelece através da
mesma.
Vimos, na segunda parte desse capítulo, o percurso histórico dos estudos
linguísticos, em especial sobre a sintaxe. Porém, nossa história foi pausada ao
chegarmos ao surgimento do Gerativismo chomskyano, representante mor do
formalismo. É claro que há história ainda a ser contada, afinal, como teria surgido
uma corrente que se chama funcionalismo? Bem, as teorias funcionalistas se
originaram com os estudos desenvolvidos por um conjunto de linguistas que
quebraram a tradição de estudos filológicos e diacrônicos, com pesquisas e teses
cujo ponto central era a dimensão sincrônica da língua. Esse grupo de estudiosos
ficou conhecido como o Círculo Linguístico de Praga ou Escola de Praga, fundado
em outubro de 1926, por Mathesius.

Você sabia?

O Círculo Linguístico de Praga desenvolveu-se anteriormente ao gerativismo, não


em oposição a este, mas sim em oposição aos neogramáticos, que se centravam na
mudança linguística, ancorados no método histórico-comparativo.

Foi em oposição ao método histórico-comparativo dos neogramáticos que os


linguistas da Escola de Praga começaram a delinear uma nova perspectiva de
observação e concepção da língua. Eles reconheciam a validade do enfoque
histórico, porém postulavam que o enfoque sincrônico era tão válido quanto aquele
defendido pelos comparativistas. Com esse posicionamento, sua intenção era não
refutar o método anterior a eles, mas sim integrar a esse método, uma nova visão
para o estudo da linguagem. É válido ressaltar, aqui, que não existe uma corrente
funcionalista monolítica, como uma corrente linguística. O que existe é a
perspectiva, e vários teóricos utilizam os princípios estabelecidos pelos estudos do
Círculo Linguístico de Praga para desenvolver suas pesquisas.
Desta maneira, os funcionalistas contribuíram para o desenvolvimento da
linguística com outras postulações. Segundo Oliveira (2007, p.27), “os estudos feitos
pela Escola de Praga passaram a associar a linguagem com aspectos sociais e
artísticos”. Além disso, elaboraram princípios decisivos para o surgimento de linhas
de estudo. “Desses princípios, podemos destacar a visão da língua como um
sistema funcional que tem uma finalidade” (idem). Também é importante citar que
eles defendiam a noção de que as mudanças linguísticas não são aleatórias nem
isoladas. Ao contrário, elas são, segundo tal perspectiva, encaixadas, isto é, são
previstas pelo próprio sistema interno. É interessante, aqui, destacar que esse
princípio se assemelha a um dos princípios do gerativismo.
Bem, se o formalismo chama-se assim porque se atém à forma, o
funcionalismo também deve estar associado a um conceito de função. Já ouviu falar
sobre isso? Bem, de acordo com Oliveira (ibidem), o termo “funcional” indica, mais
comumente, “que os enunciados são analisados em referência à maneira como eles
contribuem para o processo comunicativo.”
Desta forma, considerando todos os elementos não formais que são
elencados como influentes na construção e uso de uma sentença, toda a análise
feita dela considera a função que cada elemento formal tem no processo
comunicativo. Assim, a função pode ser considerada como o elo que une forma e
conteúdo ao contexto, sendo eficaz e eficiente na interação verbal, permitindo a
transmissão de informações.
Das discussões que a teoria funcional, como também é chamado o
funcionalismo, levantou, é importante destacar aquelas que servem diretamente ao
estudo da sintaxe: a perspectiva funcional da sentença, a gramaticalização e a
gramática funcional. No terceiro capítulo, traremos alguns pontos de observação da
sintaxe da língua portuguesa sob uma perspectiva funcional. Antes, porém,
precisamos conhecer como a abordagem formalista descreveu a estrutura sintática
da língua portuguesa. É isso que faremos no próximo capítulo.

Saiba mais
Leia mais sobre o funcionalismo no artigo da professora Mª Helena Moura Neves,
intitulado Estudos funcionalistas no Brasil.
NEVES,Maria Helena de Moura.Estudos Funcionalistas no Brasil. Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44501999000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 ago 2011

SUGESTÃO DE ATIVIDADES

Proposta 1: Agora que você já conhece a história de como a nossa disciplina foi se
desenvolvendo, que tal criar uma linha do tempo contrastiva? É o seguinte: sabemos
que os estudos sintáticos se dividem em dois blocos, antes da consolidação da
linguística enquanto ciência e depois. Digamos que esse seja o marco zero. Então,
você deverá construir uma linha do tempo até esse ponto e uma que comece a partir
dele, situando no tempo cada nova etapa para a evolução da sintaxe. Em seguida,
observe quanto tempo levou uma fase a outra, resuma os motivos que geraram e
contraste quem explica mais sobre a sintaxe: a gramática ou a linguística.

Proposta 2: Agora é a hora de sistematizar as distinções e semelhanças do


funcionalismo e do formalismo. Construa uma tabela em que as características de
cada uma dessas abordagens sejam apresentadas, sinalizando se são pontos de
concordância ou discordância.

Glossário:
Conectivo: São elementos gramaticais, isto é, que fazem parte do sistema
lingüístico, dotados de carga semântica, sem, todavia, conterem morfema lexical, e
que têm a função de unir elementos, sejam palavras, expressões ou orações
inteiras.
Discurso: Discurso, neste material, não tem a conotação que apresenta na
disciplina Análise do Discurso. Os filósofos gregos chamavam discurso a expressão
lingüística do pensamento, em forma de orações.
Flexão: É o processo morfológico que possibilita prover uma raiz de categorias
gramaticais variáveis, como número (singular e plural) e gênero (masculino e
feminino) para elementos nominais, e número-pessoa e modo-tempo para verbos.
Léxico: É o conjunto de palavras que a língua de uma comunidade apresenta.
Norma: É o conjunto de regras possíveis de um sistema de uso comum e corrente
em uma dada sociedade.
Relação sintagmática: É a relação que elementos de um mesmo nível estabelecem
entre si, formando uma unidade superior.
Sentença: É o mesmo que uma oração ou frase verbal.
Variação: Processo natural que possibilita que uma mesma informação lingüística
seja passada de formas distintas
Variante: Cada uma das formas que variam em um processo de variação é
chamada de variante.
INDICAÇÕES DE LEITURA

AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. 7. Ed. Rio de


Janeiro:Jorge Zahar Editora, 1999.

BERLINCK, Rosane A; AUGUSTO, Marina R. A.; SCHER, Ana Paula. Sintaxe. In:
BENTES, Anna Christina; MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à linguística:
domínios e fronteiras. Vol. I – São Paulo: Cortez, 2001.

KEHDI, Válter. A sintaxe em Mattoso Câmara. DELTA, São Paulo, v. 20, n. spe,
2004 . Available from:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44502004000300009&lng=en&nrm=iso>. Access on: 21 Aug. 2011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502004000300009.

MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth E. V. Novo manual de
sintaxe. 2. Ed. Florianópolis: Insular, 2005.

MODESTO, Artarxerxes Tiago T., Abordagens Funcionalistas. Revista Letra


Magna. n.04, 2006. Disponível em:< http://www.letramagna.com/Abordagens.pdf>.
Acesso 21 ago 2011.

NEVES, Maria Helena de Moura. Estudos funcionalistas no Brasil. DELTA, São


Paulo, v. 15, n. spe, 1999 . Available from:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44501999000300004&lng=en&nrm=iso>. Access on 21 Aug. 2011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44501999000300004.

OLIVEIRA, Aline Mascarenhas. Supressão e preenchimento do sujeito em


construções com sintagma preposicionado topicalizado. 2007. 136 p.
Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) UFBA. Salvador.
ANOTAÇÕES
A ESTRUTURA SINTAGMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA

CAPÍTULO 2
Após termos conhecido todo o percurso histórico que possibilitou o
desenvolvimento da nossa disciplina, sintaxe, é hora de desvendarmos de que
maneira ela se aplica à observação da língua. Estaremos, nesse ponto de nossa
jornada, trabalhando diretamente com conceitos e modelos de análise desenvolvidos
sob a perspectiva formalista. Também faremos uma associação dessa análise com a
descrição postulada pela GT.
É preciso, para os nossos passos futuros, compreender alguns conceitos
operacionais básicos para que realizarmos o que chamamos de análise. A primeira
coisa que precisamos entender é o que significa realizar uma análise. De acordo
com Carone (2005, p. 13), análise “é o método cartesiano de conhecimento, que
consiste em decompor um todo em suas partes, sem perder de vista a relação que
elas mantêm entre si.” Desta forma, analisar é segmentar alguma unidade nos seus
constituintes, considerando o modo como eles se relacionam.
Pensemos, por exemplo, no preparo de um prato como uma lasanha. Quando
ele chega à mesa, ele é uma unidade. Entretanto, ao provarmos o primeiro pedaço,
podemos começar uma análise da iguaria. Aí, perceberemos a presença de
camadas, constituídas de massa, recheio e molhos. Cada uma das camadas tem
seu papel no produto final do prato. A massa serve para estruturar o prato, trazendo
uma substância mais consistente. O recheio é o elemento que tornará o prato mais
saboroso e macio. O molho tem a função de manter o prato úmido, além de
acrescentar mais sabor, além de, por vezes, ser responsável pelo aspecto final do
preparo, dando-lhe cor e uma aparência mais apetitosa. Analisamos, assim, as
partes constituintes de um dos pratos mais populares do mundo. Poderíamos ir mais
fundo na nossa análise, uma vez que cada um dos elementos das camadas também
tem uma constituição própria, com outros elementos. Assim, a massa foi composta
por farinha, ovos e sal; o molho pode ter sido elaborado com tomates, azeite de
oliva, cebola, manjerona, sal e pimenta; o recheio pode ter sido elaborado com carne
de porco, temperos e aditivos químicos (presunto) e leite, levedo e sal (queijo). O
que podemos concluir a partir desse exemplo é que uma análise segue uma
hierarquia. Partimos de um item para outro, buscando segmentar cada parte que
compõe o objeto analisado.
Se o objeto de análise da sintaxe é a sentença, nesse processo, partiremos
dela, inteira, para identificar quais são seus constituintes e, em seguida, cada
constituinte também será analisado. Isto é o mesmo que descrever uma estrutura. A
descrição de algo é um tipo de análise. Carone (idem,p.20) afirma que
[...]para que se chegue ao efetivo conhecimento de um objeto, é
necessário que as partes obtidas pelo corte analítico não se
dispersem, de tal maneira que o todo mantenha sua integridade na
consciência de quem observa.

Assim, analisar não é fazer um inventário dos elementos que compõem a


sentença. Isto seria o mesmo que listar as palavras que estão na sentença. Analisar,
ao contrário, é colocar a sentença em processo de separação de partes que sejam
uma construção e uma estrutura.
Considerando que uma sentença, à primeira vista, seja uma sequência de
palavras, o conjunto de relações que elas estabelecem entre si seria a sua estrutura.
Cada palavra seria a substância usada para a elaboração da sentença. Porém, elas
não são postas de maneira aleatória. Elas obedecem a princípios de organização
que permitem que seja uma estrutura.
Esses princípios já foram apresentados no capítulo 1: ordem, concordância e
regência. São esses princípios que estabelecem que essas substâncias ganhem
forma e sejam assim, uma estrutura. Para que a forma seja uma estrutura, ela deve
estar articulada, ou seja, suas substâncias devem estar unidas e associadas, de
modo adequado aos padrões previstos como possibilidade da língua.
Um exemplo claro disso é a formação de uma estrutura com os elementos
celular, André e de. A língua portuguesa não tem, em seu sistema, a possibilidade
de articulação desses elementos em que a preposição que liga os dois esteja
encabeçando a estrutura. Assim, *de celular André não é uma estrutura da língua
portuguesa, pois esse tipo de articulação não é permitido no nosso sistema. Por
outro lado, se a articulação dessas substâncias obedece ao sistema (celular de
André), temos uma estrutura e, por conseguinte, uma construção.
Carone (ibidem, p. 12) diz que:
O objeto criado pela atribuição de uma estrutura à substância é uma
construção. Seja casa, sílaba ou esqueleto, uma construção não é
apenas substância, mas substância formalizada, isto é, dotada de
forma.

E como foi dito no exemplo da lasanha, dentro de um objeto maior (as


camadas da lasanha), podemos identificar construções menores (o queijo, que foi
elaborado a partir de leite, levedos e sal, por exemplo). Voltando à sentença, o que
vai permitir o estabelecimento dessas organizações em estrutura e construção é
algo que chamamos de conexão. Ela pode ser chamada como um tipo de energia
interna das substâncias, de caráter abstrato, que possibilita a associação das
mesmas.
De acordo com as palavras de Carone (ibidem, p. 52), esse caráter abstrato
das relações sintáticas deve ser salientado, uma vez “que é algo que se instala
independentemente de concretizações de qualquer natureza.” Isto quer dizer que a
conexão ocorre independente da vontade do falante. Não é algo que ele pode
escolher realizar ou não. Observe a sentença (6):
(6) Precisamos de água.

