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HIERARQUIA DAS FONTES DE DIREITO Dissertagéo do Prof. Doutor Fezas Vital pronunciada na sesséo de abertura do ano judicial em I de Janeiro de 1943 NOCAO DE DIREITO E HIERARQUIA DAS FONTES ¢ recebem solugdes diversas, consoante a noc&o de direito de que partirmos. Sera direito tudo aquilo que o Estado, pelos érgaéos compe- tentes, quere que seja, isto é, todas, e sSmente, as regras, as normas que o Estado edita e coercivamente impée ou, pelo me- nos, reconhece e de qualquer modo sanciona? Acima déste — do direito positivo — e servindo-lhe de pa- drio, nao haverd, pelo contrério, outro direito, alicergado na natureza humana, ou seja no que de substancial, de permanente, de homogéneo existe na natureza racional e social do homem, direito constitufdo por um ntimero restricto de princfpios, mas, em compensagio, imutdveis e eternos, devendo dizer-se anti- -juridicas, €, como tais, invdlidas, as leis que os contradigam > Nao deveremos antes ver no direito um produto do espirito do povo, do Volksgeist, em terminologia germ4nica, concebido como espfrito objectivo, varidvel no tempo e no espaco e de forma que cada povo ter a sua escala, a sua tdbua de valores juridicos, insusceptiveis, alias, t6das elas, de critica deontolégica ae os problemas juridicos fundamentais assumem aspectos REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 13 ou valorativa comum, por falta de critério superior de apreciagao e julgamento? Considerar-se-4, assim, direito, na definig&o de Hildebrandt, © conjunto de juizos de justiga concebidos, em certo tempo e certa nagdo, pelo espirito nacional de base rdcica? Seré a Justica, no valor ideal absoluto, mas mero reflexo, simples epi-fendmeno econémico, como pretende o marxismo, mero reflexo, simples epi-fenémeno r4cico, como ensina o nacio- nal-socialismo? Nao deverao as leis, sem esquecimento da sua necessdria adaptacdo a variabilidade das circunstancias, tentar, nos limites do possivel, o estabelecimento da ordem jurfdica mais harménica com os ditames da Justiga eterna, mas sim o da ordem exigida pelo sentimento do justo, préprio desta ou daquela comu- nidade, desta ou daquela raga? E quem nao reconhecer& que semelhante pluralidade de con- cepgées — et jen passe... — implica uma correspondente plura- lidade de solugdes para a quasi totalidade dos problemas jurfdicos bdsicos, a comegar pelo da Hierarquia das fontes de direito, que constitui objecto do presente estudo? Se o direito mais nao é do que um produto, imediato ou me- diato, da vontade soberana, ou antes e em linguagem realista, da vontade dos érgios soberanos do Estado, a lei, enquanto ex- pressio de tal vontade, sera a fonte tinica ou, pelo menos, a fonte suprema do direito, e ao intérprete, como ao juiz, 86 incum- bird, logicamente, descobrir o significado e fixar 0 alcance volun- tario da mesma lei, ou seja a vontade subjectiva do legislador, devendo reputar-se verdadeira, na esséncia, a tradicional Escola da exegese e n&o os novos métodos de interpretac&o, que, com Jény & frente, tio ardorosamente a téem combatido. Na verdade, se — como jd se escreveu, em critica ao positi- vismo juridico — basta um traco de pena do legislador para que tédas as bibliotecas conhecidas e todos os costumes se tornem papel enegrecido e inttil, ao jurista, como intérprete, e ao magis- trado, como julgador, mais nao incumbe — repetimos — do que a determinagao e aplicacdo da regra querida pelo érgio legisla- tivo e revelada pela lei, meio de exteriorizacéo da vontade real déste. As leis valerio por si mesmas, isto é, porque derivam, e cy REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS apenas porque derivam, da vontade do legislador, numa assimi- lagdo perfeita entre direito positivo e idéia de direito; e como