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Física do Estado Sólido Capítulo 6

CAPÍTULO 6
VIBRAÇÕES DA REDE CRISTALINA:
PROPRIEDADES TÉRMICAS DOS SÓLIDOS

6.1 - INTRODUÇÃO

O modelo de um sólido constituído por átomos (iões, ou moléculas), ligados por forças
interatómicas, e ocupando posições fixas numa rede cristalina tem de ser modificado, se
pretendermos tratar, entre outras, as propriedades térmicas do sólido. De facto, mesmo à
temperatura do zero absoluto estes átomos vibram em torno de posições médias (posições de
equilíbrio), como se conclui do princípio da incerteza de Heisenberg; consequentemente
possuem uma energia que é chamada a energia do ponto zero.
Quando se fornece energia à rede, os átomos são excitados e a amplitude daquelas
oscilações aumenta. A causa da excitação pode ser por exemplo, a propagação de ondas
sonoras ou electromagnéticas, ou o fornecimento de energia térmica que aumenta a
temperatura do sólido.

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

O modelo que passaremos a usar para descrever propriedades do sólido é pois o de átomos
vibrando em torno de posições fixas dispostas um arranjo regular e periódico.
Convém notar que os átomos do sólido, quando excitados, não vibram independentemente
uns dos outros, mas sim colectivamente: a vibração de cada um influencia o estado de
vibração dos vizinhos, de tal modo que as vibrações atómicas, no seu conjunto se comportam
(e podem ser tratadas) como ondas que se propagam no sólido.
Começaremos por considerar apenas vibrações de pequena amplitude, condição que nos
permite tratar o sólido como um arranjo ordenado de osciladores harmónicos, ou seja como
um meio elástico, referindo-nos, no final do capítulo, aos efeitos anarmónicos.
Procuremos então saber, antes de mais, como vibra uma rede cristalina quando excitada, isto
é, iniciar um estudo da dinâmica das redes cristalinas. Aplicá-lo-emos, de seguida, à análise
das propriedades térmicas dos sólidos

6.2 – PROPAGAÇÃO DE ONDAS NUM MEIO ELÁSTICO

A experiência do dia a dia mostra-nos que as ondas sonoras se propagam nos sólidos. Tal
significa que podem propagar-se na rede cristalina ondas de vibração (vibrações colectivas)
de comprimentos de onda (como os do som) muito superiores às distâncias interatómicas. As
características da propagação destas ondas não são determinadas pelo detalhe da estrutura
atómica, mas sim pelas propriedades elásticas macroscópicas, do sólido.
Por outras palavras, quando se propagam num sólido ondas de vibrações com comprimentos
de onda muito superiores às distâncias interatómicas, é legítimo tratá-lo como um meio
contínuo. Tal condição verifica-se desde que seja  >> 108 m , ou seja, para frequências
inferiores a 1011  102 Hz . Este limite não é restritivo nos casos de interesse, já que, na prática
é difícil conseguir frequências superiores às indicadas.

Comecemos então por tratar a propagação de ondas no sólido que se admite ser um meio
contínuo e elástico.

Suponha-se que uma onda longitudinal que se propaga numa barra de comprimento L
muito superior à secção (figura 6-1). Seja x a abcissa de cada um dos pontos e u(x) o

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Figura 6-1
Física do Estado Sólido Capítulo 6

deslocamento sofrido (sob a acção de alguma força exterior) pelo elemento de comprimento
compreendido entre x e x+dx. Define-se a deformação, e, como a variação de comprimento
da barra por unidade de comprimento.
du
e (6-1)
dx
A tensão  (força por unidade de superfície) responsável pelo alongamento da barra é
função de x e, de acordo com a lei de Hooke, proporcional à deformação:
 Ye (6-2)
sendo Y o módulo de Young.
 
A equação fundamental da dinâmica, F  m a , permite escrever a equação do movimento
do segmento dx da barra. Seja   dm dV a densidade de massa e A’ a área da secção recta

da barra. Então dm a    A ' dx   2u t 2 . Por outro lado, a força resultante nos extremos

do segmento dx tem intensidade:


  e 
F  A ' Y e  x  dx   e  x     dx  A ' Y (6-3)
 x 
 
Podemos então escrever, usando as igualdades (6-1), (6-2), (6-3) e F  m a :

 2u   2u
 (6-4)
x 2 Y t 2
igualdade que traduz a equação de propagação de um movimento ondulatório (a uma
dimensão). Como se sabe, ela admite como solução, ondas progressivas
u  A exp i  k x   t   (6-5)

onde k  2  ,  e A representam respectivamente o número de onda, a frequência e a


amplitude da onda que se propaga na barra..

Substituindo (6-5) na equação de propagação (6-4), vem:

Y
   k vs com vs  (6-6)

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

A esta relação entre uma frequência,  , e um número de onda, k, chama-se relação de


dispersão.

Da teoria ondulatória sabe-se que a velocidade


de propagação de uma onda num meio elástico é
dada por  k   f ; na relação de dispersão (6-6),
vs representa a velocidade de propagação da onda.
O facto de ela vir expressa em função de
características do meio, Y e  , mostra que se trata de

uma onda sonora; vs é portanto a velocidade de


propagação do som, na barra. Figura 6-2

A relação de dispersão para ondas sonoras (6-6) está representada graficamente na figura 6-21.
Note-se que dela se deduz que a velocidade de grupo, vg  d dk e a velocidade de fase

v f   k , são iguais e constantes, para ondas sonoras que se propagam num meio elástico

unidimensional.

A segunda das igualdades (6-6) – vs  Y  – permite calcular o módulo de Young, se

for conhecida a velocidade de propagação do som no sólido, vs. Usando para vs e  , valores
típicos para a maioria dos sólidos – 5x105cm/s e 5g/cm3, respectivamente – obtém-se para o
módulo de Young valores da ordem de 102g.cm/s2.

Se repetíssemos este raciocínio para uma onda transversal, concluiríamos que a sua
velocidade de propagação está relacionada com outra uma constante elástica do meio. As duas
constantes elásticas permitem descrever a propagação de qualquer onda no sólido, que até
agora se supôs isotrópico. No entanto, a maior parte dos cristais são anisotrópicos. Para
descrever as suas propriedades elásticas, torna-se necessário recorrer a um maior número de
constantes elásticas, Cij . Se a estrutura cristalina admitir elementos de simetria, algumas delas

estão relacionadas, o que pode diminuir consideravelmente o número de constantes elásticas


1
A mesma relação é verificada para a propagação de ondas sonoras em gases e líquidos.

90
Física do Estado Sólido Capítulo 6

necessárias para descrever as propriedades elásticas do cristal. Por exemplo, se a simetria for
cúbica, há apenas três constantes Cij independentes: C11 , C12 e C44 . A primeira relaciona a

deformação longitudinal com a tensão aplicada, e a última relaciona a deformação transversal


com a tensão na direcção 100 ; C12 relaciona a deformação longitudinal numa direcção (por

exemplo, [100]) com a tensão noutra perpendicular ([010], por exemplo).

Qualquer destas constantes elásticas pode ser determinada a partir de medições da


velocidade de propagação do som em diferentes direcções, no cristal.

6.3 – MODOS DE VIBRAÇÃO E DENSIDADE DE ESTADOS (meio contínuo)

A solução da equação de propagação de ondas longitudinais ao longo da barra da figura 6-


1, é
u  x   A exp  ik x  (6-7)

se omitirmos em (6-5) a parte que exprime a dependência temporal, sem interesse para a
discussão que se segue.

Os valores possíveis de k, em (6-7), são determinados por condições fronteiras, que


vamos estabelecer. Estas condições devem reflectir a situação em que se encontram as
extremidades da barra: podemos obrigá-las a permanecer fixas, ou então deixá-las vibrar com
o resto da barra.

Frequentemente, em problemas desta natureza, estabelecem-se condições fronteiras


periódicas; no caso presente, tal significa que obrigamos ambas as extremidades da barra a
vibrar em fase, de tal modo que, em qualquer instante, ambas se encontrem no mesmo estado
de deformação. Uma forma muito usual de visualizar esta situação é imaginar que a barra foi
dobrada, com forma circular até que os dois extremos se tocassem.

Sendo L o comprimento da barra, e tomando para origem das abcissas (x=0) uma das suas
extremidades, as condições fronteiras periódicas exprimem-se através da relação
u  x  0  u  x  L  (6-8)

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Substituindo esta condição em (6-7) virá


exp  i k L   1

ou seja:
2
k L logo i k L  i 2 n  (6-9)
n
com n = 0,  1,  2, ... Note-se que, se marcarmos estes valores possíveis de k sobre um
eixo, eles originam uma rede unidimensional no espaço k, cujos pontos se encontram
espaçadas de 2/L: os valores possíveis de k, na relação de dispersão, são descontínuos.

Contudo, se a barra for muito comprida, como se admitiu, o conjunto de valores possíveis
de k forma um quase contínuo.

Cada um dos valores possíveis de k – quantificados através da relação (6-9) – representa


um modo de vibração do sólido (unidimensional).

Num intervalo dk do espaço k a uma dimensão existem 1  2 L   dk , ou  L 2  k

modos possíveis de vibração.

Através da relação de dispersão pode também calcular-se o número de modos possíveis


com frequências compreendidas entre  e   d  . Habitualmente, define-se a função
densidade de estados, g   , como o número de modos de vibração (estados) por unidade de

frequência, no intervalo de frequências d  (entre  e   d  .)


