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A Bicefalia em Angola: Uma Questão de Poder e Não de Poder

Antes do discurso proferido pelo Vice-Presidente da República de


Angola (doravante VPR), Bornito de Sousa, durante a Cerimónia de
Cumprimentos do final do ano ao Presidente da República de Angola, João
Lourenço1, não tinha o alcance político sobre a questão da bicefalia dentro do
actual estado de funcionamento do Sistema de Governo Angolano. Estava, em
grande medida, a compreender a referida questão da bicefalia como uma
típica situação no Governo, quando há duas cabeças que disputam o
protagonismo político, ou seja, uma diarquia de poder dentro do Sistema de
Governo. Com isto, surge uma situação natural de coabitação política entre
duas o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, sendo esta uma das
características marcantes do semipresidencialismo2.
No entanto, no caso angolano não se coloca em cima da mesa a
possibilidade de uma diarquia no plano do Sistema de Governo, porque há
apenas dois órgãos políticos, de acordo com a Constituição da República de
Angola (CRA), designadamente o Presidente da República (PR), na qualidade
do Titular do Poder Executivo (TPE), e a Assembleia Nacional (AN), como
Titular Poder Legislativo (TPL)3, embora em matéria de iniciativa legislativa

1http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2017/11/52/Chefe-Estado-recebe-

cumprimentos-fim-ano,0cd3b592-9dd7-495b-9341-ed40d6dc017e.html.
2Devemos esclarecer que o semipresidencialismo surgiu como Forma de Governo em França, na

vigência da V República, de acordo com Maurice Duverger. No entanto, diversos estudos realçam que,
por exemplo, a República de Weimar continha já uma estruturação constitucional semipresidencialista
(Bahro, 1996). Para um estudo mais aprofundado sobre o assunto e as diferentes taxonomias
existentes, sugerimos a consulta dos seguintes artigos: Bahro, H. (1996), “A influência de Max Weber na
Constituição de Weimar e o semipresidencialismo português como sistema político de transição”,
Análise Social, vol. xxxi (138), 1996 (4.°), pp.777-802; Bayerlein, B. (1996), “Origens Bonapartistas do
semipresidencialismo português”, Análise Social, vol. xxxi (138), 1996 (4.°), pp.803-830; Lucena, M.
(1996), “Semipresidencialismo: teoria geral e práticas portuguesas (I)”, Análise Social, vol. xxxi (138),
(4.°), pp. 831-892; Elgie, R (2007), “Varieties of Semi-Presidentialism and Their Impact on Nascent
Democracies”, Taiwan Journal of Democracy, Vol. III, (2), pp. 53-71.

3 O facto de o Sistema de Governo Angolano actual apresentar apenas dois órgãos políticos, sendo

um deles de cariz singular e outro colegial, motiva a que seja inserido na taxonomia do
presidencialismo, variando no que toca ao seu grau. Vide, por exemplo, Pestana, N. (2011),
“Sistema “parlamentar-presidencial” ou presidencialismo extremo?” (2011), in Brief do Chr.
Michelsen Institute (CMI) e Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC). Disponível em:
https://www.cmi.no/publications/file/4026-sistema-parlamentarpresidencial.pdf; Miranda, J.
(2010), “A Constituição de Angola de 2010”. Disponível em

1
haja uma partilha de competências entre o PR e a AN, salvo em matéria de
reserva exclusiva de cada um dos órgãos4. Com isto, só estes dois órgãos
estão instituídos do poder de veto5, podendo, desta forma, bloquear o
processo decisório e forçar, por conseguinte, a um processo de negociação
política entre os dois órgãos políticos. Isto ocorre normalmente quando
existe uma maioria parlamentar contrária ao Presidente, neste caso estamos
em presença de um Governo dividido, de acordo com a perspectiva de
Gianfranco Pasquino6.
Quando se observa uma situação de maioria absoluta nos dois
poderes, dois players, estabelece-se, na perspectiva de Gianfranco Pasquino,
um Governo imperial7, onde o Presidente consegue governar com o único
player dentro do sistema de Governo8. Ainda assim, os autores reconhecem
que continua a existir no espectro partidário um conjunto de players
investidos de poderes próprios e capazes de obstaculizar a acção do
Presidente da República. E, considerando a realidade política angolana,
torna-se mais importante atender à dimensão partidária, onde existem
diversos players, do que propriamente à dimensão parlamentar, porque os
grupos parlamentares são controlados pela direcção do partido, por causa do
sistema de lista fechada e rígida, onde cabe aos partidos indicarem os
candidatos ao lugar de deputado9.
Retornando ao assunto do Sistema de Governo Angolano, a prática
corrente tem correspondido a uma constante maioria qualificada do MPLA10,