fontes subordinadas ou secunddrias s6 haver& as que o mesmo legislador criar ou consentir, e em ordem hier4rquica por éle livre- mente estabelecida. Se, porém, acima do direito positivo — justificando-o, legi mando-o — hé princfpios de direito natural, ou preceitos de jus- tiga, ou regras de moral social, a que a lei, sob pena de invalidez, tem que subordinar-se, entdo j4 nao ser ela, por ventura, a fonte suprema e, muito menos, a fonte unica do direito, nem o juiz deverd restringir-se, necessariamente, & descoberta do pensa- mento do legislador positivo e antes se concebe que possa ou, até, deva verificar se 0 comando legal contraria, ou n&o, as exigéncias fundamentais da Justiga ou os princfpios basilares da Moral. E se, posto que negando o direito natural, negando a exis- téncia de valores juridicos universais, afirmarmos a distingao entre direito positivo e direito social, ou seja, em certa concepgio, como vimos, aquilo que o espirito colectivo, de base rcica, con- sidera justo, do mesmo modo a lei nao ser, enquanto revelagao da vontade psicolégica do legislador, fonte soberana e indiscutivel do direito € antes o juiz, em certos casos e légicamente ainda, deverd negar-lhe a sua colaborago, em nome das novas aspira- gdes da alma nacional, que, alids — diz-se — bem podem nao coincidir com a opinigo moment&nea da maioria dos membros actuais da respectiva comunidade racica. E todavia de notar que o nacional-socialismo — e embora en- contre a fonte ultima do direito no espirito do povo — porque nas ordens do Fiihrer, quer gerais, quer individuais, vé interpretagdes fidedignas dos ideais eternos da raga, atribui-lhes a natureza de ordens soberanas, de ordens vinculativas, numa vinculagio abso- luta e infiscalizdvel, das vontades particulares e da actividade dos érg&os publicos, incluindo os tribunais, que deverao decidir e julgar em harmonia com elas, isto é, em harmonia com a vontade do Chefe supremo da raga germanica, encarnacSo viva e concreta do Volksgeist, revelador infalfvel do direito alemao. REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 15 NOGAO CONSTITUCIONAL DE DIREITO: DIREITO SUPRA - CONSTITUCIONAL E DIREITO SUPRA - LEGISLATIVO E que se passa em Portugal? A que concepgo do direito obedeceu o legislador constituinte? Ter-se-ia o Estado reservado © monopélio do direito positivo? Qual a hierarquia das nossas fontes? Que problemas novos levantou, se é que levantou, a ordem corporativa ? Podemos afirmar, sem hesitagdes, que o Estado Novo portu- gués, que a Constituicao Politica vigente se integraram na con- cepcao do direito natural, na concepgio que admite a existéncia de princfpios juridicos supra-positivos, a que o préprio legislador deve acatamento e que, conseqiientemente, limitam a sua liber- dade, como érgao da soberania. A Nag&o Portuguesa, lé-se no art. 5.°, constitui um Estado inde- pendente, cuja soberania s6 reconhece como limites, na ordem interna, a moral e o direito... Mas se a soberania tem limites impostos pela moral e pelo direito, éste nao serd, na totalidade, produto seu, pois nao poderia Gizer-se, em rigor, limitada pelo direito uma soberania que, livre ¢ arbitrariamente, 0 criasse € revogasse. Haveria, quando muito, auto-limitag3o. Mas uma limitagaio querida — tem-se dito e bem — nio é verdadeira limitagio para aquele que a quere. Concluiremos, portanto: o direito a que o Estado portugués, no exercicio da sua soberania, se reputa submetido, é, ndo apenas © direito positivo por éle préprio criado, mas ainda o direito natu- ral. Em direitos resultantes da natureza (humana, entende-se) falava o n.° 1.° do art. 6.°, na redacc4o primitiva; em direitos impostos pela Justiga fala hoje o mesmo artigo, na redacgio constante da lei 1.885. Direito, para o préprio Estado, heterénomo, como heterénoma, © nao auténoma, o ser4 também a moral que o vincula, isto é, vs principios da doutrina e moral crists tradicionais do Pais, na terminologia do § 3.