CAPÍTULO 6
VIBRAÇÕES DA REDE CRISTALINA:
PROPRIEDADES TÉRMICAS DOS SÓLIDOS
6.1 - INTRODUÇÃO
O modelo de um sólido constituído por átomos (iões, ou moléculas), ligados por forças
interatómicas, e ocupando posições fixas numa rede cristalina tem de ser modificado, se
pretendermos tratar, entre outras, as propriedades térmicas do sólido. De facto, mesmo à
temperatura do zero absoluto estes átomos vibram em torno de posições médias (posições de
equilíbrio), como se conclui do princípio da incerteza de Heisenberg; consequentemente
possuem uma energia que é chamada a energia do ponto zero.
Quando se fornece energia à rede, os átomos são excitados e a amplitude daquelas
oscilações aumenta. A causa da excitação pode ser por exemplo, a propagação de ondas
sonoras ou electromagnéticas, ou o fornecimento de energia térmica que aumenta a
temperatura do sólido.
87
Física do Estado Sólido Capítulo 6
O modelo que passaremos a usar para descrever propriedades do sólido é pois o de átomos
vibrando em torno de posições fixas dispostas um arranjo regular e periódico.
Convém notar que os átomos do sólido, quando excitados, não vibram independentemente
uns dos outros, mas sim colectivamente: a vibração de cada um influencia o estado de
vibração dos vizinhos, de tal modo que as vibrações atómicas, no seu conjunto se comportam
(e podem ser tratadas) como ondas que se propagam no sólido.
Começaremos por considerar apenas vibrações de pequena amplitude, condição que nos
permite tratar o sólido como um arranjo ordenado de osciladores harmónicos, ou seja como
um meio elástico, referindo-nos, no final do capítulo, aos efeitos anarmónicos.
Procuremos então saber, antes de mais, como vibra uma rede cristalina quando excitada, isto
é, iniciar um estudo da dinâmica das redes cristalinas. Aplicá-lo-emos, de seguida, à análise
das propriedades térmicas dos sólidos
A experiência do dia a dia mostra-nos que as ondas sonoras se propagam nos sólidos. Tal
significa que podem propagar-se na rede cristalina ondas de vibração (vibrações colectivas)
de comprimentos de onda (como os do som) muito superiores às distâncias interatómicas. As
características da propagação destas ondas não são determinadas pelo detalhe da estrutura
atómica, mas sim pelas propriedades elásticas macroscópicas, do sólido.
Por outras palavras, quando se propagam num sólido ondas de vibrações com comprimentos
de onda muito superiores às distâncias interatómicas, é legítimo tratá-lo como um meio
contínuo. Tal condição verifica-se desde que seja >> 108 m , ou seja, para frequências
inferiores a 1011 102 Hz . Este limite não é restritivo nos casos de interesse, já que, na prática
é difícil conseguir frequências superiores às indicadas.
Comecemos então por tratar a propagação de ondas no sólido que se admite ser um meio
contínuo e elástico.
Suponha-se que uma onda longitudinal que se propaga numa barra de comprimento L
muito superior à secção (figura 6-1). Seja x a abcissa de cada um dos pontos e u(x) o
88
Figura 6-1
Física do Estado Sólido Capítulo 6
deslocamento sofrido (sob a acção de alguma força exterior) pelo elemento de comprimento
compreendido entre x e x+dx. Define-se a deformação, e, como a variação de comprimento
da barra por unidade de comprimento.
du
e (6-1)
dx
A tensão (força por unidade de superfície) responsável pelo alongamento da barra é
função de x e, de acordo com a lei de Hooke, proporcional à deformação:
Ye (6-2)
sendo Y o módulo de Young.
A equação fundamental da dinâmica, F m a , permite escrever a equação do movimento
do segmento dx da barra. Seja dm dV a densidade de massa e A’ a área da secção recta
da barra. Então dm a A ' dx 2u t 2 . Por outro lado, a força resultante nos extremos
2u 2u
(6-4)
x 2 Y t 2
igualdade que traduz a equação de propagação de um movimento ondulatório (a uma
dimensão). Como se sabe, ela admite como solução, ondas progressivas
u A exp i k x t (6-5)
Y
k vs com vs (6-6)
89
Física do Estado Sólido Capítulo 6
A relação de dispersão para ondas sonoras (6-6) está representada graficamente na figura 6-21.
Note-se que dela se deduz que a velocidade de grupo, vg d dk e a velocidade de fase
v f k , são iguais e constantes, para ondas sonoras que se propagam num meio elástico
unidimensional.
for conhecida a velocidade de propagação do som no sólido, vs. Usando para vs e , valores
típicos para a maioria dos sólidos – 5x105cm/s e 5g/cm3, respectivamente – obtém-se para o
módulo de Young valores da ordem de 102g.cm/s2.