https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/583-502.pdf; Moreira, V. (2010),


“Presidencialismo superlativo”. Jornal Público, 9 Fevereiro.
4Vide Miranda, J. (2010), “A Constituição de Angola de 2010”. Disponível em
https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/583-502.pdf.
5 Utilizado em termos não jurídicos, como poder de bloqueio no processo decisório, de acordo

com a perspectiva de Ciência Política (por exemplo, é uma expressão recorrente nos estudos de
Gianfranco Pasquino e George Tsebelis).
6 Vide Pasquino, G. (2005), Sistemas Políticos Comparados. Cascais: Principia. Igualmente, em Pasquino,
G. (2010), Curso de Ciência Política. Cascais: Principia.
7 Vide Pasquino, G. (2005), Sistemas Políticos Comparados. Cascais: Principia. Bem como em Pasquino, G.

(2010), Curso de Ciência Política. Cascais: Principia.


8 Vide Tsebelis, G. (1995), “Decision Making in Political Systems: Veto Players in Presidentialism,

Parliamentarism, Multicameralism and Multipartyism”, British Journal of Political Science, Vol.


XXV, (3), pp. 289-325.
9 Vide Dundão, S. (2017), “Sistema Eleitoral Angolano: Vantagens e Desvantagens”, Disponível em
https://www.academia.edu/33606788/Sistema_Eleitoral_Angolano_Vantagens_e_Desvantagens.
10 Movimento Popular de Libertação de Angola.

2
havendo, neste sentido, um Governo presidencialista de natureza imperial.
Por conseguinte, a Assembleia Nacional não dispõe da possibilidade de
exercer o seu poder de voto porque observa-se uma concertação e
articulação política no seio do partido do Presidente. Por exemplo, o
Presidente José Eduardo dos Santos governou sempre na condição de chefe
da maioria parlamentar, tornando-se, por conseguinte, no único veto player,
de acordo com Tsebelis11, decisve players, na perspectiva de Liñan e Raga12.
Na presente conjuntura política, o Presidente João Lourenço não é o
chefe da maioria parlamentar, por conseguinte, não controla o partido
maioritário na Assembleia. Por isso, o histórico militante do MPLA, Dino
Matrosse, considerou que “João Lourenço não faz nada sozinho e sem a
direcção do partido. Aquilo que ele fez foi discutido no seio do partido” 13. Isto
demonstra a necessidade de o Presidente João Lourenço concertar, ao nível
do partido, a sua acção e agenda política enquanto Chefe do Executivo.
Chegado a este ponto, pode ser questionado se a autonomia política
do Presidente não está posta em causa. E, a nossa resposta a essa questão é
positiva. Sim, o Presidente fica com a sua autonomia política limitada, mas
não devemos pensar que esta limitação se verifica ao nível do processo
decisório como se pensa, porque a CRA permite e dá a máxima autonomia
decisória ao Presidente, não havendo possibilidade de condicionar o seu
exercício enquanto TPE.