° do art. 43.° da Constituicao. E assim, o Estado Novo portugués — escrevi-o j4 — posto que Estado-autoritdrio, nao € Estado totalitério, criador da sua 16 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS moral ¢ da sua justica; nado é Estado que tudo transforma em meio de realizac&o dos seus fins, concebidos como fins a se, como fins supra-humanos. Ser& antes um Estado que sabe serem Testritos os seus pode- tes; que sabe existirem valores espirituais absolutos, guias supre- mos da vida humana, individual e social, privada e publica; que sabe ser constitufdo por homens e para homens e nao para si préprio, como Super-Homem liberto da obediéncia as regras mo- rais a que aqueles devem submeter-se; que nao desconhece a existéncia de autoridades concorrentes, no seu dominio tao legi- timas como a autoridade politica, sua protectora e nao sua adver- sdria; que sabe pertencerem os filhos & familia antes de perten- cerem ao Estado e que, por isso, se faz o auxiliar daquela, na educagfio da prole, nZo procurando roubar aos Pais uma autori- dade que, por anterior 4 sua e como ela de direito natural, deve respeitar e nao destruir; que sabe encontrarem tédas as autori- dades — a autoridade espiritual, a autoridade politica, a autori- dade paternal, a autoridade profissional ou corporativa — o fundamento e o limite da sua legitimidade nos fins a que se des- tinam, nenhuma sendo absoluta ou arbitréria; que sabe, enfim, distinguir entre a Férca e o Direito, entre o Interésse e a Justiga, entre o Util, ainda que colectivo, e o Bem, sempre divino. Como estranhar, entio, que a Constitui igfo Politica, na sua Primeira Parte ¢ sob a epigrafe Das garantias fundamentais, tenha formulado os principios basicos da nova ordem social, como ordem juridica, e lhes tenha atribuido a rigidez prépria dos pre- ceitos constitucionais, cuja defesa, nos térmos do art. 123.°, in- cumbe, de modo particular, aos tribunais, quer ordindrios, quer especiais ? Nao sero, tantos déles, verdadeiros Principios de direito na- tural, adequadas aplicagdes de elementares preceitos da moral social cristé? Mas se a Constituicéo de 1933 é uma constituicao rigida e se aos tribunais incumbe negar aplicacao as regras de direito que contradigam, doutrinal e substancialmente, éste direito super-le- gislativo, concebido, por ela prépria, quanto a certos dos seus Preceitos, como direito simplesmente declarado e n&o como direito criado pela soberania nacional, forcados seremos também REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS a7 a concluir que, segundo a concepgio constitucional, o fundamento ultimo da lei nem sempre se encontra na soberania de que é ma- nifestagdo, mas, pelo menos em certos casos, na Justica e na Moral, de que pretende ser a expressiio técnica coactiva, Do exposto resulta que, abstraindo do direito construtivo, sem divida criado pelo Estado — qualquer que seja, alias, a solugao dada ao problema do fundamento da sua obrigatoriedade —e olhando sdmente para o direito normativo stricto sensu, deve di- zer-se, & face da concepgao constitucional do direito, que, acima do direito positivo — ainda quando dimanado de érgdos da sobe- tania — e limitando-o, ha preceitos supra-legislativos e, até, no campo teérico e especulativo, supra-constitucionais, fundados na moral crist, uns, e na justiga, outros, se quisermos, com a Cons- tituigo, distinguir entre justiga e moral. E que missao, que elevada missao a dos juizes, a dos tribu- nais, ao oporem o seu veto as préprias leis dimanadas da Assem- bléia Nacional, porque violadoras dos preceitos ou principios consignados na Constituigio ! Outra mais nobre, pelo que de confianga traduz, por