A conexão que se estabelece - entre o verbo precisar e seu complemento


água - se dá por meio de uma preposição. Não é uma opção para o falante usar ou
não a preposição para ligar o elemento água (um nome) ao verbo precisar. É esta
energia que se chama conexão. Ela é um princípio que o falante tem em sua
competência linguística e obedece intuitivamente.
Sobre essa relação, Carone (ibidem) ainda afirma que: “A conexão é uma
relação de dependência que se estabelece entre dois elementos; desses, um é o
central, o outro é o marginal. O marginal pressupõe o central, mas o inverso não é
verdadeiro.” Assim, no exemplo em questão, a preposição de pressupõe a presença
de um verbo e um nome. Porém, o nome, isoladamente, não pressupõe a
preposição.
A respeito dessa preposição, vejamos outro exemplo:
(7) O poste caiu.
Neste exemplo, temos as seguintes substâncias: o, poste, caiu. Percebemos que o
artigo está formando uma estrutura com o nome poste. Ao observarmos essa
articulação, sabemos que, usando o artigo o, temos a pressuposição de que um
nome estará vinculado a ele, afinal, o artigo não funciona sozinho. Sendo assim, ele,
o elemento marginal, pressupõe o elemento central, o nome poste. O mesmo ocorre
ao observarmos o verbo. Este elemento pressupõe um nome ou elemento que
funcione como tal. Assim caiu pressupõe o poste, aquilo que a GT vai chamar de
sujeito.
A conexão se dá por dois mecanismos interligados que a GT só menciona em
dois momentos isolados. O que possibilita a conexão entre elementos são a
regência e a subordinação. A GT só trata desses mecanismos para falar do uso das
preposições e de períodos compostos. Porém, quando uma estrutura se forma,
existem, nela, elementos regentes e regidos, elementos subordinantes e
subordinados. É isso que veremos mais adiante, ao estudarmos os sintagmas. Antes
disso, porém, precisamos entender que o objeto de análise desta disciplina é a
sentença. Os compêndios gramaticais não a chamam assim. Na GT, a sentença é
conhecida como oração ou período. Então, como ponto de partida para as análises,
que tal identificarmos o que é frase, oração e período? Vamos lá!

2.1 Frase, oração e período

As gramáticas costumam conceituar, resumidamente, esses três elementos da


seguinte forma: frase é um enunciado de sentido completo que é capaz de promover
comunicação; oração é uma frase que tem verbo e o período é a frase organizada
em uma ou mais orações. Em poucas palavras, o que a gramática tenta explicar
acaba por não ser suficiente para compreender o que seria, então, cada um desses
conceitos. Afinal, frase pode ser uma simples interjeição ou uma palavra cuja
entonação exprima um sentido que comunique algo (como o clássico exemplo de
Cuidado!); oração é a frase organizada com a presença de verbo; e o período pode
ser uma oração ou mais orações articuladas.
Que tal, então, vermos alguns conceitos de linguistas estudiosos da sintaxe?
Silva e Koch (2005, p. 11) afirmam que
Costuma-se entender por frase a expressão verbal de um
pensamento, ou seja, todo enunciado suficiente por si mesmo para
estabelecer comunicação. Por meio dela, podem-se expressar juízos,
descrever ações, estados ou fenômenos, transmitir apelos ou ordens,
exteriorizar emoções.
Toda frase de uma língua consiste em uma organização, uma
combinação de elementos linguísticos agrupados segundo certos
princípios, que a caracterizam como uma estrutura.
Já Carone (2005, p. 47), diz que “O termo frase tem uma abrangência muito
grande, o que o torna pouco preciso”. Por conta disso, ela adota “a concepção de
frase como unidade de comunicação”. Assim, a autora as classifica desde as
interjeições até as frases verbais, que também chama de orações.
Então, de acordo com Carone (idem, pg 51), a frase que se estrutura pela
presença de um verbo é uma oração.

Você sabia?
A Gramática Gerativo-Transformacional classifica as frases de acordo com a
intenção que a sequência pretende comunicar. Por essa perspectiva, as frases são
unidades semântico-pragmáticas: semântico, porque apresentam um significado;
pragmático, porque a frase tem a intenção de comunicar algo. Isso se concretiza, na
modalidade escrita da língua, através de pontuação. Já na modalidade oral,
percebe-se a presença da entonação. Por conta disso, criou-se uma forma de
classificar as frases, considerando a proposição contida nela (seu teor semântico) e
o seu tipo (a sua função na comunicação), expressão pela fórmula abaixo:

F = T + P → FRASE = TIPO + PROPOSIÇÃO.

Desta forma, as frases podem ser do tipo declarativo (Marta dormiu), interrogativo
(Marta dormiu?), imperativo (Durma, Marta) e exclamativo (Marta dormiu!). Elas
também se classificam como negativas e afirmativas (Marta não dormiu x Marta
dormiu – declarativa negativa e declarativa afirmativa).
De acordo com Azeredo (1999, p. 45),
A oração é a unidade gramatical cujo eixo é o verbo. Período é a
unidade gramatical constituída de pelo menos uma oração e que
pode funcionar como frase. O conceito coincide, neste caso, com o
de oração, mas dele se distingue quando duas ou mais orações se
ligam coordenativamente.

Ora, os conceitos citados acima são muito semelhantes aos conceitos


encontrados em qualquer gramática. E tudo isso nos leva à conclusão de que, de
um modo geral, não faz muita diferença para o que vamos estudar se estamos
lidando com uma frase verbal, uma oração ou um período. Se o que pretendemos
compreender e descrever são os mecanismos que permitem que esses conceitos se
apliquem a uma sequência de palavras, a nomenclatura utilizada não vai interferir no
resultado final.
É por conta disso que, de agora em diante, as frases ou orações usadas para
ilustrar e explicar nossos conteúdos serão chamadas de sentenças. Como foi
mencionado antes, esse é o objeto de estudo da sintaxe, não importando qual o seu
tamanho ou quantos verbos contenha. Ora, se tomarmos uma frase nominal para
análise verificamos que estaremos diante de um sintagma. E se esta frase contiver
um verbo, estaremos diante de uma estrutura que apresenta um predicador,
associado a seus elementos subordinados.
O que nos importa é que para serem sentenças, as palavras deverão se
adequar aos princípios apresentados, às possibilidades do sistema, estabelecendo
conexões entre si, criando uma hierarquia, que possibilitará, no fim, a transmissão
de uma informação. Então, o que analisaremos são sentenças, mesmo que sejam
apenas frases ou períodos compostos. Vamos a elas?

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre os estudos de Chomsky, principalmente sobre


a teoria transformacional, leia o artigo A linguística de uma época anterior. Além
de revisar alguns aspectos já apresentados, explica sobre as observações de
Chomsky a respeito das transformações frasais.
LINGÜÍSTICA. Disponível
em:<http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/renatomaterial/linguistica.htm>.
Acesso em: 26 ago. 2011.

2.2 O sintagma: definição e tipos

Vimos no início deste capítulo que as palavras costumam se associar


mediante “forças” que estão fora do alcance do falante. Às vezes, simplesmente, um
nome solicita um complemento. Por exemplo, saudade. Quem tem saudade, tem
saudade de algo ou alguém. Não cabe ao falante optar por isso. Ou seja, o falante
não tem como escolher que um elemento necessite ou não de complementação. O
que o falante pode optar é pela maneira como essa complementação se expressará.
Quando as palavras se associam, seja porque elas solicitam a presença uma da
outra, seja porque o falante pôde escolher isso, estamos diante de uma construção
maior, uma estrutura.
Segundo Silva e Koch (2005, pg 14)
O sintagma consiste num conjunto de elementos que constituem uma
unidade significativa dentro da oração e que mantêm entre si
relações de dependência e de ordem. Organizam-se em torno de um
elemento fundamental, denominado núcleo, que pode, por si só,
constituir o sintagma.

O que se percebe, então, é que o sintagma é um bloco significativo. Ele pode ser
constituído de uma única substância (palavra ou elemento lexical), ou pode ser uma
estrutura formada por mais de um elemento. É aquela conexão apresentada no
início do capítulo que manterá esse bloco uno, funcionando como uma pedra sólida
na constituição da sentença. Carone (2005, p. 8) conceitua sintagma como qualquer
construção, em qualquer nível, resultante da articulação de unidades menores. No
nível ao qual estamos nos dedicando, sintagma seria, então, as estruturas formadas
por palavras que se associam gerando uma construção que participará de uma
estrutura maior, a sentença.
Em língua portuguesa, a sentença se estrutura pela articulação de dois
termos básicos. A GT costuma chamá-los de termos essenciais da oração, que
seriam o sujeito e o predicado. Porém, essas duas noções não são estruturas, mas
sim funções desempenhadas por sintagmas.
Esses elementos são os sintagmas - nominal e verbal. De um modo geral, a
estrutura oracional da nossa língua é:

S = SN + SV.

Assim, independente do tipo de oração que esta sentença seja, ou ainda do


tipo de sujeito que o SN venha a desempenhar, a sentença sempre se apresentará
com essa estrutura. Alguns podem, então, questionar: E as orações que a GT
classifica como “sem sujeito”? Sobre isso, Silva e Koch ( 2005, p. 15) explicam que
“Nas regras de reescritura, o SN sujeito existe como posição estrutural, embora
muitas vezes este elemento não se atualize, isto é, sua posição não seja
lexicalmente preenchida”.
Para saber como faremos a descrição desse caso, trataremos mais
profundamente no item que descreve o sintagma nominal.
Além da fórmula básica de reescritura da sentença, eventualmente, podemos
ter outro elemento que não pertence nem ao SN, nem ao SV. Seria um sintagma
preposicionado ou ainda um sintagma adverbial que traz para a oração inteira uma
noção circunstancial. Desta forma, é possível que uma sentença também se
reescreva da seguinte forma:
S = SN + SV +(SP).

As autoras (idem) ainda afirmam que


Além dos elementos obrigatórios, SN e SV, existem orações que
apresentam um terceiro subconjunto, com as seguintes
características: a) é facultativo, isto é, sua ausência não prejudica a
estrutura sintática da oração; b) é móvel, ou seja, pode ser deslocado
de sua posição normal (após o SN e o SV), vindo anteposto a esses
sintagmas ou, ainda, intercalado; c) apresenta-se, geralmente, sob a
forma de um SP.

A seguir alguns exemplos desse tipo de construção:


(8) As praias │ ficam cheias │ no verão
SN SV SP
(9) As crianças │ frequentam os shoppings │ nas férias.
SN SV SP
Esse tipo de constituinte pode aparecer mais de uma vez numa mesma sentença:
(10) O jornaleiro │ entrega as revistas │ em domicílio │ aos sábados.
SN SV SP SP
Com isso, damos início a uma análise, de qualquer sentença que seja. Sempre
partimos desse pressuposto para começar a descrever uma oração. Vejamos os
exemplos:
(11) Os meninos │ jogavam futebol de salão.

Nesta sentença é possível ver que duas estruturas se articulam Os meninos e


jogavam futebol de salão. Para identificar esses itens, utilizamos um procedimento
chamado comutação, que se divide em duas tarefas primordiais:
1) segmentação, que determina os subconjuntos em que uma sentença pode
ser decomposta;
2) substituição, que permite identificar quais outros elementos pode exercer a
mesma função.
Assim, em lugar de os meninos, poderia existir:
(11.1) As mocinhas │ jogavam futebol de salão.
(11.2) Aquelas crianças │ jogavam futebol de salão.
(11.3) Todos aqueles estudantes │ jogavam futebol de salão.
O mesmo poderia ocorrer com o sintagma verbal jogavam futebol de salão.
Poderíamos ter uma infinidade de outros sintagmas que substituiriam o SV em
questão. Assim, percebemos onde começam e onde terminam esses subconjuntos.
Sabendo disso, precisamos conhecer os demais tipos de sintagmas.
Como já foi mencionado, o sintagma apresenta um termo central, que
subordina todos os demais termos. A classificação do sintagma depende da
natureza desse termo. Portanto, o tipo de elemento que é o núcleo do sintagma
determinará a sua classificação. Além dos sintagmas - nominal e verbal - cujos
núcleos são, respectivamente, nome e verbo, existem, também, os sintagmas
adjetival, adverbial e preposicionado. A seguir, faremos um estudo mais profundo
sobre cada um desses sintagmas, observando exemplos deles e descrevendo suas
estruturas.

2.2.1 Sintagma nominal

O sintagma nominal é o tipo de sintagma que mais traz nuances na sua


descrição. É um sintagma bastante elaborado, com muitas possibilidades de
estruturação. Comecemos, então, pela sua substância primordial, o nome.
Inicialmente, chamava-se nome qualquer item lexical (que apresenta morfema
lexical) que flexionasse em gênero e número. De acordo com Azeredo (1999, p. 37),
O agrupamento de substantivos e adjetivos sob o rótulo de ‘nome’
tem uma longa tradição. Afinal, o nome era identificado graças às
categorias de gênero, número e caso, partilhadas por substantivos e
adjetivos nas línguas clássicas – o grego e o latim.
Diante da possibilidade de classificar as palavras por critérios semânticos,
indo além de suas características morfológicas, separou-se esse agrupamento em
substantivos e adjetivos, por conta das suas funções na língua portuguesa: o
primeiro nomeia coisas e seres, enquanto o segundo os caracteriza com qualidades.
Ainda assim, ao estudarmos a estrutura de um SN, podemos dizer que quase
qualquer elemento da nossa língua pode ser tomado como um nome no contexto
estrutural em questão. Veja o exemplo:
(12) Um mas │ faz toda a diferença para um texto bem redigido.

SN SV
Nesta sentença, a conjunção mas foi colocada como nome, núcleo do
sintagma que estrutura a sentença. O que ocorreu foi a chamada substantivização
da conjunção, mediante a presença do artigo indefinido um.
Retomando, então, o conceito de sintagma nominal, podemos iniciar a sua
descrição partindo do princípio de que seu núcleo é um nome. Esse nome pode ou
não vir acompanhado de elementos opcionais que o determinarão ou o modificarão.
Veja os exemplos seguintes:
(13) Estes brinquedos │ ajudam no desenvolvimento cognitivo da criança.
SN SV
O SN em questão tem o nome brinquedos como núcleo. Porém, esse nome
vem acompanhado de outro elemento que pressupõe o nome. O elemento estes
determina que não é qualquer brinquedo, mas sim um específico. O nome foi, então,
determinado. Pelo mecanismo de comutação, poderíamos testar vários outros
elementos que funcionem da mesma forma que o pronome demonstrativo estes:
meus brinquedos, uns brinquedos, os brinquedos, todos os brinquedos, aqueles
nossos brinquedos, esses quatro brinquedos etc. Assim, o nome pode ser
determinado. Os elementos apresentados em destaque são os determinantes.
Falaremos deles no próximo item.
Além dos determinantes, o nome pode vir acompanhado de modificadores.
Esses elementos, como a própria denominação indica, modificam o nome, trazendo
algum tipo de especificação para ele. Vejamos alguns exemplos:
(14) Os carros novos │ têm direção hidráulica.
SN SV
(15) A sorveteria do bairro │ passou por uma reforma.
SN SV
Tanto em Os carros novos quanto em A sorveteria do bairro, junto aos nomes,
que já estão acompanhados de determinantes, consta a presença de elementos
como novos e do bairro. Esses elementos trazem uma caracterização desses
nomes. Esses são os modificadores.
Inicialmente temos a seguinte regra:
SN = (det)+ (mod) + N + (mod).