Se repetíssemos este raciocínio para uma onda transversal, concluiríamos que a sua
velocidade de propagação está relacionada com outra uma constante elástica do meio. As duas
constantes elásticas permitem descrever a propagação de qualquer onda no sólido, que até
agora se supôs isotrópico. No entanto, a maior parte dos cristais são anisotrópicos. Para
descrever as suas propriedades elásticas, torna-se necessário recorrer a um maior número de
constantes elásticas, Cij . Se a estrutura cristalina admitir elementos de simetria, algumas delas
90
Física do Estado Sólido Capítulo 6
necessárias para descrever as propriedades elásticas do cristal. Por exemplo, se a simetria for
cúbica, há apenas três constantes Cij independentes: C11 , C12 e C44 . A primeira relaciona a
se omitirmos em (6-5) a parte que exprime a dependência temporal, sem interesse para a
discussão que se segue.
Sendo L o comprimento da barra, e tomando para origem das abcissas (x=0) uma das suas
extremidades, as condições fronteiras periódicas exprimem-se através da relação
u x 0 u x L (6-8)
91
Física do Estado Sólido Capítulo 6
ou seja:
2
k L logo i k L i 2 n (6-9)
n
com n = 0, 1, 2, ... Note-se que, se marcarmos estes valores possíveis de k sobre um
eixo, eles originam uma rede unidimensional no espaço k, cujos pontos se encontram
espaçadas de 2/L: os valores possíveis de k, na relação de dispersão, são descontínuos.
Contudo, se a barra for muito comprida, como se admitiu, o conjunto de valores possíveis
de k forma um quase contínuo.
L 1
g (6-11)
vs
Isto é: a densidade de modos, g , é constante e independente de .
92
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Generalizando o que foi dito, para três dimensões, podemos escrever a solução da equação
de propagação sob a forma
u A exp i k x x k y y k z z A exp i k r (6-12)
onde k é o vector de onda, com a direcção e o sentido da propagação, e grandeza igual a
2 .
cubo de aresta L, pode concluir-se que, para se verificarem as condições fronteiras periódicas,
tem de ser
exp i k x L k y L k z L 1
ou seja
2 2 2
kx n1 ; k y n2 ; k z n3 com n1 , n2 , n3 inteiros (6-13)
L L L
Se marcarmos os valores dados por (6-
13) sobre três eixos perpendiculares no
espaço k, obteremos a rede cúbica
tridimensional, representada na figura 6-3,
cujos pontos (kx, ky, kz) estão espaçados de
(2/L) em cada direcção. Assim, o volume
ocupado por cada ponto, no espaço k é
2 L
3
.
k Figura 6-3
12
2
x k y2 k z2 é o módulo do vector de
93
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Podemos então concluir que o número de modos possíveis com número de onda k inferior
a um dado valor, k1 , é igual ao número de pontos contidos no interior de uma esfera de raio
4 k13 V 4 k13 V
2 L
3
k13 (6-14)
3 3
3 6 2
sendo V L3 o volume do sólido cristalino. Este valor (6-14) representa pois, o número de
ondas que podem propagar-se no sólido em todas as direcções, com número de onda inferior a
k1 .
V 2
g (6-15)
2 2 vs3
A função g() está representada graficamente na figura 6-5; note-se que ela varia com 2
e não com , como no caso unidimensional.
Figura 6-5
94
Física do Estado Sólido Capítulo 6
de (6-15)
3V 2
g (6-16)
2 2 vs3
Temos tratado o sólido como um meio contínuo, admitindo que nele se propagam ondas
de comprimento de onda muito superior às
distâncias interatómicas. Neste caso, vimos que
era válida a relação de dispersão vs k . Ondas
de menor comprimento de onda podem ser
difractadas pela rede cristalina; a sua propagação
é perturbada, o que se traduz numa diminuição da
velocidade de propagação. Como vimos esta é
dada pelo declive da curva que traduz a relação de
Figura 6-6
dispersão. Nestas condições, a referida
diminuição traduz-se pelo aparecimento de uma curvatura na curva de dispersão que deixa de
ser uma recta (figura 6-6).
95
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Considere-se a rede unidimensional da figura 6-7, constituída por uma fila de átomos
iguais, de massa M que, em equilíbrio ocupam posições distanciadas de a (parâmetro da rede).
Suponha-se que esta rede começa a vibrar: cada átomo sofre um pequeno deslocamento da
posição de equilíbrio, interactuando com os vizinhos; todos os átomos da rede se movem
simultaneamente; não há movimentos individuais, mas um movimento colectivo.
Figura 6-7
Isto é:
Fn un 1 un un un 1
96
Física do Estado Sólido Capítulo 6
vibram todos com a mesma amplitude A e frequência , com uma relação de fase constante. A
diferença de fase entre as vibrações de dois átomos vizinhos é ka .
A solução (6-17) representa modos normais de vibração: todos os átomos com a mesma
frequência.
4
12
ka
sin (6-18)
M 2
Apenas se consideraram valores positivos de – os únicos com significado físico. A
igualdade (6-18) é a relação de dispersão
para uma rede linear monoatómica. Ela está
representada graficamente na figura 6-8: é
uma sinusóide, no espaço k, de período
2 a e amplitude igual ao valor máximo de
. Figura 6-8
4
12
m
M
Vamos agora discutir alguns aspectos de interesse:
estas frequências podem propagar-se na rede. Todas as outras são fortemente atenuadas.
