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Fascículo
gestão social
e território
Lamounier Erthal Villela
Márcio de Albuquerque Vianna
Copyright © 2017 by Fundação Demócrito Rocha
OBJETIVOS
1. Levar o leitor aprendiz a compreender as relações de interdependên-
cia que existem entre os conceitos de gestão social e de território;
2.
Este módulo apresentará gestão so-
cial e território como conceitos indis-
sociáveis, visto que a participação
efetiva de todos os segmentos sociais
que compõem um dado território é de
suma importância para que ocorra
o protagonismo dos atores envolvi- Desenvolvimento
dos no seu desenvolvimento de forma
justa, igualitária e sustentável. Serão Territorial
apontadas formas institucionais que
preconizam a gestão social em territó- Sustentável (DTS) e
rios como planos diretores, consórcios
intermunicipais, associações, conse-
lhos gestores, cooperativas e Arranjos
Gestão Social
Produtivos Locais (APLs). Serão apre-
sentadas e discutidas políticas pú-
(GS): Conceitos
blicas que focam na participação em
conselhos municipais para acesso a
Indissociáveis
políticas públicas como o Programa Esse item do módulo é resultado do
de Aquisição de Alimentos (PAA) e constructo de pesquisas e produções
Programa de Nacional de Alimentação textuais, o qual vem utilizar fragmen-
Escolar (Pnae) compartilhadas por co- tos textuais extraídos do artigo de nos-
legiados territoriais. E, por fim, serão sa própria autoria, que podem ser ob-
apresentados exemplos e modelos de tidos aprofundados em Villela, Vidal,
políticas governamentais e ações de Araujo e Costa (2014).
participação, interação e parcerias A despeito da amplitude concei-
desenvolvidas no Colegiado Territorial tual referente aos estudos da gestão
da Baía da Ilha Grande (BIG) para a social, destacamos a ideia de Botrel,
agricultura familiar que visam ao de- Araújo e Pereira (2010), para os quais
senvolvimento local endógeno. a Gestão Social se desenvolve no
Para tanto, este módulo é uma âmbito da esfera pública, na qual se
compilação adaptada de recortes tex- sobressaem as organizações públi-
tuais de nossos artigos e publicações cas não estatais e o interesse públi-
científicas mais recentes e que serão co da sociedade, além de proporcio-
citados ao longo do material. nar condições à emancipação dos
gestão social 29
efetividade da cidadania deliberati- citar: políticos, famílias, torcedores de para ocupar os espaços e obter renda
va da forma colocada por Habermas um time de futebol, empresários, tra- pública. O patrimonialismo é a prática
passa também por processos de de- ficantes, milícias, religiões, esportistas de o gestor público considerar que os
senvolvimento por meio de melhores etc. Enfim, trata-se de uma enorme bens públicos são de sua propriedade,
políticas públicas, o que sugere mais gama de atores que atuam diretamen- e não da sociedade. Logo, usa os bens
que uma relação de causa e efeito en- te sobre um determinado espaço. Em públicos como se fossem privados. As
tre os conceitos, mas uma relação de alguns desses territórios, observamos práticas citadas distanciam o poder
interdependência. relações verticais, ou seja, ações auto- dos territórios dos cidadãos criando
Da mesma forma, a sociologia ritárias, como, por exemplo, o território assim, e em alguns casos, processos
econômica contemporânea oferece de um “coronel”, denominação dada de desterritorialização. Nestes espa-
ferramentas especialmente impor- a proprietários fundiários na antiga ços, o cidadão se envergonha de residir
tantes para o estudo da ligação entre república no início do século XX. Esse em uma determinada cidade ou bairro
os territórios e a Gestão Social. Os tra- ator domina o espaço e define regras perdendo, assim, seu sentido de per-
balhos do sociólogo norte-america- de funcionamento. Tais regras normal- tencimento. Dessa forma, ele não esta-
no Neil Fligstein (2001) como também mente são direcionadas à capacidade rá disposto a lutar pelas melhorias do
tratado por Bourdieu (2000) oferecem de este ator específico se manter no local e indiretamente acaba, assim, por
instrumentos teóricos consistentes poder e atender seus objetivos indivi- contribuir para manter o poder centra-
para a compreensão de dinâmicas ter- duais. Logo, o território de um “coronel” lizado com a sua falta de participação.