Observe que o modificador, a depender de sua natureza, pode vir anteposto


ao nome. É o caso no adjetivo novo, do exemplo (14). Poderíamos ter a construção
seguinte:
(14.1) Os novos carros │ têm direção hidráulica.

Com esse exemplo, podemos perceber que o adjetivo tanto pode ocorrer
antes quanto depois do nome. O mesmo, porém, não ocorre com a estrutura
preposicionada do bairro. Por ser um SP, não ocorre antes do nome que está
modificando. Então, o modelo apresentado acima é uma das possibilidades de
reescritura do SN.
Lembremos ainda que o nome pode receber muitos modificadores. Em
resumo, a fórmula traz esses elementos entre parêntesis, o que indica seu caráter
de opcionalidade. Em outras palavras, tanto o determinante quanto os modificadores
não são obrigatórios, ao contrário do nome.
Silva e Koch (2005, p.16) descrevem o SN da seguinte forma:
O sintagma nominal (SN), como já se disse, pode ter como núcleo
um nome (N) ou um pronome (Pro) substantivo (pessoal,
demonstrativo, indefinido, interrogativo, possessivo ou relativo). No
último caso, o pronome por si só constituirá o sintagma, que terá a
seguinte constituição:
SN → pro

Esta é outra configuração do SN, quando o nome, juntamente com todos os outros
elementos opcionais, é substituído por um pronome substantivo. Veja o exemplo:
(16) Eles │ encontraram um tesouro.
SN SV
(17) Ninguém │se machucou.
SN SV
(18) Todos │ foram dormir cedo.
SN SV

Em todos os três exemplos, o SN se configura em um pronome substantivo. Assim,


a reescritura desses sintagmas se faz da seguinte maneira:

SN → pro

Temos ainda os casos em que o SN pode não ser preenchido lexicalmente,


como mencionamos anteriormente. Um dos casos em que isso pode ocorrer é
quando temos uma sentença classificada pela GT como oração sem sujeito. Nesses
casos, o SN será reescrito através do símbolo ∆. Observe o exemplo abaixo:
(19) Choveu muito ontem.
(20) Há cadeiras disponíveis na sala 207.

Nesses casos, a sentença ainda precisará ser reescrita pela decomposição em dois
itens essenciais, os constituintes imediatos. Porém, a GT afirma que não há sujeito
nelas. Assim sendo, a estrutura SN, obrigatória na composição da sentença, é
descrita como ∆. Podemos, então, dizer que o SN também se apresenta através da
seguinte reescritura:

SN → ∆.

Por fim, não podemos nos esquecer de que o sintagma nominal também pode se
apresentar através de uma estrutura oracional. O exemplo abaixo é um exemplo
clássico, muito usado, inclusive, pela GT para ilustrar essas situações.

(21) É necessário │ que cheguemos cedo.


SV SN
Neste exemplo, temos uma inversão da ordem direta da sentença, com a
presença do SV antes do SN. E verificamos que o SN é uma oração completa, com
sujeito (nós – implícito na desinência verbal) e predicado (cheguemos cedo). Nesse
caso, então, temos um SN que se reescreve em S2. O que chamamos de S2 é o que
a GT costuma chamar de orações subordinadas. As que se estruturam como nomes,
como SNs, são as orações subordinadas substantivas.
Assim, temos a última forma de estruturação do SN:

SN → S2

Em síntese, então, o sintagma nominal pode se reescrever assim:

(det) + (mod) + N + (mod)


SN → pro

S2

2.2.2 Determinantes

Os determinantes são elementos que ocorrem dentro do SN. Quando eles se


fazem presente, o nome em questão torna-se mais específico, deixando de ser uma
generalização. Afinal, qualquer falante consegue perceber a diferença entre casas e
aquelas casas, ou casas e as casas. Esses exemplos são chamados simples, e são
representados por artigos, pronomes adjetivos ou numerais. Entretanto, a língua
portuguesa permite que essas categorias gramaticais se associem criando, assim,
um determinante complexo.
De acordo com Silva e Koch (idem), “Quando complexo, constitui-se de mais
de um elemento; o determinante propriamente dito ou elemento base (det-base); o
pré-determinante (pré-det) e o pós-determinante (pós-det)”. Desta forma, o
determinante pode ser um elemento gramatical sozinho, ou pode ser um bloco
dentro do SN, sendo descrito pela regra a seguir:
Det → (pré-det) + det-base + (pós-det)

Pela regra, percebemos que tanto o pré-det quanto o pós-det não são
elementos obrigatórios. Mas quando aparecem na sentença, se estamos fazendo
uma análise da mesma, precisamos descrevê-los. Antes de falarmos sobre cada um
dos itens que compõe o determinante complexo, vejamos um exemplo dele numa
sentença.

(22) Todos os meus amigos │ foram ao show


SN SV
(23) Estes dois livros │ são da biblioteca.
SN SV

No SN do exemplo (22), temos o determinante todos os meus, que tem como


pré-det todos, det-base, os e pós-det, meus. Já no exemplo (23), não constam três
elementos, o que nos leva a questionar: qual deles seria o det-base? Ele tem pré-det
ou pós-det. Bem, começamos, então, definindo quais elementos podem funcionar
como det-base. O primeiro deles é o artigo, considerado det-base mor. Por ele, o
artigo e os pronomes demonstrativos serem excludentes entre si, coloca-se esse
tipo de pronome como a segunda opção de det-base numa construção com
determinante complexo. Em caso de não haver nem artigo, nem pronome
demonstrativo, um possessivo exercerá a função de det-base. Vejamos:
(24) Todos os alunos │ saíram.
(25) Aqueles seis carros │ foram vendidos.
(26) Meus sete tios │ moram no interior.

Nesses três exemplos, temos determinantes complexos que não apresentam pré-det
e pós-det associados simultaneamente ao det-base. Em (24), há a presença de pré-
det junto ao det-base. Nos demais exemplos, temos o det-base, seguido de pós-det.
Cada um dos exemplos traz uma das possibilidades de forma do det-base: artigo em
(24); demonstrativo em (25) e possessivo em (26).
De acordo com Silva e Koch (ibidem,p.20),
Funcionam, geralmente, como pós-determinantes, os numerais e os
possessivos (estes meus cinco amigos) e como pré-determinantes,
certos tipos de expressões indefinidas ─ quantificadores universais
(todos os meus amigos, nenhum dos meus amigos) ou partitivos
(alguns de meus amigos, muitos dos meus amigos, quatro dos meus
amigos, a maioria dos meus amigos).

É importante perceber que esses elementos, ao se combinarem, além de


obedecerem ao princípio da língua que impossibilita a simultaneidade de alguns
deles – como o exemplo de artigo e demonstrativo (*os estes meninos), também
obedecem a regras de ordenação.

Você sabia?

Na construção de determinantes complexos, não se usa numerais ou


quantificadores, antes de artigos. Algumas construções são agramaticais, isto é, são
inaceitáveis para os falantes do idioma. Veja um exemplo:
*Os todos meninos chegaram tarde.

Mesmo o falante de língua portuguesa que nunca frequentou uma escola construiria
uma sentença assim, com esse tipo de determinante. Isto não ocorre porque ele
percebe que esse tipo de estrutura não pertence à nossa língua, uma vez que o
sistema não possibilita isso.

2.2.3 Sintagma verbal

De acordo com Silva e Koch (ibidem, p. 24),


O sintagma verbal (SV), um dos elementos básicos da oração,
conforme se viu anteriormente, pode apresentar configurações
diversificadas [...]. Atribui-se a etiqueta verbo (V) ao constituinte do
SV que contém a forma verbal, composta de um só vocábulo
(tempos verbais simples) ou de vários vocábulos (tempos compostos
ou locuções verbais).

Assim, nós iniciamos a nossa observação sobre a estrutura do SV, tomando


por base o seu eixo, o verbo. Ele tanto pode ser uma forma simples, quanto pode
ser uma perífrase verbal ou ainda um tempo composto. Esta explicação inicial visa a
acalmar os ânimos, uma vez que um tempo verbal composto, de início, pode gerar
alguma angústia em quem faz a análise pela primeira vez. O que se quer dizer, com
isso, é que não importa o tamanho do verbo ou de sua forma. O que vai definir a
estrutura do SV não é a flexão verbal, mas sim a sua transitividade ou ainda “as
forças” que fazem com que o verbo precise ou não de complementação. Todo o
resto da estrutura dependerá disso.
Gostamos muito da imagem que o sistema solar apresenta, com os planetas
“presos” em suas órbitas, por força gravitacional exercida pelo sol. Bem, para a
sentença inteira, o sol é o verbo.

INSERIR FIGURA 6

Ele é o eixo, a força mor, o item de maior poder subordinador. A ele, estão
associados o SN- constituinte imediato, chamado de sujeito pela GT, como também
todos os outros sintagmas que possam vir a complementá-lo. Por isso, iniciemos a
nossa descrição, partindo do SV mais básico, composto apenas do seu núcleo, o
verbo, chegando a um SV mais complexo, que solicite mais de um complemento.
Em todas as formas, o que importa é que se percebam quais elementos estão
dentro dessa construção. Observe o exemplo
(27) Ana │ chegou.
SN SV
Neste caso, o SV é constituído apenas do V. A GT o chama de verbo intransitivo.
Esse verbo não solicita complementação. Porém, os verbos dos exemplos seguintes
são diferentes. Eles não apresentam sentido completo, uma vez que deixam um
questionamento cuja resposta apresenta o complemento verbal.
(28) Os turistas │compraram │os ingressos.
SN SV
V SN
(29) Os professores │gostaram │dos resultados das provas.
SN SV
V SP
Nesses dois exemplos, os verbos - comprar e gostar - solicitam aquilo que a GT
chama de objetos. Assim percebemos que dentro do SV, podemos ter sintagmas
nominais e preposicionados. No caso de um predicado nominal, é possível até
mesmo que dentro do SV conste um SA.
(30) Joana │ chegou exausta.
SN SV

V SA
Sobre a estrutura do SA, falaremos mais adiante.
(31) Edmilson│é competente.
SN SV
cop SA
Na sentença (31), temos aquilo que a GT chama de predicado nominal. O verbo é
chamado de verbo de ligação. Na nomenclatura estrutural, o chamamos de cópula
ou verbo copulativo.
Podemos ter um predicado cujo verbo peça a presença de mais de um
complemento:

(32) Nós │ compramos │ chocolate│ para Irene.


SN SV

V SN SP

(33) Marcos │ conversou │ com o irmão │ sobre o jogo.


SN SV

V SP SP
Essas duas estruturas permitem associar a um mesmo verbo duas
complementações. E assim, podemos sintetizar a estrutura do SV da seguinte
forma:
(mod) V (SN) (SP) (SA)
SV (mod) cop (SN) (SP) (SA)

Por esta regra, percebemos que os elementos que acompanham o verbo são
opcionais na medida em que o verbo os solicita. Em caso de verbo com forma
composta, tal como as perífrases, o mesmo deve ser descrito como aux (verbo
auxiliar) + V (verbo principal). Quanto aos modificadores apresentados, esses são os
sintagmas adverbiais, que tanto podem vir antes quanto depois do verbo,
intensificando-o ou trazendo algum tipo de noção circunstancial. Também falaremos
deles mais adiante, e com eles, apresentaremos mais exemplos que ilustrem esse
tipo de sintagma e seu funcionamento na estrutura verbal.

2.2.4 Sintagma adjetival

O sintagma adjetival é também chamado de modificador. Embora esta não


seja função exclusivamente sua, é muito comum que associemos essa estrutura a
esta função, uma vez que adjetivos - via de regra - acompanham substantivos,
qualificando-os. Vejamos alguns exemplos:
(34) A música sertaneja │ agrada muitas pessoas românticas.
SN SV
{det + N + [SA]} {V + [SN]
{det + N + [( A)]} { V + [(det + N + (SA))]}
{ V + [(det + N + (A))]}
Por esse exemplo, chegamos à conclusão de que a primeira forma como um SA
pode se configurar é com apenas um adjetivo. De acordo com Silva e Koch (ibidem,
p. 22) “o sintagma adjetival (SA) tem como núcleo um adjetivo que, à semelhança do
que ocorre nos demais tipos de sintagmas, pode vir sozinho ou acompanhado de
outros elementos”. Esses outros elementos são intensificadores, na forma de
sintagmas adverbiais, e adjuntos ou complementos, na forma de SPs.
(35) A casa muito velha │ desmoronou.
SN SV
{det + N + [SA]} {V}
{det + N + [SAdv + A]}

(36) O luar │ ofereceu-nos um espetáculo surpreendentemente encantador.