97
Física do Estado Sólido Capítulo 6
ka ka
No limite dos grandes comprimentos de onda, k 0 e sin . A relação de
2 2
dispersão transforma-se numa relação linear entre e k:
4 k a m a
12
2 2
k (6-19)
M
Este resultado já era de esperar pois, no limite dos grandes comprimentos de onda, deixa
de ter significado a periodicidade da rede, e tudo se passa como se o cristal fosse um meio
contínuo.
Y am a
2
2 M 2
M
ou, com :
a3
aY (6-20)
igualdade que permite calcular , se forem conhecidos o módulo de Young e o parâmetro a da
rede.
Aumentando k a curva de dispersão afasta-se da recta representada por (6-19) (ver figura
6-8), até que atinge o valor máximo, m , quando k a .
98
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Do ponto de vista físico, é a velocidade de grupo que tem maior interesse pois a energia e
quantidade de movimento são, na prática, transportados por trens de ondas, e não por uma
onda.
A relação de dispersão para a rede monoatómica mostra que, no limite dos grandes
comprimentos de onda, vg e v f têm o mesmo valor.
2
Para um oscilador harmónico de massa M, M . Figura 6-10
99
Física do Estado Sólido Capítulo 6
A e B, estão em oposição de fase (figura 6-10); mas, quando a onda reflectida por A encontra a
reflectida por B estão em fase, e interferem construtivamente. A onda reflectida tem amplitude
máxima, quando k .
a
A sua sobreposição com a onda incidente gera uma onda estacionária, cuja velocidade é
nula. Isto é: vg 0 .
ondas cujo número de onda satisfaz a lei de Bragg (notar que k é o valor de k sobre a
a
fronteira da 1ª zona de Brillouin da rede considerada) estão em condições de ser difractadas
(reflectidas) pela rede periódica de parâmetro a tal como um feixe de raios-X.
considerem-se os valores de k e
a
k ' k 2 a , a que correspondem
comprimentos de onda 4a e 4a 5 .
Estas duas ondas representam o mesmo
movimento colectivo de átomos. Embora a
Figura 6-11
segunda tenha mais nodos que a primeira,
alguns deles, bem como alguns máximos e mínimos, não coincidem com posições atómicas.
No que respeita aos átomos individuais – as únicas entidades que podem observar-se – eles
estão, num caso e noutro, nas mesmas fases de vibração.
Se as duas ondas representam o mesmo modo de vibração, têm de ter a mesma frequência.
Isto é: a dois valores de k que diferem de 2 a , corresponde o mesmo valor de – a relação
100
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Este exemplo mostra que todos os valores de k que diferem de 2n a ( n inteiro) são
equivalentes; o número de onda das ondas que se propagam na rede de parâmetro a, tem uma
indeterminação de 2 a .
Figura 6-12
A curva de
dispersão pode então resumir-se aos dois ramos da figura 6-12a (eles repetem-se
periodicamente, no espaço k).
101
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Vamos agora considerar uma rede cristalina unidimensional, mas com dois tipos de
átomos distintos, como mostra a figura 6-13.
distância a.
d 2u2 n 2
M1 2u2 n 2 u2 n 1 u2 n 3 (6-21)
dt 2
Deveria escrever-se um par de equações idênticas a estas para cada uma das N células
unitárias do cristal, num total de 2N equações.
Tal como se fez para a rede monoatómica vamos postular soluções que representem ondas
progressivas
u2 n 2 A1 exp i t k x2 n 2
102
Física do Estado Sólido Capítulo 6
amplitude A2 . Além disso, todos os átomos da rede vibram com frequência e com o mesmo
2 M A 2 cos k a A
1
2
1 2 0
2 cos k a A1 2 M 2 2 A2 0 (6-23)
Para que este sistema de equações homogéneas tenha soluções não nulas é preciso que:
2 M 1 2 2 cos ka
2 cos ka 2 M 2 2
ou seja
2
4 sin 2 k a
1 1 1 1
2
(6-24)
M1 M 2 M1 M 2 M1 M 2
Os dois sinais ( ) em (6-24) mostram que a relação de dispersão para a rede linear
diatómica tem dois ramos. Esta relação está representada na figura 6-14: a curva inferior
corresponde ao sinal da equação (6-24) e designa-se por ramo acústico. A curva superior
103
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Notar que, entre o intervalo de frequências que correspondem ao ramo acústico e o das
que correspondem ao ramo óptico há um intervalo de energias proibidas: a rede não
transmite ondas com tais frequências.
A largura desta banda de frequências proibidas depende, como mostra a figura 6-14, dos
valores de M 1 e M 2 . Quando for M 1 M 2 , deixa de existir banda proibida e os dois ramos
Notemos que, enquanto a forma do ramo acústico é semelhante à que traduz a relação de
dispersão da rede monoatómica, a forma do ramo óptico é bem diferente, o que faz pensar que
ele representa um tipo de movimento ondulatório distinto.