ritoriais. Dois temas fundamentais po- é um espaço autoritário. Nele a demo- Essas situações criam verdadeiros cir-
dem ser evocados, neste sentido. cracia (demo=povo + cracia=poder), ou cuitos viciosos que são nefastos para
A ideia central de Fligstein é que, seja, o “poder do povo” pode ser insu- o desenvolvimento local e para o bem
em cada campo, “o objetivo central ficiente, fraco ou frágil. Assim sendo, o comum. Quebrar estes circuitos per-
da ação está na tentativa de alcançar desenvolvimento local também passa versos é um processo que passa pela
cooperação com outros atores”. As pes- a ser fraco! Estes espaços são deno- cidadania deliberativa, ou seja, ações e
soas que agem como líderes nos grupos minados como subdesenvolvidos, nos práticas nas quais o cidadão participa
precisam estabilizar suas relações com quais os indicadores de desenvolvi- das decisões locais.
os membros de seus grupos para con- mento, que iremos apresentar a seguir, Encarar os territórios como cam-
seguir que estes ajam coletivamente e são fracos ou inexistentes. Estes terri- pos em que se defrontam prota-
precisam estruturar seus movimentos tórios subdesenvolvidos padecem de gonistas com interesses diversos e
estratégicos em direção a outras orga- problemas em que normalmente ges- trabalhar pela gestão social desses
nizações em seus campos. A habilidade tores públicos autoritários praticam interesses, ainda que com fortes limi-
dos atores para analisar e conseguir políticas como o clientelismo, o nepo- tações, é o objetivo deste texto. Por
tal cooperação pode ser vista, generi- tismo, o patrimonialismo, entre outras. isso, acredita-se na indissociabilida-
camente, como habilidade social. O clientelismo caracteriza-se como de entre os conceitos de território e
Resumidamente podemos definir uma prática em que o gestor público gestão social. Dessa forma, os indica-
territórios como espaços ocupados usa dos recursos públicos, como do or- dores a serem estabelecidos a partir
por diferentes atores sociais em que çamento de uma prefeitura para aten- das categorias definidas na perspec-
nele estabelecem relações de poder e der somente seus eleitores e seus se- tiva do Desenvolvimento Territorial
formas de uso do espaço. Logo, o ter- guidores em detrimento do restante da Sustentável (DTS) estariam imbricados
ritório é um espaço ocupado onde se população local. Segundo o dito popu- com aqueles desenvolvidos na pers-
observa uma identidade, uma lingua- lar: aos amigos do rei, tudo; nada para pectiva da Gestão Social e da cidada-
gem comum, hábitos sociais, culturas os demais! Já o nepotismo é quando o nia deliberativa.
e valores. Assim, os habitantes do ter- gestor público emprega somente seus De acordo com Parés e Castellà
ritório compartilham saberes e prá- familiares e amigos próximos para os (2008), nas últimas décadas, municí-
ticas. Comumente escutamos que tal cargos de confiança, não consideran- pios ao redor do mundo têm desenvol-
espaço é território de um determina- do que essas pessoas estão habilita- vido experiências muito diversas de
do grupo. Como exemplos, podemos das para ocupar estes cargos, porém democracia participativa na busca de
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Quadro 1 – Definições e Indicadores para DTS (continuação)
Processo de As atividades econômicas Conscientização da população sobre práticas de consumo
Discussão atuais não podem colocar consciente e uso de energia renovável;
Sustentabilidade em risco o bem comum nem Práticas de preservação da atividade pesqueira e agrícola local;
as atividades econômicas de Investimento em gestão de resíduos e em áreas verdes;
futuras gerações. saneamento ambiental;
Participação da sociedade e controle social nas contas
Inclusão públicas e na elaboração do Plano Diretor, da LDO e da LOA;
institucionais
lado no planejamento de nossas cida- produções textuais, os quais vêm uti-
des, o que ocasionou deficiências gra- lizar fragmentos textuais extraídos
que
ves no desenvolvimento do território. do artigo de nossa própria autoria,
A questão urbana como uma questão que podem ser obtidos aprofundados
preconizam
social no Brasil surge a partir do con- em Villela, Vidal, Araújo, Costa, Costa
texto desenvolvimentista da década (2016) e Santana, Guedes, Villela (2011).
de 1960, quando se defendia a neces-
a gestão sidade de implementar reformas de
social em
bases para o alargamento do merca-
do interno e melhores condições de
3.1. Ministério
territórios
vida para a população (IPEA, 2013).