SN SV
{det + N} {V + [SN] + [SN]}
{V + [pro] + [det + N + (SA)]}
{V + [pro] + [det + N + (SAdv + A)]}
(37) Fumar │ é extremamente prejudicial à saúde.
SN SV
{N} {cop + SA}
{cop + [SAdv + A + SP]}

Nesses três exemplos, temos SAs como constituintes de SNs (em 35 e 36), e
também há um SA que não exerce função de modificador, mas sim de predicador,
(em 37), ou seja, ele faz parte do SV. Todos eles trazem, em sua estrutura,
elementos que o modificam, seja intensificando a qualidade que eles exprimem, seja
complementando-o. Percebemos, então, que o adjetivo, núcleo do SA, tanto pode vir
sozinho, quanto pode ser intensificado ou modificado, e ainda complementado, pela
presença de SAdvs e SPs. Desta forma, a regra que descreve a estrutura de SAs é:

SA →(SAdv) + A + (SAdv) + (SP)

Quanto à nomenclatura dos elementos que podem acompanhar o adjetivo na


constituição do SA, não há um consenso na literatura observada. Há autores que
chamam esses elementos de intensificadores e modificadores. Outros chamam de
determinantes e modificadores. Azeredo (1999, p. 86) diz que “O SAdj tem como
núcleo um adjetivo, que pode vir precedido de determinante, e precedido e seguido
de modificador.” O que optamos fazer, nesse nosso estudo, é apenas observar as
estruturas, sem nos prendermos a esse tipo de nomenclatura.
Assim como os SNs, os sintagmas adjetivais também podem se configurar em
estruturas oracionais. Temos, então, um SA que se reescreve em S2, como
podemos ver no exemplo (38):

(38) Os livros que Ana comprou │ foram publicados no exterior.


SN SV
{det + N + SA} {aux + V + SP}
{det + N + [S2]}
Então, podemos sintetizar a estrutura do SA pelo seguinte esquema:

SA (SAdv) + A + (SAdv) + (SP)


S2

Você sabia?

As orações que a GT chama de subordinadas são exatamente essas estruturas


sintagmáticas que se apresentam na forma de uma sentença. No caso dos SAs que
se configuram em S2, temos as orações subordinadas adjetivas.
As orações subordinadas substantivas são SNs que se configuram como S2. E as
orações subordinadas adverbiais são SAdvs que são S2.

2.2.5 Sintagma adverbial

Alguns autores não consideram a estrutura que chamaremos de sintagma


adverbial como um sintagma propriamente dito. Silva e Koch (2005), por exemplo,
colocam tais estruturas dentro da construção dos sintagmas preposicionados, que
veremos no próximo item. Ao fazerem isso, as autoras concluem que os advérbios e
as estruturas dos SP funcionam da mesma forma, quando estes são adjuntos e não
complementos, seja nominal ou verbal. Porém, há autores que consideram
estruturas cujo núcleo seja um advérbio. Adotaremos essa linha, tomando Azeredo
(1999,p.40) como referencial teórico para isso. De acordo com ele:
O sintagma adverbial tem por núcleo um advérbio e pode estruturar-
se de forma paralela ao SAdj, já que alguns advérbios podem vir
precedidos de determinante (muito tarde, bastante depressa, um
pouco longe, nada mal, bem ali), precedido de modificador
(estupendamente bem, incrivelmente longe) ou seguidos de
modificador (longe da cidade, depois do almoço, além do horizonte,
posteriormente ao encontro, atrás da porta).

O que o autor chama de determinantes (muito, bastante, um pouco, nada,


bem) são outros advérbios que trazem uma noção de intensidade ao núcleo do
SAdv. Já os modificadores são outros advérbios ou ainda estruturas
preposicionadas, que especificam o sentido do SAdv, tal como os adjetivos fazem
nos sintagmas nominais. Vejamos alguns exemplos em sentenças completas:
(39) Diariamente │acordo extremamente cedo.
{SAdv} + {SN} + {SV}
{Adv} + {pro Ø}+{V + [SAdv]}
{V + [SAdv + Adv]}
[(Adv) + Adv]
(40) Ele │ se escondeu dentro do armário.
SN SV
{pro} + {[SN] + V + [SAdv]}
{[pro] + V + [Adv + (SP)]}

(41) Todos │ jantaram incrivelmente depressa.


SN SV
{pro} + {V + [SAdv]}
{V + [(SAdv) + Adv]}
{V + [(Adv) + Adv]}

Pelo que os exemplos mostram, temos, então, a possibilidade de o advérbio


ocorrer sozinho ou acompanhado de outro advérbio ou de estrutura preposicionada,
o SP. Sua estrutura segue, então, à regra descrita a seguir:

SAdv → (SAdv) Adv (SAdv) (SP)


É importante lembrar que os elementos que aparecem entre parêntesis, na
regra, são os elementos opcionais, ou seja, eles podem ocorrer, mas não são
obrigatórios.
Os sintagmas adverbiais também podem ter, em sua configuração, a
possibilidade de estrutura oracional. Ou seja, eles também podem se apresentar na
forma de S2.

(42) Se todos forem pontuais, │a prova │ começará na hora marcada.


SAdv. SN SV
{S2} {det+ N} {V + [SP]}

2.2.6 Sintagma preposicionado

Chegamos ao último tipo de estrutura sintática. Esta, embora tenha uma


particularidade sobre as demais, apresenta uma construção bastante simples. Ao
contrário dos quatro tipos de sintagmas apresentados, o elemento que nomeia o SP
não é seu núcleo. Em outras palavras, não é a preposição que é o núcleo da
estrutura, embora alguns autores chamem esse sintagma de sintagma preposicional.
O que ocorre é que a preposição é o elo que liga o sintagma nominal que faz parte
da estrutura e o elemento ao qual está conectado. Assim, esse tipo de sintagma é
fruto das “forças” que interferem na construção de sentenças, quando alguns
elementos solicitam algum tipo de relação que só ocorre mediante a presença de
uma preposição.
De acordo com Silva e Koch (2005, p. 19), “De maneira geral, o sintagma
preposicionado (SP) é constituído de uma preposição seguida de um SN.” As
autoras consideram, como foi dito no item que apresentou o sintagma adverbial, que
advérbios são uma reescritura de SPs, por eles funcionarem da mesma maneira em
alguns contextos linguísticos. Porém, seguimos outra linha e preferimos separar
esses itens, levando em consideração não o critério funcional dos mesmos, mas sim
a sua estrutura formal.
Não podemos ignorar que, neste capítulo, estamos seguindo uma descrição
formal da língua portuguesa. Sendo assim, independente da função que
desempenhe na sentença, seja ele um complemento verbal ou nominal, ou ainda um
adjunto que venha a modificar um nome, dentro de um SN, ou mesmo toda uma
oração, a estrutura do SP sempre será uma preposição que acompanha um SN:

SN → prep + SN

Diante de uma sentença ou sintagma que apresente um SP em sua


constituição, devemos isolar a preposição que está regendo a construção,
identificando o SN que está acompanhando. Em seguida, é preciso que este SN seja
descrito também. Veja os exemplos:

(43) Os brinquedos da escola │ ficam na nova ludoteca.


SN SV
{det + N + [SP]} {V + [SP]}
{det + N + [prep+ (SN)]} {V + [prep+ (SN)]}
{det + N + [prep+ (det+ N)]} {V + [prep+ (det+ (SA)+ N)]}
{V + [prep+ (det+ (A)+ N)]}
(44) A escola │ doou fraldas para o orfanato.
SN SV
{det + N} {V + [SN] + [SP]}
{V + [N] + [prep + (SN)]}
{V + [N] + [prep + (det + N)]}
(45) Os garis │começam seu trabalho de madrugada.
SN SV
{det + N} + {V + [SN] + [SP]}
{V + [det+ N] + [prep+(SN)]}
{ V + [det+ N] + [prep+(N)]}
(46) Os belos jardins do Imbuí │são cuidados pelos moradores do bairro.
SN SV
{det +[SA] + N + [SP]} {aux + V + [SP]}
{det +[A] + N + [prep + (SN)]} {aux + V + [prep + (SN)]}
{det +[A] + N + [prep + (det + N)]} {aux + V + [prep + (det+ N +
SP)]}

Estes são alguns exemplos de como uma sentença é analisada. Esta maneira
de análise segue um formato em colchetes. Cada novo nível é colocado dentro de
colchetes para ser analisado em seguida. A análise só se encerra quando todos os
sintagmas forem totalmente descritos em todos os seus constituintes. O que vimos
foi a forma como as estruturas sintáticas se organiza na língua portuguesa. Não
observamos suas funções sintáticas, isto é, o papel que cada uma dessas estruturas
desempenha na sentença. Veremos isso agora, fazendo uma comparação com
aquilo que a GT prescreve como análise sintática.

Saiba mais
Embora as regras de descrição da estrutura do português apresentadas tenham sido
desenvolvidas a partir dos estudos de Chomsky, muitos conceitos centrais que
motivaram o desenvolvimento delas foram influenciados pelo pensamento
Saussuriano. Conheça mais sobre a contribuição de Saussure para a linguística em
CARVALHO,Castelar de.Saussure e a Língua portuguesa.Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm>. Acesso em: 28 ago. 2011.

2.3 Funções sintáticas

Até agora falamos de sintagmas e de estruturas, mas em nenhum momento


falamos de termos que costumamos ouvir de nossos professores desde o ensino
fundamental. Afinal,
- como essas estruturas se encaixam nos conceitos que a GT apresenta?
- o que seria o sujeito e o predicado?
- quais estruturas são os adjuntos? E os objetos?
Pois é...
Os conceitos que a GT apresenta, ao propor uma análise sintática, na verdade
não descrevem a língua, mas sim as funções que as estruturas apresentadas
desempenham. Embora tais funções sejam descritas e classificadas de forma
diferente do que foi visto na seção anterior, não são completamente desvinculadas
entre si. Se compararmos a nossa língua com o corpo humano, poderíamos dizer
que as fórmulas apresentadas anteriormente seriam o esqueleto e os órgãos do
corpo, enquanto que ao falarmos de funções como sujeito, predicado, objetos e
adjuntos, seria o mesmo que associar ao esqueleto e aos órgãos, funções como
sustentar a pele e o músculo, proteger órgãos (funções do esqueleto) e bombear
sangue, digerir alimentos (funções do coração e do estômago).
Então, agora que vimos como a nossa língua está organizada na sua forma,
vejamos como ela funciona.

2.3.1 As classificações da GT

INSERIR FIGURA 7

Ao dar início à observação da estrutura sintática da língua portuguesa, a GT


separa os elementos constituintes das sentenças em três grandes grupos: termos
essenciais, termos integrantes e termos acessórios. Esses três grupos estão
hierarquicamente subordinados. Os termos integrantes fazem parte de um dos
termos essenciais. E os termos acessórios tanto podem fazer parte do outro termo
essencial, como de todos os demais termos integrantes. Segundo as gramáticas, os
termos essenciais são sujeito e predicado. Esses termos correspondem aos
constituintes imediatos da sentença.
O sujeito costuma ser definido como “o ser ao qual se atribui a ideia contida
no predicado.” (SACCONI, 1990, p. 284) Muitas gramáticas apresentam conceitos
diferentes, os quais se baseiam ora em critérios semânticos (elemento que pratica
ou sofre a ação do verbo), ora sintático (termo que estabelece concordância com o
verbo do predicado), ora discursivo (termo sobre o qual se declara algo).
Essas definições, pautadas em critérios diversos, nem sempre esclarecem o
sentido do termo, o qual, por vezes, não é identificado pelo aluno. Muitos estudantes
veem nesses conceitos, um idioma estrangeiro. Os exemplos apresentados pelas
gramáticas não contribuem muito, pois nem sempre refletem a língua que o aluno
conhece, a depender da norma que utilize.
As classificações dos tipos de sujeito se baseiam na sua estrutura. Se for
simples ou composto, depende da quantidade de núcleos que pode ter. Também
podem ser oculto e indeterminado. Além disso, mesmo sendo considerado como um
termo “essencial” é possível que nem exista: a GT aponta uma lista de
possibilidades de orações que não tem sujeito – orações sem sujeito.
Já o predicado “é tudo aquilo que se atribui ao sujeito.” (idem, p. 293) A sua
classificação depende do seu verbo: verbal, nominal ou verbo nominal. Essas
classificações se baseiam em critérios semânticos, pois os verbos - independente de
serem de ligação ou não - apresentam flexão de modo-tempo e número-pessoa, o
que determinará uma relação de concordância com o sujeito. O fato de o verbo, em
algumas ocasiões, solicitar algum tipo de complementação não interfere na
classificação do predicado, mas sim na classificação dos elementos que venham a
complementar o mesmo. Esses itens são os termos integrantes.
Dentro do predicado, então, aparecem os termos integrantes: os
complementos verbais – objetos direto e indireto -, o complemento nominal e o
agente da passiva – elemento responsável pela realização da ação verbal quando a
forma do verbo se apresenta na voz passiva.
Quando o verbo solicita algum tipo de complementação, porque sozinho deixa
algum tipo de questionamento aberto, ele é chamado de transitivo. É o que ocorre,
por exemplo, com verbos como necessitar, doar, dizer, ver, entre outros. Se algum
falante do português se depara com uma sentença como “Fernando disse.”,
automaticamente irá perguntar: “O quê?” É essa necessidade de uma resposta para
a pergunta que se chama de transitividade. Assim, o verbo transitivo pode requerer
um objeto direto - aquele que se associa ao verbo sem o auxílio de uma preposição -
e/ou um objeto indireto - o que só pode ser conectado ao verbo pela presença da
preposição.
Há verbos que só necessitam de um desses complementos. E há outros que
necessitam dos dois.

(47) Jarbas encontrou uma nota de cinquenta reais.


(48) Júlia gosta de fruta do conde.
(49) Célia não esperava uma reação da sua irmã.

Nesses exemplos, temos verbos que solicitam complementação. No exemplo


(47), há a necessidade de um objeto direto, enquanto que em (48), o objeto é
indireto, pela necessidade da preposição de. Por último, no exemplo (49), o verbo
solicita os dois objetos.
Dentro do predicado, também é possível que encontremos um agente da
passiva. Este termo é responsável por informar quem realizou a ação verbal quando
o verbo está na voz passiva.

(50) Os móveis foram montados pelos entregadores.