L dk L 1
g    2  (6-10)
2 d   d  dk
A figura 6-2 mostra a origem do factor 2, em 6-10: a cada valor de  (positivo)
correspondem dois valores simétricos de k.

Usando a relação de dispersão conclui-se que d dk  vs , logo:

L 1
g    (6-11)
 vs
Isto é: a densidade de modos, g   , é constante e independente de .

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

Generalizando o que foi dito, para três dimensões, podemos escrever a solução da equação
de propagação sob a forma
 

u  A exp i  k x x  k y y  k z z    A exp i k  r  (6-12)

onde k é o vector de onda, com a direcção e o sentido da propagação, e grandeza igual a
2  .

Também neste caso as condições fronteiras determinam os valores possíveis de



k ( k x , k y , k z ). Procedendo como anteriormente, e supondo que o sólido tem a forma de um

cubo de aresta L, pode concluir-se que, para se verificarem as condições fronteiras periódicas,
tem de ser

exp i  k x L  k y L  k z L    1
ou seja
2 2 2
kx  n1 ; k y  n2 ; k z  n3 com n1 , n2 , n3 inteiros (6-13)
L L L
Se marcarmos os valores dados por (6-
13) sobre três eixos perpendiculares no
espaço k, obteremos a rede cúbica
tridimensional, representada na figura 6-3,
cujos pontos (kx, ky, kz) estão espaçados de
(2/L) em cada direcção. Assim, o volume
ocupado por cada ponto, no espaço k é

 2 L 
3
.

Note-se que cada ponto deste espaço k


representa um modo possível de vibração,
para o cristal.

A distância de cada ponto à origem,

k  Figura 6-3
12
2
x  k y2  k z2 é o módulo do vector de

onda de uma onda que pode propagar-se no cristal.

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

Podemos então concluir que o número de modos possíveis com número de onda k inferior
a um dado valor, k1 , é igual ao número de pontos contidos no interior de uma esfera de raio

k1 e volume  4 k13 3 , centrada na origem do espaço k. Recordando que o volume ocupado

por cada ponto é  2 L  , esse número é pois


3

4 k13 V 4 k13 V
 2 L 
3
  k13 (6-14)
3  3
3 6 2

sendo V  L3 o volume do sólido cristalino. Este valor (6-14) representa pois, o número de
ondas que podem propagar-se no sólido em todas as direcções, com número de onda inferior a
k1 .

Da definição da função densidade de estados, g(), se


conclui que g()d representa o número de modos
possíveis, com frequências entre  e +d; eles estão
representados na figura 6-4, a duas dimensões, pelos pontos
compreendidos entre duas circunferências concêntricas, de
raios k (=/vs) e k+dk.

Tal número obtém-se diferenciando (6-14) e atendendo


Figura 6-4
à relação de dispersão,   vs k . Assim

V 2
g    (6-15)
2 2 vs3

A função g() está representada graficamente na figura 6-5; note-se que ela varia com  2
e não com , como no caso unidimensional.

Associámos a cada valor de k, um modo de vibração.


Porém, tratando-se de um cristal real, tridimensional,

existem para cada valor de k três modos de vibração,

dos quais dois são transversais, e um é longitudinal.

Figura 6-5
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Física do Estado Sólido Capítulo 6

As relações de dispersão para ondas transversais e longitudinais diferem nas correspondentes


velocidades de propagação, vt e v, respectivamente. É porém legítimo tomar um valor único
de velocidade, vs, obtido à custa de vt e v, e escrever uma relação de dispersão única. Sendo

assim, a densidade total de modos, g   , obtém-se multiplicando por 3 o segundo membro

de (6-15)
3V  2
g    (6-16)
2 2 vs3

6.4 – VIBRAÇÕES DA REDE

Temos tratado o sólido como um meio contínuo, admitindo que nele se propagam ondas
de comprimento de onda muito superior às
distâncias interatómicas. Neste caso, vimos que
era válida a relação de dispersão   vs k . Ondas
de menor comprimento de onda podem ser
difractadas pela rede cristalina; a sua propagação
é perturbada, o que se traduz numa diminuição da
velocidade de propagação. Como vimos esta é
dada pelo declive da curva que traduz a relação de
Figura 6-6
dispersão. Nestas condições, a referida
diminuição traduz-se pelo aparecimento de uma curvatura na curva de dispersão que deixa de
ser uma recta (figura 6-6).

Vamos considerar agora situações em que a distribuição descontínua de átomos no sólido


não pode deixar de ser tida em conta. Por razões de simplicidade começaremos por tratar uma
rede linear monoatómica, para depois considerarmos a diatómica.

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

6.4.1 – Rede Linear Monoatómica

Considere-se a rede unidimensional da figura 6-7, constituída por uma fila de átomos
iguais, de massa M que, em equilíbrio ocupam posições distanciadas de a (parâmetro da rede).

Suponha-se que esta rede começa a vibrar: cada átomo sofre um pequeno deslocamento da
posição de equilíbrio, interactuando com os vizinhos; todos os átomos da rede se movem
simultaneamente; não há movimentos individuais, mas um movimento colectivo.

Figura 6-7

Para se escrever a lei do



movimento vamos procurar qual é a resultante das forças, Fn , a que está sujeito um átomo n.

Designemos por un o seu afastamento da posição de equilíbrio, e por un 1 e un 1 os dos dois



vizinhos mais próximos. Fn é a resultante das forças exercidas pelas duas molas ligadas ao
átomo n. De acordo com a lei de Hooke – válida enquanto os deslocamentos forem pequenos
– cada uma destas forças tem intensidade proporcional ao deslocamento relativo do par de
átomos considerados.

Isto é:
Fn    un 1  un    un  un 1  

e, atendendo à equação fundamental da dinâmica


d 2 un
M     2un  un 1  un 1 
dt 2
Admitamos para esta equação uma solução do tipo
un  A exp i  k xn   t   (6-17)

onde xn  na representa a abcissa da posição de equilíbrio do átomo n. Esta solução


representa uma onda progressiva e traduz um movimento colectivo dos átomos da rede que

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

vibram todos com a mesma amplitude A e frequência , com uma relação de fase constante. A
diferença de fase entre as vibrações de dois átomos vizinhos é  ka  .

Uma solução deste tipo é consequência do carácter periódico da rede; se os átomos se


dispusessem ao acaso, seria de esperar como solução, uma onda fortemente atenuada, ou
mesmo a ausência de carácter ondulatório.

A solução (6-17) representa modos normais de vibração: todos os átomos com a mesma
frequência.

Substituindo (6-17) na equação do movimento:

 M  2 exp  ikna     2 exp  ik na   exp  ik  n  1 a   exp  ik  n  1 a  

Usando a fórmula de Euler, exp  ik x   exp  ik x   2 cos  k x  , vem:

 4 
12
 ka 
   sin   (6-18)
M   2 
Apenas se consideraram valores positivos de  – os únicos com significado físico. A
igualdade (6-18) é a relação de dispersão
para uma rede linear monoatómica. Ela está
representada graficamente na figura 6-8: é
uma sinusóide, no espaço k, de período
2 a e amplitude igual ao valor máximo de
. Figura 6-8

 4 
12

m   
M 
Vamos agora discutir alguns aspectos de interesse:

(i) Limite dos grandes comprimentos de onda

A simetria e periodicidade da curva de dispersão permite considerar apenas o ramo que


corresponde a 0  k   2 . Neste intervalo  varia entre zero e m . Isto é, só ondas com

estas frequências podem propagar-se na rede. Todas as outras são fortemente atenuadas.

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

 ka  ka
No limite dos grandes comprimentos de onda, k  0 e sin    . A relação de
 2  2
dispersão transforma-se numa relação linear entre  e k:

 4  k a  m a 
12

   
2  2 
k (6-19)
M 
Este resultado já era de esperar pois, no limite dos grandes comprimentos de onda, deixa
de ter significado a periodicidade da rede, e tudo se passa como se o cristal fosse um meio
contínuo.

De (6-19) pode concluir-se que a velocidade do som neste cristal é vs  a m 2 e

inferir-se uma relação entre o módulo de Young e a constante elástica, 

Y am  a
 2
 2 M 2
M
ou, com   :
a3
  aY (6-20)
igualdade que permite calcular , se forem conhecidos o módulo de Young e o parâmetro a da
rede.

Aumentando k a curva de dispersão afasta-se da recta representada por (6-19) (ver figura
6-8), até que  atinge o valor máximo, m , quando k   a .

Este comportamento da curva de dispersão pode compreender-se usando um argumento


qualitativo. Quando k é pequeno,  é muito superior à distância interatómica como se ilustra
na figura 6-9a. No limite em que k  0 , o factor que traduz o desfasamento entre dois átomos
vizinhos –  exp  ik a  – é igual à

unidade: átomos vizinhos vibram


pois em fase. Nestas condições, a
força elástica exercida por um

átomo sobre os seus vizinhos é


Figura 6-9

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Física do Estado Sólido Capítulo 6

pequena e portanto  também o é2. No limite em que k  0 (    ) a rede move-se como


um corpo rígido (caso em que desaparece a força elástica:   0 ).

No extremo oposto, aquele em que k   a , é   2a (figura 6-9b): átomos vizinhos


vibram em oposição de fase (d.d.f.=);  e  têm valores máximos.