Após a interrupção durante o período das Cidades
militar, o movimento ressurge de for-
ma mais descentralizada, intervindo O Ministério das Cidades surge como
decisivamente no campo das políticas um instrumento para atender às de-
urbanas locais e atuando em todos os mandas sociais a partir dos anos 2000,
níveis de governo. Apenas a partir daí, num contexto pós-neoliberal, que pre-
começa a surgir um debate sobre a via a remontagem do aparelho estatal.
questão urbana na agenda da políti- Com foco inicial na questão da habita-
ca nacional, bem como interlocutores ção, vê-se a necessidade de ampliação
com a sociedade, que pretendiam fa- do Ministério das Cidades, em virtu-
cilitar a negociação entre os atores. de da evolução do debate, que tinha
Dessa forma, a atuação dos governos como crítica a ausência de política ur-
locais e a participação dos atores lo- bana no Brasil e a falta de um espaço
cais na formulação e na implemen- institucional que se responsabilizasse
tação de políticas públicas voltadas pela questão (Ministério das Cidades,
para a cidade iniciam um processo 2013). Ao mesmo tempo, a questão da
embrionário graças, em boa parte, à habitação não engloba apenas casas,
gestão social 33
mas a melhoria da qualidade da água, 3.2. Conselho
saúde, esgoto, drenagem, coleta de das Cidades
lixo, transporte, trânsito seguro e lazer.
Para alcance de tais fins, foi criado um O Conselho das Cidades nasce no mes-
Sistema Nacional de Habitação do qual mo contexto, atrelado à necessidade
faziam parte o Ministério das Cidades; de um instrumento que assegurasse o
os Conselhos Nacional, Estadual e desenvolvimento e o acompanhamen-
Municipal de Desenvolvimento Urbano; to da Política Urbana no Brasil. Entre
os Fundos de Moradia nas três esferas; as muitas atribuições contidas em
a Agência Nacional de regulamenta- Regimento Interno, o Conselho preten-
ção do Financiamento Habitacional; e de: formular programas, instrumen-
os agentes promotores e financeiros, tos, normas e prioridades da Política
públicos e privados. Nacional de Desenvolvimento Urbano;
A proposta do Ministério das estimular ações que visam proporcio-
Cidades se concentrava em formular nar geração, apropriação e utilização
e conduzir uma política de desenvolvi- de conhecimentos científicos, tecnoló-
mento urbano para o Brasil, integrando gicos, gerenciais e organizativos pelas
os setores de habitação, saneamento populações das áreas urbanas, assim
ambiental, trânsito e mobilidade urba- como realização de estudos, debates e
na, planejamento e gestão territorial pesquisas sobre a aplicação e os resul-
e fundiária. O Ministério nasce como tados estratégicos alcançados pelos
instrumento de participação social, programas e projetos desenvolvidos
quando surge a ideia da realização pelo Ministério das Cidades; estimular
de conferências em todas as esferas a ampliação e o aperfeiçoamento dos
de governo, com o objetivo de garan- mecanismos de participação social;
tir uma ampla representação e par- acompanhar e avaliar o cumprimen-
ticipação de todos os segmentos. As to das resoluções das Conferências
Conferências trariam para a prática o Nacionais das Cidades;
conceito de Cidadania Deliberativa de- O ConCidades pretende ser um ins-
fendido mais tarde por Tenório (2012), trumento fundamental para fazer va-
em que “[...] a característica central de lerem as finalidades das Conferências
esfera pública é tomada pela busca de Nacionais, que partem do consenso dos
soluções por meio da concordância mais diversos segmentos da sociedade
dos diferentes atores participantes do civil organizada. O órgão conta com as
processo decisório. A esfera pública seguintes entidades-membro: presi-
seria o espaço no qual se constituem dente (que é o ministro de Estado das
experiências de interação social, o foro Cidades); plenário (composto por 86
reflexivo no qual os atores de uma so- representantes de diferentes segmen-
ciedade buscam soluções comuns [...]”. tos – 16 representantes do poder pú-
Nesse sentido, o Ministério das Cidades blico federal, 9 representantes do po-
pretende cumprir exatamente o papel der público estadual e Distrito Federal,
de servir como instrumento para esta 12 representantes do poder público
busca de soluções entre poder público, municipal, 23 representantes de en-
iniciativa privada e sociedade civil. tidades de movimentos populares, 8
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representantes de entidades empresa- três etapas (a municipal; a estadual e da sociedade. Como já foi destacado,
riais, 8 representantes de entidades de Distrito Federal e a nacional), alcançar o envolvimento da sociedade aumen-
trabalhadores, 6 representantes de en- alguns objetivos, tais como os enume- ta com a redemocratização do País. No
tidades profissionais acadêmicas e de rados pelo Ministério das Cidades: processo histórico, o que se observa é
pesquisa, e 4 representantes de orga- I – Identificar os principais pro- uma mudança progressiva de um mo-
nizações não governamentais); secre- blemas que afligem as popula- delo que servia aos propósitos de uma
taria-executiva do ConCidades; comi- ções das cidades brasileiras, me- administração centralizada para um
tês técnicos (Habitação, Saneamento diante manifestações de vários modelo que se insere numa lógica de
Básico, Trânsito, Transporte e segmentos e agentes produtores, descentralização e participação social.