11Para Tsebelis, um veto player é um actor político individual ou colectivo cuja concordância é
necessária no processo de tomada de decisão política. Sugerimos para um melhor entendimento sobre
o assunto consultar o seguinte artigo: Tsebelis, G. (1995), “Decision Making in Political Systems: Veto
Players in Presidentialism, Parliamentarism, Multicameralism and Multipartyism”, British Journal of
Political Science, Vol. XXV, (3), pp. 289-325.
12 Os autores sugerem que deve existir uma diferenciação entre os veto players e os decisive
players, uma vez que os primeiros são necessários para a aprovação de uma medida política mas
não são suficientes per se para alterar o status quo político. Por sua vez, os decisive players têm a
capacidade de alterar o status quo, sendo, por isso, actores decisivos do jogo político, por exemplo,
nas transformações políticas dos regimes. Sugerimos, para um melhor entendimento sobre o
assunto, a consulta do seguinte artigo: “Veto Players in Presidential Regimes: Institutional
Variables and Policy Change” Linan A. e Raga J. (2009), “Veto Players in Presidential Regimes:
Institutional Variables and Policy Change”. Revista de Ciencia Politica, 29 (3), pp. 693-720.
13 https://sol.sapo.pt/artigo/582700/angola-joao-lourenco-nao-faz-nada-sozinho-e-sem-a-
direcao-do-partido.

3
Devemos, ainda, a bem da aclaração científica, assinalar que, de
acordo com o cientista político angolano André Caputo Menezes14 e com o
constitucionalista angolano António Paulo15, cabe ao partido indicar o
candidato à presidência da república e à vice-presidência, sendo que estes
acabam por difundir a mensagem do seu partido político. Assim, a autonomia
política do PR angolano é questionável, sobretudo, quando a sua eleição
decorre dentro do sistema eleitoral de lista fechada e rígida. Como sabemos, à
luz dos estudos eleitorais, este tipo de sistema eleitoral acaba por significar
um reforço da capacidade política da direcção do partido e não a
autonomização do Presidente, como órgão singular16. Por isso, já defendi
noutro texto que este sistema de lista e fechada acaba mais por ser mais
adequado para a eleição de órgãos colegiais17. Estou hoje mais convicto,
depois da explicação técnica de André Caputo Menezes, que o Presidente e o
Vice-Presidente não são efectivamente eleitos para o desempenho dos seus
respectivos cargos, mas a sua eleição resulta do apuramento de resultados
através de um sistema de maioria simples, a nível da lista nacional. É fácil
entender este apuramento através de uma explicação simples. Por exemplo,
na tabela A1, mostramos que os candidatos dos partidos A e A1, B e B1, C e C1
podem ser apurados para os cargos de Presidente ou Vice-Presidente da
República ou de deputados da Assembleia Nacional. Observa-se, por isso, que
qualquer um dos candidatos está a concorrer para a possibilidade de
desempenhar dois cargos. Assim, este sistema foi designado pelo do

14Vide Meneses, A. (2015), “Partidos políticos na constituição de Angola e sua influência no


funcionamento do sistema político”, in Constituição da República de Angola Vol. III, (Org.) Carlos
Feijó. Lisboa: Almedina, pp.383-436.
15VidePaulo, A. (2015), “Sistema de Governo na Constituição de 2010: Contextos, Transições,
Preconceitos”, in Constituição da República de Angola Vol. III, (Org.) Carlos Feijó. Lisboa:
Almedina, pp.149-198.
16Esta perspectiva é partilhada por autores consagrados como os politólogos : (i) Manuel Braga da
Cruz, nos seus textos Cruz, M. (1998), “Introdução”, in Sistemas Eleitorais: o Debate ICS, pp.9-26;
Cruz, M. (2017), “O Sistema Político Português”. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos;
(ii) Maurice Duverger, por exemplo, in Maurice. D (1998), “A influência dos Sistemas Eleitorais na
Vida Política”, in Sistemas Eleitorais: o Debate Científico. (Coord.) Manuel Braga da Cruz. Lisboa:
ICS, pp.115-154; (iii) Thomas Hare in Hare, T. (1998), “Sobre a Eleição dos Representantes”, in
Sistemas eleitorais: o Debate Científico. (Coord.) Manuel Braga da Cruz. Lisboa: ICS, pp.27-35; (iv)
Hermens, Ferdinand in Hermens, F. (1998), “Dinâmica da representação proporcional”, in
Sistemas eleitorais: o debate científico. (Coord.) Manuel Braga da Cruz. Lisboa: ICS, pp.63-113; (v)
Richard Rose in Rose, R. (1998), “Sistemas eleitorais: uma questão de grau ou de princípio” in
Sistemas eleitorais: o debate científico. (Coord.) Manuel Braga da Cruz. Lisboa: ICS, pp.213-222.
17 Vide Dundão,
S. (2017), “Sistema Eleitoral Angolano: Vantagens e Desvantagens”, Disponível em
https://www.academia.edu/33606788/Sistema_Eleitoral_Angolano_Vantagens_e_Desvantagens.