(ii) Velocidade de grupo e de fase

A teoria ondulatória diz-nos que a velocidade de grupo ( vg ) e de fase ( v f ) são em geral

distintas e dadas por:


d 
vg  vf 
dk k
A primeira, vg , é a velocidade de um trem (grupo) de ondas com frequência e número de

ondas médios,  e k respectivamente; v f traduz a velocidade de propagação de uma onda

com frequência  e número de onda k.

Do ponto de vista físico, é a velocidade de grupo que tem maior interesse pois a energia e
quantidade de movimento são, na prática, transportados por trens de ondas, e não por uma
onda.

A relação de dispersão para a rede monoatómica mostra que, no limite dos grandes
comprimentos de onda, vg e v f têm o mesmo valor.

Para menores comprimentos de onda, isto é, aumentando k, diminui o declive da curva de

dispersão, e consequentemente a velocidade de grupo, que se anula, quando k   .


a

Que significado tem esta diminuição? À medida que k   a , aumenta a probabilidade


de a onda ser difractada pela rede periódica. Quando
k  a    2a  , as ondas reflectidas por átomos vizinhos,

2
Para um oscilador harmónico de massa M,   M . Figura 6-10

99
Física do Estado Sólido Capítulo 6

A e B, estão em oposição de fase (figura 6-10); mas, quando a onda reflectida por A encontra a
reflectida por B estão em fase, e interferem construtivamente. A onda reflectida tem amplitude

máxima, quando k   .
a

A sua sobreposição com a onda incidente gera uma onda estacionária, cuja velocidade é
nula. Isto é: vg  0 .

Nota – Chegámos a uma situação em tudo idêntica à encontrada na difracção de raios-X:

ondas cujo número de onda satisfaz a lei de Bragg (notar que k   é o valor de k sobre a
a
fronteira da 1ª zona de Brillouin da rede considerada) estão em condições de ser difractadas
(reflectidas) pela rede periódica de parâmetro a tal como um feixe de raios-X.

(iii) A simetria e periodicidade da curva de dispersão estão relacionadas com a da rede


cristalina.

A relação de dispersão (6-18) mostra que   k  2 a     k  ; a figura 6-11 permite

compreender a origem da periodicidade:

considerem-se os valores de k  e
a
k '  k  2 a , a que correspondem
comprimentos de onda   4a e   4a 5 .
Estas duas ondas representam o mesmo
movimento colectivo de átomos. Embora a
Figura 6-11
segunda tenha mais nodos que a primeira,
alguns deles, bem como alguns máximos e mínimos, não coincidem com posições atómicas.
No que respeita aos átomos individuais – as únicas entidades que podem observar-se – eles
estão, num caso e noutro, nas mesmas fases de vibração.

Se as duas ondas representam o mesmo modo de vibração, têm de ter a mesma frequência.
Isto é: a dois valores de k que diferem de 2 a , corresponde o mesmo valor de  – a relação

de dispersão é periódica de período 2 a .

100
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Este exemplo mostra que todos os valores de k que diferem de 2n a ( n inteiro) são
equivalentes; o número de onda das ondas que se propagam na rede de parâmetro a, tem uma
indeterminação de 2 a .

Deste modo, a região significativa do espaço k é a limitada por k  0 e k  2 a . Em


geral, torna-se conveniente escolher os valores significativos de k (esta escolha é arbitrária)
no intervalo:
 
k 
a a

Figura 6-12

A curva de
dispersão pode então resumir-se aos dois ramos da figura 6-12a (eles repetem-se
periodicamente, no espaço k).

O intervalo de valores significativos de k corresponde exactamente à 1ª zona de Brillouin


da rede considerada. O seu significado físico pode agora ser realçado: as fronteiras da zona de
Brillouin correspondem aos valores de k que satisfazem a lei de Bragg, i.e., para os quais a
onda incidente pode ser reflectida pela rede periódica do cristal.

A simetria da curva de dispersão é traduzida por   k     k  .

Os modos a que correspondem valores simétricos de k correspondem a ondas com o


mesmo comprimento de onda, que se propagam na rede em sentidos opostos. Sendo ela
idêntica quando percorrida num ou noutro sentido, é de esperar que responda de modo
idêntico nas duas situações; logo as frequências têm de ser iguais.

101
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Concluindo: a simetria e periodicidade da curva de dispersão são apenas consequências


da periodicidade da rede cristalina, e mantêm-se mesmo em relações de dispersão mais
complexas.

6.4.2 – Rede Linear Diatómica

Vamos agora considerar uma rede cristalina unidimensional, mas com dois tipos de
átomos distintos, como mostra a figura 6-13.

Como pode ver-se, a célula unitária


desta rede contém dois átomos: um de
massa M1 , outro de massa

M 2  M 1  M 2  , separados por uma

distância a.

O movimento da rede pode ser


tratado como no caso anterior; uma vez
Figura 6-13 que há dois átomos diferentes, temos de
escrever duas equações do movimento:
d 2u2 n 1
M2     2u2 n 1  u2 n  u2 n  2 
dt 2

d 2u2 n  2
M1     2u2 n  2  u2 n 1  u2 n 3  (6-21)
dt 2
Deveria escrever-se um par de equações idênticas a estas para cada uma das N células
unitárias do cristal, num total de 2N equações.

Tal como se fez para a rede monoatómica vamos postular soluções que representem ondas
progressivas
u2 n  2  A1 exp i  t  k x2 n  2  

u2 n 1  A2 exp i  t  k x2 n 1   (6-22)

102
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Todos os átomos de massa M 1 vibram com amplitude A1 e todos os de massa M 2 , com

amplitude A2 . Além disso, todos os átomos da rede vibram com frequência  e com o mesmo

número de onda, k, característica do movimento ondulatório que traduz as vibrações da rede.

Substituindo as soluções (6-22) nas equações do movimento (6-21):

 2  M   A  2 cos  k a  A
1
2
1 2 0

 
2 cos  k a  A1  2  M 2  2 A2  0 (6-23)

Para que este sistema de equações homogéneas tenha soluções não nulas é preciso que:

2  M 1 2  2 cos  ka 
2 cos  ka  2  M 2 2

ou seja
 2
4 sin 2  k a  
1 1  1 1 
 
2
      (6-24)
 M1 M 2  M1 M 2  M1 M 2 
 
Os dois sinais (  ) em (6-24) mostram que a relação de dispersão para a rede linear
diatómica tem dois ramos. Esta relação está representada na figura 6-14: a curva inferior
corresponde ao sinal    da equação (6-24) e designa-se por ramo acústico. A curva superior

representa a solução com sinal    e constitui o chamado ramo óptico.

O ramo acústico tem início no ponto k  0 ; neste


ponto é   0 como se conclui de (6-24). A frequência
 começa a crescer linearmente com k, para depois
crescer mais lentamente. Este comportamento justifica
a designação de ramo acústico para este ramo da curva
de dispersão (recordar a propagação de ondas sonoras).

Figura 6-14 O valor máximo de   2 M 2   é atingido

103
Física do Estado Sólido Capítulo 6

quando k  2 a (limite da 1ª zona de Brillouin da rede considerada).

Para o ramo óptico,  tem um valor finito (  0 ) mesmo quando k  0 :


12
  1 1 
 k 0   2   
  M1 M 2 
Este valor decresce linearmente, tendendo para 2 M 1 quando k   2a .

Notar que, entre o intervalo de frequências que correspondem ao ramo acústico e o das
que correspondem ao ramo óptico há um intervalo de energias proibidas: a rede não
transmite ondas com tais frequências.

A largura desta banda de frequências proibidas depende, como mostra a figura 6-14, dos
valores de M 1 e M 2 . Quando for M 1  M 2 , deixa de existir banda proibida e os dois ramos

da curva de dispersão (óptico e acústico) tornam-se degenerados no ponto k   2a ..

Notemos que, enquanto a forma do ramo acústico é semelhante à que traduz a relação de
dispersão da rede monoatómica, a forma do ramo óptico é bem diferente, o que faz pensar que
ele representa um tipo de movimento ondulatório distinto.

Procuremos então conhecer a diferença que existe, do ponto de vista físico, entre o ramo
óptico e o acústico. Ela torna-se clara, se calcularmos a relação A1 A2 , no limite em

que k  0      . Nestas condições cos  k a   1 e, sendo   0 para o ramo acústico,

conclui-se de (6-23) que:


A1  A2
o que significa que os dois átomos da célula
unitária vibram com a mesma amplitude e em
fase (figura 6-15a). O mesmo é dizer que a célula
unitária e afinal todo o cristal vibra como um Figura 6-15a
corpo rígido.

À medida que k cresce, a igualdade A1  A2 deixa de se verificar exactamente, mas os dois


átomos ainda vibram aproximadamente em fase.

104
Física do Estado Sólido Capítulo 6
1
  1 1  2
Por outro lado, se tomarmos o valor de    2    para o ramo óptico, no
  M1 M 2 
limite em que k  0 e o substituirmos em (6-23) obteremos
M 1 A2  M 2 A1  0
ou seja: M 1 M 2   A1 A2

Tal significa que átomos vizinhos, de massas


Figura 6-15b
M 1 e M 2 , se movem em sentidos opostos (sinal

 ), vibrando o de maior massa com menor amplitude (ver figura 6-15b). O centro de massa
do conjunto mantém-se estacionário.