Mobilidade Urbana, e Planejamento e consumidores e gestores; II – No que concerne à quantidade de pes-
Gestão do Solo Urbano). (Ministério das Propor princípios e diretrizes das soas que participam das conferências,
Cidades, 2013) políticas setoriais e da política contabilizando o registro de partici-
nacional das cidades; III – Avaliar pantes de todas as etapas, observa-se
os programas e legislações nas que 73% das conferências possuem um
áreas de habitação, saneamento total de até 100 mil participantes, sen-
ambiental, programas urbanos, do 4.763 o menor número observado e
3.3 Conferências trânsito, transporte e mobilida- o maior, 524.461. (IPEA, 2013)
das Cidades de urbana, desenvolvidas pelos Ainda que muitos aspectos do de-
governos federal, estaduais, senho institucional original das confe-
As conferências representam um for- municipais e do DF; IV – Indicar rências tenham se mantido, a mudança
talecimento do marco participativo ao ministério das cidades as prio- para o caráter mobilizatório-político
presente na Constituição de 1988. De ridades de atuação; V – Avaliar impulsionou outras áreas de políticas
acordo com o texto constitucional, o sistema de gestão e implemen- públicas a instituírem este tipo de ar-
a soberania popular pode se fazer tação das políticas urbanas, ranjo institucional para a participação
tanto pela via representativa quan- intermediando a relação com a social na gestão pública. A literatura e
to pela via da participação. Segundo sociedade na busca da constru- a análise dos documentos das confe-
o Instituto de Pesquisa Econômica ção de uma esfera público-par- rências permitem dizer que estas são
Aplicada – Ipea (2013), as Conferências ticipativa; VI – Avaliar os instru- instrumentos que possibilitam o diá-
podem ser entendidas como processos mentos de participação popular logo entre Estado e sociedade convo-
participativos convocados por órgãos presentes na elaboração e imple- cados pelo Poder Executivo e desen-
do Poder Executivo que reúnem, com mentação das políticas públicas volvidos em etapas interconectadas
certa periodicidade, representantes e propor as formas de participa- pela escolha de representantes e pela
do Estado e da sociedade para dialo- ção no processo de formação do formulação de propostas para políti-
gar a respeito de políticas públicas. O Conselho das Cidades. cas públicas.