Procuremos então conhecer a diferença que existe, do ponto de vista físico, entre o ramo
óptico e o acústico. Ela torna-se clara, se calcularmos a relação A1 A2 , no limite em
104
Física do Estado Sólido Capítulo 6
1
1 1 2
Por outro lado, se tomarmos o valor de 2 para o ramo óptico, no
M1 M 2
limite em que k 0 e o substituirmos em (6-23) obteremos
M 1 A2 M 2 A1 0
ou seja: M 1 M 2 A1 A2
), vibrando o de maior massa com menor amplitude (ver figura 6-15b). O centro de massa
do conjunto mantém-se estacionário.
À medida que k cresce, diminui , mas esta diminuição não é acentuada: os dois átomos
continuam a vibrar aproximadamente em oposição de fase.
Podemos agora ver quais as razões que levam à designação de ramo óptico:
(i) Como vimos, as frequências correspondentes a este ramo não se afastam do valor
Para concluir notemos que as curvas de dispersão para a rede diatómica apresentam, no
espaço k, as mesmas características encontradas no estudo da rede monoatómica:
periodicidade igual a 2a e simetria em relação à origem.
A discussão que acaba de ser feita pode generalizar-se para redes tridimensionais.
105
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Uma vez que todas as curvas passam pela origem dos eixos k 0; 0 , conclui-se
que, nesta rede, todos os ramos são acústicos, o que era de esperar, dado que supusemos ser
uma rede monoatómica.
Note-se que as três curvas de dispersão não são necessariamente as mesmas em todas as
direcções do espaço k. Para se obter uma representação completa, é necessário desenhar os
três ramos acústicos em todas (ou em um número apreciável de) as direcções do espaço k, o
que obriga a conhecer as frequências em todos os
pontos desse espaço.
Figura 6-17
106
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Analisaremos ao longo deste capítulo a(s) resposta(s) do sólido quando sofre uma variação de
temperatura, isto é, quando de algum modo é fornecida à (ou retirada da) rede energia
térmica. O calor específico, a condutividade térmica e a expansão (ou dilatação) térmica
constituem um grupo importante de propriedades do sólido que descreve os efeitos causados
por uma variação de temperatura.
O estudo que foi feito da dinâmica das redes cristalinas permite-nos agora abordar estes
temas.
A energia térmica fornecida à rede cristalina contribui para o calor específico do sólido. Esta é
a única contribuição nos materiais isoladores e não magnéticos. Nos metais há que ter em
conta uma contribuição dos electrões livres para o calor específico total e nos materiais
magnéticos, uma contribuição adicional que resulta da ordenação magnética.
Os dois primeiros princípios da Termodinâmica permitem obter a relação entre calor e
trabalho em qualquer sistema físico para o qual se conheça a equação de estado. Não são, no
entanto, suficientes para prever valores das propriedades térmicas dos sólidos como o calor
107
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Para calcular, por exemplo, o calor específico de um sólido, pode partir-se do 1º princípio
da termodinâmica.
dU dQ dW dQ pdV (6-26)
onde dW representa o trabalho mecânico realizado (por forças exteriores) sobre o sistema e
dQ a energia fornecida ao sistema sob a forma de calor; a energia total fornecida ao sistema
(dW+dQ) contribui para o acréscimo dU da sua energia interna.
Além disso, por definição de energia interna, o calor específico a volume constante, CV,
pode escrever-se:
Q
CV
T V
Quando falamos em calor específico, referimo-nos em geral ao calor específico a volume
constante e não ao calor específico a pressão constante , aquele que, em geral, é determinado
experimentalmente. A relação termodinâmica entre os dois calores específicos é:
C p CV 9 2 BV T
108
Física do Estado Sólido Capítulo 6
(iii) Nos sólidos com momento magnético não nulo, observa-se uma contribuição
importante para Cv , nas vizinhanças da temperatura a que ocorre a ordenação dos
momentos magnéticos atómicos. É que, a transição de um estado desordenado para
um ordenado é sempre acompanhada de uma diminuição da entropia do sólido, a
109
Física do Estado Sólido Capítulo 6
qual origina uma contribuição para Cv . Por razões idênticas, a ordenação dos
Vamos agora procurar calcular Cv e comparar os valores obtidos, à custa de várias teorias,
com os dados experimentais de que dispomos.
Antes, porém, convém notar que o calor específico é uma medida do número de graus de
liberdade do sistema constituído pelos N átomos do sólido. É deste número que depende a
maior ou menor capacidade que o sistema apresenta para absorver energia (cinética).
Assim, é natural que para efectuar um cálculo de Cv se comece por determinar o número
de modos distintos de o sistema absorver energia.
Vamos supor a rede cristalina tridimensional constituída por N átomos que, quando
recebem energia térmica, vibram como se fossem osciladores harmónicos. A energia total
1 1
(cinética e potencial) de cada um destes osciladores (de massa E m v 2 m 2 r 2 m) é
2 2
1 1
E m v2 m 2 r 2 (6-27)
2 2
sendo r o respectivo afastamento da posição de equilíbrio e m 2 a constante elástica.