À medida que k cresce, diminui , mas esta diminuição não é acentuada: os dois átomos
continuam a vibrar aproximadamente em oposição de fase.

Podemos agora ver quais as razões que levam à designação de ramo óptico:

(i) Como vimos, as frequências correspondentes a este ramo não se afastam do valor

   2 M  . Usando para  e M valores típicos de 5 103 e 1023 kg


12

respectivamente, verifica-se que   3 1013 s-1 – frequência da zona do


infravermelho.

(ii) Se os dois átomos, de massas M 1 e M 2 estiverem ionizados como acontece por


exemplo, no cloreto de sódio, o cristal apresenta propriedades ópticas características,
na região do infravermelho, quando a rede vibra com frequências do ramo que
designámos por óptico.

Para concluir notemos que as curvas de dispersão para a rede diatómica apresentam, no
espaço k, as mesmas características encontradas no estudo da rede monoatómica:
periodicidade igual a  2a e simetria em relação à origem.

A discussão que acaba de ser feita pode generalizar-se para redes tridimensionais.

105
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Se considerarmos uma rede de Bravais monoatómica, a equação do movimento de cada


átomo escreve-se de modo análogo à da rede linear. A solução postulada é
  

 
un  A exp i k  r   t 
 
(6-25)

Notar que, fazendo-se a propagação a três dimensões, é necessário especificar, através do



vector de onda k , a direcção de propagação. O vector indica a grandeza, direcção e sentido
 
das vibrações atómicas. Representa pois, a polarização da onda (que é longitudinal se A // k e
 
transversal se A  k ).

Se substituirmos (6-25) na equação do movimento, obteremos



três equações que envolvem Ax , Ay e Az , as três componentes de A .

Seguindo um caminho análogo ao usado para a rede linear


monoatómica, obteríamos uma equação em  2 e k 3 cujas (três)
Figura 6-16
raízes representam três relações de dispersão, como sugere a figura
6-16.

Uma vez que todas as curvas passam pela origem dos eixos  k  0;   0  , conclui-se

que, nesta rede, todos os ramos são acústicos, o que era de esperar, dado que supusemos ser
uma rede monoatómica.

Note-se que as três curvas de dispersão não são necessariamente as mesmas em todas as
direcções do espaço k. Para se obter uma representação completa, é necessário desenhar os
três ramos acústicos em todas (ou em um número apreciável de) as direcções do espaço k, o
que obriga a conhecer as frequências  em todos os
pontos desse espaço.

Os três ramos da figura 6-16 correspondem a



diferentes polarizações. Se k tiver a direcção de um
eixo de simetria elevada no cristal (em geral, [100] ou
[110]) as ondas que esses ramos representam, ou são

Figura 6-17
106
Física do Estado Sólido Capítulo 6

puramente longitudinais ou puramente transversais e designam-se respectivamente por



acústica transversal (AT) e acústica longitudinal (AL). Se k não tiver a direcção de um
desses eixos, as ondas podem ter um carácter misto.

Em determinadas direcções de elevada simetria – por exemplo a direcção [100] num


cristal de alumínio (f.c.c.) os dois ramos acústicos transversais coincidem (ver figura 6-17) e
dizem-se degenerados; o mesmo não acontece já, para o mesmo cristal, na direcção [110] (ver
figura 6-17 à esquerda).

6.5 – PROPRIEDADES TÉRMICAS DOS SÓLIDOS

Analisaremos ao longo deste capítulo a(s) resposta(s) do sólido quando sofre uma variação de
temperatura, isto é, quando de algum modo é fornecida à (ou retirada da) rede energia
térmica. O calor específico, a condutividade térmica e a expansão (ou dilatação) térmica
constituem um grupo importante de propriedades do sólido que descreve os efeitos causados
por uma variação de temperatura.
O estudo que foi feito da dinâmica das redes cristalinas permite-nos agora abordar estes
temas.

6.6.1 – CALOR ESPECÍFICO

A energia térmica fornecida à rede cristalina contribui para o calor específico do sólido. Esta é
a única contribuição nos materiais isoladores e não magnéticos. Nos metais há que ter em
conta uma contribuição dos electrões livres para o calor específico total e nos materiais
magnéticos, uma contribuição adicional que resulta da ordenação magnética.
Os dois primeiros princípios da Termodinâmica permitem obter a relação entre calor e
trabalho em qualquer sistema físico para o qual se conheça a equação de estado. Não são, no
entanto, suficientes para prever valores das propriedades térmicas dos sólidos como o calor

107
Física do Estado Sólido Capítulo 6

específico, a condutividade e a expansão térmicas, porque em geral se desconhece a energia


interna, U, do sistema.

Para calcular, por exemplo, o calor específico de um sólido, pode partir-se do 1º princípio
da termodinâmica.
dU  dQ  dW  dQ  pdV (6-26)
onde dW representa o trabalho mecânico realizado (por forças exteriores) sobre o sistema e
dQ a energia fornecida ao sistema sob a forma de calor; a energia total fornecida ao sistema
(dW+dQ) contribui para o acréscimo dU da sua energia interna.

Além disso, por definição de energia interna, o calor específico a volume constante, CV,
pode escrever-se:
 Q 
CV   
 T V
Quando falamos em calor específico, referimo-nos em geral ao calor específico a volume
constante e não ao calor específico a pressão constante , aquele que, em geral, é determinado
experimentalmente. A relação termodinâmica entre os dois calores específicos é:
C p  CV  9  2 BV T

onde  é o coeficiente de expansão térmica linear, V o volume do sólido e B o módulo de


elasticidade volumétrico, uma das constantes elásticas do sólido. Para os sólidos o segundo
membro desta igualdade é tão pequeno que pode ser desprezado, e portanto :
CV  C p
1
CV
Referir-nos-emos daqui em diante sempre ao calor específico a volume constante que se
define através da igualdade:
 Q 
CV   
 T V
nos sólidos, a variação de volume com a temperatura, dV , é desprezável e pode escrever-se:
 U 
CV   
 T V

108
Física do Estado Sólido Capítulo 6

o que mostra a necessidade de se conhecer a energia interna do sistema, para calcular Cv .


Para tal, pode usar-se uma de duas vias: ou se determinam experimentalmente os valores do
calor específico (e outras propriedades térmicas), ou se desenvolve uma teoria que permita
calcular a energia interna do sólido.

Mas, seja qual for a teoria usada,


ela terá de explicar e reproduzir os
resultados experimentais já
conhecidos para os calores
específicos dos sólidos.

A curva típica que traduz a


variação do calor específico, Cv ,

com a temperatura T, de qualquer


sólido, está representada na figura 6- Figura 6-18
18. Ela traduz um comportamento
sistemático, observado em todos os sólidos, embora os seus detalhes variem de sólido para
sólido. Assim:

(i) A temperaturas elevadas (muito superiores à temperatura ambiente) Cv é

praticamente independente de T e igual a 3NkB = 3 R/mole ( 25 J mole-1 K-1 = 6


cal/grau.mole) para todos os sólidos. Este resultado traduz a lei de Dulong e Petit e
verifica-se até à temperatura de fusão do sólido.

(ii) Diminuindo a temperatura, Cv diminui rapidamente, tendendo para zero, à medida


que T  0 . Nos sólidos isoladores Cv decresce com T 3 e nos metais com T. Nos
supercondutores decresce mais rapidamente.

(iii) Nos sólidos com momento magnético não nulo, observa-se uma contribuição
importante para Cv , nas vizinhanças da temperatura a que ocorre a ordenação dos
momentos magnéticos atómicos. É que, a transição de um estado desordenado para
um ordenado é sempre acompanhada de uma diminuição da entropia do sólido, a

109
Física do Estado Sólido Capítulo 6

qual origina uma contribuição para Cv . Por razões idênticas, a ordenação dos

momentos magnéticos nucleares, a temperaturas em geral inferiores a 0,1K, pode


originar uma elevada contribuição para o calor específico do sólido.

Vamos agora procurar calcular Cv e comparar os valores obtidos, à custa de várias teorias,
com os dados experimentais de que dispomos.

Antes, porém, convém notar que o calor específico é uma medida do número de graus de
liberdade do sistema constituído pelos N átomos do sólido. É deste número que depende a
maior ou menor capacidade que o sistema apresenta para absorver energia (cinética).

Assim, é natural que para efectuar um cálculo de Cv se comece por determinar o número
de modos distintos de o sistema absorver energia.

6.6.1 – Teoria clássica: Osciladores Harmónicos

Vamos supor a rede cristalina tridimensional constituída por N átomos que, quando
recebem energia térmica, vibram como se fossem osciladores harmónicos. A energia total
1 1
(cinética e potencial) de cada um destes osciladores (de massa E  m v 2  m  2 r 2 m) é
2 2
1 1
E m v2  m 2 r 2 (6-27)
2 2
sendo r o respectivo afastamento da posição de equilíbrio e m 2   a constante elástica.
Admitindo uma distribuição clássica de Boltzmann pode concluir-se que o valor médio da
energia associada a cada oscilador, à temperatura T, é
E  KBT ( K B : constante de Boltzmann)
Supondo que a energia total U se reparte igualmente por todos os 3N osciladores (isto é,
admitindo a equipartição da energia) pode escrever-se
U  3N K B T  3R T mole
O calor específico da rede constituída pelos 3N osciladores é pois:

110
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Cv  dU dT  3 N K B  3R mole (6-28)
Este resultado traduz a lei de Dulong e Petit: a quantidade de calor necessária para elevar
de 1K a temperatura de um mole de átomos do sólido é independente da temperatura deste, e
igual para todos os sólidos.