4
professor sul-africano, André Thomashausen18 como ficção e outros
designam-no como atípico, à semelhança da própria CRA.

Forma de apuramento nas Eleições Gerais Em Angola


Nomes das Listas dos Partidos Percentagem Apuramento
A e A1 40% PR e VPR
B e B1 35% Deputados da AN
C e C1 25% Deputados da AN

Como sabemos, uma eleição presidencial visa o preenchimento de


um órgão político singular, assim, o candidato que recebe maior percentagem
de votos acaba por ocupar o referido cargo, ficando os restantes excluídos
desta possibilidade. Criando, por conseguinte, uma situação de exclusão do
âmbito do processo eleitoral, instituindo a lógica de soma zero (de quem
ganha leva tudo), típica das eleições presidencialistas, segundo a perspectiva
de Juan Linz19. Pelo que, assim sendo, deve haver um círculo individual, onde
é eleito o Presidente, sendo esta uma medida a ser adoptada numa possível
reforma do sistema eleitoral angolano, de forma a dar maior autonomia ao
Presidente e a reduzir o peso do partido no sistema de governo.
Por exemplo, em 1992, as eleições presidenciais angolanas
decorreram dentro desta lógica descrita por Juan Linz, sendo mesmo
consideradas como uma das causas do retorno à guerra por Cláudia Almeida
e Edalina Sanches20 . Por isso, os dois candidatos mais votados, precisamente
José Eduardo dos Santos, pelo MPLA e Jonas Savimbi, pela UNITA21, tinham
que disputar uma segunda volta, porque o sistema eleitoral era um sistema
de uma maioria a duas voltas22. Com isto, procura-se que um candidato

18Sobre este assunto ver Thomashausen, A. (2011), "A Constituição de Angola de 2010 no Contexto do
Constitucionalismo em África", (1), Lusíada, política internacional e segurança, pp 11-27.

19Vide Linz,J. (1990a), «The perils of presidentialism», in Journal of Democracy, 1 (1).


20De acordo com as autoras, o facto de o sistema eleitoral não permitir uma partilha de poder determitou
que as eleições se tornssem numa forma de decidir o vencedor da contenda político-militar. Consultar o
artigo: Almeida, C., e Sanches, E. (2010), “«Das balas aos votos»: um estudo comparado das primeiras
eleições pós guerra civil em Angola e Moçambique, in Marzia Grazzi (ed.), PALOP: Investigação em
debate, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 119-39.
21União Nacional para Independência Total de Angola.

22Como se sabe nunca se chegou a realizar uma segunda volta nas eleições por causa da recusa de

aceitação dos resultados por parte da UNITA. Com isto, retornou-se à guerra civil, de forma a conhecer
os contornos históricos da História de Angola, sugerimos a consulta dos seguintes artigos: Hodges, T.
(2002), Angola: Do Afro-Estalinismo ao Capitalismo Selvagem. 1ª ed. Cascais: Edições Principia;
Malaquias, A. (2000) “Ethnicity and conflict in Angola: prospects for reconciliation”, in Angola’s War
Economy: The Role of Oil and Diamonds. (eds.) Jakkie Cilliers &