certo o legislador constituinte no outorgou. FONTES SUB-CONSTITUCIONAIS Abandonemos, porém, os dom{nios déste direito super-legis- lativo e olhemos para as fontes legislativas sub-constitucionais, usada a expressdo num significado amplo, para designar todos os diplomas que contenham regras gerais e abstractas, obrigatérias nao s6 para as autoridades subalternas, mas também Para os Particulares e para os tribunais. Qual a sua hierarquia? A evolugéo juridica das tltimas décadas, no domfnio das fontes de direito, é caracterizada pelo aumento sucessivo do seu nimero e pela variedade da sua natureza, aumento e variedade resultantes, sobretudo, da corporativizagio progressiva da vida social. Ja 14 vai o tempo em que, abstraindo do direito administrative local : regulamentos locais e posturas, as fontes escritas do direito Ano 3.0, n.08 162 2 ts REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS se reduziam a lei, dimanada do Srgio legislative : Cértes ou Con- Bresso, € ao decreto — decreto-lei ou decreto regulamentar — di- manado do Govérno. Hoje fala-se, em leis, em decretos-leis, em decretos regula- mentares, em regulamentos locais e em Posturas; mas fala-se, também, em portarias regulamentares, em tegulamentos corpo- tativos, em acordos inter-corporativos, em contratos ou acordos colectivos de trabalho, em sentengas colectivas de trabalho, etc. sem que a respectiva eficdcia juridica e correspondente hierar- quia estejam clara e iniludivelmente definidas. Deverdio as autoridades publicas, incluindo os tribunais, obe- diéncia aos decretos regulamentares contra legem ? Qual a eficdcia jurfdica dos regulamentos corporativos? Quando haja colisio entre um regulamento corporativo e um contrato colectivo de trabalho, a qual deveremos dar a primazia) E como resolver, quando a coliséo se dé entre regulamento corporativo e regula- mento administrativo local? Tero as deliberagdes do Conselho Corporativo valor tegulamentar ou apenas o de instrugdes ou circulares? Que férga atribuir aos despachos ou portarias minis- teriais, quando, em decreto lei ou em decreto regulamentar, se incumbe o ministro competente de preencher as suas lacunas e resolver tédas as diividas levantadas pela execucao ou aplicagio -dos mesmos decretos ? DIREITO ESTADUAL, DIREITO AUTARQUICO E DIREITO CORPORATIVO No Bem comum — seu fim — e na Justica—seu guia — encontra o direito a razo profunda da sua validade. Mas o Bem comum é denominagao genérica, correspondente a uma pluralidade e niio a uma singularidade : h& varios bens comuns € n&o apenas o Bem comum nacional ou, como para -certos, o Bem comum universal, A realidade social — sempre assim o tenho ensinado — é pla- ralista © n&o monista. O homem no se integra sémente no todo “nacional, mas também em sociedades, em grupos, em instituigdées intermedidrias, que constituem outras tantas unidades sociais, REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 19 outros tantes corpos colectivos, com seus fins préprios, ou seja os correspondentes bens comuns cuja realizago se propéem, su- bordinados, como bens comuns particulares ou parciais, ao bem comum nacional em que se integram, como éste deverd, de certo modo, subordinar-se ao bem comum universal, obtido pela coor- denacZo e integracao dos varios bens comuns nacionais. E nao subordinacao exclusiva ao Bem comum nacional, ou, quando muito e através déste, ainda ao Bem comum universal, pois os diversos bens comuns «coordenam-se ¢ subordinam-se até ao Bem comum de todo o universo, que é gradualmente Deus». Em suma, pluralidade coordenada e hierarquizada e no plu: ralidade cadtica ou simplesmente justaposta. Ora esta cordenagio e esta subordinagéo de bens comuns implicam idéntica coordenagdo e subordinagao das autoridades incumbidas de os gerir e sancionar. Dai, que as normas elaboradas pelas autoridades afectas & gestio de bens comuns superiores na hierarquia dominem as normas criadas pelas autoridades gestoras dos bens comuns inferiores. O principio genus per speciem derogatur nao tem no caso aplicacao. E 0 que, entre nés, sucede, por exemplo, com os regulamentos ¢ posturas locais, que, elaborados pelos corpos administrativos — Srgiios adstritos A gestéo de bens comuns intermedidrios — vivem subordinados as leis e regulamentos gerais de administragao piiblica, como se vé do disposto nos arts. 40.