Instituto as caracteriza considerando O debate gerado nos três ní-
os seguintes elementos: inserem-se em As primeiras conferências reali- veis nos quais ocorre a Conferência
uma etapa do ciclo de gestão de políti- zadas no Brasil serviram ao objetivo Nacional das Cidades (municipal, es-
cas públicas; reúnem sujeitos políticos político de ampliação da articulação tadual – incluindo o Distrito Federal, e
diversos; conectam-se a outras insti- federativa para melhoria da gestão nacional) tem por base um documen-
tuições participativas; e desenvolvem- de ações nos diferentes níveis da fe- to de discussão que está dividido em
-se como processos participativos. O deração. Apesar de a participação três partes: 1) Texto-base nacional; 2)
processo de formação e realização das ser incipiente, a conferência passou a Texto com as prioridades do Ministério
Conferências Nacionais das Cidades servir como veículo de expressão das das Cidades para a Política de
por meio desta estrutura pretende em preocupações existentes em setores Desenvolvimento Urbano 2014-2016;
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3) Texto para discussão das Prioridades nacional são organizados painéis de O texto-base nacional, que inclui
Municipais e Estaduais (incluindo o DF) discussão. Para determinação das as propostas de emendas aditivas,
para a Política de Desenvolvimento prioridades do Ministério das Cidades, supressivas ou modificativas elabora-
Urbano 2014-2016. os delegados se organizam em grupos das nas Conferências Municipais e nas
O primeiro, o texto-base Nacional, e levam as propostas que serão vo- Estaduais, foi discutido e aprovado
que aborda quatro grandes temas re- tadas em plenária. Além desses dois em plenário, tendo sido as propostas
lacionados diretamente ao Sistema documentos, outros dois relatórios organizadas por eixo temático. O re-
Nacional de Desenvolvimento Urbano, são organizados e enviados para a sultado final da votação formaria o
e o segundo que contém as priorida- Conferência Nacional para fim de co- relatório nacional da 5ª Conferência
des do Ministério das Cidades para a nhecimento apenas, não há discus- Nacional das Cidades. Após a delibe-
política de Desenvolvimento Urbano, sões ou deliberações sobre estes rela- ração sobre propostas, estas seriam
passam pelo mesmo processo até tórios nesta última etapa. São eles: a) levadas à plenária para a votação. Do
chegarem à etapa nacional. Na etapa o relatório que contém as Prioridades resultado, elabora-se o Relatório Final
municipal, são feitas propostas aditi- Municipais e Estaduais para a Política da 5ª Conferência das Cidades.
vas, supressivas ou modificativas aos de Desenvolvimento Urbano no pe- Representantes de diferentes
textos e determinadas em plenária ríodo 2014-2016, que é elaborado na movimentos se deslocam do Brasil
para então serem enviadas a etapa etapa municipal; b) o relatório que inteiro, para participar do evento
Estadual. Na Conferência Estadual, o contém as Prioridades Estaduais que pretende incentivar e promover
processo será de discussão e votação para a Política de Desenvolvimento a participação de diferentes ato-
em plenária das propostas que irão Urbano no período 2014-2016, que res na formulação de políticas para
para a etapa nacional, onde enfim se é elaborado na etapa Estadual. Reforma Urbana. Os participantes da
deliberará para se chegar à versão Importante destacar que as duas pri- Conferência são divididos em duas
final dos documentos, o texto-base meiras etapas (municipal e estadual) categorias: os delegados, com direi-
com as emendas findas na Resolução são responsáveis pela eleição de to a voz e voto, e os observadores. O
da Conferência e as Prioridades do seus Conselhos de acordo com seus quadro abaixo contém a distribuição
Ministério das Cidades resultas no respectivos níveis, nas Conferências de delegados entre os diferentes seg-
Relatório Final da Conferência. Municipais é determinado o Conselho mentos e mostra que o movimento
Para o debate sobre as propostas Municipal das Cidades e nas Estaduais popular é o que contém maior número
de emendas no texto-base, na etapa o Conselho Estadual. de representantes.
gestão social 37
Essas formas de relação podem ser
analisadas como níveis de participa-
ção, mas não gera controle. Controle
social vai à direção de cogestão e pla-
nejamento, isto é, a sociedade civil é
ator presente e relevante no proces-
so de elaboração, acompanhamento
e verificação ou monitoramento das
ações de gestão pública.
No que diz respeito aos CGPP, foi
por meio de legislação complemen-
tar e normatizações produzidas pelas
instâncias federais que se construiu a
regulamentação no modo de funcio-
namento dessas instâncias de parti-
cipação. A ideia é que CGPP crie uma
instância entre a sociedade civil e o
governo local de formulação e propo-
sição de diretrizes e estratégias da ges-
tão governamental e possibilita exer-
3.6 Conselhos Gestores também estabeleceu uma institucio- cício do controle social dessas ações.
nalidade nos canais de participação Nesse sentido, cria a oportunidade de
Este subitem do módulo é resultado da sociedade junto ao Estado como fiscalizar e avaliar ações assim como a
do constructo de pesquisas e produ- os Conselhos Gestores de Políticas alocação de recursos.