5
obtenha uma maioria absoluta em termos eleitorais, podendo tal resultado
ser alcançado na primeira volta. Caso isto não ocorra então realiza-se uma
segunda volta, sendo que as hipóteses de alcançar semelhante resultado na
segunda volta são sempre mais altas – uma vez que só concorrem os dois
candidatos mais votados.
A questão supra discutida sobre o processo de apuramento eleitoral
dos candidatos a PR e VPR acaba por provocar, necessariamente, uma disputa
de quem deve subordinar-se a quem. Ou seja, cabe ao PR subordinar-se ao
presidente do partido ou o presidente do partido subordinar-se ao PR. A
resposta a esta questão só pode ser apresentada caso haja uma clarificação
de quem é a pertença efectiva da legitimidade política. Devemos, atribuir essa
legitimidade eleitoral ao partido e não ao PR, porque é ao partido que é
solicitada accountability (prestação de contas junto ao eleitorado) e a
responsabilidade directa da acção governamental, uma vez que é o seu
programa eleitoral que é sufragado no acto de campanha eleitoral, servindo
este de base de vinculação entre o partido e o povo.
Considerando esta articulação entre o sistema de Governo, o sistema
eleitoral e o sistema de partido, redefini o presidencialismo actual como um
sistema de presidencialismo de partido23, onde o número de veto players
cresce ou diminui de acordo com o resultado eleitoral. Actualmente, o
equilíbrio que se exige por força do princípio de checks and balances é
exercido pelo Bureau Político (BP). Com isto, dá-se início a uma situação de

Christian Dietrich (edits.). Pretoria: Institute of Security Studies, pp. 95-113; Malaquias, A. (2007),
Rebels and Robbers Violence in Post-Colonial Angola. Stockholm: Nordiska Afrikainstitutet; Reno,
W. (2000), “The real (war) economy of Angola”, in Angola’s War Economy: The Role of Oil and
Diamonds. (ed.) Jakkie Cilliers & Christian Dietrich. Pretoria: Institute of Security Studies, pp. 219-
235; Reno, W. (2011), Warfare in Independent Africa: New Approaches to African History.
Cambridge: Cambridge University Press.
23 A nossa classificação surge do facto de o Presidente Angolano resultar de uma escolha dos

partidos políticos e não de uma candidatura autónoma ou independente tout court como no caso
português, onde o partido vencedor das eleições indica o Primeiro-Ministro. Por isso, estas duas
figuras só voltam a ocupar o cargo de TPE caso sejam indicadas pelos seus respectivos partidos,
não dependendo da exclusiva vontade de ambos. Torna-se, assim, decisivo para o Presidente
angolano controlar o poder decisório do seu próprio partido, de forma a assegurar a reindicação
como candidato. Desta forma, a dimensão partidária acaba por ser um elemento central na
caracterização do presidencialismo angolano, no entanto, este facto nunca é observado por outros
autores. Ademais, importa frisar que os partidos angolanos são fortes devido ao sistema eleitoral
de lista fechada e rígida, bem como ao funcionamento do sistema partidário angolano, sendo este
um sistema de partido dominante que suporta o Presidente.