°, § tinico, 52,°, §le, 54.° e 255.°, §§ 2.° e 4.°, do Cédigo Administrativo. + E coisa semelhante se passa com os regulamentos distritais, cujos preceitos dominarao os constantes de diplomas dimanados de corpos administrativos, se, por ventura, com éles entrarem em conflito. © governador civil, pésto que autoridade local, nio o é de administragio particular, mas de administragao geral; nao é érgi0 de uma peesoa juridica publica subordinada : o distrito, mas érgaio do Estado; nao est afectado directamente & gestiio de certo bem ‘comum parcial, mas & gestio de Bem comum nacional. E assim, facilmente se compreende que no § tinico do art. 408," 20 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS do Cédigo Administrativo se disponha ‘serem os regulamentos elaborados pelo governador civil obrigatérios em todo o distrito, desde que as respectivas matérias nao tenham sido objecto de lei ou regulamento geral de administragao publica. * E 0 que se passa com o direito administrativo local passar-se-A ainda, e por maioria de razio, com o direito corporativo, ou me- lhor, com as normas corporativas, com as normas constantes de textos corporativos, isto é, com as normas constantes de diplomas dimanados, unilateral ou convencionalmente, dos organismos cor- porativos econémicos. Estas devem respeitar, sob pena de nulidade, tédas as normas de direito geral, qualquer que seja o érgao gerador : Assembléia Nacional ou Govérno, E mais do que isso: tédas as normas autarquicas. E. que os bens comuns territoriais, como bens comuns adminis- trativos, dominam, em princfpio, os bens comuns categoriais, tra- te-se de categorias profissionais : patrdes ou trabalhadores, trate-se de categorias econédmicas. De um modo geral, deve dizer-se que os fins policiais, sanitdrios, etc., se sobrepdem aos fins corpo- rativos. Na concepgio crista, inspiradora do Estado Novo portugués, o moral domina o social e um e outro dominam o econémico, que, na hierarquia, na tébua dos valores humanos, ocupard, assim, o grau inferidr. Ali&s— e convém notd-lo desde j4 — a disciplina corporativa, enquanto disciplina juridico-econémica, e vise ela relagdes eco- némicas propriamente ditas ou vise relagées de trabalho, pro- pée-se apenas «substituir A autonomia contratual dos particulares, em concorréncia entre si, uma disciplina unitdria, ditada em fungo dos interésses das categorias, avaliadas organicamenten, no actuando as fontes corporativas quando exista uma dieciplina legal ou regulamentar coactiva, que tenha subtrafdo o regime de certas relagdes & liberdade, & vontade auténoma dos respectivos sujeitos. REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 2 Onde haja norma imperativa, qualquer que tenha sido o érgaio competente gerador — central ou local — cessaré a legitimidade de intervengao das fontes corporativas, cujo dominio, repetimos, ge restringe & disciplina de actividades econdémicas até entio en- tregues & liberdade e autonomia contratuais. Em resumo: na hierarquia das fontes, o direito estadual, isto 6, o direito dimanado de érgdos do Estado, domina o direito au- térquico, ou seja o direito dimanado de corpos administrativos, como um e outro dominam o direito corporativo, ou melhor, o direito dimanado de organismos corporativos. Tudo isto, é claro, em principio. Pode, na verdade, uma fonte inferior sobrepor-se, em certos casos, & fonte superior, bastando, para isso, que esta, ou outra superior a ambas, com consentimento legal o determine. Acrescentaremos, ainda, que, na hipétese de a lei exigir certa fonte como meio indispensdvel & sua integragao substancial, tédas as restantes fontes secunddrias deverao dizer-se dominadas pela fonte integradora, visto a soberania da lei implicar, em tal caso, a superioridade da fonte destinada a completé-la. LEIS E DECRETOS.