Na sentença acima, o sujeito (os móveis) não realizou a ação de montar. Ao


contrário, este é um exemplo de sujeito paciente, isto é, que sofre a ação. Informar
quem realiza a ação, quando o verbo está na voz passiva, não é algo obrigatório,
que venha a interferir no sentido da sentença, caso este conteúdo não seja dado.
Entretanto, quando ele aparece é chamado de agente da passiva.
Ainda existe outro tipo de complemento, o predicativo, que tanto pode ser do
sujeito quanto do objeto. O predicativo é o termo que traz alguma característica aos
elementos a que está ligado, sem estar dentro da estrutura que qualifica. No caso do
predicativo do sujeito, ocorre na sentença quando o predicado é nominal.

(51) Igor estava doente.

Não podemos nos esquecer de que existem substantivos e adjetivos que


precisam de complementação. Os termos que os complementam são chamados de
complementos nominais. Veja os exemplos abaixo:

(52) As crianças estão com saudades do pai.


(53) Bebida em excesso é prejudicial ao fígado.
Nos dois exemplos, temos nomes que requerem complementação porque,
assim como o verbo, deixam uma questão no ar: saudade de quê? Prejudicial a
quê? Assim, tem-se o complemento nominal, diferente dos adjuntos e predicativos,
pois estes últimos não são exigidos pela essência da palavra.
Adjuntos são termos acessórios, justamente porque não são essenciais à
compreensão da sentença. Como a classificação já indica, eles são acessórios,
“enfeites”, elementos que dão mais detalhe aos termos da sentença do qual fazem
parte, sem que, em sua ausência, falte algo que interfira no sentido final. Os termos
acessórios são os adjuntos adnominais e adjuntos adverbiais. Algumas gramáticas
também apontam o aposto e o vocativo como parte deste grupo.
Os adjuntos adnominais são todos os elementos que trazem para o núcleo do
sujeito e do objeto algum tipo de especificação. Eles seriam os modificadores do SN.
Já os adjuntos adverbiais são os modificadores verbais e dos SA e SAdv.

(54) Os seus cinco primos virão aqui.


(55) Aqueles cavalos malhados não pertencem ao fazendeiro Mota.
(56) Felícia lê vagarosamente cada página do livro.

Nos exemplos (53) e (54), temos adjuntos adnominais presentes no sujeito.


Já no exemplo (55), temos um adjunto adverbial (vagarosamente) dentro do
predicado, e adjuntos adnominais no objeto direto.
Já o aposto é um tipo de explicação sobre algum elemento frasal sem que ela
esteja inserida em um sintagma.
(57) Salvador, capital da Bahia, tem 462 anos.

O vocativo, por sua vez, é uma categoria muito mais discursiva do que
sintática. Ele é um chamamento.
(58) Paula, não demore!

Essas são as funções sintáticas apresentadas por todas as gramáticas


tradicionais, usadas para se fazer a análise sintática. Será que você consegue
identificar qual estrutura vista na seção anterior poderia desempenhar cada função
dessas? É o que veremos agora.

Você sabia?

O vocativo é um dos casos da língua latina. Ele desempenha a mesma função de


chamamento do português. O que diferencia esta função em latim e em português é
o fato de que, no latim, existe um morfema que faz a palavra exercer esta função. Já
em português, esta função é marcada pela entonação, na modalidade oral da língua,
e pela pontuação e contexto, na modalidade escrita.

2.3.2 Sintagmas e funções sintáticas

Cada sintagma que vimos tem um grupo de funções que pode desempenhar.
Se tomarmos o conceito da GT, que determina como termos essenciais da oração o
sujeito e o predicado, podemos partir do princípio que o SN somado ao SV,
constituintes imediatos na construção da sentença, são o sujeito e o predicado. Com
isso, já marcamos dois aspectos primordiais da associação de estruturas
sintagmáticas com as funções apresentadas pela GT. O sujeito é uma função
exclusiva do SN, enquanto que o predicado é função exclusiva do SV. De fato, o SV
só exerce esta função. Ela é única, e é a única que ele desempenha. Porém, não se
pode dizer o mesmo do SN. Enquanto que o SV, e somente ele, pode desempenhar
o papel de predicado, o SN, embora detentor da função essencial de sujeito, pode
exercer também várias outras funções. O SN pode ser:

• Objeto direto: Meu filho comeu o bolo.

• Objeto indireto: Júlio deu-lhe o troco.

• Predicativo do sujeito: Nina é um doce.

• Predicativo do objeto: Ele acha Mariana uma formosura.

• Adjunto adverbial: Todo dia, Marcella acorda às 5:00.


• Aposto: Bruno, filho do meu chefe, está estudando medicina.

• Vocativo: Meu filho, fale mais baixo, por favor.

Os outros sintagmas também podem ter uma diversidade de funções. O


sintagma adjetival pode exercer as funções de:

• Adjunto adnominal: Aquele carro conversível é do dono da empresa.

• Predicativo do sujeito: Angelina estava fabulosa.

• Predicativo do objeto: Daniela achou Vítor encantador.

O sintagma adverbial costuma ser modificador do verbo, da sentença ou


ainda de um elemento como um outro advérbio. Em todos os casos, a GT afirma que
sua função é de adjunto adverbial:

• A moça muito alta não comprou roupa nenhuma.

• Renato trabalhou incansavelmente no verão

• A correspondência chegou cedo.

Por fim, os sintagmas preposicionados exercem funções de complementação


e de adjunção. Ele tanto pode ser objeto indireto, complemento nominal, agente da
passiva, adjunto adnominal, predicativo do sujeito e adjunto adverbial:

• Objeto indireto: As crianças precisam de limites.

• Complemento nominal: O advogado tinha certeza da inocência de seu


cliente.

• Agente da passiva: O fogo foi apagado pelos bombeiros.

• Adjunto adnominal: Aquele outro carrinho de pipoca foi comprado em abril.

• Predicativo do sujeito: Essa estátua é de fibra de vidro.

• Adjunto adverbial: Costuma-se tirar férias no verão.

Com isso, associamos quais estruturas sintagmáticas desempenham as


funções definidas pela GT. Assim é possível compreender melhor o que a GT
apresenta como análise sintática. Associar as duas possibilidades de análise facilita
imensamente a compreensão de como a nossa língua está organizada.

2.4 Mecanismos de junção de orações

Vimos como uma sentença pode ser analisada. Porém, quando nos
deparamos com textos imensos, cheios de orações, nem sempre conseguimos
visualizar sentenças simples como as que foram dadas nos exemplos.
Em textos reais, do nosso idioma, é mais comum do que se possa pensar, a
presença de períodos compostos grandes e complexos, repletos de orações
subordinadas e coordenadas. E, é evidente, que quando chega o momento de
analisar algo assim, surge uma insegurança, uma sensação de “Não sei nada!”. Mas
isso, essa noção de desconhecimento, não corresponde à realidade, uma vez que
todos nós construímos períodos compostos a todo instante, seja falando, seja
escrevendo.
De acordo com Duarte (2007, p. 207), “quando falamos/escrevemos
utilizamos dois processos fundamentais de organização sintática: a coordenação e a
subordinação.” O que podemos não dominar, ainda, é a nomenclatura que a GT dá
para esses períodos e as orações que elas contêm. Para este autor, “O
reconhecimento das relações de coordenação e subordinação é fundamental para
que se tenha uma perfeita ideia da arquitetura do período.” Se compreendemos
como funcionam esses mecanismos dentro de um período simples, podemos
percebê-los quando está em associação mais de uma oração.
A GT nos apresenta apenas dois mecanismos de junção de orações: a
coordenação e a subordinação. E esse conteúdo nos é transmitido, nas séries finais
do Ensino Fundamental, como se esses dois processos fossem algo exclusivos da
junção de orações. Ora, pelo que vimos nas estruturas trabalhadas anteriormente,
coordenar e subordinar é algo que qualquer falante da língua faz normalmente. De
acordo com Duarte (ibidem, p. 206), é
[...]lamentável que muitas gramáticas pedagógicas mais recentes só
tratem desses dois mecanismos de organização sintática [...] no
âmbito do período composto, mantendo uma das falhas da tradição
gramatical.
Isto coloca, em apenas dois grandes grupos, todas as possibilidades de
organização de orações em um único período, muitas vezes, ignorando que as
relações semânticas e sintáticas existentes entre elas não são explicadas pelas
definições e conceitos apresentados. Comecemos, então, a observar esses dois
mecanismos, muito divulgados pela GT. Finalizaremos o nosso segundo capítulo
apresentando um mecanismo que, embora não seja totalmente ignorado por alguns
gramáticos, não é considerado como independente da subordinação e da
coordenação.
Estamos aqui falando desses dois processos como se fossem algo
completamente novo e desconhecido. Você os conhece, já que é um falante do
português. Você os compreende? Entende como funcionam? E por que têm os
nomes que a GT dá?
Vamos responder a essas perguntas!

2.4.1 Coordenação

Se voltarmos ao conceito de sintagma nominal que vimos anteriormente,


podemos pensar que esse tipo de estrutura pode se combinar com outras
semelhantes, sem que, necessariamente, elas estejam exercendo uma função uma
na outra. Veja os exemplos:

(59) [As maçãs chilenas] e [os limões sicilianos] │ estavam com ótimos preços.
(60) Comprei │[as maçãs chilenas] e [os limões sicilianos] na feirinha.
(61) As crianças gostaram das tortas feitas com [as maçãs chilenas] e [os limões
sicilianos]

No exemplo (59), temos o constituinte imediato SN constituído de dois SNs


que estão coordenados entre si. Em outras palavras, [As maçãs chilenas] e [os
limões sicilianos] são dois sintagmas nominais independentes, não estando dentro
da estrutura um do outro. Porém, mesmo independentes entre si, ambos estão
coordenados, e subordinados, juntos, ao SV da sentença. Já nos exemplos (60) e
(61), os sintagmas coordenados exercem outra função sintática e fazem parte do
SV.
O que esses exemplos nos mostram é que é possível que a coordenação
ocorra com qualquer elemento semelhante, em qualquer função sintática, dentro de
outras estruturas que possibilitem isso. É possível, por exemplo, que dois SAs sejam
coordenados dentro de um mesmo SN:
(62) Os belos e alegres formandos │ estavam eufóricos.
SA + con + SA
O elemento que permite essa coordenação, no exemplo acima, é um
conectivo. Esses elementos são as conjunções, as quais são classificadas pela GT
de acordo com a oração que elas ligam. Mas o que se verifica é que as orações e os
elementos não são unidos apenas por um conectivo. Também é interessante
lembrar que os elementos podem ser coordenados através de uma pontuação:
(63) Estavam precisando de água, remédios, comida e roupas.

Neste exemplo, temos uma sequência de SNs coordenados, três deles


apresentando apenas a presença da vírgula, sendo o último da série ligado pela
conjunção e.
Não é difícil perceber, então, que a coordenação é um processo que associa
elementos semelhantes, sem que eles estabeleçam uma conexão sintática entre si.
Depois de coordenados, os itens destacados no exemplo (63) passam a formar uma
unidade devido ao fato de terem sido subordinados a outro termo.
De acordo com Duarte (ibidem), “A única referência indireta feita pelas
gramáticas tradicionais à coordenação dentro do período simples aparece ao
classificar o sujeito que exibe sintagmas coordenados de ‘sujeito composto’.” Ou
seja, a coordenação só é assim divulgada como um processo de composição de
período, não sendo descrita no âmbito do período simples. Pela concepção da GT,
este objeto indireto encontrado em (63), é composto, assim como o sujeito que
apresenta mais de um núcleo.
Rodrigues (2007, p. 227) traz o conceito de coordenação que a Nomenclatura
Gramatical Brasileira costuma exibir na maioria das gramáticas como “um processo
em que as orações são sintaticamente independentes uma das outras”. O que se
verifica, porém, é que essa independência nem sempre é total. Há casos em que a
dependência semântica pode provocar grande outras interpretações por parte aluno.
Até agora vimos sintagmas nominais e adjetivais sendo coordenados. Entretanto, é
possível que sintagmas verbais se associem numa coordenação, ou mesmo que
duas sentenças componham um período maior, através da coordenação. Vejamos
alguns exemplos:
(64) Os dois turistas de São Paulo deixaram o hotel e voltaram para o
albergue.
(65) Os dois turistas de São Paulo deixaram o hotel, │ mas seus quartos
ainda não estão disponíveis.
(66) Luíza providenciou as comidas e bebidas para a festa, │e Fernando
cuidou da decoração do salão.
(67) Diana correu para pegar o ônibus, │ porque estava atrasada.

No exemplo (64), temos dois SVs coordenados. A GT considera que as duas


orações estão coordenadas, sendo que o sujeito da oração 2 não está lexicalmente
preenchido, para evitar redundância. Vê-se que os período acima são compostos
por duas orações, cada um, sendo que elas não fazem parte da estrutura sintática
uma da outra. Mesmo não tendo nenhum vínculo sintático, elas mantêm um vínculo
semântico, pois estabelecem relações de adição (66), contrajunção - oposição de
ideia - (65) e causa (67).
Desta maneira, a coordenação seria a vinculação de orações independentes,
no âmbito de suas estruturas, que mantêm uma relação semântica.
A GT costuma dividir as orações coordenadas em dois grupos: assindéticas, que
não apresentam conjunção, ou seja, conectivo; e sindéticas, que apresentam o
conectivo. O fato de, em alguns contextos, as orações não terem em sua
constituição o elemento conectivo não quer dizer que elas não apresentem a relação
semântica que as une.
(68) Saiu correndo, estava atrasada.
(69) Tentou ser simpática; não agradou ninguém.
Nesses dois exemplos, é possível identificar a relação de sentido que se
estabelece entre as orações. Dá para perceber que em (68) há uma relação de
causa, enquanto que em (69), a relação é de contrajunção (oposição de ideias).
Saiba mais
Para entender melhor as contradições e as carências sobre as definições da GT
sobre coordenação e subordinação, leia o texto Coordenação e subordinação, de
Maria Eugênia Duarte, do livro Ensino de Gramática: descrição e uso, organizado
por Silvia Rodrigues Vieira e Silvia Figueiredo Brandão. As referências estão na
nossa indicação de leitura.
Além desse texto, há outro bastante interessante na internet. Chama-se
Coordenação e subordinação – uma proposta de descrição gramatical. Veja
em:ABREU,Antonio Suaréz. Coordenação e subordinação – uma proposta de
descrição gramatical.Disponível
em:<:http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/download/4009/3679>. Acesso em 29 ago 2011.

