Hoje, preferimos usar expressões como “idoso” ou “terceira idade”, em vez de “velho”, para
evitar ofender ou melindrar nosso interlocutor. A “melhor idade” é uma nova fórmula de
denominação, encontrada por clubes ou programas que reúnem pessoas com 60 anos ou
mais. Falar da aposentadoria, por sua vez, é traçar a história do conjunto de transformações
ocorridas na segunda metade do século 19, quando a indústria segrega os operários
considerados velhos e esses são atendidos por um conjunto de instituições neste momento
criadas para garantir a sua sobrevivência. A partir do fim do século 19, e com mais força nos
países europeus, após o fim da 2ª Guerra Mundial, a aposentadoria entra na pauta das
reivindicações operárias, fornecendo uma identidade a uma população até então associada à
pobreza, invalidez e incapacidade de produzir e diferenciando-a de outros grupos alvos da
assistência social.
A expressão “Terceira Idade” surge na década de 1970, quando foi criada na França a
primeira Universidade para a Terceira Idade, sinalizando mudanças no significado da velhice.
Trata-se, agora, de celebrar a velhice como um momento privilegiado para o lazer e para as
atividades livres dos constrangimentos da vida profissional e familiar: daí a ideia da “melhor
idade”. A invenção da terceira idade indicaria, assim, uma experiência inusitada de
envelhecimento, em que o prolongamento da vida nas sociedades contemporâneas ofereceria
aos mais velhos a oportunidade de dispor de saúde, independência financeira e outros meios
apropriados para tornar reais as expectativas de realização e satisfação pessoal próprias a essa
etapa. A velhice, assim, perde a conotação negativa de perda de statussocial e ganha o
caráter positivo de etapa privilegiada pela garantia de um rendimento mensal, a aposentadoria
– tanto em países de capitalismo avançado quanto em países como Brasil – e pelas novas
experiências próprias a esse momento do curso da vida.
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Afirmar que as categorias de idade são construções culturais e que mudam historicamente
não significa dizer que elas não tenham efetividade. Elas são constitutivas de realidades sociais
específicas, uma vez que operam recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres
diferenciais no interior de uma população, definindo relações entre as gerações e distribuindo
poder e privilégios. Assim, na nossa sociedade, a idade cronológica – que é um sistema de
datação ausente em muitas outras sociedades – é um mecanismo fundamental na
organização social, porque determina entre outras coisas a maioridade civil, o início da vida
escolar, a entrada e a saída do mercado de trabalho.
Assistimos, por um lado, a uma socialização progressiva da gestão da velhice; por muito
tempo considerada como própria da esfera privada e familiar, uma questão de previdência
individual ou de associações filantrópicas, ela se transforma numa questão pública. Um
conjunto de orientações e intervenções, muitas vezes contraditório, é definido e
implementado pelo aparelho de Estado e outras organizações privadas. A gerontologia como
um campo de saber específico cria profissionais e instituições encarregados da formação de
especialistas no envelhecimento. Como consequência, uma nova categoria cultural é
produzida: os idosos, como um conjunto autônomo e coerente que impõe outro recorte à
geografia social, autorizando a colocação em prática de modos específicos de gestão.
Nesse movimento que surge no século 19, a visão da velhice como um processo contínuo de
perdas e de dependência é responsável por imagens negativas que lhes são associadas, mas é
também elemento fundamental para a legitimação de direitos sociais, como a universalização
da aposentadoria.
Por outro lado, faz parte desse movimento de socialização o que venho chamando de
processos de reprivatização, que transformam a velhice em responsabilidade individual – e,
nestes termos, ela poderia desaparecer do nosso leque de preocupações sociais.
No Brasil proliferaram, na última década, programas voltados para os idosos, como as “escolas
abertas”, as “universidades para a terceira idade” e os “grupos de convivência de idosos”.