Para obter o resultado (6-28) não foi necessário usar a relação de dispersão, pois se
concluiu previamente que, neste caso, E não depende de .

Comparando os valores dados por (6-28) com os experimentais, conclui-se que:

(i) A altas temperaturas (que têm como limite superior o ponto de fusão do sólido) os
valores calculados de Cv coincidem com resultados de experiências repetidas para
diferentes sólidos.

(ii) Determinações de Cv para várias substâncias, feitas por Dewar a temperaturas

T  77 K conduziram a valores de Cv muito inferiores a 3R  6 cal /grau.mole.

Aparentemente, à medida que baixa a temperatura, T, do sólido, alguns osciladores


deixariam de vibrar não contribuindo pois com a sua energia para o valor total, U, e
portanto para o calor específico, Cv ; o seu número aumentaria, diminuindo assim o

valor efectivo de N em (6-28), até que, quando fosse T  0 , todos os N osciladores


estariam em repouso, e o calor específico do sólido seria nulo.

Esta hipótese não parece, contudo, muito convincente, já que implica que alguns dos
átomo da rede deixam de existir como osciladores harmónicos enquanto outros, à
partida considerados idênticos aos primeiros, continuam a comportar-se como tal.
Poderia ainda pensar-se que é a amplitude das oscilações que diminui, tendendo para
zero, à mediada que T  0 , o que explicaria o ramo descendente da curva
Cv T  (figura 6-18), na zona das baixas temperaturas. Contudo, mesmo que a

amplitude variasse com T, tal dependência não afectaria o resultado obtido para Cv ,

pois seria eliminada ao calcular-se dU dT .

111
Física do Estado Sólido Capítulo 6

O modelo adoptado inicialmente tem pois de ser revisto e eventualmente modificado,


como se verá a seguir.

6.6.2 – Modelo de Einstein

Em 1900, Planck, perante a impossibilidade de explicar com base nas teorias clássicas a
lei de distribuição das frequências da radiação do corpo negro, avançou a hipótese de que a
emissão de energia electromagnética se faz por quantidades discretas, os quanta, que
designou por fotões.

Foi então que Einstein se apercebeu que um conceito idêntico podia ser usado para
procurar resolver as discrepâncias encontradas no estudo dos calores específicos dos sólidos.

Continuando admitir que os N átomos do sólido podem ser representados por um conjunto
de 3N osciladores harmónicos de massa m (igual à de cada átomo), Einstein postulou para
cada um, um comportamento quântico:

(i) Um oscilador só pode vibrar se receber, pelo menos, um quantum de energia – um


fonão.

(ii) O quantum de energia para estes osciladores mecânicos é   , tal como Planck propôs
para osciladores electromagnéticos. A energia de cada um dos 3N osciladores
harmónicos quantificados é pois:
1 1 
E   m v2  m 2r 2   n   com n inteiro
2 2 
Assim, se a temperaturas muito baixas a energia térmica
da rede não for suficiente para que cada oscilador possua,
ao menos, energia igual a   ( n  1 ), alguns deles terão
energia nula; estes osciladores não se movem (para
ser E  0 , tem de ser v  0 e r  0 ) e portanto não
representam graus de liberdade para o sistema, ou seja, não
contribuem para o calor específico do sólido. Figura 6-19

112
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Os estados de energia possíveis para cada oscilador harmónico formam um espectro


discreto, representado na figura 6-19. O espaçamento entre dois quaisquer níveis é constante e
igual a   .

Resumindo: o modelo proposto por Einstein baseia-se nas seguintes hipóteses:

– O sólido é constituído por N átomos, cada um dos quais pode vibrar em três direcções,
simulando um conjunto de 3N osciladores harmónicos idênticos, de massa m, que
vibram com uma frequência única, constante (). A sua energia está
quantificada: E  n   . O quantum de energia é o fonão (   ).

Calculemos o calor específico do sólido, de acordo com estes pressupostos. A energia de


cada oscilador harmónico varia permanentemente, uma vez que ele não está isolado e pode
trocar energia com o meio exterior.

Pode contudo calcular-se o valor médio da energia de cada oscilador, em equilíbrio


térmico à temperatura T, admitindo uma distribuição de Boltzmann e notando que a
quantificação da energia exige que os integrais (usados para uma distribuição contínua) se
transformem em somatórios, nas expressões que usarmos. Isto é

  n    exp   n   K BT 
E n 0

(6-29)
 exp   n  
n 0
K BT 

O factor de Boltzmann exp   E K BT  dá a probabilidade de o estado de energia E estar

ocupado (i.e., de ele ocorrer). O denominador apenas introduz uma normalização.

Desenvolvendo ambos os somatórios em (6-29) e fazendo a mudança de


variável x     K B T , vem

e x  e 2 x  ...
E  (6-30)
1  e x  e 2 x  ...

113
Física do Estado Sólido Capítulo 6

O denominador de (6-30) representa o desenvolvimento em série da função


u ( x )  1 e x 
1
. O numerador é a derivada desta função. Isto é

1 du  x  d
E      ln u  x  
u  x  dx dx 
ou
ex 
E    (6-31)
1 e exp    T 
x

 KB 

expressão que representa a distribuição de Planck.

Continuando a admitir o princípio da equipartição da energia, pode escrever-se para a


energia interna do sólido

3N     
U  
exp    K BT   K BT 
e para Cv :
  
2 exp  
U     K BT 
Cv   3R   (6-32)
T  K BT      
2

exp    1
  K BT  
Na expressão (6-32) que dá o calor específico da rede cristalina, são conhecidas todas as
quantidades excepto a frequência . Em princípio, é possível ajustar-se o valor deste
parâmetro para cada sólido, determinando experimentalmente Cv a diferentes temperaturas T,
e substituindo em (6-32) os valores medidos.

Este valor da frequência, comum a todos os osciladores do mesmo sólido designa-se por
frequência de Einstein, E , e escreve-se geralmente em termos da temperatura de Einstein,

E :
 E  K B  E

114
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Para a maioria dos sólidos: 100 K   E  300 K . O valor desta temperatura para cada

sólido é usado como critério para distinguir altas temperaturas T   E de baixas

temperaturas T   E .

Analisemos agora a variação de CV com a temperatura T, partindo, por ser mais simples
da expressão de C (6-31):

(i) No limite das altas temperaturas, isto é,


quando K B T    , o valor de E dado por
(6-31) aproxima-se do valor clássico
E  K B T , como se vê na figura 6-20.

A energia interna do sólido é pois:


U  3N E  3N K B T
e o respectivo calor específico (a altas
temperaturas):
CV  3N K B  3R / mole
Figura 6-20
resultado que traduz a lei de Dulong e Petit.

(ii) No limite das baixas temperaturas, isto é, quando K B T    :

Pode então escrever-se (6-31) com a forma:



E
exp    K BT 

já que exp    K BT   1 .

Como mostra a figura 6-20, E  0 quando T  0 . Então:


3N  
U
exp    K B T 
e

115
Física do Estado Sólido Capítulo 6
2
  
CV  3NK B   exp    K BT 
 K BT 

Isto é: o calor específico, a baixas temperaturas, tende para zero à medida que T  0 , já que
a exponencial decresce com (e varia mais rapidamente que qualquer potência de) T .

Numa primeira análise este comportamento parece concordar com os resultados


experimentais; na verdade, verifica-se que esta boa concordância se obtém apenas até valores
de T da ordem de 0, 2 E . Para temperaturas

inferiores, a experiência mostra que CV

diminui com T 3 , mais lentamente portanto do


que o resultado de Einstein permite prever.

A figura 6-21 que representa valores


experimentais do calor específico do cobre,
bem como os calculados a partir de (6-32),
Figura 6-21 mostra esta discrepância. Ela constitui o único
ponto fraco do modelo de Einstein.

Nota: O comportamento descrito para o calor específico CV é consequência directa do

modo como varia E e pode explicar-se qualitativamente, do modo seguinte:

– Um oscilador em contacto térmico com um meio à temperatura T troca com ele uma
energia que tem, em média, o valor K BT . A temperaturas elevadas, esta energia é
muito maior que o espaçamento entre os níveis discretos da figura 6-19; a natureza
discreta do espectro de energias, e portanto a respectiva quantificação, deixam de ter
significado. Isto é: à escala de K BT , o espectro das energias pode considerar-se

contínuo; logo é de esperar que se obtenha o resultado clássico para E e para CV .

– Pelo contrário, a temperaturas muito baixas, a energia do oscilador aproxima-se de


zero (figura 6-20); a energia que ele troca com o exterior, K BT , pode não ser

116
Física do Estado Sólido Capítulo 6

suficiente para o fazer passar do estado fundamental  n  0 ao primeiro estado

excitado  n  1 . É nesta situação que a teoria quântica intervém, conduzindo a

resultados muito diferentes dos clássicos.

6.6.3 – Modelo de Debye

O modelo de Einstein pressupõe uma frequência única para todos os osciladores no


mesmo sólido, o que equivale a admitir que cada um deles vibra independentemente dos
restantes.

