Estudos da Violência da
Ano 2010 - Edição 5 – Número 05 Maio/2010 ISSN 1983-2192 UNESP-Marília
GOVERNAMENTALIDADE,
ESPECIALIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO
DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO
NO SÉCULO XX
RESUMO
Este artigo tem por objetivo resgatar a conjuntura do processo de especialização e
profissionalização da Policia Militar de São Paulo com a vinda e instalação da Missão Francesa em
meados do século XX. O modelo adotado para a profissionalização e especialização do policial
foi decisivo para a disseminação de regras próprias nesta corporação que ao controlar o seu
efetivo, embora submetido a treinamentos e controles rígidos de disciplina e hierarquia, traça seu
código próprio de atuação na anatomia policial paulista.
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A multiplicidade de leituras
empreendidas sobre a polícia: suas
procedências e atuação demonstram
que esta temática tem sido bastante debatida e
analisada. Porém, este assunto não se esgota,
interesses comuns e níveis de solidariedade de
grupo. Não obstante, o distanciamento do
policial da sociedade civil não leva somente à
formação de uma instituição de modulação de
homens armados vinculados organicamente
mas encobre um eco de inquietação. As várias ao Estado, mas também, a um conceito
correntes sociológicas que se ocuparam e se reelaborado no interior da instituição, que
ocupam do tema são unânimes em afirmar o compreende a profissionalização como
caráter militar da polícia, com seu sistema de corporativismo ou conjunto de preceitos
regras próprias, seu intuito de controlar a éticos de defesa das ações policiais, tornando-
população, de forma violenta e arbitrária, em as uma instituição exceção, que garante a
nome da segurança que não é, e nem se deseja institucionalidade, mas que sobrevive e se
pública, mas, mobilizam recursos para sua reproduz para além de toda e qualquer ordem
conservação como força dominante no institucional ou regimes políticos.
diagrama de poder da sociedade. A O estado de ebulição social entre as
abordagem que tem como referência a diversas unidades da federação na jovem
natureza militar da polícia, no entanto, República brasileira, que marca o final do
reveste-se da fórmula da síntese dialética que século XIX, intensifica-se no século seguinte,
recai na esfera do Estado com a mobilização com a formação de exércitos locais e
de categorias como ordem social – capitalista – regionais na disputa pelo controle dos
ou segurança pública deslocando-se para o plano dispositivos de dominação política. As
de organização das instituições como lugar de disposições estratégicas da
pacificação perpétua de forças sociais governamentalização (RABINOW &
supostamente harmonizadas e com interesses DREYFUS, 1995: 238) do poder político no
consensuais. Brasil e a distribuição da população em
A especialização e profissionalização instituições de confinamento implicaram na
desejada pelo Estado, com a transformação construção de um corpo disciplinarizado para
do “paisano” ou civil em militar prenuncia o o uso das armas contra outros e com funções
processo de governamentalização1 da polícia específicas de gestão da vida pelo Estado: a
com o confinamento nos quartéis, o uso do polícia, na sua acepção contemporânea, para o
uniforme, a definição de um plano de controle do inimigo interno, e o Exército,
carreira, a preocupação com a preservação do para o combate ao inimigo externo, o
estrangeiro.
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A analítica atravessa duas áreas de
A governamentalidade não se confunde com a noção
de uso mais freqüente de governabilidade, ações de exercício da força e da violência, que, no
natureza política ou coercitiva anteriores à prática entanto, não se confundem: 1) a Força Pública
de governo. A governabilidade delineia-se como a do Estado de São Paulo, milícia estadual que,
reunião das condições consideradas essenciais, à parte das funções de auxiliar da polícia civil,
mormente o congelamento ou controle de
foi o esteio e vanguarda das forças políticas
conflitos sociais, para assegurar a gestão do Estado
por uma expressão partidária que se faz governo. estaduais, ganhando tamanha amplitude que o
Governamentalidade, na analítica foucaulteana, em governo federal resolveu integrá-la, como
oposição aos ensinamentos de O Príncipe de força militar no Exército Brasileiro,
Maquiavel, não significa habilidade para conservar juntamente com todas as outras organizações
um principado ou território, e sim de acionar
policiais regionais. 2) O Exército nacional, ,que
forças, recursos e táticas como práticas múltiplas de
uma arte de governar homens e coisas. intervém nos estados, apropriando-se dos
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delitos, com competência profissional, isto é, com Após o período inicial de consolidação
conhecimentos especiais de direito e de processos dirigido por chefes militares, a oligarquia do
indispensáveis a quem tem de garantir e café passou a dirigi-la até 1930. Os
assegurar a liberdade, a honra, a vida e a presidentes passaram a se alternar entre
propriedade” (DISCURSOS, paulistas e mineiros. Foi uma fase de agitações
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA).