Admitindo uma distribuição clássica de Boltzmann pode concluir-se que o valor médio da
energia associada a cada oscilador, à temperatura T, é
E KBT ( K B : constante de Boltzmann)
Supondo que a energia total U se reparte igualmente por todos os 3N osciladores (isto é,
admitindo a equipartição da energia) pode escrever-se
U 3N K B T 3R T mole
O calor específico da rede constituída pelos 3N osciladores é pois:
110
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Cv dU dT 3 N K B 3R mole (6-28)
Este resultado traduz a lei de Dulong e Petit: a quantidade de calor necessária para elevar
de 1K a temperatura de um mole de átomos do sólido é independente da temperatura deste, e
igual para todos os sólidos.
Para obter o resultado (6-28) não foi necessário usar a relação de dispersão, pois se
concluiu previamente que, neste caso, E não depende de .
(i) A altas temperaturas (que têm como limite superior o ponto de fusão do sólido) os
valores calculados de Cv coincidem com resultados de experiências repetidas para
diferentes sólidos.
Esta hipótese não parece, contudo, muito convincente, já que implica que alguns dos
átomo da rede deixam de existir como osciladores harmónicos enquanto outros, à
partida considerados idênticos aos primeiros, continuam a comportar-se como tal.
Poderia ainda pensar-se que é a amplitude das oscilações que diminui, tendendo para
zero, à mediada que T 0 , o que explicaria o ramo descendente da curva
Cv T (figura 6-18), na zona das baixas temperaturas. Contudo, mesmo que a
amplitude variasse com T, tal dependência não afectaria o resultado obtido para Cv ,
111
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Em 1900, Planck, perante a impossibilidade de explicar com base nas teorias clássicas a
lei de distribuição das frequências da radiação do corpo negro, avançou a hipótese de que a
emissão de energia electromagnética se faz por quantidades discretas, os quanta, que
designou por fotões.
Foi então que Einstein se apercebeu que um conceito idêntico podia ser usado para
procurar resolver as discrepâncias encontradas no estudo dos calores específicos dos sólidos.
Continuando admitir que os N átomos do sólido podem ser representados por um conjunto
de 3N osciladores harmónicos de massa m (igual à de cada átomo), Einstein postulou para
cada um, um comportamento quântico:
(ii) O quantum de energia para estes osciladores mecânicos é , tal como Planck propôs
para osciladores electromagnéticos. A energia de cada um dos 3N osciladores
harmónicos quantificados é pois:
1 1
E m v2 m 2r 2 n com n inteiro
2 2
Assim, se a temperaturas muito baixas a energia térmica
da rede não for suficiente para que cada oscilador possua,
ao menos, energia igual a ( n 1 ), alguns deles terão
energia nula; estes osciladores não se movem (para
ser E 0 , tem de ser v 0 e r 0 ) e portanto não
representam graus de liberdade para o sistema, ou seja, não
contribuem para o calor específico do sólido. Figura 6-19
112
Física do Estado Sólido Capítulo 6
– O sólido é constituído por N átomos, cada um dos quais pode vibrar em três direcções,
simulando um conjunto de 3N osciladores harmónicos idênticos, de massa m, que
vibram com uma frequência única, constante (). A sua energia está
quantificada: E n . O quantum de energia é o fonão ( ).
n exp n K BT
E n 0
(6-29)
exp n
n 0
K BT
e x e 2 x ...
E (6-30)
1 e x e 2 x ...
113
Física do Estado Sólido Capítulo 6
u ( x ) 1 e x
1
. O numerador é a derivada desta função. Isto é
1 du x d
E ln u x
u x dx dx
ou
ex
E (6-31)
1 e exp T
x
KB
3N
U
exp K BT K BT
e para Cv :
2 exp
U K BT
Cv 3R (6-32)
T K BT
2
exp 1
K BT
Na expressão (6-32) que dá o calor específico da rede cristalina, são conhecidas todas as
quantidades excepto a frequência . Em princípio, é possível ajustar-se o valor deste
parâmetro para cada sólido, determinando experimentalmente Cv a diferentes temperaturas T,
e substituindo em (6-32) os valores medidos.
Este valor da frequência, comum a todos os osciladores do mesmo sólido designa-se por
frequência de Einstein, E , e escreve-se geralmente em termos da temperatura de Einstein,
E :
E K B E
114
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Para a maioria dos sólidos: 100 K E 300 K . O valor desta temperatura para cada
temperaturas T E .
Analisemos agora a variação de CV com a temperatura T, partindo, por ser mais simples
da expressão de C (6-31):
já que exp K BT 1 .
115
Física do Estado Sólido Capítulo 6
2
CV 3NK B exp K BT
K BT
Isto é: o calor específico, a baixas temperaturas, tende para zero à medida que T 0 , já que
a exponencial decresce com (e varia mais rapidamente que qualquer potência de) T .
– Um oscilador em contacto térmico com um meio à temperatura T troca com ele uma
energia que tem, em média, o valor K BT . A temperaturas elevadas, esta energia é
muito maior que o espaçamento entre os níveis discretos da figura 6-19; a natureza
discreta do espectro de energias, e portanto a respectiva quantificação, deixam de ter
significado. Isto é: à escala de K BT , o espectro das energias pode considerar-se
116
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Não é provável que tal suceda; pelo contrário, sabe-se que os átomos do sólido
interactuam e que o movimento de cada um afecta o dos vizinhos. Parece pois mais razoável
considerar o movimento da rede como um todo, e procurar os seus modos de vibração. Este
procedimento foi aliás o adoptado ao tratar a propagação de ondas sonoras num cristal;
quando a onda se propaga, os átomos do sólido não vibram independentemente: vibram com a
mesma amplitude e uma relação de fase constante.