Não é provável que tal suceda; pelo contrário, sabe-se que os átomos do sólido
interactuam e que o movimento de cada um afecta o dos vizinhos. Parece pois mais razoável
considerar o movimento da rede como um todo, e procurar os seus modos de vibração. Este
procedimento foi aliás o adoptado ao tratar a propagação de ondas sonoras num cristal;
quando a onda se propaga, os átomos do sólido não vibram independentemente: vibram com a
mesma amplitude e uma relação de fase constante.

Debye supôs que os modos de vibração de uma rede cristalina têm características
semelhantes aos de ondas sonoras, isto é, verificam uma relação de dispersão
idêntica:   vs k . Os átomo do sólido não vibram com uma frequência única; podem vibrar

com várias frequências, que vão desde   0  k  0  até um valor máximo que calcularemos

adiante.

Note-se que, ao adoptar-se para a rede cristalina, descontínua, a mesma relação de


dispersão usada para descrever a propagação de ondas num meio contínuo, faz-se uma
aproximação. É de esperar que ela dê bons resultados no limite das pequenas frequências, ou
seja, para comprimentos de onda muito superiores à distância interatómica; nestas condições,
na rede pode considerar-se um meio contínuo.

117
Física do Estado Sólido Capítulo 6

As hipóteses propostas por Debye para o cálculo dos calores específicos dos sólidos,
podem resumir-se como se segue:

– A rede cristalina do sólido é considerada um meio homogéneo (contínuo) podendo vibrar


com qualquer frequência   maximo .

– A relação de dispersão para este sólido é   vs k , sendo vs a velocidade de propagação


do som no cristal, suposta constante.

– O sólido é considerado isotrópico, isto é, tanto a velocidade de propagação de ondas


transversais como a de ondas longitudinais, são independentes da direcção de propagação.

– O número total de ondas elásticas que podem propagar-se num sólido com N átomos é
3N .

Calculemos então o calor específico de um sólido com base nestas hipótese, notando que
cada modo de vibração é equivalente a um oscilador harmónico, cuja energia média é dada
por (6-31).

A energia total da rede é então:


U   E   g   d  (6-33)

sendo g   a densidade de estados e g   d  o número de modos com frequências entre  e

  d ; cada um deles tem energia média E   .

Estamos a admitir que os átomos do sólido interactuam e que o seu movimento colectivo
permite a propagação de ondas sonoras, mas também que estas são independentes.

Substituindo agora em (6-33) o valor de E   dado por (6-31) e o de g   pelo que

encontrámos atrás para um meio homogéneo:


3V  max 
U  2 d (6-34)
2 2 vs3 exp     1

0

 K B 
T

118
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Os limites de integração em  são os limites do espectro de vibrações do sólido. O limite


inferior é naturalmente 0  0 . O limite superior, que designaremos por D foi calculado por
Debye através da condição de ser o número total de modos de vibração igual ao número de
graus de liberdade, isto é, 3N para o sólido com N átomos. Isto é:
D
 g   d   3 N
0

Calculemos a frequência de Debye, D , considerando a porção do espaço k representada

na figura 6-22, a duas dimensões. O contorno correspondente à frequência   D é, a três

dimensões, uma superfície esférica, de raio k D  D vS ; no


seu interior existem n’ pontos do espaço k e cada um deles
representa três modos de vibração, um longitudinal e dois
transversais. A condição imposta por Debye é então: n=N.

Vimos já como calcular o número de pontos, n:


V 4 3
n'   kD  N
 2 
3
3
ou seja
k D   6 2 n 
13 N
com n Figura 6-22
V
e
D  vs  6 2 n 
13
(6-35)

Conhecidos agora os limites de integração em (6-34) podemos calcular o calor específico:

U 3V 2 D  4 exp   K BT 
CV   2 3
T 2 vs K BT 
0
exp   K BT   1
2
d (6-36)

Fazendo x   K BT e definindo a temperatura de Debye  D de tal modo que K B D  D


e usando o resultado (6-35), vem:
3
 T  D x 4e x
CV  9 R    dx (6-37)
 D  e 
2
1
0 x

119
Física do Estado Sólido Capítulo 6

O parâmetro  D ajusta-se, para cada sólido, como foi indicado para o modelo de Einstein.

Daqui resulta que, se representarmos graficamente CV em função da chamada temperatura

reduzida, T  D , se obtém a mesma curva para todos os sólidos (figura 6-23). Como pode
ver-se, ela reproduz uma larga série de resultados experimentais.

Notar que, sendo  D   K BT  e D  vs  6 2 n  , pode escrever-se:


13


 
13
 D  Avs n1 3  A Y  n 1 3  A ' Y  com A'  6 2
KB
onde Y é o módulo de Young do sólido e
M   n a respectiva massa atómica.

Esta relação permite compreender o


elevado valor de  D obtido para o carbono

(  D =1860K) que é leve e pouco elástico


(M pequeno e Y elevado) e o valor baixo
de  D (=102K) para o ferro que é mais
Figura 6-23
pesado, mas menos rígido.

A temperatura de Debye é um dado importante para cada sólido, pois está envolvida em
problemas tão diversos como a resistividade eléctrica, a condutividade térmica, a intensidade
de feixes de raios-X ou de neutrões difractados pelo sólido (correcção de temperatura).

Analisemos o resultado de Debye para CV , a altas e a baixas temperaturas:

a) Para altas temperaturas, T   D , o limite superior do integral (6-37) é pequeno;


também o valor de x é pequeno em todo o intervalo de integração, e por isso podemos, com
boa aproximação, escrever e x  1  e x :
3
T  D T
e CV  9 R    x 2 1  x  dx
 D  0

120
Física do Estado Sólido Capítulo 6


ou ainda, desprezando, na soma x 2  x 3  o termo x3 , muito menor que a outra parcela:
3
 T  1 
3

CV  9 R     D   3R
 D  3  T 
resultado que traduz a lei de Dulong e Petit.

b) No limite das baixas temperaturas, T<<D e o limite superior de integração em (6-37)


tende para infinito.
Nestas condições, o integral em (6-34) encontra-se tabelado e o resultado que se obtém
para CV é:
3
3 9 12 T 
CV  3R  R  R CV   4 R  
2 2 5  D 
resultado que mostra a dependência de CV com T 3 , de acordo com a experiência.

O significado físico desta dependência pode analisar-se qualitativamente. A temperaturas


muito baixas, poucos modos de vibração podem ser excitados; apenas o são aqueles para os
quais   K BT .

Prova-se (ver Apêndice 6-1) que, nestas condições o valor máximo de , que
designaremos por 1 tem a ordem de grandeza de K B T .

Isto é, praticamente, só os modos a que correspondem valores de k   vs inferiores a

1 vs contribuem para o calor específico a baixas


temperaturas.

Na figura 6-24 estão representados os contornos


correspondentes a 1 e D . Generalizando para três
dimensões, conclui-se que, a baixas temperaturas o
número de modos realmente excitados é uma fracção

1 D    k1 K B  do número total de modos


3 3

Figura 6-24

121
Física do Estado Sólido Capítulo 6
3 3
k  T 
3N  1   3N  
 kD   D 
Sendo da ordem de K BT a energia de cada modo excitado:
3
T  12 R
U  3 N K BT   e CV  T3.
 D   3
D

O motivo pelo qual o modelo de Einstein não concorda com os resultados experimentais a
temperaturas muito baixas T  0, 2 E  é agora evidente: admitindo aquele modelo uma

frequência de vibração única, não tem em conta a possibilidade de existirem estes modos de
vibração com frequências muito baixas, os quais podem ser excitados a baixas temperaturas,
continuando assim a contribuir, embora pouco, para CV , o que torna a diminuição de CV com
T mais lenta do que prevista por Einstein.

Conceito de fonão

Quer na teoria de Einstein, quer na de Debye, está implícito o conceito de fonão; ele resulta da
quantificação da energia das ondas que se propagam na rede (meio elástico), i.e., da
quantificação dos respectivos modos de vibração: o fonão é a entidade que transporta o
quantum de energia de vibração, .

Tal como o fotão, também o fonão representa uma onda progressiva que, ao propagar-se
transporta uma dada quantidade de movimento, dada pela relação de De Broglie p  h  .
Uma onda que se propaga na rede pode pois ser encarada como uma corrente de fonões
que transportam energia e quantidade de movimento. A velocidade dos fonões é a velocidade
do som, no sólido considerado.

Considerada a rede num determinado estado de vibração à temperatura T (correspondente


a um modo de vibração) o número de fonões existentes é, de acordo com (6-31) e atendendo a
que a energia da cada fonão, :

122
Física do Estado Sólido Capítulo 6

n  1 exp   K BT   1

Deve notar-se que n varia desde zero T  0  até um valor da ordem de  K BT  

quando T é muito elevado e pode escrever-se: exp   K BT   1   K BT .

Isto é: aumentar a temperatura do sólido corresponde a criar nele fonões – o número total de
fonões no sólido não se conserva.

6.6.4 – Teoria da Rede Cristalina

Como vimos atrás, a energia da rede cristalina é


U   E   g   d 

com E   dado por (6-31), sendo então o calor específico da rede:


2
CV  K B    K BT  exp   K BT  exp   K BT   1 g   d 
2
(6-38)

A teoria da rede cristalina permite calcular CV sem aproximações (implícitas nos modelos
de Einstein e Debye) recorrendo à forma exacta
de g   . Só pode portanto ser usada nos casos em

que esta função é conhecida exactamente.