políticas e sociais e de revoltas militares. A
distribuição de poder entre os dois Estados e
Para a realização dessa reforma, o
a intranqüilidade política e militar repercutiu
governador Jorge Tibiriçá estabelece
muito sobre as forças policiais militares.
conversações com o representante
Nesse quadro, o Governo Paulista, respaldado
diplomático do Brasil na França, Gabriel de
no Governo Federal, transformou a Força
Piza e com o coronel Manuel de Lacerda,
Pública num exército importante para a
homem de sua confiança pessoal,
disputa nacional. A campanha pela restrição
empreendendo estratégias para afastar todos
do âmbito de ação da polícia no combate ao
os óbices que poderiam vir a ser colocados
crime privilegiava o vigilantismo em detrimento
pelo governo federal quanto à contratação de
da investigação. Ao mesmo tempo, o processo
uma missão de instrução militar estrangeira.
de profissionalização policial, alicerçada numa
Paralelamente, nomeou Washington Luís que,
nova filosofia ocupacional da polícia, ganha
de imediato, promoveu a integração da
espaço na luta contra o crime e os criminosos,
Secretaria da Segurança Pública na Secretaria
tomando a sociedade como um campo de
da Justiça e criou o Serviço de Assistência
batalha com a utilização de táticas de guerra.
Policial. Aperfeiçoou o Corpo de Bombeiros
Dentre as cláusulas do contrato dessa
e instituiu novas normas para a carreira
Missão ficou estabelecido que o comandante
policial, estabelecendo, entre outras medidas,
Balagny deveria ficar subordinado ao
a obrigatoriedade do diploma de advogado
Presidente do Estado de São Paulo e ao
para os delegados de polícia. O trabalho de
Secretário do Interior e da Justiça, teria o
Washington Luís à frente da Secretaria do
posto de coronel igual ao comandante geral
Interior e Justiça contrariou interesses dos
da Força Pública do estado, usaria o uniforme
chefes políticos locais, que até então
francês com as insígnias do posto de coronel
ocupavam funções policiais e as utilizavam
da Força Pública e, no caso de conflito bélico
como elemento importante na reprodução de
do Brasil com um país estrangeiro, nem o
seu poder e de sua força eleitoral. Não
coronel Balagny nem seus auxiliares poderiam
obstante, Washington Luís foi mantido no
tomar parte nas operações, salvo com
cargo por Manuel Joaquim de Albuquerque
anuência do Ministério da Guerra dos dois
Lins, sucessor de Jorge Tibiriçá, e nele
governos.
permaneceu até 1912.
Após a chegada da Missão Francesa
Politicamente, essa reforma mostra os
inicia-se a primeira crise da Força Pública com
compromissos entre proprietários locais e o
a exoneração de seu Comandante Geral, o
poder estadual. A política que normalmente
coronel Argemiro da Costa Sampaio, oficial
se considera ‘tradicional’, no contexto
do Exército Nacional, em protesto contra a
brasileiro é ‘moderna’, urbana e levada a cabo
contratação dos instrutores estrangeiros. Para
por uma elite com o refinamento e habilidade
substituí-lo foi nomeado o primeiro
necessários para controlar um aparelho estatal
Comandante Geral originário da própria
bastante complexo. A atuação da Força
Força Pública, o coronel José Pedro de
Pública permitiu que o poder dos militares
Oliveira, expediente que seria mantido até
históricos de 1889 fosse transferido para os
praticamente 1930. Inaugura-se, assim, a
civis do Partido Republicano Paulista.
autonomia de comando da Força Pública.
A República conservou os quadros
Em 11 de junho de 1906, um crime é
administrativos e judiciais do regime anterior.
perpetrado pelo sargento da Força Pública,
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José de Mello, em pleno pátio do Quartel da Melo, que afirmara que sua intenção de matar
Luz, em que também tombaram mortos o Negrel devia-se à humilhação que o oficial
alferes Manoel Moraes de Magalhães e o francês lhe havia feito nos últimos exercícios
Tenente-Coronel Raoul Negrel. A reação de de instrução.
indignação da Missão Francesa foi vigorosa, A reverberação na Imprensa da morte
tanto é que pedem a pena máxima ao de Negrel se contrapõe à versão
assassino e chegam a iniciar os preparativos governamental, afirmando que o crime teria
para retornar a Paris. sido produto de uma conspiração envolvendo
Com temor que novo episódio viesse vários sargentos e soldados.