-LEIS E como se hierarquizam entre si as fontes estaduais? Como, as fontes autarquicas ? Como, as fontes corporativas ? Antes de mais nada, notaremos que a idéia de bem comum nao basta, para nos esclarecer. Os seus servicos, se nao so para desprezar, designadamente ao definir-se a hierarquia das fontes autérquicas e das fontes corporativas, n&o ser&o j4, todavia, sufi- cientes, De resto, a escassez do tempo nao nos permite longas divaga- ges socioldgicas ou filoséficas e, por isso, daqui em diante, e sempre que possivel, contentar-nos-emos, qu4si em absoluto, com invocar argumentos de ordem juridico-formal, para justificar as nossas conclusdes. : O primeiro lugar, em téda a hierarquia das fontes de direito, cabe, por sem diivida, a lei, dimanada da Assembléia Nacional. Respeitados os preceitos e princfpios constitucionais, poder ela mover-se com inteira liberdade, regulando, em qualquer 22 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS tempo, por qualquer forma e quaisquer que sejam as circunstén- cias, qualquer matéria, esteja j4, ou nao, juridicamente disci- plinada. A sua eficdcia, o seu vigor juridico-formal devem dizer-se supremos, quando confrontados com o das restantes fontes : todas poderao ser por lei revogadas e nenhuma poderd, por sua vez, atingi-la, salvo os decretos-leis, expedidos quer no uso de auto- rizagées legislativas — hipétese em que a revogacao se dé com prévio assentimento da prdpria lei: a lei de autorizagao — quer nos casos de urgéncia e necessidade ptiblica, ou, se preferirmos, de necessidade publica urgente. Constitucionalmente, portanto, é a Jei, como fonte formal, a fonte de direito por exceléncia, fonte que #6 poderd ser revogada mediante decretos-leis, e quando expressamente os autorize ou a urgéncia da regulamentacdo nao consinta que por ela se espere. Em resumo: o tépo da hierarquia, abstraindo da Constituicao ¢ respectivas leis constitucionais, é ocupado pelas leis ordindrias ¢ pelos decretos-leis, quer autorizados, quer de urgéncia. Isto para as leis e decretos-leis publicados apés a primeira retiniao da Assembléia Nacional, pois, como é sabido, as leis e decretos-leis anteriores a 10 de Janeiro de 1935, ésses, nos térmos do art. 141.° da Constituigao, «podem... ser revogados por decre- tos regulamentares em tudo que se refira & organizagGo interna dos servigos € nao altere a situacdo juridica dos particulares ou o estatuto dos funciondriosn. A razio de ser do preceito constitucional encontra-se no facto de grande niimero de leis e a maioria dos decretos-leis anteriores & Constituic&éo conterem, além das disposigdes que, segundo esta, deveriam constar de leis, tédas ou, pelo menos, uma boa parte das correspondentes disposicdes regulamentares, Deve, ainda, acrescentar-se, nos térmos do art. 141.°, que, na hipétese de as leis ou decretos-leis indicarem o que para éles é, € o que nao, matéria legislativa, poderdo ser revogadas por de- cretos simples tédas, mas sémente, as disposicdes consideradas regulamentares e quer respeitem quer nao a situacho juridica des cidad&os ¢ 0 estatuto dos funciondrios. REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 23 DECRETOS REGULAMENTARES EXECUTIVOS Em seguida as leis e decretos-leis, aparecem-nos os decretos regulamentares. Compete ao Govérno, lé-se no art. 109.