Debye supôs que os modos de vibração de uma rede cristalina têm características
semelhantes aos de ondas sonoras, isto é, verificam uma relação de dispersão
idêntica: vs k . Os átomo do sólido não vibram com uma frequência única; podem vibrar
com várias frequências, que vão desde 0 k 0 até um valor máximo que calcularemos
adiante.
117
Física do Estado Sólido Capítulo 6
As hipóteses propostas por Debye para o cálculo dos calores específicos dos sólidos,
podem resumir-se como se segue:
– O número total de ondas elásticas que podem propagar-se num sólido com N átomos é
3N .
Calculemos então o calor específico de um sólido com base nestas hipótese, notando que
cada modo de vibração é equivalente a um oscilador harmónico, cuja energia média é dada
por (6-31).
Estamos a admitir que os átomos do sólido interactuam e que o seu movimento colectivo
permite a propagação de ondas sonoras, mas também que estas são independentes.
K B
T
118
Física do Estado Sólido Capítulo 6
U 3V 2 D 4 exp K BT
CV 2 3
T 2 vs K BT
0
exp K BT 1
2
d (6-36)
119
Física do Estado Sólido Capítulo 6
O parâmetro D ajusta-se, para cada sólido, como foi indicado para o modelo de Einstein.
reduzida, T D , se obtém a mesma curva para todos os sólidos (figura 6-23). Como pode
ver-se, ela reproduz uma larga série de resultados experimentais.
13
D Avs n1 3 A Y n 1 3 A ' Y com A' 6 2
KB
onde Y é o módulo de Young do sólido e
M n a respectiva massa atómica.
A temperatura de Debye é um dado importante para cada sólido, pois está envolvida em
problemas tão diversos como a resistividade eléctrica, a condutividade térmica, a intensidade
de feixes de raios-X ou de neutrões difractados pelo sólido (correcção de temperatura).
120
Física do Estado Sólido Capítulo 6
ou ainda, desprezando, na soma x 2 x 3 o termo x3 , muito menor que a outra parcela:
3
T 1
3
CV 9 R D 3R
D 3 T
resultado que traduz a lei de Dulong e Petit.
Prova-se (ver Apêndice 6-1) que, nestas condições o valor máximo de , que
designaremos por 1 tem a ordem de grandeza de K B T .
Figura 6-24
121
Física do Estado Sólido Capítulo 6
3 3
k T
3N 1 3N
kD D
Sendo da ordem de K BT a energia de cada modo excitado:
3
T 12 R
U 3 N K BT e CV T3.
D 3
D
O motivo pelo qual o modelo de Einstein não concorda com os resultados experimentais a
temperaturas muito baixas T 0, 2 E é agora evidente: admitindo aquele modelo uma
frequência de vibração única, não tem em conta a possibilidade de existirem estes modos de
vibração com frequências muito baixas, os quais podem ser excitados a baixas temperaturas,
continuando assim a contribuir, embora pouco, para CV , o que torna a diminuição de CV com
T mais lenta do que prevista por Einstein.
Conceito de fonão
Quer na teoria de Einstein, quer na de Debye, está implícito o conceito de fonão; ele resulta da
quantificação da energia das ondas que se propagam na rede (meio elástico), i.e., da
quantificação dos respectivos modos de vibração: o fonão é a entidade que transporta o
quantum de energia de vibração, .
Tal como o fotão, também o fonão representa uma onda progressiva que, ao propagar-se
transporta uma dada quantidade de movimento, dada pela relação de De Broglie p h .
Uma onda que se propaga na rede pode pois ser encarada como uma corrente de fonões
que transportam energia e quantidade de movimento. A velocidade dos fonões é a velocidade
do som, no sólido considerado.
122
Física do Estado Sólido Capítulo 6
n 1 exp K BT 1
Isto é: aumentar a temperatura do sólido corresponde a criar nele fonões – o número total de
fonões no sólido não se conserva.
A teoria da rede cristalina permite calcular CV sem aproximações (implícitas nos modelos
de Einstein e Debye) recorrendo à forma exacta
de g . Só pode portanto ser usada nos casos em
123
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Nos sólidos condutores, os metais, existem electrões livres, além de iões positivos,
dispostos sobre uma rede, em tudo idêntica à dos isoladores, no que respeita ao calor
específico. Os electrões livres representam mais um grau de liberdade para o sólido. Se forem
encarados como partículas livres, é de esperar que a sua contribuição para CV seja 3R 2 .
Assim, a altas temperaturas, teríamos:
CV 3R para isoladores
3 9
CV 3R R R para metais
2 2
A experiência mostra, ao contrário, que os calores específicos de metais e isoladores
(formados pelo mesmo tipo de átomos do metal) pouco diferem, a altas temperaturas, como se
os electrões livres pouco contribuíssem. Veremos em breve que a razão desta discrepância é o
facto de os electrões livres não poderem ser tratados classicamente.