a atingir outro oficial, dada a campanha A declaração oficial de Estado não
movida por parte da imprensa desde sua convence, do mesmo modo, o governo
chegada, predispondo a população da Capital francês, que, através de seu Ministro
contra a Missão, o coronel Balagny e o Diplomata no Brasil, M. Decrais, em
Ministro do Exterior da França encontraram- correspondência para o Ministro das Relações
se com o Barão do Rio Branco, ministro das Exteriores, o Barão do Rio Branco, declara-se
Relações Exteriores do país. Em em dúvida quanto à sua posição e conselhos a
correspondência enviada por último ao serem dados ao seu governo, quanto à
presidente do estado, Jorge Tibiriçá, foi natureza do assassinato e a continuidade da
relatado: Missão no Brasil. Em julho, o governo
francês emite sua posição ao governo de São
“Respondeu-me esse oficial [Balagny] que, se isso Paulo e ao Ministério das Relações Exteriores
dependesse dele só, e se se tratasse unicamente da sobre o assassinato de Negrel, demandando
sua pessoa, com certeza ficaria em S.Paulo uma rescisão amigável do contrato que
durante o período convencionado, mas que tinha permitiu a vinda da Missão Francesa ao Brasil:
às suas ordens outros oficiais, e V.Exc. e as
autoridades de S.Paulo não podiam dar-lhe a
“O assassinato do Comandante Negrel não
segurança de que outro atentado não seria
pareceu, com efeito, sob o aspecto de um caso
praticado contra eles. Referiu-me que, desde a isolado, como inicialmente se esperou. Os
sua chegada, houve uma campanha de imprensa
resultados das investigações demonstraram que
contra a missão francesa e que entre os oficiais e
havia contra a missão, senão complô, ao menos
praças da força policial havia muitos que, por
hostilidade declarada da parte da maioria dos
efeito dessa campanha ou porque não se
oficiais e soldados. Nestas condições, uma
quisessem fatigar com exercícios e trabalhos eram
repetição do atentado não se mostra impossível”
visivelmente hostis à missão. Nessas condições
(Légation de la République Française au
entende que a tropa e parte do povo não estão
Brésil apud AMARAL, 1966: 62).
ainda preparados para receber instrutores
militares estrangeiros, e acha preferível que o
Governo de S.Paulo mande à França alguns O Estado de São Paulo, por sua vez,
oficiais que, servindo ali dois ou três anos, também não acreditava na versão que
venham depois dar a instrução militar de que externou ao governo francês, com a finalidade
muito carecem os oficiais e praças da força de arrefecer os ânimos e assegurar a
estadual” (AMARAL, 1966:62). permanência da Missão Francesa para a
continuidade do processo de instrução da
A versão oficial apresentada pelo Força Pública. Ação imediata ao assassinato
governo do Estado de São Paulo e o Ministro do oficial francês, o Governo do Estado de
das Relações Exteriores, o Barão do Rio São Paulo determina a instauração de
Branco à Legação de Paris foi que a morte do investigação policial, tendo como alvo o
oficial fora “um ato isolado de um sargento que sargento Melo e, indo além da imprensa
perdeu a razão” (AMARAL, 1966: 49). Essa paulista que considerava a morte de Negrel
explicação foi sustentada pelo ato de como produto de uma conspiração da baixa
confissão do sargento José Rodrigues de oficialidade, exige a ampliação da investigação
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para os oficiais Tenente Eduardo Lejeune e o poder político pelos militares. Neste
Tenente-Coronel Pedro Arbues Roiz Xavier – momento, porém, se expressa como uma
um dos oficiais no grupo que conversava no posição arredia e decepcionada em face de
Quartel da Luz quando do assassinato de uma suposta desqualificação da oficialidade
Negrel e Magalhães – reconhecidos como nacional em prol de estrangeiros. A versão
opositores ao comando de Paul Balagny. oficial sobre a morte de Negrel se mostra
Inocentados como co-participantes na morte frágil perante a multiplicidade de conflitos que
de Negrel, no inquérito policial conduzido revolvam a sociedade brasileira, onde a polícia
pelo Dr. João Batista de Sousa, Lejeune e também se encontra em seu núcleo de
Arbues não conseguem convencer o governo desestabilização. No entanto, ainda que a
de São Paulo que, através de seu Secretário da anulação do julgamento do sargento Melo
Justiça, Washington Luís, determina que dois anos depois do assassinato possa
sejam levados perante o Conselho de Justiça corroborar a hipótese conspiratória da morte
para a realização de novas investigações e de Negrel, a ausência de provas documentais
possíveis julgamentos. dos julgamentos dos oficiais Arbous e
O inquérito instaurado pouco Lejeune, bem como a posição do primeiro,
esclareceu sobre as causas do incidente. Ao em 1911, como oficial subordinado
governo do Estado importou ressaltar o diretamente a Balagny, e o interesse mútuo do
caráter puramente individual do caso, pois se chefe da Missão e do Governo do Estado de
tratava, apenas, de um ato de desatino do São Paulo em prorrogar o máximo possível
sargento. Procurava-se, assim, não agravar as sua permanência, contribuem, conjuntamente,
relações da Missão, nem tampouco da França para se manter em brumas a investigação
com São Paulo. Após o julgamento, o sobre o assassinato do oficial francês.