°, n.° 3.°, da Constitui- c&o, elaborar os decretos, regulamentos e instrugdes para a boa execugao das leis. _ Quere dizer, porque compete ao Govérno, que néo A Assem- bléia Nacional, a execucao das leis, atribui-se-lhe, como poder préprio e auténomo, a faculdade de as regulamentar, editando as normas necessérias ou convenientes A mesma execugao. Isto — e salvo o disposto no art. 141.°, citado — contanto que rao sejam ofendidas as leis vigentes e n&o se toque em matérias constitucionalmente reservadas & lei. Nao, portanto, sdmente as disposigdes que devam dizer-se derivadas, por dedugdo légica ou por interpretagdo, das respec- tivas leis exeqiiendas ; mas tédas as regras, ainda que novas, teleo- légicamente relacionadas com a execu¢So de certa ou certas leis ou, mesmo, do conjunto das leis, da totalidade do direito legis- lativo. E qual a eficacia juridica dos regulamentos feitos a convite do legislador, como sucede quando a lei determina que «o Govérno elaboraré os regulamentos necessdrios A execucao da presente lei dn. A resposta parece-nos facil ¢ indiscutivel : eficdcia idéntica & dos regulamentos espontdneos. Tratar-se-4, ent&o, duma inutilidade, duma excrescéncia le- gislativa? Nao terd o preceito qualquer utilidade, qualquer alcance iurfdico? Tem, cremos, o seguinte : por um lado, impor ao Govérno o dever de regulamentar a lei e, por outro, suspender, necessiria- mente, a vigéncia desta até & publicacdo do respectivo regula- mento, por ela prdpria julgado necessério & sua execucio. * * * Tal é © regime constitucional das telacées entre leis, ou de- cretos-leis, e decretos gerais complementares, para cuja compreen- a REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS so € apreciacao recordaremos que, em obediéncia ao disposto no art, 92.°, «as leis votadas pela Assembléia Nacional devem res- tringir-se & aprovacio das bases gerais dos regimes juridicos, nio podendo porém ser contestada, com fundamento na violagao déste principio, a legitimidade constitucional de quaisquer Preceitos nelas contidos». Quere dizer, segundo a Constituigaio a lei deve satisfazer-se com a enunciagao dos principios fundamentais, com a elaboracao das bases gerais dos regimes ‘juridicos, deixando para os regula. mentos executivos tudo o que represente aplicagaio ou desenvol- vimento das bases ou Princfpios formulados. E, de facto, assim tem acontecido, sé sendo para lamentar que © contrario se passe com os decretos-leis, cuja fungSo os condu- zitia a restringirem-se, como as leis, & fixacdo das bases gerais dos regimes jurfdicos, mas que, em grande ntimero, se nao na maior parte, contém disposigdes de {ndole regulamentar e que, por integradas em decretos-leis, nio poderio ser, de futuro, revo- gadas por decretos simples. Parece ter havido pouca disposi¢io para o duplo trabalho de estabelecer, primeiro, as bases gerais do regime — decreto-lei —- €, depois, as correspondentes disposigdes regulamentares, Ora, mesmo no ponto de vista da mera conveniéncia, haverd vantagem no respeito pela directiva constitucional, sem diivida harménica com as exigéncias duma 8& politica legislativa. Por isso, os nossos votos so de que a obra do Govémo, quando traduzida em decretos-leis, nao contrarie, sob ste aspecto, a sua iniciativa legislativa, traduzida em propostas de lei. DECRETOS REGULAMENTARES AUTONOMOS OU INDEPENDENTES E n&o haver4, como regulamentos governamentais, outros re- gulamentos, além dos regulamentos executivos ou complemen- tares > Sem divida, nao existem, entre nés, regulamentos em abso- luto auténomos, em absoluto independentes, isto é, diplomas que, com eficécia formal regulamentar, disciplinem matérias virgens de qualquer intervencio legislativa.

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