ções textuais, o qual vem utilizar frag- Públicas (CGPP), que são órgãos que Sendo assim, seguem alguns ele-
mentos textuais extraídos do artigo de apresentam funções, pelo menos em mentos de caracterização destas ins-
nossa própria autoria, que podem ser tese, de consulta e deliberações das tâncias de participação, tais como: (i)
obtidos e aprofundados em Vianna, políticas públicas, exercendo também apresentam-se em áreas temáticas,
Kraemer, Villela (2016). A partir da re- um papel no controle social dessas po- ligadas a políticas sociais específi-
democratização do Brasil, pode-se líticas. Esses conselhos estão presen- cas; (ii) são canais institucionais de
perceber uma descentralização tanto tes em todos os níveis de federação. participação social; (iii) apresentam
da gestão quanto financeira da ad- Sendo que no nível municipal ocorreu um caráter representativo com man-
ministração e das políticas públicas. uma grande disseminação nos últimos datos sociais não remunerados, po-
Dando mais responsabilidades para anos, tornando-se referências para os dem ser deliberativos ou consultivos;
os estados e municípios. Dessa forma, estudos dedicados à participação e (iv) apresentam uma composição pa-
temos a municipalização das políti- ao controle social. ritária entre governos e sociedade;
cas sociais, como educação, saúde, Antes de discorrer sobre o signifi- (v) pelo menos formalmente apre-
assistência social e segurança ali- cado de controle social, é preciso tra- sentam uma autonomia em relação
mentar e nutricional. A Constituição tar o que não pode ser apresentado ao governo local (TÓTORA; CHAIA,
de 1988 será o marco institucional como tal. Neste caso, controle social 2002). Quando se analisa o papel dos
para o início deste processo, que não é consulta ou ouvir o outro ator. CGPP e as conferências nacionais de
gestão social 39
capazes de elaborar uma governan- a participação popular e a organiza- Para Guedes e Silva (2012):
ça que seja adequada para conciliar ção de entidades não governamen-
todos os interesses. Esta governança tais pelo País, vem trazendo à tona a [...] o que se busca é o fortalecimento
deve ser participativa na qual se ob- necessidade de articulação e coorde- de processos de integração e forta-
serva a divisão de papeis dos atores nação dos atores sociais, por meio de lecimento dos atores que compõem
públicos, mercados e sociedade civil. políticas e programas que integrem a o amplo quadro da organização do
O estudo do APL evidencia a sociedade nos níveis municipais, esta- trabalho e da produção nas coope-
existência de redes entre os atores duais e federais de forma que se possa rativas e outras formas associa-
formando laços de confiança nos atingir o desenvolvimento sustentá- tivas. Nesse sentido o tema, possui
quais cada um tem um papel defini- vel local e regional. certa transversalidade na medida
do. Apresentam assim processos de em que implica a valorização da
aprendizados interativos, qualifica- produção ancorada no território
ções técnicas e organizacionais, co- como instrumento de um processo
nhecimentos implícitos acumulados, de integração na agricultura fami-
confiança nas relações entre empre- 3.8 Cooperativas liar e suas associações (grifo nosso).
sas e atores, a proximidade geográ- e Associações
fica, social e cultural que são fontes Em locais onde estão concentra-
de diversidade e também de vanta- Este subitem do módulo é resultado das unidades produtivas, configuran-
gens comparativas. do constructo de pesquisas e pro- do uma rede de interesses comuns, que
As sinergias coletivas geradas duções textuais, o qual vem utilizar apresentam um saber-fazer caracte-
pela participação em aglomerações fragmentos textuais extraídos do rístico e uma produção específica, tais
produtivas locais efetivamente forta- artigo de nossa própria autoria, que grupos possuem potencial significati-
lecem as chances de sobrevivência e podem ser obtidos aprofundados em vo para o desenvolvimento econômico
crescimento das empresas e, para que Vianna (2017). coletivo que podem se organizar como
essas se desenvolvam e se sustentem, Com a intenção de aproximar e associações ou cooperativas. “Tais ar-
é necessário um cenário de coope- integrar os conceitos de desenvolvi- ranjos devem, teoricamente, elabo-
ração e de competitividade bastan- mento local e cidadania deliberativa rar um governança capaz de conciliar
te intenso. (CASSIOLATO, LASTRES e com base na perspectiva da Gestão interesses nem sempre convergentes
MACIEL, 2003) Social, Tenório (2007) entende como dos diferentes atores; planejar conjun-