2.4.2 Subordinação

Vimos que estruturas como SN, SA e SAdv podem se reescrever em forma de


S2. Essas S2 são orações que estão encaixadas em outra estrutura sintagmática.
Por serem constituintes de outra oração ou de um constituinte oracional, estão
subordinadas por outro elemento. Não é mais fácil, assim, entender o teor da
relação que a oração S2 estabelece com a oração que a contém? Bem, é
exatamente isso que faz dela uma oração subordinada.
Em outras palavras, as orações subordinadas são sintagmas que apresentam
a forma de uma oração. Por serem sintagmas, não ocorrem isolados, mas sim como
um constituinte de outro sintagma ou de uma oração, se for um modificador da
sentença.
Duarte (2007, p. 205) define subordinação como “uma forma de organização
sintática segundo a qual um termo exerce função no outro.” Por esta concepção, um
determinante que se submete à seleção do nome, na constituição de um SN, é um
termo subordinado. O SN que é selecionado como argumento verbal para exercer
função de sujeito está subordinado ao verbo. Enfim, todas as relações estabelecidas
por elementos que constituem um sintagma junto ao seu núcleo são subordinações.
Não seria diferente do que ocorre com orações.
Se sabemos que existem SN, SA e SAdv cuja forma é de uma sentença,
então estamos diante de orações subordinadas. A GT classifica as orações
subordinadas em três tipos: substantivas, adjetivas e adverbiais. Não é mera
coincidência que se chamem assim. Esta classificação foi feita justamente porque
essas orações se adéquam à estrutura de SNs, SAs e SAdvs. Assim, as
subordinadas substantivas são as S2 que se comportam como SNs, as adjetivas,
como SAs e as adverbiais, como SAdvs. Cada um desses grupos de orações
subordinadas também recebe outras classificações. As subordinadas substantivas
são nomeadas de acordo com a função sintática que desempenhem. Portanto, há
subordinadas substantivas subjetivas (função de sujeito), objetiva direta, objetiva
indireta, completiva nominal, predicativa.
Você sabia?
Mesmo que seja possível que orações subordinadas substantivas exerçam função
de aposto, nem todos os teóricos aceitam a existência de uma oração subordinada
substantiva apositiva. Isto ocorre porque estas orações não são introduzidas por
conjunção integrante (que). Para estes teóricos, as subordinadas substantivas só
são aquelas que apresentam tal conjunção.

As subordinadas adjetivas são apenas duas: restritivas e explicativas. O que


diferencia uma da outra é o fato de que a restritiva, quando ocorre, é um modificador
do nome, ou seja, está dentro do SN que está modificando, enquanto que a
explicativa não faz parte da estrutura nominal. Estas orações têm outra
particularidade: são introduzidas pela presença de um pronome relativo.
Por fim, as subordinadas adverbiais são classificadas de acordo com a noção
circunstancial que transmitem. Algumas delas geram certa polêmica, uma vez que
nem sempre se consegue perceber a relação de pertencimento a uma estrutura
oracional.
Num período em análise, onde haja uma oração subordinada, é preciso
seguir o mesmo percurso para um período simples, encontrando seus constituintes
imediatos (SN + SV). No desenvolvimento deles, encontrar-se-á a estrutura
oracional que está subordinada. Ela será a reescritura de algum sintagma, na forma
de S2. Quando chegamos a essa descrição, não é preciso continuar a análise, a
menos que se queira fazer uma análise da S2. Ela é analisada da mesma forma, a
partir de seus constituintes imediatos. O conectivo que liga as orações é descrito
como [con].
Saiba mais
É possível que em um único período haja tanto a subordinação quanto a
coordenação de orações. Esse período é chamado misto. Para saber mais sobre
isso e verificar exemplo, acesse o endereço abaixo:
BRASIL ESCOLA.Período misto ou período composto por coordenação e
subordinação.Disponível em:<http://www.brasilescola.com/gramatica/periodo-misto-
ou-periodo-composto-por-coordenacao-.htm>. Acesso em: 15 nov. 2011.

2.4.3 Correlação

Como vimos até agora, a GT lista, como processos de junção de sentenças,


dois mecanismos: coordenação e subordinação. No primeiro, temos uma
independência sintática das estruturas coordenadas. No segundo, temos uma
relação de subordinação de um termo a outro, sendo que o termo subordinado
desempenha função sintática no termo subordinador.
O que dizer, então, de sentenças como as que serão apresentadas abaixo?
(70) Atualmente eu trabalho mais do que trabalhava antes.
(71) Preocupou-se tanto que adoeceu.
(72) Quanto mais estudo, mais descubro minha ignorância.
(73) Não apenas trabalha durante o dia, como estuda à noite.
(74) Ou você assiste à televisão, ou estuda.

Os cinco exemplos acima trazem orações que não deixam totalmente clara a
relação existente entre elas. A GT classifica as três primeiras como subordinadas
adverbiais (respectivamente são, comparativa, consecutiva e proporcional), e as
duas últimas como coordenadas (aditiva e alternativa).
Se pensarmos na estrutura das três primeiras, não conseguimos identificar
exatamente em qual sintagma a oração adverbial se encaixa. Ainda que ela seja um
modificador da sentença, é quase impossível identificar qual seria, então, a oração
modificada, isto é, a oração principal. De acordo com Rodrigues (2007, p. 226),
estas orações apresentam uma correlação “não cabendo falar nem de oração
principal [...], nem de oração coordenada sindética.”
No caso das orações chamadas subordinadas - (70), (71) e (72) - não há
encaixe de uma em outra, mas sim uma relação se “simbiose”. Já no caso das
orações chamadas coordenadas, ao separarmos uma da outra, na tentativa de
estabelecer orações independentes, tal como ocorre na coordenação propriamente
dita, percebe-se que elas não são tão independentes assim, uma vez que a falta de
uma cria uma lacuna na outra. Esses são, então, os casos que a língua portuguesa
oferece uma possibilidade de correlação.
Mas o que seria, então, a correlação? Segundo Rodrigues (idem, p. 22.5)
[...] entende-se por correlação o mecanismo de estruturação sintática
ou procedimento sintático em que uma sentença estabelece uma
relação de interdependência com outra no nível estrutural. Sendo
assim, na correlação, nenhuma das orações subsiste sem a outra,
porque, na verdade, elas são interdependentes.
Assim, a correlação tem sua conexão estabelecida por elementos
formais, expressões que compõem um par correlativo, estando cada
um de seus componentes em orações diferentes

Desta forma, as estruturas chamadas correlatas não estabelecem um elo de


subordinação ou de coordenação. Sua principal característica é o fato de que o
conectivo aparece em pares, ficando uma parte do par em uma oração e outra parte
na outra oração.
Vamos retomar as orações anteriores, observando, agora, os pares de
conectivos.
(75) Atualmente eu trabalho mais │do que trabalhava antes.
(76) Preocupou-se tanto │ que adoeceu.
(77) Quanto mais estudo, │ mais descubro minha ignorância.
(78) Não apenas trabalha durante o dia, │como estuda à noite.
(79) Ou você assiste televisão, │ou estuda.
Ao descrever esses conectivos, a própria GT os apresenta em pares.
Algumas gramáticas fazem referência à correlação, associando-as aos processos de
subordinação e coordenação, pois alguns gramáticos apontam que a correlação está
associada a esses processos. Outros estudiosos, porém, identificam a correlação
como um processo diverso dos outros dois, sendo independente.

Saiba mais
Sobre estruturas e orações correlatas, leia o texto A estrutura correlativa como
operador discursivo na articulação de cláusulas.
PAULIUKONIS,Maria Aparecida Lino. A estrutura correlativa como operador
discursivo na articulação de cláusulas. Disponível em:
<http://www.ich.pucminas.br/cespuc/Revistas_Scripta/Scripta09/Conteudo/N09_Part
e01_art10.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2011.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

A partir dos conhecimentos adquiridos ao longo desse capítulo, que tal brincarmos
de montar? A seguir temos uma sequência de elementos gramaticais e lexicais.
Forme o máximo de sintagmas possível com essas estruturas e tente montar
sentenças. Atente para as regras estudadas, bem como as exigências do nosso
sistema acerca da ordem, concordância e regência:
Televisão revistas jogo camisetas anel açúcar cortina
chuva mamadeira bebê abotoadura meu os esta uns uma
bonito formidáveis grande gordo redonda interessante
de algodão para com em por entre ficar ser abrir virar ligar
usar segurar dançar andar falar ler escrever
biscoitos carros roupas comer quadros estreitos

Sinta-se a vontade para buscar outros elementos que venha a ajudar na construção
de seus sintagmas.

Glossário

Constituintes: São os elementos que constroem uma unidade; elementos que


fazem parte de uma estrutura.
Perífrase verbal: Forma verbal que é apresentada na forma de verbo auxiliar
seguida do verbo principal em forma nominal. Ex.: Estamos estudando.
Reescrever-se: Apresentar o sintagma desmembrado em seus constituintes, a partir
de uma regra do sistema linguístico. É o mesmo que converter um elemento em
outro ou em seus constituintes.
Regência: Fato que estabelece que uma palavra ou sequência de palavras depende
de outra palavra da frase.
Subordinação: Relação existente entre uma palavra que rege e uma palavra que é
regida, de modo a indicar que a palavra regida depende da palavra que rege. É
sinônimo de regência.
Substantivização: Processo de associação de determinantes a elementos de outras
classes gramaticias que não sejam substantivos, estrutrando um SN.

INDICAÇÕES DE LEITURA

AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. 7. ed. Rio de


Janeiro:Jorge Zahar Editora, 2001.
CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. 9. ed. Série Fundamentos. São Paulo:
Ed. Ática, 2005.
CARVALHO, Castelar de. Saussure e a língua portuguesa. Disponível
em:<http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm>.Acesso em 28 ago 2011.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
DUARTE, Maria Eugênia. Coordenação e subordinação. In: VIEIRA, Silvia.
BRANDÃO, Silvia (orgs.). Ensino de Gramática: descrição e uso. São Paulo:
Contexto, 2007. P. 205 - 223
MIOTO, Carlos; SILVA, Maria Cristina F.; LOPES, Ruth E. V. Novo manual de
sintaxe. 2.ed. Florianópolis: Insular, 2005.
RODRIGUES, Violeta Virgínia. Correlação. In: VIEIRA, Silvia. BRANDÃO, Silvia
(orgs.). Ensino de Gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. P. 225 –
235.
SACCONI, Luiz Antonio. Nossa Gramática: teoria. 16 ed. São Paulo: Atual, 1990.
SILVA, Mª Cecília Souza e; KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Aplicada ao
português: sintaxe. 13.ed. São Paulo: Cortez, 2005.
ANOTAÇÕES
ENSINO DE SINTAXE

CAPÍTULO 3
Folhear qualquer gramática tradicional é um exercício que pode gerar uma

certa angústia, quando se chega à seção dedicada à sintaxe. Lá, muitos conceitos

são apresentados, todos ilustrados com exemplos que, na sua grande maioria, são

tirados de obras literárias, as quais não refletem a totalidade da língua, já que são

apenas uma representação de uma variante.

Bem, o que se verifica nesses compêndios é uma sequência de termos que


se baseiam em critérios diversificados. Alguns se apresentam segundo um critério
realmente sintático, outros, por um critério semântico. Há aqueles que são definidos
pelo seu papel no discurso. Enfim, muitos desses conceitos não são compreendidos
pelos alunos de Ensino Fundamental e Médio. E isso leva à velha pergunta:
Qual é, mesmo, a razão de estarmos estudando gramática?
Mais difícil ainda, é responder a outra pergunta:
Será que faz alguma diferença estudar sintaxe?
Qual a serventia disso para minha vida?
Muitos estudantes perguntam isso aos seus professores de Língua
Portuguesa, e geralmente não ficam muito satisfeitos com a resposta que recebem:
“Porque esses conhecimentos são básicos!” ou “Você poderá escrever melhor,
dominando esses conteúdos!” Nem sempre, isso convence.
Segundo Vieira e Brandão (2007, p. 10), os motivos de se ensinar aspectos
estruturais de Língua Portuguesa na escola residem no fato de que o “objetivo maior
do ensino de Língua Portuguesa é desenvolver competências de leitura e produção
de texto.” As autoras defendem o ponto de vista de que “os elementos de natureza
formal ─ relativos aos diferentes níveis da gramática ─ são essenciais para a
construção do texto.” Assim,
Nesse sentido, qualquer elemento estrutural deve ser objeto de
ensino, uma vez que constitui matéria que viabiliza as atividades de
leitura e produção textual. Em outras palavras, o texto é composto de
enunciados, que, ao lado dos elementos pertinentes à enunciação e
por eles motivados, dão forma e sentido ao ato comunicativo.

Desta forma, o fato de os professores de língua portuguesa dedicar parte do


seu tempo em sala de aula trabalhando conteúdos gramaticais não é totalmente
descabido. O que se deve questionar não é só a razão de esses conteúdos estarem
na lista de itens a serem trabalhados, mas também a forma como eles devem ser
trabalhados. Segundo Callou (2007, p. 27)
Se qualquer falante já possui uma gramática internalizada ─ sistema
de regras e princípios universais ─ ao ingressar na escola, ele deve
desenvolver a sua competência comunicativa de tal modo que possa
“utilizar melhor” a sua língua em todas as situações de fala e escrita,
isto é, possa ser capaz de refletir sobre a capacidade linguística que
ele já possui e domina no nível intuitivo, mas sobre a qual nunca
antes se tinha debruçado para analisar o funcionamento. A aula de
português seria então um exercício contínuo de descrição e análise
desse instrumento de comunicação.