A figura 6-25 mostra a densidade de estados


g   obtida experimentalmente para o cobre (a

cheio). A curva a tracejado representa a aproximação


usada por Debye.
Figura 6-25
Para calcular exactamente o calor específico do
cobre seria necessário substituir em (6-38) os valores de g() inferidos da figura e integrar
por métodos numéricos.

6.6.5 – Calor específico dos metais

123
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Referimo-nos, até aqui, ao calor específico de isoladores; nestes materiais, mesmo os


electrões atómicos mais exteriores se encontram fortemente ligados ao núcleo respectivo. Isto
é, o átomo, com todos os seus electrões pode ser encarado como a partícula (da rede) que
vibra. Por isso se referiu com tanta frequência a rede cristalina.

Nos sólidos condutores, os metais, existem electrões livres, além de iões positivos,
dispostos sobre uma rede, em tudo idêntica à dos isoladores, no que respeita ao calor
específico. Os electrões livres representam mais um grau de liberdade para o sólido. Se forem
encarados como partículas livres, é de esperar que a sua contribuição para CV seja 3R 2 .
Assim, a altas temperaturas, teríamos:
CV  3R para isoladores
3 9
CV  3R  R R para metais
2 2
A experiência mostra, ao contrário, que os calores específicos de metais e isoladores
(formados pelo mesmo tipo de átomos do metal) pouco diferem, a altas temperaturas, como se
os electrões livres pouco contribuíssem. Veremos em breve que a razão desta discrepância é o
facto de os electrões livres não poderem ser tratados classicamente.

6.6 – CONDUTIVIDADE TÉRMICA

A condução da energia térmica nos sólidos é o exemplo de uma situação geral em que
uma quantidade (massa, energia, carga eléctrica...) se conserva num sistema, embora seja
transportada de uma região para outra como consequência de uma situação de desequilíbrio.
Assim se duas extremidades de um sólido estiverem a temperaturas T1 e T2 ( T1  T2 ) passa
energia térmica da primeira para a segunda. Mostra a observação que, numa amostra filiforme
e de secção recta constante, o fluxo de energia térmica – definido como a energia transferida
por unidade de tempo e unidade de área da secção da amostra – é proporcional ao gradiente da
temperatura na amostra. Isto é:

124
Física do Estado Sólido Capítulo 6

T
Q   (6-39)
x
A partir desta igualdade pode então definir-se a condutividade térmica,  , de uma amostra
filiforme de secção constante, como:
 a energia por unidade de tempo e por unidade de área da amostra, transportada entre
dois pontos da amostra que distam de uma unidade de comprimento e cujas
temperaturas diferem de 1º K .

Nos materiais isoladores, podemos descrever o processo da condução de energia térmica do


seguinte modo: na extremidade quente, os átomos vibram mais, o que pode traduzir-se
dizendo que nela existem mais fonões. Torna-se conveniente nesta altura pensar no fonão
como partícula de um gás, o gás de fonões. Em qualquer ponto do sólido há fonões que se
movem aleatoriamente em todas as direcções, como as moléculas de um gás. Se adoptarmos
este modelo, podemos usar conceitos e resultados da teoria cinética dos gases, e escrever, para
a condutividade térmica:
1
  CV v  (6-40)
3
onde CV é o calor específico do sólido, v a velocidade de cada partícula (fonão) e  o

respectivo percurso livre médio. Note-se que v e  são valores médios em relação a todos os
modos de vibração possíveis no sólido.

Vejamos agora como varia  com a temperatura, analisando as grandezas que entram em
(6-40).

(a) A velocidade v é praticamente independente da temperatura.

(b) Quanto ao percurso livre médio,  , ele é determinado pela distância que o fonão
percorre entre duas colisões e o seu valor depende do tipo de colisões que podem
ocorrer no sólido:

(i) colisão de um fonão com outro(s) [fonão – fonão];

(ii) colisão de um fonão com imperfeições do cristal [impurezas, deslocações, etc.];

125
Física do Estado Sólido Capítulo 6

(iii) colisão de um fonão com a superfície do sólido [imperfeição superficial].

A interacção de fonões (i) é anarmónica; por isso, se partirmos da hipótese de que as


vibrações do sólido são harmónicas, teremos de considerar também que os fonões não
interactuam, são independentes. Porém, quando os deslocamentos atómicos são grandes – o
que pode acontecer a temperaturas elevadas – a aproximação harmónica (e a lei de Hooke)
perde a validade. Então, há que admitir uma contribuição anarmónica para a energia potencial
(total) do sólido (i.e. uma componente que não é do tipo de uma força elástica para a força
responsável pelas vibrações atómicas). Os fonões passam a interactuar e traduz-se esta
interacção dizendo que sofrem dispersão (scattering).

Em consequência de processos deste tipo (i), o percurso livre médio varia com 1 T , ou
seja:   1 T – já que, quanto maior for T, maior é o número de fonões que participam em

colisões e portanto, menor é .

Os defeitos da rede cristalina (ii) destroem parcialmente a sua periodicidade. Só numa


rede periódica perfeita é que se podem propagar ondas, que não interactuam com a rede –
propagam-se livremente, sem alteração das suas características. O mesmo é dizer que só
numa rede perfeita (ideal) poderiam existir fonões independentes. Numa rede real (com
imperfeições) eles interactuam com os defeitos, tomando parte em processos de dispersão
(scattering). A temperaturas inferiores a 10K só podem ser excitados fonões de pequena
energia (grande comprimento de onda); é pouco provável que eles sejam difractados por algo
com as dimensões usuais (muito menores) das impurezas dos cristais.

Por isso a temperaturas baixas nenhum dos processos [(i) e (ii)] referidos é responsável
por uma limitação do percurso livre médio ou pela sua variação coma temperatura.

O único processo importante é a dispersão dos fonões pela superfície do cristal, cujas
dimensões são, em geral, da ordem de grandeza do
comprimento de onda dos fonões. Assim, o livre percurso
médio é da ordem de grandeza das dimensões (D) do cristal,
independente da temperatura.

126
Física do Estado Sólido Capítulo 6

A figura 6-26 resume as considerações feitas sobre a variação de  com T:


– a temperaturas baixas,  é praticamente constante;
– aumentando T,  varia com 1 T . Figura 6-26

(c) A altas temperaturas CV é constante; a baixas temperaturas varia, como vimos, com

1 T3 .

Resumindo, pode concluir-se que:


– a baixas temperaturas, a variação de  com T é determinada por CV , logo:   T 3 ;

– a temperaturas elevadas   1 T .

Estas conclusões são verificadas pela experiência.


Nos metais, a energia térmica é predominantemente transmitida pelos electrões livres que
interactuam com os iões positivos da rede cristalina. A uma dada temperatura, T , estes
encontram-se num determinado estado de vibração que pode ser caracterizado pelo número e
frequência dos fonões “presentes na rede”. Pode então dizer-se que os electrões livres, no seu
movimento aleatório, sofrem colisões com os fonões. Nessas colisões há trocas de energia;
assim, na extremidade quente da amostra onde há um número elevado de fonões, os electrões
ganham energia nas colisões, e movendo-se, transportam-na até à extremidade mais fria.
Concluindo: enquanto nos isoladores (onde não há electrões livres) a condutividade térmica é
predominantemente devida a interacção entre fonões, nos metais são os electrões livres os
principais responsáveis pela (elevada) condutividade térmica.

6.7 – DIFRACÇÃO DE RAIOS-X E NEUTRÕES POR FONÕES

Sabemos que um feixe de raios-X ou neutrões é difractado pelo arranjo periódico de


átomos que é a estrutura de qualquer sólido.

A par desta difracção elástica ocorre também a inelástica: a rede cristalina, num dado
modo de vibração, pode interactuar com o feixe incidente, resultando da interacção um feixe

127
Física do Estado Sólido Capítulo 6

com energia (e comprimento de onda) diferente da do incidente. Diz-se então que o feixe
incidente foi difractado inelasticamente por esse modo de vibração.

A ocorrência de difracção inelástica é a confirmação experimental da existência de fonões,


i.e., da quantificação das vibrações da rede.

6.7.1 – Difracção Inelástica de Raios-X


Suponha-se que um feixe de raios-X, de vector de onda k0 , incide numa rede cristalina na

qual se propaga uma onda de vector de onda q .

A interacção desta onda (que traduz um modo de vibração da rede) com a onda
electromagnética incidente pode exprimir-se dizendo que o fotão de raios-X incidente, de
 
vector de onda k0 , absorve um fonão de vector de onda q , resultando daí um novo fotão com
 
vector de onda k  k0 , tal que:
  
k  k0  q (6-41)

igualdade que se verifica também quando a interacção se traduz pela emissão de um fonão de

vector de onda   q  (onda que se propaga em sentido contrário à anterior). Nestes processos,

conserva-se a energia total, isto é:

  0   '  q  (6-42)

se forem  e 0 as frequências do fotão difractado e incidente, respectivamente, e  '  q  a

do fonão emitido ou absorvido.

Se o espectro de energias do feixe emergente puder ser analisado, observam-se duas riscas
(ou picos) que, numa escala de frequências se dispõem simetricamente em relação a 0 ,

separadas por  '  q  (ver figura 6-27).