Existem os ganhos naturais que desenvolvimento local “‘com’ cida- tamente e executar ações cooperati-
são advindos das trocas de informa- dania aquela ação coordenada en- vas que promovam o desenvolvimen-
ções entre os atores que favorecem a tre a sociedade e o poder público to de suas atividades empresariais”
existência de infraestruturas as quais municipal, instituída por meio de um (VILLELA e PINTO, 2009). Essa forma de
consolidam a identidade sociocultu- processo participativo e democrá- governança retoma o que se caracte-
ral do arranjo, mas é necessário para tico, em prol do bem-estar social, rizou neste texto como Aglomerações
que se possam materializar situações econômico político e cultural de um Produtivas Locais (APLs). APL é uma
de resultados econômicos e sociais a dado território”, no sentido de pro- rede com governança própria, basea-
necessidade de mecanismos que pro- tagonizar e incluir igualmente a plu- da na relação de troca entre os atores,
movam e permitam a sustentabilida- ralidade do maior número de atores que surge de maneira espontânea, de
de das localidades. envolvidos em que a legitimidade preferência horizontal, requerendo
Com o advento da Constituição das decisões políticas surge nos pro- uma localidade espacial e uma gestão
de 1988 e a própria mídia solicitando cessos de discussão. social participativa.
gestão social 41
tradicionais. Além da troca de expe- O Programa Aquisição de Alimentos os Territórios Rurais e Territórios da
riências entre os municípios, é possível (PAA) é uma conquista da agricultura Cidadania) buscam manter relações
que haja ações de consórcios e projetos familiar com a inserção do programa de parceria, intercâmbio e troca de ex-
intermunicipais. Essa iniciativa pode Fome Zero que atende populações em periências exitosas com ambos os pro-
ser considerada como um avanço nas situação de insegurança alimentar gramas com a devida participação dos
questões cooperativas entre municí- buscando a inclusão social no campo. O seus membros nos conselhos munici-
pios quando Abramovay (2001, p. 132) programa prevê a compra institucional pais e em parcerias com instituições de
sinaliza a problemática de que o “plano de alimentos por estados e municípios, pesquisa e extensão.
de trabalho de cada município tende a com dispensa de processo de licitação, Os municípios do Território da
confinar-se a esta esfera restrita cujas na qual os preços podem ultrapassar os Baía da Ilha Grande (BIG) tem muitas
possibilidades de oferecer novas chan- valores dos mercados locais por meio dificuldades de implantação do Pnae,
ces são extremamente limitadas”. de chamada pública. Outra iniciativa com exceção de Paraty, que há quatro
As iniciativas mais recorrentes no é o Programa Nacional de Alimentação anos vem consolidando experiências
âmbito do colegiado são: (1) a troca Escolar (Pnae) que, assim como o PAA, exitosas de parcerias entre o poder pú-
de experiências entre os municípios é uma política de segurança alimen- blico municipal, agricultores familiares
na implantação do Pnae; (2) discus- tar e nutricional instituída pela lei nº e chefs de cozinha dos restaurantes do
sões acerca das questões e conflitos 11.497/2009, a qual prevê pelo menos polo turístico. Seropédica, dos cinco
fundiários; (3) a inclusão de agricul- a compra de 30% proveniente da agri- municípios, é o que mais tem dificul-
tores em feiras locais, como a Feira cultura familiar para serem servidos dades de implantar o programa, pois
da Agricultura Familiar da Rural, nas escolas da rede pública de ensino. apresentou problemas de divulgação e
o projeto da Feira da Agricultura A compra é feita por meio de chama- transparência das chamadas públicas
Familiar na Universidade Federal das públicas, que dispensa licitação e frente aos agricultores locais para a
Fluminense de Angra dos Reis. Daí a pode ser articulada nas reuniões com inserção dos mesmos no fornecimento
necessidade da criação de mecanis- participação de atores da sociedade de alimentos para a alimentação nas
mos de cooperação que vão além dos civil e do poder público que compõem escolas. Houve uma tentativa em 2015,
limites estritamente locais e da cria- o Conselho de Segurança Alimentar com a aprovação de um projeto, mas
ção de mercados institucionalizados (Consea) e o Conselho de Alimentação que não obteve desfecho desejado,
pelo Estado, sobretudo, nas escalas Escolar (CAE) municipal ou estadual. ou seja, sem a efetivação do contrato
municipais e regionais. Alguns colegiados territoriais (como (VIANNA, KRAEMER e VILLELA, 2016).