Com essa perspectiva, alguns pontos que a GT ignora ou a que ela é


indiferente devem ser colocados em debate, no intuito de possibilitar o
desenvolvimento das habilidades acima descritas, tornando, então, o ensino mais
eficiente. Para isso, é importante que a aula de língua portuguesa seja o ambiente e
a situação que permita ao aluno ter contato com a língua falada e escrita,
considerando as inúmeras variantes possíveis, bem como as infinidades de
contextos em que a língua será usada.
Sabemos que o ensino de gramática é associado, basicamente, ao trabalho
de conceitos e métodos de análise da morfologia e da sintaxe. Ainda não se
descobriu uma maneira de trabalhar tais conteúdos de forma a “agradar” a todos.
Também é muito comum que a maior dos alunos não gostem nem do assunto, nem
da disciplina de Língua Portuguesa, por conta desse modus operandi.
Há algum tempo, já se pensa em soluções para tal problema, e, diante do que
vemos nas escolas de todo o país, sabemos que não se encontrou nenhuma fórmula
de sucesso que garanta o máximo de aproveitamento do ensino de língua
portuguesa. Mas as pesquisas continuam a ser desenvolvidas em universidades,
tanto no Brasil, quanto em muitos outros países. Todas elas buscam entender o que
está tornando o ensino de língua algo tão complicado. Sobre isso, Callou (2007, p.
13) afirma que “Se houvesse uma receita única para tudo isso, já teria sido posta em
prática em todas as línguas, em todos os tempos.”
O que faremos neste capítulo é apresentar alguns conceitos e propostas de
observação acerca do ensino de conteúdos de sintaxe, considerando não só a
estrutura em questão, mas também outros aspectos que ainda ficam de fora da GT.
Consideramos como fatores que podem ampliar a eficácia do ensino de sintaxe a
abordagem da disciplina através da perspectiva variacionista, levando em conta
alguns processos de variação no nível estrutural que estamos estudando, além de
colocar em evidência algumas características da sintaxe da modalidade oral,
normalmente ignorada pela GT. Estão prontos para nossa última viagem? Então
vamos lá!

3.1 Variação linguística versus tradição gramatical

Para começar a falar dessa relação, por vezes opositiva, entre a tradição
gramatical e a diversidade linguística no nosso idioma, é preciso deixar claro que
concepção se tem sobre cada um desses dois pontos.
Tomemos a noção de tradição gramatical como o conjunto de regras impostas
pela GT, bem como a postura ideológico-pedagógica adotada por professores e
puristas que avaliam os usos que se fazem da linguagem a partir desse conjunto
chamado de Gramática Tradicional. Por essa perspectiva, o ensino de Gramática é
justificado pela possibilidade de que o indivíduo se torne capaz de conhecer como a
língua funciona para que se fale e se escreva bem.
O problema dessa concepção é que a língua é tomada, conforme declara
Callou (idem, p. 22):
como algo homogêneo, imutável, e é essa a ideia que é passada no
ensino em todos os níveis. O estudo de língua portuguesa é quase
sempre associado à noção do ‘certo’ e do ‘errado’, como se só
houvesse uma única possibilidade de utilização normal da língua.

A partir desta noção equivocada de que a língua é uniforme, tal como é


descrita na gramática, e tudo aquilo que está fora dessa suposta “uniformidade” é
tido como errado e feio, faz com que os alunos tenham uma percepção errônea a
respeito do idioma que já dominam. Não é raro que pessoas de idades diversas e
graus de escolaridade variados admitam achar que a língua portuguesa é muito
difícil e que não “sabem” a língua. E diante de tanta metalinguagem, tanta
nomenclatura, é natural que a sensação de que a Gramática seja um bicho de sete
cabeças se instale. Afinal, nem mesmo todos os gramáticos entram em consenso
quanto às descrições e regras que preconizam.
Alguns pontos de divergência acabam por confundir mais do que esclarecer.
Para que essa noção seja demovida, é preciso mudar a concepção do que é a
Gramática Tradicional. Ela precisa ser vista como uma ferramenta de auxílio para a
descrição de uma das variantes e como um ponto de partida que será
complementado pelo trabalho do professor.
Boa parte das regras apresentadas pelas GT são descrições de uma variante
da língua portuguesa que não é mais vista nos usos reais do idioma
contemporaneamente, mesmo porque a língua, ao contrário do que é preconizado, é
um conjunto de heterogeneidades. Entre o que a GT considera ‘certo’ e ‘errado’, há
um continuum de nuances de variantes. Este continuum abarca dois grupos de
variantes que vão de uma ponta a outra na avaliação que a sociedade faz. Da que
goza de melhor prestígio àquela que é mais estigmatizada, porém, não há nenhuma
que seja exatamente igual ao que se verifica nas gramáticas normativas.
INSERIR FIGURA 8

Nestes compêndios, verificamos a norma padrão. Já a norma culta


corresponde aos usos da língua dos falantes que apresentam maior grau de
escolarização. Por fim, as normas populares ou vernaculares são os usos dos
falantes menos escolarizados. Pode parecer que entre a norma que é descrita e
prescrita pela GT e a norma usada pelos falantes cultos não há diferença, mas
atualmente pesquisas apontam aspectos da norma culta que divergem da norma
padrão. Essas pesquisas atestam, cada vez mais fortemente, a heterogeneidade do
português do Brasil.

Saiba mais
Leia sobre a norma urbana culta nesse e-book, organizado por Dino Preti. Disponível
em :PRETI, Dino (org). O discurso oral curso.Disponível
em:<http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=sOC8B_H9hFQC&oi=fnd&pg=PA21&dq=Gram%C3%A1tica+Tradicional&ots=G
TqbDN4cPY&sig=-
atashgHk2QbvKyq529nhN9_yK4#v=onepage&q=Gram%C3%A1tica%20Tradicional&f=false
>.Acesso em: 01 set, 2011.

Alguns exemplos foram listados por Callou (idem, p. 23),


Usos como o de ter por haver em construções existenciais (tem
muitos livros na estante), o de pronome objeto na posição de sujeito
(para mim fazer o trabalho), a não-concordância das passivas com
se (aluga-se casas) são indícios da existência, não de uma norma
única, mas de uma pluraridade de normas, entendida, mais uma vez,
norma como conjunto de hábitos lingüísticos, sem implicar juízo de
valor.

Em se tratando de sintaxe, muitos fatores variáveis são exemplos de que a


língua em uso, hoje, em todo o Brasil, é bastante diversa e, o que é mais
interessante, apresenta várias características que diferem da norma padrão, o que
torna a GT ainda mais complexa e, por vezes, incoerente.
Vejamos, então, alguns aspectos morfossintáticos do português brasileiro que
nos levam a questionar o ensino de gramática tal como ainda ocorre em alguns
contextos, com ênfase na observação e análise de descrições e identificações de
nomenclaturas:

• Concordância nominal: A GT preconiza que os elementos do sintagma


nominal devem concordar entre si em número e em gênero. De acordo com
Brandão (2007, p. 57)
Concordância nominal é como, tradicionalmente, se denomina a
reiteração do mesmo conteúdo morfológico (categoria de gênero
e/ou número) de um nome no(s) determinante(s) (artigo,
demonstrativo, possessivo), quantificador(es) e/ou adjetivo(s) a ele
inter-relacionado(s) sintática e semanticamente, o que funciona por
vezes, como uma marca explícita ou redundante dessa
interdependência.

(80) Todos os carros vermelhos chegaram.

Em outras palavras, a concordância nominal é a repetição do morfema de


gênero e/ou de número em todos os elementos ligados ao nome. A GT declara que
essa é a forma “correta”. Entretanto, verifica-se atualmente que, mesmo entre
falantes cultos, a não concordância pode ocorrer em alguns contextos de fala
espontânea.
(81) Compramos aqueles livro (Ø).
Esse aspecto tem sido muito discutido, com o intuito de identificar as razões
das diferenciações existentes entre o português europeu e o português brasileiro.
Alguns pesquisadores atribuem esse fenômeno ao processo de transmissão
linguística irregular do português no Brasil. Outros estudiosos, porém, acreditam que
a queda do morfema flexional em alguns elementos do sintagma ocorre por ser uma
tendência natural da língua, a chamada deriva.
Saiba mais
Para compreender mais sobre as perspectivas de estudos sobre os processos de
variação na concordância nominal do PB, leia o texto de Dante Lucchesi, As duas
grandes vertentes da história da sociolinguística no Brasil. Veja em:
LUCCHESI,Dante. As duas grandes vertentes da históra sociolingüística do Brasil (1500-
2000),2001.Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44502001000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 set. 2011.

• Concordância verbal: Este aspecto é um dos assuntos mais valorizados nas


aulas de língua portuguesa, sendo, inclusive, muito destacado no processo
de avaliação das produções textuais dos alunos. De acordo com Vieira
(2007, p. 85)
A não-realização da regra de concordância verbal, no português do
Brasil, constitui, sem dúvida, um traço de diferenciação social, de
cunho estigmatizante, que se revela, com muita nitidez, no âmbito
escolar.

A GT prescreve, como regra geral de concordância verbal, no caso de


construções com um só núcleo, que o verbo concorde com o sujeito, conformando-
se a morfologia flexional verbal de acordo com a pessoa e o número do núcleo do
sujeito. Quando o sujeito apresenta mais de um núcleo, o verbo ficará na primeira
pessoa do plural (nós), se um dos núcleos for uma primeira pessoa do singular (eu);
ficará na segunda do plural (vós), se houver entre os núcleos uma segunda pessoa
do singular (tu); e, por fim, ficará na terceira pessoa do plural (eles), caso os
elementos sejam de terceira pessoa do singular.
O primeiro ponto que chama a atenção é o fato de que a pessoa vós não é
mais usada nas normas da língua em contexto informal ou espontâneo. Aliás, esse
pronomes e tudo que se refere a ele é muito restrito, atualmente, a contextos
religiosos, por conta dos textos bíblicos, e a contextos de leitura, extremamente
formais e cerimoniosos. Além disso, o que se verifica em diversas variantes do
português é uma clara redução do paradigma flexional verbal em uso corrente.
De um modo geral, há uma substituição da forma verbal em concordância com
nós pela forma de terceira pessoa do singular, em concordância com a forma
bastante utilizada a gente. Sobre esse tipo de substituição, verifica-se entre as
normas brasileiras, a substituição dos pronomes de segunda pessoa, principalmente
o de plural, pela forma de tratamento você (s). Além disso, as variantes populares
tendem a reduzir ainda mais esse paradigma realizando a concordância apenas com
a primeira e a terceira pessoas do singular.
Veja como ficam os paradigmas verbais nas normas cultas e nas normas
populares, considerando o presente do indicativo do verbo andar.
Norma culta Norma popular
Eu ando Eu ando
Você anda você anda
Ele anda ele anda
Nós andamos nós anda
Vocês andam vocês anda
Eles andam eles anda

Saiba mais

Para saber mais sobre a concordância verbal no português do Brasil, leia esse texto
em :SCHERRE,Maria Marta Pereira;NARO,Anthony Julius;CARDOSO,Caroline
Rodrigues. O Papel do tipo de verbo na concordância verbal no Português
Brasileiro. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44502007000300012&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 01 set. 2011.

• Colocação de pronomes: A colocação pronominal é outro aspecto


morfossintático bastante estudado e associado como um dos fatores que
marcam a distinção entre o PB e o PE. Enquanto que no Brasil, o uso da
próclise é maior, em Portugal, verifica-se uma predominância da ênclise. A
GT aponta três possibilidades de colocação pronominal: próclise (posição
pré-verbal), ênclise (posição pós-verbal) e mesóclise (pronome inserido
entre o morfema modo-temporal ou do futuro do presente ou do futuro do
pretérito do indicativo e o morfema número-pessoal). Veja os exemplos a
seguir:
(82) Me diga a verdade. – próclise.
(83) Diga-me a verdade. – ênclise
(84) Você dir-me-ia a verdade? – mesóclise

Vale destacar que a próclise, tal como foi apresentada no exemplo (82),
iniciando período, é condenada pela GT. Os exemplos (83) e (84) são aceitos e
prescritos pela GT, mas não são facilmente verificados na linguagem cotidiana dos
brasileiros. O que se observa nos usos da língua, tanto na norma culta quanto nas
normas vernaculares é quase um desuso da mesóclise. Quando essa colocação é
utilizada, o contexto comunicativo é extremamente formal, estando associado,
inclusive à modalidade escrita da língua.

Você sabia?
A tendência que o PB tem em usar os pronomes em posição proclítica, isto é, antes
do verbo, indica um caráter arcaizante do nosso idioma. Em Portugal, o português
tinha um caráter proclítico até antes do século XVIII. Atualmente, tanto no Brasil
quanto em Portugal, ordem dos pronomes clíticos é um aspecto variável, aceitando
bem as possibilidades tanto de próclise quanto de ênclise. Porém, no Brasil, a
próclise é preferida em detrimento da ênclise. Em Portugal, verifica-se o contrário.

• Uso de pronomes relativos: Embora a GT indique que existam pronomes relativos


adequados a representar sentido de lugar, tempo, pessoas, coisas, posse, o que se
verifica atualmente é uma redução do uso desses pronomes. Tanto em modalidade
escrita, quanto falada, observa-se o uso generalizado o pronome relativo onde para
indicar não só lugar, mas tempo ou qualquer outro elemento que está sendo
relativizado. O pronome onde só não é mais usado do que o próprio pronome que.
No oposto a isso, o pronome cujo(a)(s) quase está em desuso. Ainda se verifica
sua presença nas variantes cultas, mas está muito associado a contextos formais
de comunicação. Atualmente as orações introduzidas por pronomes relativos, as
quais a GT chama de orações subordinadas adjetivas (aqueles SA que se
reescrevem em S2), têm sido objeto de muitas pesquisas, uma vez que a queda de
preposições está associada ao uso desses pronomes relativos. Verifica-se na fala,
e às vezes em textos escritos também, o uso de construções relativas nas quais a
presença de uma preposição seria solicitada, mas, ao invés de ela ser inserida
antes do pronome relativo, aparece junto a uma recuperação do o elemento
representado por tal pronome, repetido na forma de um pronome cópia ou pronome
lembrete. Há a possibilidade, também, de a preposição ser totalmente cortada da
construção. A primeira situação, os linguistas chamam de relativa copiadora ou
com pronome cópia. A segunda é chamada de relativa cortadora.
Veja os exemplos:
(85) Conheço a moça [de quem andam falando mal].
(86) Conheço a moça [Ø que estão falando mal].
(87) Conheço a moça [que estão falando mal dela].