A condução da energia térmica nos sólidos é o exemplo de uma situação geral em que
uma quantidade (massa, energia, carga eléctrica...) se conserva num sistema, embora seja
transportada de uma região para outra como consequência de uma situação de desequilíbrio.
Assim se duas extremidades de um sólido estiverem a temperaturas T1 e T2 ( T1 T2 ) passa
energia térmica da primeira para a segunda. Mostra a observação que, numa amostra filiforme
e de secção recta constante, o fluxo de energia térmica – definido como a energia transferida
por unidade de tempo e unidade de área da secção da amostra – é proporcional ao gradiente da
temperatura na amostra. Isto é:
124
Física do Estado Sólido Capítulo 6
T
Q (6-39)
x
A partir desta igualdade pode então definir-se a condutividade térmica, , de uma amostra
filiforme de secção constante, como:
a energia por unidade de tempo e por unidade de área da amostra, transportada entre
dois pontos da amostra que distam de uma unidade de comprimento e cujas
temperaturas diferem de 1º K .
respectivo percurso livre médio. Note-se que v e são valores médios em relação a todos os
modos de vibração possíveis no sólido.
Vejamos agora como varia com a temperatura, analisando as grandezas que entram em
(6-40).
(b) Quanto ao percurso livre médio, , ele é determinado pela distância que o fonão
percorre entre duas colisões e o seu valor depende do tipo de colisões que podem
ocorrer no sólido:
125
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Em consequência de processos deste tipo (i), o percurso livre médio varia com 1 T , ou
seja: 1 T – já que, quanto maior for T, maior é o número de fonões que participam em
Por isso a temperaturas baixas nenhum dos processos [(i) e (ii)] referidos é responsável
por uma limitação do percurso livre médio ou pela sua variação coma temperatura.
O único processo importante é a dispersão dos fonões pela superfície do cristal, cujas
dimensões são, em geral, da ordem de grandeza do
comprimento de onda dos fonões. Assim, o livre percurso
médio é da ordem de grandeza das dimensões (D) do cristal,
independente da temperatura.
126
Física do Estado Sólido Capítulo 6
(c) A altas temperaturas CV é constante; a baixas temperaturas varia, como vimos, com
1 T3 .
– a temperaturas elevadas 1 T .
A par desta difracção elástica ocorre também a inelástica: a rede cristalina, num dado
modo de vibração, pode interactuar com o feixe incidente, resultando da interacção um feixe
127
Física do Estado Sólido Capítulo 6
com energia (e comprimento de onda) diferente da do incidente. Diz-se então que o feixe
incidente foi difractado inelasticamente por esse modo de vibração.
Suponha-se que um feixe de raios-X, de vector de onda k0 , incide numa rede cristalina na
qual se propaga uma onda de vector de onda q .
A interacção desta onda (que traduz um modo de vibração da rede) com a onda
electromagnética incidente pode exprimir-se dizendo que o fotão de raios-X incidente, de
vector de onda k0 , absorve um fonão de vector de onda q , resultando daí um novo fotão com
vector de onda k k0 , tal que:
k k0 q (6-41)
igualdade que se verifica também quando a interacção se traduz pela emissão de um fonão de
vector de onda q (onda que se propaga em sentido contrário à anterior). Nestes processos,
0 ' q (6-42)
Se o espectro de energias do feixe emergente puder ser analisado, observam-se duas riscas
(ou picos) que, numa escala de frequências se dispõem simetricamente em relação a 0 ,
128
Física do Estado Sólido Capítulo 6
A análise espectral dos feixes difractados por um sólido permite assim conhecer as
frequências dos fonões da rede. Por outro lado, q pode ser determinado da igualdade (6-41) e
recorrendo à figura 6-27:
0
q 2k0 sin 2n sin
c
v
onde n é o índice de refracção do sólido.
c 2 c
Figura 6-27
i.e., a energia dos fotões de raios-X é muito maior que a dos fonões da rede. Por isso é difícil
conseguir uma resolução no espectro de frequências que permita uma determinação rigorosa
de q .
129
Física do Estado Sólido Capítulo 6
O aumento de volume de um sólido com a temperatura é em geral pequeno, mas pode não ser
desprezável; a variação relativa de volume correspondente a um aumento de temperatura de
100 K é tipicamente de 1 1000 . Verifica-se que o aumento relativo do parâmetro da rede com
a temperatura é da mesma ordem de grandeza da variação macroscópica. Daqui se conclui que
a expansão térmica é devida a um deslocamento uniforme dos átomos.
Para explicar qualitativamente esta expansão, consideremos apenas dois dos N átomos de um
cristal, supondo-os isolados. A força que os mantém nas suas posições de equilíbrio é
F grad U , sendo U a energia potencial do par de átomos. A figura 6.? representa esta
energia potencial em função da distância r entre os dois átomos, isto é, da distância
interatómica. O valor de r para o qual a energia U é mínima representa a distância a0 entre
os átomos, nas suas posições de equilíbrio. Quando estes átomos, excitados termicamente
vibram, a distância entre eles oscila simetricamente em torno do valor a0 . A função U r
tem, para um pequeno intervalo de valores de r , uma forma parabólica, o que significa que
130
Física do Estado Sólido Capítulo 6
U varia com r 2 , ou seja, que a força F é elástica: dentro de determinados limites os átomos,
Figura 6-28
par de átomos, que a energia potencial do sistema seria maior que na situação anterior.