Encorajando a busca da autoexpressão e a exploração de identidades de um modo que era
exclusivo da juventude, eles abrem espaços para que uma experiência inovadora possa ser
vivida coletivamente, e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos problemas
do envelhecimento. Contudo, o sucesso dessas iniciativas é proporcional à precariedade dos
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mecanismos de que dispomos para lidar com a velhice avançada. A nova imagem do idoso
não oferece instrumentos capazes de enfrentar a decadência de habilidades cognitivas e
controles físicos e emocionais que são fundamentais, na nossa sociedade, para que um
indivíduo seja reconhecido como um ser autônomo, capaz de um exercício pleno dos direitos
de cidadania. Os problemas são então dissolvidos nas novas representações da terceira idade
e o envelhecimento é reprivatizado, fechando-se o espaço para situações de abandono e
dependência, na medida em que os mais velhos se tornam protagonistas de experiências
inovadoras e bem-sucedidas e as perdas próprias do envelhecimento passam a ser vistas
como maus resultados de suas escolhas quanto aos estilos de vida e consumo adotados.
É, portanto, ilusório pensar que essas mudanças são acompanhadas de uma atitude mais
tolerante em relação às idades. É marcante nesse processo a juventude como valor, em que
a promessa da eterna juventude é um mecanismo fundamental de constituição de mercados
de consumo – e nele não há lugar para a velhice.
O prolongamento da vida humana é, claro, um ganho coletivo, mas também uma ameaça à
reprodução da vida social, num risco para o futuro da sociedade. As projeções sobre os
custos da aposentadoria e da cobertura médica e assistencial do idoso são apresentados
como um problema nacional, indicador da inviabilidade de um sistema que em futuro próximo
não poderá arcar com os gastos de atendimento. Nas situações em que o desemprego e o
subemprego atingem contingentes cada vez maiores da população mais jovem, os custos
implicados na velhice, especialmente aqueles envolvidos nas fases mais avançadas da vida,
crescem na mesma proporção dos avanços tecnológicos postos em ação para prolongar a
vida humana. A imaginação dos experts
em contabilidade pública não vai além da sugestão de
que quatro tipos de medidas devem ser tomados simultaneamente para garantir a viabilidade
do sistema: diminuição dos gastos públicos, aumento dos impostos, diminuição dos
vencimentos dos aposentados e aumento da idade da aposentadoria. Como mostrou a
antropóloga Mary Douglas, cada sociedade tem seu portfólio de riscos e estabelece uma
combinação específica de confiança e medo, e na seleção dos perigos que merecem ser
temidos está sempre envolvida uma estratégia de proteção e exclusão de valores e estilos de
vida particulares.
Serão os velhos vistos como seres sedentários e inativos que consomem de maneira
avassaladora tanto as heranças que poderiam ser alocados para grupos mais jovens na família
quanto os recursos públicos que deveriam ser distribuídos para outros setores da sociedade?
Transformar os problemas da velhice em responsabilidade individual e apontar a inviabilidade
do sistema de financiamento dos custos da idade avançada é recusar a solidariedade entre
gerações.
Certamente o nosso leque de escolhas de como viver o envelhecimento foi ampliado com o
conjunto de novas práticas que acompanham a invenção da terceira idade. É preciso
reconhecer, no entanto, que se a responsabilidade individual pela escolha é igualmente
distribuída, os meios para agir de acordo com essa responsabilidade não o são. A liberdade de
escolha, mostra o sociólogo Zygmunt Bauman, com toda a razão, é um atributo graduado:
acrescentar liberdade de ação à desigualdade fundamental da condição social, impondo o
dever da liberdade sem os recursos que permitem uma escolha verdadeiramente livre é, numa
sociedade altamente hierarquizada como a brasileira, uma receita para uma vida sem
dignidade, repleta de humilhação e autodepreciação.
Uma versão mais ampla deste artigo foi publicada em Debert, G. G. Metamorfoses da Velhice,
In Botelho, A. e Schwarcz (orgs) Agenda brasileira – temas de uma sociedade em
mudança, São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 542-553. As colocações feitas neste
texto são apresentadas de maneira mais detalhada no livro: G. G. Debert, A Reinvenção da
Velhice, EDUSP, 2004. O livro organizado por Myiram Moraes Lins de Barros, intitulado “Velhice
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ou Terceira Idade”, FGV, 1998, traz artigos muito interessantes, sobre diferentes dimensões
da velhice, de Alda Britto da Motta, Cornelia Eckert, Theophilos Rifiotis, Clarice Peixoto,
Deborah Stucchi, Julio Assis Simões e da organizadora da coletânea.
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