O exemplo (85) é a forma da oração relativa tal como a GT preconiza, com a


presença da preposição que rege o verbo falar (de), nesse contexto linguístico, e
com o pronome relativo quem unindo a oração adjetiva ao nome que ela está
modificando, estabelecendo relação com uma pessoa. Vale dizer que se o pronome
que fosse utilizado, também estaria de acordo com a norma padrão. Já as sentenças
apresentadas em (86) e (87) são muito observadas nas normas vernaculares e até
mesmo nas normas cultas do país. A primeira é a chamada relativa cortadora, na
qual a preposição foi totalmente suprimida. Já a sentença (87) é aquela que
apresenta o pronome cópia (dela), no qual a preposição é recuperada. Nas duas, é
visível que não se usou o pronome relativo quem, mais adequado para fazer
referência a uma pessoa.
Esses são apenas alguns aspectos sintáticos que, atualmente, na língua
portuguesa, vêm sofrendo variação, podendo levar a um processo de mudança, no
futuro. Não sabemos que rumos isso pode tomar. Mas, o que torna possível verificar
é que a configuração desses fenômenos já é bastante distinta daquilo que consta
nas gramáticas, o que nos leva a refletir sobre qual a melhor forma de colocar a GT
em sala de aula, não mais como algo em que os alunos devam se espelhar, mas sim
como algo a ser observado, comparado, contrastado e criticado de maneira
construtiva, visando a atender aos objetivos citados no início deste capítulo: tornar o
aluno cada vez mais competente linguisticamente, para o máximo de contextos
comunicativos nos quais ele possa vir a atuar.

Saiba mais
Leia um pouco mais sobre orações relativas do português brasileiro, no texto de
Maria Cecília Perroni. Veja em:

PERRONI, Maria Cecília.As relativas que são fáceis na


aquisição do português brasileiro. Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
44502001000100003&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 01 set. 2011.

3.2 Aspectos da sintaxe da fala

Outro aspecto interessante que o ensino de sintaxe, baseado na GT, deixa a


desejar são as características que a modalidade oral da língua apresenta. Sabemos
que a modalidade oral é diferente da modalidade escrita não só pela materialidade
da realização linguística – caracteres gráficos na escrita; sons na fala. A fala, pelo
fato de, na maioria das vezes, termos a presença do interlocutor no ato de
comunicação, possibilita que determinadas construções sejam bastante distintas das
que se verificam em um texto escrito. Muitas vezes, na fala, observamos supressões
que gestos, expressões faciais e até mesmo informações subentendidas podem
esclarecer.
Da sintaxe da modalidade oral, podemos citar dois aspectos que a GT não
trata, pelo menos como aspecto sintático. O primeiro deles é a topicalização, recurso
discursivo que coloca um termo ou elemento da sentença em destaque, uma vez
que é sobre ele que se pretende falar, sendo ele sujeito ou não. A GT, quando trata
desse tema, o coloca como uma figura de estilo, pois, a depender da construção, a
topicalização pode provocar uma inversão violenta da ordem dos termos na
sentença. A GT chama isso de anacoluto. O outro aspecto tem a ver com o emprego
variável do elemento preposicional de diante do que, chamado pelos linguistas como
queísmos e dequeísmos.

• Construções de tópico: Estas construções exibem um processo de


alteração na ordem da sentença, fazendo com que um elemento seja
colocado em destaque, na forma de tópico. Ele é colocado no início da
sentença, justamente com o intuito de chamar a atenção do interlocutor para
o tema sobre o qual vai se falar. Existem três tipos de construções de tópico:
o deslocamento para a esquerda, mais simples de todos, em que o elemento
é apenas deslocado, alterando a ordem direta da sentença, mas colocando
em sua posição um pronome-cópia, tal como aquele apresentado nas
orações relativas; a topicalização, através da qual o elemento é deslocado
para a esquerda e em seu lugar na sentença fica uma lacuna; por fim, as
construções de duplo sujeito, na qual é lançado um tópico seguido de um
comentário – aquilo que se quer dizer sobre o tópico – em que se verifica
uma sentença completa, com sujeito e predicado. Neste último tipo de
construção, a relação que se estabelece entre o tópico e o comentário
residem na sequência entre os dois ou mesmo pelo conhecimento de mundo
posto no contexto comunicativo em que a sentença se constrói. Essas são
as construções que a GT chama de anacoluto:
(88) O meu relógio, parece que esta fivela veio com defeito.

Pelo que podemos interpretar do exemplo (88), o tópico o meu relógio é


colocado em destaque, no início da sentença, para identificar o assunto que será
tratado. Porém, o que se segue a ele, isto é, o comentário, não trata diretamente do
relógio, mas sim da fivela do mesmo. Identificamos, então, a relação que o tópico
estabelece com o comentário, através de outra relação, a que existe entre o relógio
e a fivela. Essas informações deduzidas pela interpretação não são de cunho formal,
mas sim funcional. Elas são depreendidas pela necessidade de a comunicação ser
eficiente.
Esse tipo de construção nunca é levado para análise em sala de aula, uma
vez que foge do modelo estanque verificado pela descrição normativa. E como a
gramática rotula esse tipo de construção com algo que deve ser evitado, o professor
julga-se livre para evitar este debate em aula. Por outro lado, esse tipo de
construção, quando posta em análise, leva a muitas possibilidades de reflexão,
gerando, inclusive, uma associação entre as estruturas sintáticas e a construção de
sentido do texto, o que possibilita trabalhar dois níveis ao mesmo tempo: sintaxe e
discurso.

Saiba mais

A topicalização é um processo de gramaticalização. Conheça mais sobre esse


processo no texto disponível em
GONÇALVES, Sebastião Carlos Leite; LIMA-HERNANDES, Maria Célia;CASSEB-
GALVÃO, Vânia Cristina (org).Introdução à Gramaticalização:Princípios Teóricos &
Aplicação. Disponível
em:<http://www.parabolaeditorial.com.br/DIAGGRAMATICALIZACAOok.pdf>.Acesso em: 01
set 2011.
• Queísmo e dequeísmo: Vimos, quando falamos das orações relativas, que é
muito comum que a preposição, seja ela qual for, não seja usada no
contexto em questão, deixando um corte na sentença e deixando apenas
subentendida a relação semântica que se estabelece entre as sentenças
ligadas. Existe paralelo a isso, um processo sintático do sistema
preposicional, tanto no português falado quando escrito, em que o emprego
da preposição de pode variar, ora sendo usada quando não é necessária,
ora não sendo usada em contextos onde deveria vir expressa. O queísmo
seria a presença ou ausência da preposição nos contextos em que a norma
prevê ou solicita a presença dela introduzindo a conjunção integrante que ou
o pronome relativo que. Já o dequeísmo seria a presença da preposição no
contexto em que ela não é necessária.
(89) Tenho certeza de que nos veremos no futuro.
(90) Tenho certeza Ø que nos veremos no futuro.
(91) Eu posso provar que nunca houve fraude no setor financeiro.
(92) Eu posso provar de que nunca houve fraude no setor financeiro.

Os exemplos acima mostram construções que estão de acordo com a norma


padrão, (89) e (91), mostrando suas variantes, uma ilustrando o queísmo, (90), na
qual a preposição de foi suprimida, e a outra ilustrando o dequeísmo, em que a
preposição foi utilizada mesmo sem ser necessária (92).
Se pararmos para prestar atenção, podemos observar que isso é mais
comum do que imaginamos. Muitos falam e até escrevem assim. Levar um
fenômeno desse para observação em sala de aula permite refletir sobre as regras
relativas à regência verbal e nominal, as quais, muitas vezes, parecem ser tão
rígidas, aleatórias e incontestáveis. Os alunos podem observar uns aos outros,
observar seus pais, seus vizinhos ou mesmo pessoas sendo entrevistadas na
televisão. Seria mais uma maneira de mostrar que a GT não é a representação fiel
da língua que utilizamos no nosso dia a dia.
Com tudo isso, cabe-nos, agora concluir tentando buscar um equilíbrio entre
tudo o que foi apresentado neste material. Como devemos, então, ir até turmas de
Ensino Médio e Fundamental para darmos aula de Língua Portuguesa? Diante de
tantas informações que a GT simplesmente rotula como errado, qual postura adotar?
Como mencionamos antes, não existe fórmula mágica. O que deve existir é um
conjunto de esforços que façam da aula de língua portuguesa um laboratório de
experiências para o desenvolvimento da competência comunicativa e textual do
aluno. Isso significa fazer o aluno conseguir se expressar de maneira clara, tanto na
escrita quanto na oralidade.
Desta maneira, o ensino de língua deve se centrar mais em possibilitar que o
aluno domine várias modalidades de usos, além da modalidade culta da comunidade
onde ele está inserido. Os exercícios de metalinguagem e de teoria gramatical não
devem ser a base da metodologia, mas sim uma das ferramentas utilizadas. Callou
(2007, p. 28) afirma que:

É fundamental em sala de aula fazer o aluno ter contato com a língua


falada e escrita e fazê-lo produzir textos os mais variados, levando-o
sempre à compreensão do sentido global do texto e dos mecanismos
produtores desse sentido.

É claro que para desenvolver um método de ensino que se centre nesse


objetivo, é preciso que o professor tenha uma boa formação, tenha bom senso e boa
didática. Para a boa formação, o estudante de Letras deve instrumentalizar-se tanto
a respeito do que é tradicional, quanto sobre o que é inovador. É preciso que se
tenha curiosidade e interesse para saber o que se tem pesquisado e quais
descobertas estão se fazendo sobre a língua. O bom senso se fará presente com
um professor que conhece sua turma e o contexto social, político, cultural e
econômico dela, para que os textos, os trabalhos e materiais utilizados despertem
interesse de todos.
Por fim, a boa didática está ligada à clareza de exposição, o estímulo à
criatividade e interesse do aluno, bem como a adequação de recursos
metalinguísticos utilizados para a aula. Com esses passos iniciais, com certeza,
teremos grande professores de língua portuguesa, transformadores tanto do
ambiente escolar, quanto da própria sociedade.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Agora que você já tem várias noções sobre a sintaxe do nosso idioma, que tal
brincar de ser pesquisador? É bem simples o que vamos propor. Grave uma
conversa informal entre pessoas que você conhece e escolha um dos fenômenos
sintáticos que foram apresentados neste capítulo para observar. Siga os passos:
a) Quando você se encontrar com amigos ou parentes, peça permissão para
gravar a conversa que vocês terão. De preferência, escolha gravar um
momento de descontração, tipo um encontro para bater papo, contar piadas e
dar risada. Isso vai favorecer que a conversa seja realmente espontânea e
que ninguém fique preocupado com a forma como está falando.
b) Grave o momento da interação, de preferência em áudio. Se for gravar em
vídeo, tenha o cuidado de que o microfone fique bem localizado para captar a
fala de quem você quer registrar.
c) Após ter a interação registrada, é hora de transcrevê-la. Você terá de colocar
a conversa na modalidade escrita, mantendo todas as características do que
foi dito. Como o nosso objetivo é observar a sintaxe, não precisa se
preocupar com descrições fonéticas. Atente para manter as palavras
exatamente na mesma ordem em que foram faladas, sem modificar nada
(concordâncias, pausas, inversões, repetições).
d) Após a transcrição, é hora de levantar dados. Em outro documento, vá
listando as ocorrências do fenômeno estudado.
e) Finalize com um pequeno resumo do que você verificou a respeito da variante
da pessoa.
P.S.: Seja ético (a)! O que você observar sobre a variante observada deve ser tido como um
dado científico. Não divulgue esses dados com o intuito de zombar da fala ou da variante do
seu informante, ok?

Glossário

Comentário: Tudo o que é dito a respeito do tópico. Nas construções de tópico, o


comentário é o conteúdo que é apresentado sobre o tema, o tópico.
Continuum: é uma expressão latina que significa contínuo. Indica uma sequência
de variantes que vai de um pólo a outro. É o mesmo que nuances.
Deriva: Teoria que atribui as mudanças que as línguas sofrem como tendência
natural, deixando de lado a influência de fatores externos como determinantes
nessas mudanças. Baseia-se numa perspectiva formal.
Ênclise: Colocação de pronomes pessoais átonos (me, se, lhe, nos, etc.) depois do
verbo.
Mesóclise: Colocação dos pronomes átonos, quando os verbos estão nos tempos
do futuro do presente e futuro do pretérito do modo indicativo, na qual ficam
inseridos entre os morfemas flexionais de modo-tempo e número-pessoa. Ex.: Eu
darei os livros para você → Eu dar-lhe-ei os livros.
Modus operandi: Expressão latina que significa “modo de operação”. Representa a
maneira como alguém ou algo atua, realiza sua atividade.
Próclise: Colocação de pronomes pessoais átonos (me, se, lhe, nos, etc.) antes do
verbo.
Tópico: Elemento ou expressão colocada em evidência, numa construção textual ou
oracional, de modo a ser o tema do texto. Nem sempre é o sujeito da oração.

INDICAÇÕES DE LEITURA:

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BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs). Ensino de gramática: descrição e uso. São
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SCHERRE, Maria Marta Pereira; NARO, Anthony Julius; CARDOSO, Caroline


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