Então o modelo do potencial harmónico leva-nos a concluir que não deve haver expansão da
rede de um sólido.
E contudo, é sabido que esta expansão ocorre e se observa com frequência. Temos assim de
concluir que este modelo de vibrações harmónicas deve ser abandonado. Admitamos então
131
Física do Estado Sólido Capítulo 6
que ocorrem vibrações anarmónicas, ou seja que a curva que representa a função U r não
tem uma região parabólica, mas sim a forma assimétrica representada na figura 6. .
Um raciocínio idêntico ao que acaba de ser feito permite concluir que, em termos energéticos,
é mais favorável a situação em que os átomos vibram de modo a que a distância entre oscile
em torno de a0 do que em torno de a0 .
Este é apenas um argumento qualitativo que mostra que o modelo de vibrações anarmónicas
permite explicar a expansão térmica da rede cristalina.
Através de um cálculo simples pode comprovar-se que, admitindo que os átomos são
osciladores harmónicos, a distância interatómica de equilíbrio, a0 , é independente da
temperatura, o que implica que não haverá, nos sólidos, expansão térmica.
De facto, supondo que a energia potencial do par de átomos é da forma:
1 2
U r kr
2
sendo r a distância (variável durante cada oscilação completa) entre dois átomos e calculando
r :
r exp U K BT dr
r
exp U K BT dr
obtém-se :
r 0 logo a0 r a0
Isto é, embora seja de esperar que a amplitude das oscilações dependa da temperatura T a que
o sólido se encontra, temos de concluir que o parâmetro da rede não se altera, se os átomos do
sólido forem tratados como osciladores harmónicos.
Suponha-se agora que a energia potencial é da forma:
U r ar 2 gr 3 fr 4
sendo o termo dominante. Tal corresponde a optar por uma energia potencial com dois termos
que não aparecem na de um oscilador harmónico, ou seja, comum é comum dizer-se um
modelo anarmónico.
Procedendo como indicado acima conclui-se que:
132
Física do Estado Sólido Capítulo 6
3 g
r K BT
4 a2
ou seja:
3 g
a0 r a0 2
K BT
4 a
Isto é a distância interatómica cresce linearmente com a temperatura. Só o modelo
anarmónico permite explicar a expansão térmica da rede cristalina.
Se, usando um potencial anarmónico, calcularmos o coeficiente de expansão térmica, verifica-
se que ele é:
proporcional ao calor específico molar;
proporcional a um parâmetro que define o grau de anarmonicidade;
inversamente proporcional ao volume atómico;
inversamente proporcional à compressibilidade V V p .
A temperaturas médias, os três primeiros factores variam pouco de sólido para sólido; é a
compressibilidade que determina os valores bem distintos do coeficiente de expansão térmica,
alguns dos quais se podem ver na Tabela 6.1. No entanto, a temperaturas baixas é o calor
específico que predominantemente determina o mesmo coeficiente, o qual tende para zero à
medida que a temperatura diminui.
6.9 – APLICAÇÕES
Além desta variação uniforme de volume com a temperatura que ocorre em todos os sólidos –
a expansão térmica – observam-se por vezes em alguns deles variações abruptas que são em
geral manifestações de alterações estruturais.
A dilatometria – técnica experimental simples e sensível que permite observar e medir todas
estas variações volumétricas – pode ser usada para detectar transições de fase estruturais.
133
Física do Estado Sólido Capítulo 6
Por exemplo o material designado por invar, um aço rico em níquel, sofre uma variação
contínua de volume à medida que a temperatura aumenta, variação que é a seguir compensada
por uma contracção brusca devida a uma alteração estrutural; por isso é usado em
instrumentos de medida, nos quais não é desejável qualquer variação das dimensões com a
temperatura ambiente.
A expansão térmica, embora não seja em geral muito significativa, deve ter-se em conta no
desenho e construção de qualquer equipamento. Se uma peça for construída à custa de dois
materiais diferentes, eles devem ter coeficientes de expansão idênticos, para que a peça
suporte bem as variações de temperatura a que estará sujeita durante o seu uso; como se
compreende, este requisito é particularmente importante na indústria aeroespacial. Por outro
lado, as diferenças de coeficientes de expansão podem ser bem aproveitadas: uma fita
metálica constituída por dois metais diferentes pode ser usada como sensor de temperatura.
APÊNDICE 5–1
Na região das baixas temperaturas é razoável supor que a energia térmica da rede só
consegue excitar modos de baixa frequência, tais que k B T .
134
Física do Estado Sólido Capítulo 6
x1 x dx
x dx
x1 e 1
x1 e 1
x x
0
ou
x dx
x1 12 1.51
e 1 n 1 n
x
0
k B T1
1 . Figura A6-1
135