6
bicefalia que não deve ser entendida na perspectiva institucional ou jurídica
do sistema de Governo, mas sim, de acordo com Pasquino, como um jogo de
ambições políticas do PR e do presidente do partido em coabitação política
no sistema político angolano.
Assim, estamos perante duas lógicas de consolidação de poder
distintas, uma protagonizada por José Eduardo dos Santos e outra por João
Lourenço. A primeira estratégia passa pelo reforço da ala eduardista no seio
da direcção do partido, sobretudo dentro do BP, surgindo uma espécie de
governo político sombra dominado por tecnocratas de forma a condicionar o
trabalho do Executivo liderado por João Lourenço. Assim, espera-se que os
processos de ruptura e de reforma possam ser efectuados através de
negociação entre o BP e o Executivo, significando, em última instância, a
manutenção em cena de figuras afectas à anterior gestão do país.
Por outro lado, a segunda estratégia política é baseada numa melhor
comunicação política e num novo estilo de governação de proximidade junto
ao povo por parte do Presidente João Lourenço e do seu Executivo,
construindo, com isto, uma base de popularidade sustentável e sólida.
Alcançando, por conseguinte, uma autonomia política do PR face ao seu
próprio partido, deixando de depender do presidente do partido, neste caso
preciso de José Eduardo dos Santos. Deste modo, o PR procura evitar
quaisquer condicionamentos internos durante a vigência do seu Governo.
No entanto, o PR não deixou em nenhum momento de exercer o seu
processo decisório como é possível observar com as exonerações da antiga
Presidente do Conselho da Administração da Sonangol, Isabel dos Santos, do
Governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe Duarte, sendo
substituído por José de Lima Massano, a rescisão do contrato com a Semba
Comunicações, afecta aos filhos do anterior Presidente. Isto demostra que no
ponto do exercício de poder, na qualidade de TPE e de Chefe de Estado, não
há como haver interferência directa do partido, porque a CRA concedeu
elevados poderes ao PR e preservou a sua máxima autonomia decisória no

7
exercício das suas funções24, principalmente por ter em seu poder a auto-
demissão, que desencadeia a realização de eleições no prazo de 90 dias, como
perspectivam os constitucionalistas angolanos António Paulo25 e Carlos
Feijó26 e os portugueses Jorge Miranda27 e Melo Alexandrino28.
Retornando à questão da bicefalia, observa-se duas articulações de
poder e ambições políticas inerentes aos dois actores em disputa. De facto, a
luta pelo poder no seio do sistema político angolano tornou-se hoje inegável
pela forma como o Vice-Presidente, Bornito de Sousa, assumiu publicamente
que há uma bicefalia no seio do MPLA. Podendo esta gerar uma cisão no
interior do referido partido, não afectando directamente a presidência, por
enquanto, pelo que não há um risco governabilidade29 iminente.
No entanto, esta luta poderá tornar mais complexa e difusa a decisão
política no plano institucional, principalmente o âmbito legislativo. Porque
luta pelo poder envolverá a tentativa de controlo do grupo parlamentar do
MPLA, que deve suportar as iniciativas do PR que carecem da aprovação da
Assembleia Nacional. Por exemplo, impõe-se a seguinte questão: se houver
uma orientação política do partido para votar contra uma iniciativa
legislativa do Presidente, qual deve ser o posicionamento dos deputados? Do
ponto de vista lógico, e atendendo à sobrevivência política dos deputados,
deveriam obedecer ao partido e esta atitude tornaria o parlamento num

24Vide os artigos 108º, 119º, 120º a 126º da Constituição da República de Angola (CRA), disponível em:
http://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/pt/ao/ao001pt.pdf (acedido a 20 de Maio de 2017).

25Vide Paulo, A. (2015), “Sistema de Governo na Constituição de 2010: Contextos, Transições,


Preconceitos”, in Constituição da República de Angola Vol. III, (Org.) Carlos Feijó. Lisboa: Almedina,
pp.149-198.
26Vide Feijó, C. (2015), “Constituição de 2010: Constituição Nova ou Constituição Velha?”, in

Constituição da República de Angola Vol. III, (Org.) Carlos Feijó. Lisboa: Almedina, pp.11-26; Feijó,
C. (2015), “O Poder Executivo na Constituição da República de Angola: Uma Perspectiva Jurídico-
Administrativa”, in Constituição da República de Angola Vol. III, (Org.) Carlos Feijó. Lisboa:
Almedina, pp. 89-148.
27Vide Miranda, J. (2010), “A Constituição de Angola de 2010”. Disponível em
https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/583-502.pdf.
28Vide Alexandrino, J. (2013). “Ordem Constitucional, Organização do Poder”, in O Novo

Constitucionalismo Angolano, (aut.) José Melo Alexandrino, Lisboa Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas.
29Entende-se aqui o conceito de governabilidade como, precisamente, a capacidade de combinar

estabilidade política com eficácia na tomada de decisão de Pasquino, de acordo com Grianfranco
Pasquino. Consultar, precisamente, na obra: Pasquino, G. (2005), Sistemas Políticos Comparados.
Cascais: Principia, pp.202.