sargento é condenado a trinta anos de prisão. No entanto, após entendimentos
A morte de Negrel estava inserida pessoais entre o Governo estadual e o coronel
dentro de uma teia emaranhada de Balagny chegaram, finalmente, a bom termo,
correlações de forças que pressentiam que permanecendo os três oficiais da Missão em
mudanças estavam se insinuando como São Paulo. Em 24 de abril de 1908 este
processos emergentes na sociedade disciplinar quadro foi ampliado com o embarque, em
no Brasil: estados tentando impor seus Paris, do tenente-coronel Louis Jusselain para
padrões de organização da produção de permanecer por mais dois anos orientando na
riquezas através do assenhoramento do reorganização da Força Pública de São Paulo.
aparelho de Estado, sedimentação da No dia 20 de abril de 1908
população em espaços de confinamento, desembarcou em São Paulo o Ministro da
disseminação de enunciados libertários, Guerra, marechal Hermes da Fonseca,
organizações sindicais e movimentos acompanhado de seu estado-maior e de
grevistas. No Exército e na Polícia, o representantes político e social da República,
reconhecimento da necessidade de com a finalidade de assistir aos exercícios do
especialização e profissionalização, nos 1o. batalhão e do corpo de cavalaria da Força
moldes das sociedades européias, recebia uma Pública sob a instrução da Missão Francesa.
aceitação quase unânime. Porém, segmentos Foram realizados exercícios de
da oficialidade nada desprezíveis, desenvolvimento com e sem arma, esgrima de
consideravam que esses saberes já estavam baioneta, escola de companhia, manejo de
consolidados, e em particular, pela armas, escola de batalhão, evolução de
organização do Exército Nacional por Duque conjunto e assalto e exercícios de escola de
de Caxias, alimentando certo ressentimento esquadrão de combate. Hermes da Fonseca,
pelos poderes civis, que em décadas na ocasião, deixou registrado seu
posteriores desembocará em enunciados reconhecimento, como militar, da eficiência e
discursivos que professarão o exercício do resultados apresentados em um período de
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dois anos pela missão chefiada por Balagny: cavalaria. Os ensinamentos não se limitavam à
“Movimentos executados com mais precisão é tropa, mas eram também ministrados aos
impossível exigir de nenhum soldado” (AMARAL, oficiais, bem como organizaram regulamentos
1966: 88). A imprensa, que até então se que deram a origem à completa remodelação
postara contrária à instrução militar da polícia da polícia paulista: Escola de Soldado, Escola
paulista por estrangeiros, integra-se às forças do Cavaleiro, Seção de Infantaria e Cavalaria,
políticas e militares que intentam manter São Escola de Companhia, de Esquadrão, de
Paulo como epicentro do poder político Batalhão e Unidades Superiores, Elementos
nacional, reconhecendo a importância da do Serviço em Campanha, Instrução de Tiro,
constituição de um Exército regional e do Unidades de Metralhadora e Tratado de
papel decisivo para a realização desse projeto Esgrima e Ginástica, que introduz, no país,
político, de Paul Balagny e de sua Missão: entre outras atividades, a educação física e o
boxe.
“Íamos, pois, a São Paulo, certos de observar, Prosseguindo em seu objetivo de ser
não uma pequena brigada do exército francês ou um exército regional, a Força Pública, que já
alemão, onde o preparo para a guerra constitui possuía infantaria, cavalaria e artilharia,
uma verdadeira arte nacional, e sim um passou, a partir de 1913, a contar com
agrupamento de cavalarianos e infantes, mais ou aviação. Na prática, cada presidente de
menos destros, em tudo iguais àqueles que
costumamos observar aqui, nas formaturas e
província se transformava num caudilho,
paradas, nos dias de festas e de satisfação podendo criar forças leais aos seus interesses
nacional. E sob essa agradável impressão, e neutralizar as tropas federais.