128
Física do Estado Sólido Capítulo 6

A análise espectral dos feixes difractados por um sólido permite assim conhecer as

frequências dos fonões da rede. Por outro lado, q pode ser determinado da igualdade (6-41) e
recorrendo à figura 6-27:

0
q  2k0 sin   2n sin 
c

v 
onde n   é o índice de refracção do sólido.
c 2 c

Figura 6-27

Assim, medindo a variação de frequência   0  e o ângulo  , pode determinar-se   q  e



q e obter um ponto da curva de dispersão dos fonões no sólido.

Rodando o detector, podem analisar-se feixes difractados em diferentes direcções, e obter


toda a curva de dispersão.

A única dificuldade reside no facto de 0 ser muito maior que   q  – 0   q   105 –

i.e., a energia dos fotões de raios-X é muito maior que a dos fonões da rede. Por isso é difícil
conseguir uma resolução no espectro de frequências que permita uma determinação rigorosa
de   q  .

129
Física do Estado Sólido Capítulo 6

6.7.2 – Difracção Inelástica de Neutrões

O processo é idêntico ao descrito para raios-X;  e 0 representam agora a frequência dos

neutrões incidentes e dos difractados, respectivamente, sendo E    p 2 2m a energia do


neutrão.

A difracção inelástica de neutrões apresenta contudo uma enorme vantagem em relação à


de raios-X, quando se pretende conhecer o espectro de vibrações do sólido. É que a energia
dos neutrões que podem obter-se num reactor nuclear (0.08 eV) é da ordem de grandeza da
dos fonões do sólido. Sendo assim,  é significativamente diferente de 0 e é fácil separar no

espectro de vibrações, as riscas correspondentes à absorção e emissão de fonões (figura 6-


15c).

6.8 – EXPANSÃO TÉRMICA DA REDE

O aumento de volume de um sólido com a temperatura é em geral pequeno, mas pode não ser
desprezável; a variação relativa de volume correspondente a um aumento de temperatura de
100 K é tipicamente de 1 1000 . Verifica-se que o aumento relativo do parâmetro da rede com
a temperatura é da mesma ordem de grandeza da variação macroscópica. Daqui se conclui que
a expansão térmica é devida a um deslocamento uniforme dos átomos.
Para explicar qualitativamente esta expansão, consideremos apenas dois dos N átomos de um
cristal, supondo-os isolados. A força que os mantém nas suas posições de equilíbrio é

F   grad U , sendo U a energia potencial do par de átomos. A figura 6.? representa esta
energia potencial em função da distância r entre os dois átomos, isto é, da distância
interatómica. O valor de r para o qual a energia U é mínima representa a distância a0 entre
os átomos, nas suas posições de equilíbrio. Quando estes átomos, excitados termicamente
vibram, a distância entre eles oscila simetricamente em torno do valor a0 . A função U  r 

tem, para um pequeno intervalo de valores de r , uma forma parabólica, o que significa que

130
Física do Estado Sólido Capítulo 6

U varia com r 2 , ou seja, que a força F é elástica: dentro de determinados limites os átomos,

Figura 6-28

afastados das suas posições de equilíbrio, comportam-se como osciladores harmónicos.


Nestas condições, a figura 6...... permite concluir que qualquer que seja a temperatura e

portanto a amplitude das oscilações, a distância interatómica de equilíbrio, a0 , mantém-se


constante, não havendo, nos sólidos, expansão térmica. Vejamos porquê, seguindo um
raciocínio apenas qualitativo. Quando o par de átomos vibra em torno das respectivas
posições de equilíbrio, a distância interatómica oscila entre dois valores simétricos em torno
de a0 (correspondentes aos pontos M e M ' da curva); as ordenadas dos pontos da curva
correspondentes a estes valores dão as sucessivas energias potências do par de átomos. Se a
distância interatómica variasse em torno de a0   – o que corresponderia a uma expansão do

parâmetro da rede – as energias potenciais extremas seriam a s correspondentes aos pontos N


e N ' ; é fácil concluir do gráfico de U  r  , comparando as sucessivas energias potenciais do

par de átomos, que a energia potencial do sistema seria maior que na situação anterior.
Então o modelo do potencial harmónico leva-nos a concluir que não deve haver expansão da
rede de um sólido.
E contudo, é sabido que esta expansão ocorre e se observa com frequência. Temos assim de
concluir que este modelo de vibrações harmónicas deve ser abandonado. Admitamos então
131
Física do Estado Sólido Capítulo 6

que ocorrem vibrações anarmónicas, ou seja que a curva que representa a função U  r  não

tem uma região parabólica, mas sim a forma assimétrica representada na figura 6. .
Um raciocínio idêntico ao que acaba de ser feito permite concluir que, em termos energéticos,
é mais favorável a situação em que os átomos vibram de modo a que a distância entre oscile
em torno de a0   do que em torno de a0 .
Este é apenas um argumento qualitativo que mostra que o modelo de vibrações anarmónicas
permite explicar a expansão térmica da rede cristalina.
Através de um cálculo simples pode comprovar-se que, admitindo que os átomos são
osciladores harmónicos, a distância interatómica de equilíbrio, a0 , é independente da
temperatura, o que implica que não haverá, nos sólidos, expansão térmica.
De facto, supondo que a energia potencial do par de átomos é da forma:
1 2
U r   kr
2
sendo r a distância (variável durante cada oscilação completa) entre dois átomos e calculando
r :

 r exp   U K BT  dr
r  
exp   U K BT  dr

obtém-se :
r 0 logo a0  r  a0

Isto é, embora seja de esperar que a amplitude das oscilações dependa da temperatura T a que
o sólido se encontra, temos de concluir que o parâmetro da rede não se altera, se os átomos do
sólido forem tratados como osciladores harmónicos.
Suponha-se agora que a energia potencial é da forma:
U  r   ar 2  gr 3  fr 4

sendo o termo dominante. Tal corresponde a optar por uma energia potencial com dois termos
que não aparecem na de um oscilador harmónico, ou seja, comum é comum dizer-se um
modelo anarmónico.
Procedendo como indicado acima conclui-se que:

132
Física do Estado Sólido Capítulo 6

3 g
r  K BT
4 a2
ou seja:

3 g 
a0  r  a0   2 
K BT
4 a 
Isto é a distância interatómica cresce linearmente com a temperatura. Só o modelo
anarmónico permite explicar a expansão térmica da rede cristalina.
Se, usando um potencial anarmónico, calcularmos o coeficiente de expansão térmica, verifica-
se que ele é:
 proporcional ao calor específico molar;
 proporcional a um parâmetro que define o grau de anarmonicidade;
 inversamente proporcional ao volume atómico;
 inversamente proporcional à compressibilidade  V V  p .

A temperaturas médias, os três primeiros factores variam pouco de sólido para sólido; é a
compressibilidade que determina os valores bem distintos do coeficiente de expansão térmica,
alguns dos quais se podem ver na Tabela 6.1. No entanto, a temperaturas baixas é o calor
específico que predominantemente determina o mesmo coeficiente, o qual tende para zero à
medida que a temperatura diminui.

6.9 – APLICAÇÕES

Além desta variação uniforme de volume com a temperatura que ocorre em todos os sólidos –
a expansão térmica – observam-se por vezes em alguns deles variações abruptas que são em
geral manifestações de alterações estruturais.
A dilatometria – técnica experimental simples e sensível que permite observar e medir todas
estas variações volumétricas – pode ser usada para detectar transições de fase estruturais.

133
Física do Estado Sólido Capítulo 6

Por exemplo o material designado por invar, um aço rico em níquel, sofre uma variação
contínua de volume à medida que a temperatura aumenta, variação que é a seguir compensada
por uma contracção brusca devida a uma alteração estrutural; por isso é usado em
instrumentos de medida, nos quais não é desejável qualquer variação das dimensões com a
temperatura ambiente.
A expansão térmica, embora não seja em geral muito significativa, deve ter-se em conta no
desenho e construção de qualquer equipamento. Se uma peça for construída à custa de dois
materiais diferentes, eles devem ter coeficientes de expansão idênticos, para que a peça
suporte bem as variações de temperatura a que estará sujeita durante o seu uso; como se
compreende, este requisito é particularmente importante na indústria aeroespacial. Por outro
lado, as diferenças de coeficientes de expansão podem ser bem aproveitadas: uma fita
metálica constituída por dois metais diferentes pode ser usada como sensor de temperatura.

APÊNDICE 5–1

Na região das baixas temperaturas é razoável supor que a energia térmica da rede só
consegue excitar modos de baixa frequência, tais que   k B T .

Viu-se que a energia do oscilador harmónico quantificado é



E
exp     1
 k B 
T
ou seja
x 
E kB T  com x 
e 1
x
kB T
A curva que representa E k B T em função de x é a da figura A6-1. Uma vez que E toma
valores apreciáveis quando (   k B T )<<1 e tende rapidamente para zero se (   k B T )<1,
pode aproximar-se a referida função pela função em degrau representada na figura. Nestas
condições, atendendo ao significado gráfico do integral de uma função, e notando que x1 é o
valor de x para o qual são iguais as áreas sombreadas

134
Física do Estado Sólido Capítulo 6

x1 x dx 
x dx
x1   e 1
 
x1 e  1
x x
0

ou
 
x dx
x1     12  1.51
e  1 n 1 n
x
0

Vê-se assim que x1 (=1.51) é da ordem de

grandeza da unidade e portanto  1  k B T ,


ou seja

k B T1
1  . Figura A6-1

135

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