gestão social 43
A realização de sessões temá- realidade do território da Baía da Ilha junto com a Delegacia Federal do
ticas com a participação dos res- Grande, nas quais as interações foram Desenvolvimento Agrário do Estado
ponsáveis pelo (1) Parque Estadual profícuas e enriquecedoras para todo do Rio de Janeiro; (5) Consórcio in-
Cunhambebe e pelo (2) Parque o grupo presente. termunicipal para as secretarias de
Nacional da Serra da Bocaina foi uma Concomitantemente aos en- agricultura dos municípios envolvidos
demanda apresentada pelos agricul- contros e ações do colegiado, foram para projetos e capacitações com te-
tores com o objetivo de esclarecer os realizados 12 encontros de capaci- mas diversos: PAA, Pnae, Segurança
conflitos entre órgãos de fiscaliza- tação para os agricultores da região Alimentar etc.; (6) submissão de Projeto
ção ambiental e os agricultores em de Mazombinha, em Itaguaí, e na de Gestão de Recursos Hídricos junto
virtude das demarcações das áreas Associação Serorgânico, localizada ao CNPq; (7) a elaboração de cartas de
de proteção e conservação am- em Seropédica, foram realizados seis solicitação de apoio a grupos de agri-
biental. Considera-se, portanto, que encontros, nos quais discutiram-se cultoras pelos poderes públicos e ex-
essa demanda por parte da socie- temas variados orbitando entre polí- tensionistas locais; (8) incentivo à par-
dade civil seja caracterizada como ticas públicas, administração, identi- ticipação dos membros do colegiado
uma ação de controle social na qual dade rural, cooperativismo, técnicas em instâncias municipais como con-
os agentes do poder público foram sustentáveis de plantio, conselhos selhos de desenvolvimento rural, de
questionados quanto às suas ações municipais, noções de marketing para segurança alimentar, de alimentação
de repreensão das práticas agrícolas agricultores rurais e previdência so- escolar etc., dos municípios perten-
quando contrastadas com a citada cial no campo. Nessas duas comu- centes ao território; (8) divulgação das
“permissividade” desses órgãos aos nidades, anteriormente à capacita- ações de implantação do PAA institu-
megaempreendimentos industriais e ção, houve a realização de um DRP cional do Restaurante Universitário da
comerciais no território, mais espe- – Diagnóstico Rápido Participativo. UFFRJ entre as comunidades familia-
cificamente nas localidades das uni- As demais e diversas reuniões ple- res do território.
dades de conservação ambiental. Foi nárias do colegiado focaram em alguns A frequência e a participação dos
também criada uma comissão para pontos centrais: (1) na elaboração do atores nas reuniões plenárias do co-
discutir-se a elaboração coletiva e Plano Territorial de Desenvolvimento legiado tem mostrado simetria entre
participativa do Plano Territorial de Rural Sustentável e Solidário (PTDRSS), membros da sociedade civil e dos po-
Desenvolvimento Rural Sustentável no qual houve a necessidade de en- deres públicos chegando a um total de
e Solidário (PTDRSS) para o território. contros alternativos para o levanta- 70 presentes na 9ª reunião plenária.
Foram realizados encontros de mento do diagnóstico do território,
capacitação para os membros repre- dos impactos do crescimento eco-
sentantes dos colegiados com parti- nômico exógeno na região e das pro-
cipação da sociedade civil, do poder postas de ações futuras; (2) ações de
público e das entidades de pesquisa e parceria para a criação de um projeto
extensão, nos quais foram abordados de turismo rural de base comunitária
temas como: (1) Gestão Social, controle para a Serra do Piloto no município
social e participação nas políticas pú- de Mangaratiba-RJ; (3) a promoção e
blicas; (2) cultura, identidade e territó- a criação de feiras municipais e insti-
rio e (3) assistência social no meio rural. tucionais que integrassem atores do
Nestes dois encontros de capacitação, território para o fortalecimento das
as discussões acerca dos conceitos famílias de agricultores; (4) participa-
abordados foram contextualizados ção do Nedet no Projeto de Formação
nas falas dos participantes acerca da dos Jovens Rurais em Agroecologia
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