desembarcamos na gare chamada ‘Norte’ pelo No período de 1919 a 1926, a Missão
pessoal técnico da Estrada de Ferro Central do Francesa retorna a São Paulo, sendo chefiada
Brasil. Em segredo, visitamos depois o pelo General Antoine Nérel, o mesmo que
aquartelamento da força; em segredo ainda, lhe comandara a expedição, entre 1913 e 1914.
observamos minuciosamente a educação A contratação da Missão Francesa
individual. Por fim, vimos a força garrida em deve ser referida no contexto político de um
parada e logo após, germanicamente bélica, em federalismo que se torna de fato regionalista.
marcha pelas ruas da cidade. E a falar com Sobre este fato há dois aspectos que devem
franqueza, a alma, feita pedaços, nos caiu
amargamente aos pés. [...]” (ANDRADE &
ser analisados. Primeiro, que Jorge Tibiriçá, o
CAMARA, 1931: 52-53). responsável pela contratação da Missão, tinha
suas razões para transformar a Força Pública
Esta crônica jornalística e tantos em força militar e não apenas policial. Sendo
outros artigos noticiando a presença da Missão um dos principais responsáveis pelo
Francesa de Instrução Militar na Força Pública de Convênio de Taubaté, que propugnava
São Paulo operam, como um movimento de medidas de valorização da economia cafeeira,
modelação de uma linha de resistência em ameaçada de superprodução, Jorge Tibiriçá
uma linha molar, integrada ao espaço estriado rompe com o Presidente Rodrigues Alves,
como sedimento petrificado da estrutura do francamente desfavorável àquela intervenção
poder, onde a imprensa se retrata diante do estadual na economia nacional.
que se operava na anatomia policial Outro episódio ilustrativo do estado
paulistana. de ânimo do governo paulista de formação
Ampliando a instrução à Força militar da Força Pública foi a campanha da
Pública, a Missão Francesa em 1909 era candidatura de Rui Barbosa para a
constituída de vários núcleos de oficiais, os presidência, defendida por Tibiriçá, em
quais passaram a orientar a formação oposição a Hermes da Fonseca, apoiado pelo
individual do soldado, indo até a concepção governo federal e o Exército. Estes dois fatos
da tática conjunta para a infantaria e a ofereciam motivos suficientes para uma
intervenção militar.
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REFERÊNCIAS
CONCLUSÃO
AMARAL, Antônio Barreto do. A Missão
Ao analisar-se o que é anterior e exterior Francesa de Instrução da Força Pública
à origem da Polícia Militar de São Paulo, de São Paulo. Revista do Arquivo
foram focalizados não só os saberes teóricos, Municipal, São Paulo, 1966. Separata,
mas, sobretudo, as práticas de 145 p.
profissionalização e as instâncias sociais ANDRADE, Euclides e CÂMARA, Hely F.
relacionadas, que permitem chegar aos rastros da. A Força Pública de São Paulo: esboço
deixados pelas traças no acúmulo de pó de histórico (1831-1931). São Paulo :
obras esquecidas e acompanhar a polícia no Sociedade Impressora Paulista, 1931.
fluxo dos acontecimentos que a colocam 237 p.
como dispositivo de poder. AZEVEDO, José Eduardo. Policia Militar –
A compreensão geral do que foi a procedências políticas de uma vigilância
relação entre a Polícia Militar de São Paulo e a acentuada. Tese de doutorado
profissionalização do corpo polícia, para a apresentada no Curso de Pós-
destruição imediata e irreversível do inimigo Graduação da PUC-SP. São Paulo,
interno no espaço aberto dos centros urbanos 2003.
paulistas deve considerar dois pontos: em BARROS, Alexandre S. C. The Brazilian
primeiro lugar, a manobra tática de military: professional socialization,
governamentalização do Estado brasileiro para a political performance and State
normalização do ajustamento de Exército e building. Chicago, mimeo, 1978.
polícia como dispositivos de poder e de BRASIL. Leis, decretos, etc. Legislação penal
guerra contra as classes perigosas da sociedade. militar: código penal militar, código de processo
Em segundo lugar, não só existiram penal militar, organização judiciária militar,
multiplicidades – como, por exemplo, regimento interno do STM, segurança
oposição entre a experiência militar francesa e nacional, legislação complementar. Atual.
a nacional, Exército, polícia, imprensa, raças, Edgard de Brito Chaves Jr. 5 ed. Rio
senhores, escravos, classes perigosas –, como de Janeiro: Forense, 1994.
também houve momentos de colisão de DELEUZE, Gillles. Foucault. São Paulo:
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