8
efectivo veto player. O que tornaria a realidade política extremamente rica,
mas não deixaria de ser estranho um partido colocar-se contra o seu próprio
PR.
Importa salientar que a questão da luta política supra despertou uma
situação partidária de bicefalia interna, com o ressurgir do veto player
partidário, que não afectará directamente o Executivo, mas terá um efeito
directo no processo decisório a nível da Assembleia Nacional. Porque os
deputados terão de actuar de acordo com a orientação da direcção do partido
ou, pelo menos, mostrar lealdade ao Presidente João Lourenço, que aparenta
ter uma elevada taxa de aprovação junto do eleitorado e uma boa imagem no
seio da imprensa nacional e internacional. Qualquer das posturas a ser
adoptada terá um efeito directo na distribuição de poder dentro do sistema
político e no equilíbrio institucional presente.
Assim, a cedência dos deputados às orientações emanadas pela
direcção do partido maioritário acabará por gerar o surgimento de um
presidencialismo de partido, com um governo dividido no processo decisório,
dando origem, assim, a dois veto players institucionais (presidência e
Assembleia Nacional), por um lado, e a dois veto players partidários, por
outro. Se, pelo contrário, os deputados se mostrarem leais ao Presidente
então estaremos num sistema presidencialista de partido, com um sistema de
governo imperial no processo, funcionando apenas um veto player.
A questão da bicefelia discorrida ao longo do texto permitiu
evidenciar a estrutura e mecânica do sistema de partido em Angola, onde um
sistema de partido dominante30 acabam por ter um impacto significativo no
sistema de governo e, por conseguinte, quem lidera o partido dominante31

30
De acordo com Pasquino e Sartori, um sistema de partido domindante surge quando um
partido, em sucessivos actos eleitorais, tem condições de governar sozinho. Vide, por exemplo, in
Pasquino, G. (2010), Curso de Ciência Política. Cascais: Principia, pp.198.
31
De acordo com a teoria, o sistema de partido angolano é classificado como um sistema de
partido dominante. Vide, por exemplo, Meneses, A. (2015), “Partidos políticos na constituição de
Angola e sua influência no funcionamento do sistema político”, in Constituição da República de Angola
Vol. III, (Org.) Carlos Feijó. Lisboa: Almedina, pp.383-436. Observamos, igualmente, que o MPLA tem
tido as condições políticas favoráveis, nos três últimos actos eleitorais, para afirmar isoladamente o seu
poder no seio da Assembleia Nacional, tendo inclusivamente a capacidade de aprovar as leis de cariz
ordinário, bem como as de carácter reforçado que necessitam da aprovação de 2/3 dos deputados em
exercício. Desta forma, o MPLA pode alterar a CRA sem depender da intervenção de deputados de
outros partidos.

9
influencia o curso do sistema político. Por isso, quando se argumentou, sendo
de destacar, à cabeça, Carlos Feijó32, a favor da adopção de um sistema de
governo presidencialista (por oposição a um semipresidencialismo),
considerando ser esta a forma de resolver a problemática da questão de
coordenação política no governo, acabou por negligenciar-se, por sua vez, o
efectivo impacto do sistema do partido dominante dentro do dinamismo do
sistema de governo presidencialista. Com a agravante de o Tribunal
Constitucional de Angola estar incapacitado de resolver esta litigância de
liderança no seio do sistema político. Visto que está em causa apenas a
questão da liderança do partido predominante, que se rege de acordo com o
seu estatuto, estamos perante um assunto exclusivamente da Ciência Política
e não do direito constitucional.

32
Feijó C. (2007), “O Semi-Presidencialismo em Angola. Dos Casos à Teorização da Law in Books e
da Law in Action”, in Negócios Estrangeiros, 11, 4 especial, pp. 29-43.

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